Feliz Dia da Reforma!

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Estou vendo alguns posts sobre o Dia da Reforma e decidi tomar um tempinho para escrever alguns de meus pensamentos.

Todos nós sabemos que a escolha da data de 31 de Outubro de 1517 é (como a maioria das datas na história) arbitrária. É claro, você pode identificar 7 de Dezembro de 1941 com o Pearl Harbor porque foi um evento específico, mas (ainda assim) muitas coisas contribuíram para que ele acontecesse naquele dia. A data que escolhemos para o início da Reforma é ainda mais subjetiva. Isso porque era necessário muitos e muitos fatores para que a Reforma pudesse acontecer, e esses fatores tiveram raízes nos séculos que precederam as ações de Lutero.

Duvido, ainda mais, que Lutero colocaria algum peso sobre essa data em específico. Bem, é claro que ele veria alguma relevância sobre o desafio que havia lançado, mas não mais do que em qualquer um dos outros eventos de sua vida. Ele não tinha intenção alguma de criar uma rebelião contra Roma por suas ações, ele estava apenas fazendo o que a maioria dos professores na Europa faziam naqueles dias: convidando uma escola rival a uma versão escolástica de um jogo moderno de futebol. Em sua mente ele estava seguindo os passos de outros homens piedosos da igreja, e, nesse exato momento, ele ainda não havia reconhecido as questões epistemológicas básicas que ele haveria de ser forçado a encarar em apenas uma questão de anos.

Mas é certo sim marcar o início da Reforma (ainda que façamos isso de forma arbitrária). Poderíamos ter voltado até Wycliffe, ou ter escolhido 6 de Julho de 1415 e a morte de João Huss (pois sua morte teve muita importância). Poderíamos ter ido até a divisão entre Zuínglio e Roma ou a Dieta de Worms e o “Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa”. Em todo caso, parece adequado marcar o evento (ao menos para uma pequena minoria).

Para a maior parte do Romanismo e Protestantismo, a Reforma é um evento histórico sem qualquer significado duradouro. Para muitos, na verdade é um trágico evento, um erro, digno de arrependimento de seus adeptos e de repúdio pelos outros. Mas para a maioria é apenas uma nota de rodapé na história e, dada sua teologia e prática, não possui significado duradouro. Entre esses estão os católicos nominais que provam, por suas vidas, que eles realmente não acreditam na maioria das coisas que Roma ensinou. Mas também estão aqueles que são protestantes por conveniência e não por convicção. Para eles a Reforma claramente não apresenta qualquer razão para se celebrar ou refletir nos dias de hoje. Se alguém não aprecia a liberdade que a justificação garante, não se alegra com a imputação da justiça de Cristo (saiba que muitos dos grandes nomes de hoje da “cristandade não-católica” riem disso) e não abraça e confessa o Sola Scriptura, esse alguém não tem razão alguma para refletir sobre o Dia da Reforma (seria melhor ir comprar doces e se juntar às festividades pagãs).

Mas para aqueles que ainda abraçam aos Solas não por uma fidelidade partidária ao que é “legal”, mas por um reconhecimento do eterno valor que essas verdades representam, o Dia da Reforma é um lembrete anual do que realmente importa nesses dias de “verdades” borradas e transitórias. Então, para aqueles que entendem isso, um feliz Dia da Reforma!

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Autor: James R. White
Fonte: Página do autor no Facebook
Tradução e adaptação: Erving Ximendes
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Halloween: uma tradição de mau gosto

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Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo!” Isaías 5:20

Em torno do dia 31 de outubro, anualmente, em diversas partes do mundo, é realizada uma festividade denominada Halloween, mais conhecida no Brasil como o “Dia das Bruxas”. Muitos colégios, centros comunitários e até igrejas protestantes reproduzem cenários, fantasias, brincadeiras e até defendem a inocência cultural de tal ocasião.

