. Mas a impudicícia e toda sorte de impurezas ou cobiça nem sequer se nomeiem entre vós, como convém a santos; nem conversação torpe, nem palavras vãs ou chocarrices, coisas essas inconvenientes; antes, pelo contrário, ações de graças. Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque, por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Portanto, não sejais participantes com eles. Pois, outrora, éreis trevas, porém, agora, sois luz no Senhor; andai como filhos da luz (porque o fruto da luz consiste em toda bondade, e justiça, e verdade), provando sempre o que é agradável ao Senhor. E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as. (Efésios 5:3-11)
O twitter oficial da IPB divulgou informação sobre uma atriz “presbiteriana” de novela que atua no papel de uma personagem que a revista Veja retrata como desenvolvendo um dos comportamentos mais depravados dos folhetins. A mensagem do twitter em si é simplesmente descritiva, notando o fato de que existe uma comediante “presbiteriana na Globo”. É significativo o fato de este veículo oficial de comunicação espalhar esse tipo de informação, dado o contexto.
Situação
O twitter “Igreja Presbiteriana” ou “portalipb”, definido no site twitter como “Twitter oficial da IPB” e “Informações do site oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil”, anunciou no 16 de Julho de 2011 a seguinte mensagem:
“Deu na Veja: comediante Maria Clara Gueiros, uma presbiteriana na Globo"
A mensagem é seguida por um link com um recorte da revista “Veja”. No recorte consta uma foto, que presumo ser desta pessoa Maria Gueiros (que desconheço), com uma combinação de roupa, joias e pose pouco modestos, para dizer o mínimo.
Gueiros é uma atriz definida como “presbiteriana” tanto na reportagem como no post do twitter “portalipb”, empregada pelo canal Globo. A reportagem, linkada pelo twitter “portalipb”, diz que a atriz faz o papel de uma personagem rica, “cuja única ocupação na vida é devorar garotões”. Embora eu desconheça a novela (e, já há algum tempo, a TV em geral), posso presumir que a frase não quer dizer que a personagem é uma canibal que come carne humana de rapazes. Uma possibilidade mais plausível, e pelo contexto de novela, mais provável, é que a personagem se envolve “romanticamente” e/ou sexualmente com “garotões”.
A Veja diz que, em casa, a atriz “evita conversas” sobre o papel que representa, embora seja elogiada por sua atuação profissional pelo pai. Segundo a revista, esticar tal assunto “poderia causar celeuma num lar em que vigoram os preceitos rígidos da Igreja Presbiteriana”.
A atriz, ao ser entrevistada, define tais preceitos rígidos como (1) ser obrigada a andar de cabelo preso; (2) ser proibida de namorar na escola.
A descrição da personagem continua, dizendo que “as coisas que ela aprontou ao longo da trama a credenciam, com folga, ao posto de mulher mais liberada dos folhetins", superando em sua depravação inclusive uma personagem de novela anterior que, segundo o texto, “não conhecia limites sexuais”, mas ao menos teve um final triste.
Questões
Há casos (como, por exemplo, o do twitter oficial do Senado Federal) em que o encarregado do twitter divulgou informações que não deveria e foi despedido. Contudo, é razoável supor que este não seja um caso semelhante, dada a descrição do canal twitter como divulgação oficial de notícias da IPB.
Também convém notar que tanto o twitter como a Veja definem a atriz como “presbiteriana” e “da Igreja Presbiteriana”. Não se sabe se ela está na IPB. Parece razoável supor que sim, pois o twitter da IPB se define como reportando notícias que dizem respeito à IPB.
Independente disso, pergunta-se: qual o propósito de divulgar esta notícia no twitter? Será que é uma observação de que a atriz está sob disciplina eclesiástica pelo papel que representa e a mensagem que transmite ao lar de milhões e milhões de brasileiros, presbiterianos ou não? Será que é uma divulgação e celebração de a revista Veja ter chamado a “Igreja Presbiteriana” (qualquer que seja) de uma igreja com “preceitos rígidos”?
Ou será que é um alerta à grande tristeza que é, quando “preceitos rígidos” são nada mais que essas pequenas coisas externas como não poder namorar ou andar com o cabelo preso (que por sinal não são de forma alguma recomendações oficiais de qualquer “Igreja Presbiteriana” que eu conheça)? Será que é um protesto contra essa definição de preceitos rígidos que a própria atriz sugere, indicando assim que desconhece a natureza dos “preceitos” da “Igreja Presbiteriana”? Ou talvez contra não a atriz, mas o próprio autor (ou autora) do texto que, “recortando” trechos de toda uma entrevista com a atriz, acabou nessa escolha infeliz de definição de “preceitos rígidos”?
