No início era a dúvida...

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Era um garoto de apenas oito anos de idade, que não conseguia aprender nada na escola, por ser muito confuso da cabeça.

O professor e reverendo Engle, por diversas vezes, chegou a perder a paciência com esse menino agitado e perguntador, de cabelos eternamente despenteados, que se recusava a decorar as lições, diferente dos demais alunos de sua classe, e ainda por cima ouvia mal.

Naquele ano de 1855, o pastor era o único professor da única sala de aula da cidadezinha de Milan, no estado americano de Ohio, perto da fronteira com o Canadá. “Cabeça oca” ─, foi o terrível diagnóstico dado por seu impaciente mestre, o que, de certa forma, contribuiu para que a criança abandonasse a sua carreira de estudante tão cedo. No entanto, à medida que ela crescia, a inquietude, a vontade de saber e o excesso de curiosidade o dominavam cada vez mais.

Lia a Bíblia com avidez incomum. Ficava por longo tempo extasiado com o Livro da história da criação (Gênesis), principalmente a parte que se referia à criação da luz, quando Deus disse: “Haja luz, e houve luz”. Tinha pavor à escuridão, e à noite, em sua cidadezinha, sentia-se incomodado com a fraca luz dos lampiões de gás, que deixava o seu mundo numa penumbra mais triste e melancólica do que as manhãs nubladas da estação de inverno

Um belo dia, lá estava o rapazote com a velha Bíblia de seu pai a tiracolo, imóvel como uma estátua, mal piscava os olhos que se encontravam fixos em Hebreus 11, 1: “Ora, a fé é a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem”.

Não sabia ele, que a fé iria brotar do imenso território de dúvidas do seu ser. Não sabia que, da dúvida entre aceitação passiva da pequenez do seu mundo e a não conformação com o estado de sua cidadezinha pobre em iluminação, nasceria algo de extraordinário em benefício de toda humanidade. Diariamente, a dúvida ─ sua insistente e inseparável companheira ─ assomava-lhe a alma deixando-o perplexo e mentalmente carregado de pensamentos paradoxais, como as duas correntes elétricas opostas de Faraday. Nas cordas do seu coração reverberava as vozes da ambivalência, sob a forma de gritos: “Posso, não posso? Devo, não devo? Crio, ou não crio algo para clarear a tristonha penumbra em que minha cidade encontra-se mergulhada em suas longas noites?

A eterna dúvida consumia o seu juízo, deixando-o insone por muitas noites, Às vezes, nesse constante movimento pendular da mente, ficava perguntando para si mesmo: “Nesse meu intento de querer que a noite vire dia, não estarei eu, contrariando o que Deus fez como imutável?"

De tanto pensar em inventar algo que iluminasse o seu mundo noturno, ele uma noite sonhou. Sonhou que a sua pequena cidade tinha se tornado uma metrópole, e que nela não havia noite, pois ao por do sol, várias bolotas incandescentes como que soltas no ar, iluminavam-na de tal maneira, que se permitia encontrar até um alfinete no chão de pedras da rua.

O terceiro versículo da primeira página do livro de Gênesis, junto com o que lera na carta aos Hebreus, dera-lhe ânimo incomum para seguir no seu projeto, naquilo que seria sua mais audaciosa invenção. Agora sim, sentia-se imbuído daquela fé, de que o autor do livro dos Hebreus escrevera. O enlevo, que o fazia sonhar acordado, imprimira-lhe no seu espírito a certeza de que não demoraria muito a realização do seu maior intento, tudo era uma questão de tempo. De experimento em experimento, ele chegaria um dia, a criar algo que pudesse resistir à tensão entre o pólo positivo e o pólo negativo da eletricidade, algo que unisse esses dois condutores aparentemente paradoxais, sem provocar explosões ou destruição.

O dia ansiado e sonhado chegara. Surgiu, quase que por acaso, um resistente filamento de carbono que tinha o poder de segurar e controlar a força dos dois elementos contrários e, finalmente, transmitir o clarão que transformaria suas noites de trevas, em dias iguais aos de sol de verão.

Antes de batizar com o nome de “Resistência”, o filamento incandescente da lâmpada, o inventor tinha lido e refletido sobre o que estava escrito e grifado em sua Bíblia, lá em Efésios 6, 13: “Portanto tomai toda a armadura de Deus, para que possais “resistir” no dia mau e, havendo feito tudo ficar firmes.”

Por um tempo, continuou folheando o Livro Sagrado, até que, num ato repentino, pegou de um lápis e escreveu a palavra “lâmpada”, riscando o termo “lamparina” que estava escrito no livro dos Salmos. “Lamparina para os meus pés é a Tua palavra [...]”, ficou assim, na sua nova versão: “Lâmpada para os meus pés é a Tua palavra [...]”.

No intuito de rever ou percorrer com a mente todos os seus passos até a grande descoberta, deixou rabiscado na contra capa de sua gasta Bíblia a seguinte oração: “Do escorregadio e minado campo da dúvida, nasceu a FÉ, que me fez ver o amanhã com os olhos do coração, que por meio das aflições dos experimentos infindáveis, infundiram em mim a paciência para que eu perseverasse pelo tempo que fosse necessário, nas mãos de Deus, como um instrumento Seu na consecução de uma dádiva que seria para toda humanidade”.

P.S.: A invenção da lâmpada por Thomas Edison, entre suas muitas descobertas, completou 130 anos no dia 21 de outubro do corrente ano.

"A todo cientista minucioso deve ser natural algum tipo de sentimento religioso, pois não consegue supor que as dependências extremamente sutis por ele vislumbradas tenham sido pensadas pela primeira vez por ele. No universo incompreensível revela-se uma razão ilimitada. A opinião corrente de que sou ateu baseia-se num grande engano. Quem julga deduzi-la de minhas teorias científicas, mal as compreendeu. Entendeu-me de forma equivocada e presta-me péssimo serviço..."

(Albert Einstein (1879–1955), ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1921)

Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 02 de dezembro de 2009
Fonte: [ Ensaios & Prosas ]

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