Esta breve reflexão pretende, objetivamente, destacar a história do Halloweenseu significado, bem como apresentar uma resposta bíblica que auxilie sua aplicação.

Cinco séculos antes de Cristo, os celtas irlandeses começaram a comemorar o fim do verão e início de ano novo para a agricultura. Na ocasião, homenageavam todos que, durante aquele ano, haviam morrido. Esta homenagem envolvia a consagração dos seus mortos ao Sol, conhecida como Samhain (“fim de verão”). Os druidas (magos celtas) acreditavam que nesta data os mortos voltavam para se relacionar com suas famílias, mas para afastar os maus, era preciso deixar doces e comidas na porta dos seus antigos lares.

Para associar-se com tal tradição, em 741 d.C. o Papa Gregório III transferiu a data 13 de maio para 1º de novembro, a fim de comemorar a “Festa de Todos os Santos” ou “Finados” (culto prestado a favor de fiéis católicos mortos). No dia anterior era realizada uma importante vigília, chamada All Hallows Eve: All (todos), Hallows (santos) e Eve ou e’en que é uma contração de evening (fim do dia ou noite), posteriormente adotada como Halloween. Portanto, o significado é “noite de todos os santos”, cujo contexto envolve culto aos mortos. Com o passar dos anos, esta festividade essencialmente religiosa e pagã, tornou-se numa prática folclórica enfatizada por figuras demoníacas, bruxas, caveiras, abóboras com espíritos, zumbis, vampiros, monstros, etc., contrariando a perspectiva de culto aos santos católicos. Por isto, o Vaticano chegou ao ponto de chamar o Halloween de “manifestação contracultural”¹ e, no seu jornal mais conhecido, L'Osservatore Romanocriticou tais práticas por seu pano de fundo ocultista e absolutamente anticristão.²

A prática de cultuar os mortos começou com os egípcios e lentamente seduziu facções do povo de Israel, sendo posteriormente proibido por Deus. Qualquer culto que não seja dedicado exclusivamente a Deus, é idólatra. Deus exige adoração exclusiva e condena qualquer envolvimento com ocultismo pagão (Lv 19:31, 20:6-8, 27; Dt 18:10-12; Sl 106:28, 36-38; Pv 8:36; Is 8:19; Mt 4:10; Jo 4:24; Rm 12:2; 1 Co 10:20; 2 Co 2:11; Ef 5:8-12; 2 Tm 1:7; Hb 9:27; 1 Jo 4:4; Ap 22:15).

Embora muitos permitam e até participem destas festividades alegando folclore inocente e sem intenção de cultuar mortos ou demônios, tais práticas demonstram aceitação e/ou admiração por aquilo que é condenável aos olhos de Deus, independente da intenção, mas da sua prática em si. Por trás da suposta inocência, especialmente por causa do uso tradicional de crianças e doces, há significados tenebrosos relacionados com demônios, medo, idolatria e feitiçaria.

Portanto, não se envolva ou permita a seus filhos se envolverem com festas temáticas do Halloween.
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Notas:
¹http://www.vatican.va: The Salesian Center for Faith and Culture.
²http://the-american-catholic.com: Vatican Condemnation of Halloween is False

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Autor: Rev. Ericson Martins

Leia também:

A Utilidade e Importância dos Credos e Confissões - parte 1

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O caráter e situação de alguém que está se preparando para o Ofício Sagrado são interessantes além da capacidade de expressão. Essa pessoa, como o Mestre a quem professa amar e servir, está “destinada tanto para a ruína como para levantamento de muitos em Israel”. Em tudo o que é e em tudo o que faz, o bem-estar temporal e eterno, não apenas de si mesmo, mas de milhares pode estar envolvido. Ele é assaltado por perigos de todos os lados. Quaisquer que sejam seus talentos e conhecimento, se não tiver genuína piedade, provavelmente será não uma bênção, mas uma maldição para a Igreja. Mas esse não é o único perigo ao qual está exposto. Ele pode ter genuína piedade, bem como talentos e conhecimento, e, ainda assim, devido à indiscrição habitual, a algum defeito na sobriedade de mente – que é tão preciosa a todos os homens e especialmente àquele que ocupa uma posição pública –, ao amor pela novidade e inovação, ou ao amor pela distinção, que é tão natural aos homens, enfim, por isso tudo, em vez de edificar o “corpo de Cristo”, pode-se tornar um perturbador de sua paz e um corruptor de sua pureza. De modo que poderíamos quase dizer, qualquer que seja o desfecho com respeito a ele próprio, que “seria melhor para a Igreja se ele jamais tivesse nascido”. 

A TULIP e o Dogma Romano - Um estudo comparativo entre a soteriologia Calvinista e Católico Romana

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A Confissão de Fé de Westminster diz que tudo o que precisamos saber para nossa salvação, “ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela” (CFW I.6). Jesus assevera: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6:37). De fato, essa palavra não poderia ser mais clara. Nossa salvação não acontece por acaso, ela está bem definida dentro do plano eterno do Pai, foi executada com perfeição pelo Filho e é aplicada eficazmente pelo Espírito. 

Por isso, o calvinismo sustenta que a salvação é um ato da livre e exclusiva graça de Deus, visto que o homem está morto espiritualmente (Ef 2.1) e não pode responder à oferta de reconciliação, de modo que Deus mesmo transforma a sua vontade ao lhe regenerar o coração (At 16.14). 

A Parábola da Cordeirinha e os Padrinhos dos “Pais de Pets”

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Introdução

Há exatamente uma semana publiquei um pequeno artigo a respeito da atual prática de dispensar aos animais de estimação o mesmo tipo de tratamento e afeto destinados aos nossos filhos.[i] Homens e mulheres que se denominam “pais e mães de pets” e que, com base nisso, praticam as coisas mais absurdas, desde aniversário do bichinho de estimação até a concessão do sobrenome da família ao animal.

Meu argumento contra essa prática se baseou nas doutrinas da Trindade e da criação. O relacionamento entre as pessoas do Pai e do Filho, bem como a igualdade de essência define quem o homem deve considerar como seus filhos. De igual modo, o fato de o homem ser criado à imagem de Deus, conforme a sua semelhança, faz com que exista um abismo ontológico entre o ser humano e os animais. À parte da classificação biológica dos reinos vegetal, mineral e animal, a Escritura não classifica o homem como “animal”, mas como “alma vivente”, um ser que porta a imagem de Deus. Assim, é completamente inapropriado que animais de estimação sejam chamados e tratados como filhos. Inclusive, é bom que se diga que a Bíblia faz distinção entre o ser humano e os animais: “Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito” (Gênesis 6.7; conferir 7.23 e Jeremias 51.62).

Contudo, não tardou para que defensores da prática e relativistas bíblicos começassem a tergiversar na busca por alguma brecha que justificasse o seu modo de agir. Um argumento apresentado se baseia numa passagem das Escrituras, e é tal argumento que me impele a escrever este breve artigo. É necessário afirmar que a tentativa de encontrar na Escritura uma abertura para a prática poderia me levar a elogiar o intento, uma vez que tais pessoas estariam desejando agir com base na Escritura. Não obstante, o contrário é que é verdade. Elas continuam desejando seguir as inclinações dos seus corações. Estão apenas usando a Bíblia como pretexto.

Sem mais delongas, vamos à passagem.

2 Samuel 12.4

A passagem diz o seguinte: “O SENHOR enviou Natã a Davi. Chegando Natã a Davi, disse-lhe: Havia na cidade dois homens, um rico e outro pobre. Tinha o rico ovelhas e gado em grande número; mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma cordeirinha que comprara e criara, e que em sua casa crescera, junto com seus filhos; comia do seu bocado e do seu copo bebia; dormia nos seus braços, e a tinha como filha. Vindo um viajante ao homem rico, não quis este tomar das suas ovelhas e do gado para dar de comer ao viajante que viera a ele; mas tomou a cordeirinha do homem pobre e a preparou para o homem que lhe havia chegado”.

