Venha comigo visitar algumas igrejas.
Visitemos a igreja tal, mais conhecida como a igreja do Pr. Fulano. É fácil de identificar. Ela é conhecida pelo nome do Pastor. Pouco importa o nome dela, ou do bairro. É a igreja do Pastor Fulano. E se ele mudar de igreja algum dia, aí é a outra que será conhecida como a igreja dele.
Até pode ser que ela tenha ganho esse nome por conta da projeção do Pr. Fulano. Mas na maioria das vezes, ela corre o risco de ter o Pr. Fulano como o seu dono mesmo. Lá quem manda é ele. Claro que cercado por um grupo de pessoas que o apoiam, incondicionalmente. No passado, é verdade, nem sempre foi assim. Até que alguns se mostraram contra suas idéias, mas o número dos favoráveis foi maior. Os incomodados que se mudassem. E mudaram. O Pr. Fulano agora é o dono do pedaço.
E o ministério da igreja? Funciona? Enquanto, e se o Pr. Fulano permanecer fiel ao seu Senhor, talvez esteja funcionando bem. Mas se ele der algum tropicão... cai o dono, cai a igreja...
Vamos andar um pouco mais.
Vamos à igreja dos Pereira. Não! O Pastor não é Pereira. Pereira é a família que manda prender e manda soltar. O que acaba significando que a soma dos cheques dos Pereiras tem um peso muito grande nas receitas da igreja. Os Pereiras acabam sendo quem diz o que pode e o que não pode. O Pastor que se cuide. Manda quem pode, obedece quem tem juízo! Se bobear perde o emprego! Ah..., a filha adolescente do Pereirão apareceu grávida? Sem problema! O tio Pereira, que é médico, dá um jeito rapidinho, com segurança e discrição. Ah... as organizaçoes Pereira são o reino do Caixa 2? E o Pastor? E a metade da igreja que sabe de tudo? Ora, você se esqueceu de quem manda? Ficam todos quietinhos. Ninguém desobedece os donos da igreja. E que ninguém esqueça que são os Pereira. E a metade da cidade que sabe de tudo? Ora, esses perdidos...
Não pare ainda. Venha comigo a outro bairro.
Visitemos a igreja Oxbridge (nome fictício – qualquer semelhança é mera coincidência). Não importa se ela é em Afogados, em Acarí, ou no bairro da Moóca. Ela é a igreja Oxbridge. Pois Oxbridge é o nome da casa matriz, que fica lá nas terras estrangeiras. Porque lá era uma vez uma igreja, num bairro chamado Oxbridge, que inventou uma forma interessante e diferente de ser e que deu certo por lá. Aí, até para alcançar Samaria e os confins da terra, começaram a vender suas “franquias”. A igreja Oxbridge tupiniquim faz tudo igual a matriz. E a matriz define tudo. Afinal, se deu certo por lá, dará certo por aqui, não é não? O vestuário do Pastor, as músicas, as estratégias, os cursos, tudo enfim. Só falta falar inglês nos cultos. A filial que obedeça à matriz. A filial que seja a subsidiária da multinacional. A filial que obedeça à sua dona – a matriz Oxbridge.
oncordemos que toda igreja tem dono. Tem que ter. Deveria ter. Biblicamente toda igreja deve ser de Jesus.
Mas, você concorda comigo que algumas igrejas tem outros donos? Sejam eles os Fulanos, os Pereira, os Oxbridge ou qualquer outro que apareça, dói ver que igrejas tornam-se semelhantes a clubes e associações amigos-de-bairro quando decidem se circunscrever dentro de limites sociais, humanos, falhos e sujeitos a tropeços. Deixam de ser agências de salvação. Deixam de ser casa de Deus. Passam a ser clubes, partidos, associações.
E como é que os donos aparecem?
Por certo não é de uma hora para outra. Também não é de propósito. Ninguém sai de casa um certo dia dizendo que tem o objetivo de ser dono da igreja. Mas acaba sendo. E com o apoio de outros, que gostam disso.
Como é que isso acontece?
como é que estes donos aparecem? Como é que isso acontece? Que passos são dados? E em que direção?
Por certo alguém pega o desvio em algum lugar. Em algum momento um grupo de pessoas deixa de ser uma igreja segundo o projeto de Jesus, para ser igreja segundo “alguém”. Onde fica esse desvio? Em que momento isso ocorre?
Confesso que fiquei pensando bastante tempo nisso. E cheguei a algumas conclusões:
1) o desvio ocorre no coração, no íntimo de um líder, e isso ocorre muitas e muitas vezes;
2) este desvio é “confirmado” ou “deletado” em um processo, onde mais gente da igreja “concorda” ou “discorda” deste líder;
3) todo e qualquer líder está bem mais próximo do que pensa de querer ser dono da igreja (ou de pelo menos de parte dela)
Sobre a primeira e a terceira afirmações, que atire a primeira pedra o líder que jamais se achou dono do seu pedaço. Que nunca disse, intimamente: isso aqui só anda porque eu estou aqui! Que jamais se sentiu contrariado quando outros, de outros ministérios, chegaram e começaram a dizer que as coisas deveriam ser de outro jeito.