Ou, finalmente, será uma denúncia da contradição entre o fato de a igreja presbiteriana, seja qual for, ser “rígida” e ao mesmo tempo permissiva, por deixar que a situação chegue ao ponto que chegou? Uma situação em que uma atriz que representa tal corrupção vê-se claramente em meio à tensão irreconciliável entre Jerusalém e Gomorra, talvez com algum desconforto, visto que não discute abertamente em casa o comportamento da personagem que representa?
Muito provavelmente, a resposta a essas perguntas é “não”. O twitter da IPB divulga para todos os assinantes a existência de uma atriz presbiteriana que representa artisticamente toda sorte de comportamento condenável. O propósito de tal divulgação é desconhecido, mas divulgar sem condenar essa atitude pecaminosa acaba transmitindo uma mensagem de leniência. Talvez até mesmo um certo orgulho de que uma pessoa “presbiteriana” seja assim famosa e influente na cultura popular?
Análise
O comportamento representado artisticamente pela atriz é claramente condenável. Isso não pelos “preceitos rígidos” descritos pela Veja, que podem ou não ser arbitrários (no caso são), mas por qualquer leitura mais básica do Decálogo, que em tese é a base de disciplina e conduta de qualquer igreja em geral que se diz “presbiteriana” conforme estipulado nos documentos confessionais.
No twitter oficial da IPB não se percebe qualquer tom de desaprovação, lamento, condenação, ojeriza e repúdio a essa forma de expressão cultural de uma conduta pecaminosa, indefensável e ofensiva à santidade do Deus confessado nos Padrões de Westminster, confessados (ao menos em tese) pelas igrejas presbiterianas no país.
Boa parte do problema tem a ver com a forma em que essa personagem de novela é representada, como uma apologia da depravação. Há inúmeras formas (algumas legítimas) de reconhecer e representar a existência da queda no mundo, como parte da história redentiva, mas esta é provavelmente a pior e mais inadequada.
A questão levantada é maior. Diz respeito ao papel dos cristãos, à sua responsabilidade na produção e no consumo de cultura. Seja cultura popular, seja erudita, o chamado para os cristãos é de iluminar o mundo e de salgar a terra. Sal insípido e luz escura de nada servem. O papel cultural dos cristãos não é necessariamente um papel de produzir e consumir arte sacra, evangelística ou explicitamente religiosa. O papel é de entender o propósito criado por Deus para a arte. Arte não precisa de justificativa ‘gospel’ e tem seu próprio lugar. Mas é parte do mandato cultural exercer responsável e biblicamente a mordomia sobre essa esfera da vida.
Além disso, outra questão é levantada. Há um reconhecimento público, feito inclusive pela revista Veja, um órgão claramente secular e talvez até mesmo desinteressado, da incongruência entre o comportamento, igualmente público da atriz, e o seu alegado “presbiterianismo”. Note-se: o grande paradoxo apontado no texto não é tanto aquele entre a personagem da novela e a igreja da atriz, mas sim entre o comportamento da atriz ao representar tal papel e os princípios da sua igreja.
Aplicação
Não conheço Maria Clara Gueiros e provavelmente ela não esteja sequer sob o governo eclesiástico da IPB. IPBista ou não, se ela se considera cristã, deve claramente repensar seu trabalho e responsabilidade. Que pense à luz da bíblia: Deus é santo, justo e demanda obediência e arrependimento dos pecados. De forma alguma Ele vê ‘beleza’ ou ‘arte’ na violação da aliança que Ele tem com o Seu povo, que deve ser santo como Ele é santo. Pelo contrário, promete aborrecer aqueles que, sabendo da aliança, desprezam-nO e não voltam atrás.
Se for presbiteriana, que pense à luz também da fé (oficialmente) confessada pela igreja presbiteriana. Cito o Catecismo Maior, a respeito do sétimo mandamento (“Não adulterarás”):
138. Quais são os deveres exigidos no sétimo mandamento?
Os deveres exigidos no sétimo mandamento são: castidade no corpo, mente, afeições, palavras e comportamento; e a preservação dela em nós mesmos e nos outros; a vigilância sobre os olhos e todos os sentidos; a temperança, a conservação da sociedade de pessoas castas, a modéstia no vestuário, o casamento daqueles que não têm o dom da continência, o amor conjugal e a coabitação; o trabalho diligente em nossas vocações; o evitar todas as ocasiões de impurezas e resistir às suas tentações.