O argumento utilizado é que esta passagem bíblica ensina que animais de estimação podem ser tratados e considerados como filhos, afinal de contas, o homem pobre da passagem havia comprado uma cordeirinha e a tratava como filha. Ela vivia com os seus filhos, denotando igualdade. Ela comia do seu prato e bebia do seu copo. Ela dormia nos braços do homem e era tratada como filha. O argumento pode ser esboçado em forma de um silogismo:

PREMISSA MAIOR: Se a Bíblia contivesse ao menos um exemplo de um animal sendo tratado como filho, seria lícito fazer o mesmo com os nossos animais.

PREMISSA MENOR: A Bíblia apresenta o exemplo de um homem que tinha uma cordeirinha e a tratava como filha.

CONCLUSÃO: Logo, animais de estimação podem ser tratados como filhos.

Trata-se de um argumento lógico bem construído. Não obstante, é um argumento falacioso, pois se fundamenta numa péssima hermenêutica. O argumento desconsidera, por completo contexto histórico, bem como o gênero literário da passagem em questão. Assim, é preciso interpretar devidamente a passagem, a fim de ficar evidenciado que a mesma não tem como propósito fornecer o fundamento para a atual prática dos “pais e mães de pets”.

A primeira verdade que precisa ser afirmada a respeito da passagem de 2Samuel 12.1–4, é que ela é uma parábola.[ii] Esta informação é crucial para entendermos a passagem.

Uma parábola nada mais é do que “uma narrativa breve que exige uma reação do ouvinte. No que diz respeito ao gênero, as parábolas são histórias realistas que abordam situações cotidianas”.[iii] Herbert Lockyer, um erudito estudioso das parábolas da Bíblia afirma que existem duas ideias presentes na raiz do termo grego παραβολή: “‘representar ou significar algo’; ‘semelhança ou aparência’. Esse termo grego significa ‘ao lado de’ ou ‘lançar ou atirar’, transmitindo a ideia de proximidade, num cotejamento que visa a verificar o grau de semelhança ou de diferença. Uma ‘semelhança’ ou ‘pôr uma coisa ao lado da outra’”.[iv] Assim, ao contar a parábola, Natã fará uma comparação entre a história e a realidade.

É preciso compreender que, apesar de ser uma história realista, uma parábola não é uma história real. Apesar de fazer uso de elementos do cotidiano das pessoas, as parábolas não eram histórias reais. O Dr. Paulo Anglada afirma o seguinte sobre as parábolas: “Elas são histórias empregando elementos do cotidiano. Não são fatos reais, mas histórias imaginárias concebidas a partir de aspectos da vida comum, familiares aos ouvintes e relacionados ao trabalho, religião e vida social e doméstica”.[v] Dessa maneira, como coloca, Köstenberger e Patterson: “Provavelmente nunca houve, por exemplo, nenhum estalajadeiro ou ‘bom samaritano’ históricos”.[vi]

Se as parábolas não apresentam fatos, então, qual o seu propósito? Qual o seu objetivo? Em primeiro lugar, as parábolas possuem um propósito didático. Elas são concebidas para ensinar determinada lição espiritual ou moral a um grupo de pessoas. Caso a lição fosse apresentada de maneira proposicional, em forma de proposições teológicas ou morais, dificilmente conseguiria captar a atenção do seu público. Lockyer diz: “Se Natã tivesse entrado no palácio real e, de forma direta e imediata, censurasse a culpa do rei decretando a sentença devida ao seu pecado, é pouco provável que Davi desse ouvidos. O tratamento direto e franco da questão talvez fizesse o rei se irar e o impedisse de se arrepender”.[vii] Assim, as parábolas se prestam a esse propósito. Os ouvintes rapidamente se identificavam com o conteúdo da história e permaneciam atentos até o fim. O erudito Moisés Silva diz que, além disso, “as parábolas têm a vantagem de desarmar aqueles que possam ofender-se com sua mensagem, visto que o ouvinte frequentemente tem que esperar até o último momento da história para descobrir seu significado”.[viii]