A convivência entre o “achar-nos donos” e o “reconhecer quem é o dono de verdade” é contínua. Os bons líderes aos olhos de Deus são os que aprenderam deixar a gangorra pender do lado certo na maior parte das vezes. E isso é contrário a nossa natureza. O natural, para quem é líder, é ter as coisas sob controle, é comandar, é dar os rumos o tempo todo. Duro é entender, e praticar, que Deus espera de nós que sejamos os representantes, porta-vozes dele. Não sócios.
Portanto, concluo que todo e qualquer líder cristão teve, tem e terá momentos em que desejará ser o dono do pedaço. Ocasiões em que agirá como dono.
Mas graças a Deus que existem os liderados. E graças a Deus liderados também pensam, relacionam-se com o mesmo Deus e tem boca pra falar. Na maioria das vezes em que o líder entra no desvio (ainda que inconscientemente), o dia-a-dia com os liderados o faz lembrar rapidinho que o buraco é mais embaixo. Seja porque lhe cai a ficha, seja porque Deus usa algum liderado mais corajoso que lhe diz umas poucas e boas, seja o que for.
Se você é líder, pense em quantas vezes saiu de casa com uma idéia na cabeça, e na hora do “vamos ver” ficou claro que a idéia não dava tanto Ibope assim...
Graças a Deus existem outros líderes também. E com outros dons. Outras formas de ver a mesma coisa. E que são usados por Deus para que idéias “nocivas” sejam deletadas, não apoiadas.
Entretanto, a igreja do Pr. Fulano é composta por um líder que um dia se achou dono da coisa (o Fulano), e por um grupo de pessoas que gostou da idéia. Alguém pensou: no dia em que o Fulano mandar de fato vou ser regente do coro! Outro disse: no dia em que o Fulano ditar as regras “esses chatos” (os incomodados, que se mudaram mais tarde) vão perder a pose e a vez. E a maioria disse, como sempre, que tanto faz como tanto fez. Pena que Cristo perdeu o posto de dono da igreja para o Fulano. O Cristo ressurreto, Emanuel, Deus conosco, Salvador, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz foi trocado... por um mortal, incapaz de se salvar sozinho, pecador, mas que fala bem, e que tem bons amigos que o apoiam.
Ainda bem que é só ficção... o Fulano e as fulanetes são só personagens deste artigo.
O mesmo processo deve ter ocorrido na igreja dos Pereira. Onde o Pastor se inclui no grupo de apoio (gostando ou não, sabe-se lá).
E na igreja Oxbridge (mais uma vez esclareço: nome fic-tí-cio – qualquer semelhança é mera coincidência)? Alguém, até correto em suas intenções, seja o Pastor, seja algum membro, deve ter perguntado: “como nossa igreja pode ser mais eficaz?” Aproveitando de uma boa solução (boa mesmo, não é ironia, não), foi ver o que se fazia por aí, por aqui, por acolá. E encontrou, dentre muitas opções, a Oxbridge. Gostou tanto que resolveu aplicar na sua igreja. Sem filtros ou adaptações. Mais ainda: pediu apoio a eles, no que prontamente foi atendido. E eles, com sua cultura de colonização, chegaram e ocuparam o espaço, na base do “deu-certo-lá-vai-ter-que-dar-certo-aqui-did-you-understand?” Neste caso o cargo de dono não foi pleiteado. Foi oferecido, e aceito.
e você é um líder, concluo que nós (também sou um) não podemos e não devemos sair dizendo: “desta água não beberei”. Já bebemos, continuamos bebendo e beberemos ainda mais, sim! Está em nós, até pelo amor que dedicamos a causa santa, o desejo de fazer acontecer. E é natural e exemplar jogarmos tudo o que somos e temos nisso. Pena que podemos esquecer que a causa é santa justamente porque não é nossa. É de Deus. É Ele quem a santifica. E Ele é o único dono. Basta um deslize e eu já virei Fulano, você já virou Pereira, e juntos chamamos a Oxbridge para nos patrocinar. Aquele que está de pé, olhe que não caia. Nós nos encontramos com o Fulano e com o Pereira todo dia no espelho. Precisamos mortificá-los e deixar Cristo mandar.
E se você faz parte de uma igreja, líder ou liderado, saiba que pesa sobre nós esta responsabilidade. A de manter Deus no seu posto – o de dono da igreja. Ele manda, nós obedecemos.
Ele institui líderes? Sim. Ele unge e capacita líderes? Sim. Mas se algum líder começa a usurpar o título de dono, abra a sua boca! Faça a sua parte. Exorte. Com amor, com sabedoria, exerça o que é sua responsabilidade. Afinal, você é integrante da igreja de Deus. E o líder é tão humano e falho como você.
Como disse há muito tempo João Batista, convém que Ele cresça e eu diminua. Que Jesus cresça, cresça, cresça, e que nós diminuamos, diminuamos, diminuamos, diminuamos...
Fonte:[ Provóice ] Via: [ Emeurgência ]