139. Quais são os pecados proibidos no sétimo mandamento?
Os pecados proibidos no sétimo mandamento, além da negligência dos deveres exigidos, são: adultério, fornicação, rapto, incesto, sodomia e todas as concupiscências desnaturais; todas as imaginações, pensamentos, propósitos e afetos impuros; todas as comunicações corruptas ou torpes, ou o ouvir as mesmas; os olhares lascivos, o comportamento impudente ou leviano; o vestuário imoderado; a proibição de casamentos lícitos e a permissão de casamentos ilícitos; o permitir, tolerar ou ter bordéis e a freqüentação deles; os votos embaraçadores de celibato; a demora indevida de casamento; o ter mais que uma mulher ou mais que um marido ao mesmo tempo; o divórcio ou o abandono injusto; a ociosidade, a glutonaria, a bebedice, a sociedade impura; cânticos, livros, gravuras, danças, espetáculos lascivos e todas as demais provocações à impureza, ou atos de impureza, quer em nós mesmos, quer nos outros.
Não somente a atriz, mas também todo aquele que se diz cristão deve repensar o seu comportamento: será que é legítimo consumir cultura com “provocações à impureza, ou atos de impureza, quer em nós mesmos, quer nos outros”? Que contém “comunicações corruptas ou torpes”? Que em nada edifica a alma? Que em nada dá glória ao Criador e Mantenedor de todas as coisas? Que é condenado pelo Juiz de todas as coisas? Mas o comportamento não é a única coisa a ser repensada. É do coração que ele procede (Pv. 4:23), e é o coração que deve ser mudado. Um coração salvo pela graça de Cristo é, tem que ser, um coração que procura sempre obedecer a voz de Cristo, e que, ao cair, reconhece a gravidade e o perigo da situação e corre o mais rápido possível, arrependido, de volta para o Pai.
Não somente a atriz e os cristãos individuais, mas o povo de Deus em conjunto, deve repensar sua posição. Por causa do pecado de um que seja, todo o povo pode sofrer, e de fato sofre. Pior ainda, por causa de um pecado público, influente e denunciado de certa forma até mesmo pelo mundo, é certo que a igreja não será tomada por inocente em sua ‘neutralidade’. Agora que entrou na questão, cabe à IPB manifestar sua posição. A atriz é uma IPBista? Seja alertada, exortada, repreendida, disciplinada. Não é? Que seja publicamente condenada pelas IPB em todo caso, que tanto fez para divulgar tal comportamento.
Os membros da igreja são coniventes com esse tipo de cultura? A disciplina e a censura eclesiástica devem ser exercidas, de forma clara, confessional, bíblica, ordeira, decente e pastoral. Que as chaves do céu, que Deus dá a Seus representantes na terra, sejam usadas da forma sábia. Que a igreja se pronuncie, da mesma forma que a igreja verdadeira tem feito ao longo dos séculos, contra a imoralidade e impunidade. Que os pais sejam chamados a exigir obediência dos filhos e a dar-lhes bom exemplo. O problema não é, nem foi, ver novela. O problema é o coração rebelde, que despreza a aliança da graça de Deus em Cristo, e que vai continuar desobedecendo se a igreja continuar desprezando a alma dos seus membros e não se marcar como igreja fiel.
“Princípios rígidos”? Não sugiro isso, e sim o uso dos princípios bíblicos, confessionais e razoáveis que a verdadeira igreja presbiteriana, seja qual for e onde estiver, deve aplicar neste e em tantos outros casos. E quem divulgar pecado de outrem, que o faça com propósito e a forma que edifique o próximo, glorifique a Deus e expanda o domínio do Reino de Cristo sobre a terra. É possível? Sim. Com denúncia e amor cristão.
Deus justo e Pai misericordioso,
nós nos acusamos por causa dos nossos pecados.
Reconhecemos que merecemos
a tristeza que o pecado causa.
Sim, todos nós somos dignos
de sermos excluídos da tua presença
por causa dos nossos terríveis pecados.
Mas, Ó SENHOR! Sê gracioso para conosco por amor de Cristo.
Nós estamos arrependidos de nossos pecados
e pedimos-Te perdão.
Faze que sempre nos guardemos da má influência do mundo
e daqueles que se desviaram de Ti.
Concede que nos esforcemos,
cada vez mais, a Te servir.
Faze que nossas palavras e nosso comportamento
possam contribuir para que esses em pecado se voltem para Ti.
Assim será engrandecido o teu nome
e nós os poderemos acolher em nosso meio, com alegria.
Porque Tu, SENHOR, não tens prazer na morte do pecador,
e, sim, na sua conversão e vida.
Leva ao arrependimento
todos os demais que se desviaram de Ti.
Em Cristo Jesus. Amém.
Lucas G. Freire
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