Qual a importância disso para o assunto dos “pais e mães de pets”? Simples. A passagem não está narrando um fato. Ela não está contando a história real de um homem que colocou em prática aquilo que a sociedade e até mesmo muitos crentes dos nossos dias têm praticado. As pessoas não conseguem perceber que estão fazendo uso de uma parábola, uma história apenas e extraindo dela um princípio para fundamentar um comportamento que é diametralmente oposto a doutrinas claras da Escritura, como as doutrinas da Trindade e da criação do ser humano à imagem de Deus. Numa ânsia por continuarem alimentando práticas antibíblicas, elas acabam por trocar aquilo que é certo por algo errado, e tudo isso firmadas numa péssima interpretação textual.

Mas há outro problema em se utilizar a passagem de 2Samuel 12.1–4 para apadrinhar o comportamento dos “pais e mães de pets”.

Ao se interpretar uma parábola é necessário ter o devido cuidado para não se extrair dela mais do que aquilo que, verdadeiramente, é o seu propósito. Anglada nos ajuda com este aspecto da interpretação das parábolas (a citação é longa, mas também é bastante elucidativa):

3. Identifique o foco ou focos centrais da parábola. A diferença principal entre parábolas e alegorias consiste em que as primeiras se propõem a ilustrar apenas uma ou algumas verdades ou lições centrais, enquanto que nas alegorias, cada detalhe é concebido com o propósito de significar alguma coisa, ensino ou pessoa, como ocorre por exemplo em O Peregrino, de João Bunyan. De modo geral, Jesus ilustra apenas uma lição com as suas parábolas (ver Lc 15.7; 18.7; 20.16). Algumas parábolas, entretanto, tais como a parábola do semeador (Mt 13.18–23) e a do joio (em Mt 13.36–43), são tão adequadas para ilustrar as lições que Cristo queria ensinar, que vários detalhes ilustram aspectos dessas verdades. Em geral, entretanto, o intérprete deve ter cuidado para não alegorizar os detalhes de uma parábola, encontrando significados em detalhes da história que não se propõem a ensinar nenhuma verdade em particular. Zuck chama a atenção para o fato de que geralmente Jesus não atribui significado aos detalhes das suas parábolas. Como exemplo, ele cita a parábola da ovelha perdida (Lv 15.3–7). Apesar de obviamente apontar para Jesus (o pastor), para pecadores perdidos (a ovelha perdida) e para os crentes (as 99 ovelhas), nada indica que detalhes, tais como o deserto, o ombro do pastor, sua casa, seus amigos e vizinhos, tenham qualquer significado.
4. Observe indicações explícitas e implícitas do propósito da parábola. Às vezes, a própria parábola indica explicitamente o seu propósito — geralmente no início ou no final — como ocorre na parábola do juiz iníquo (Lc 18.1–8). Logo no primeiro versículo, é dito que o propósito da parábola é demonstrar “o dever de orar sempre e nunca esmorecer” (cf. também o propósito da parábola das bodas, em Mateus 22.14). Quando não há indicação explícita do significado ou propósito da parábola, o intérprete deve observar o seu contexto-histórico literário. Frequentemente, a circunstância em que a parábola é proferida, uma pergunta, comentário ou explicação, logo antes ou depois da parábola, ajudam o leitor a compreender o seu propósito ou significado.[ix]

Por exemplo, na parábola do credor incompassivo muitas pessoas acabam afirmando que ela ensina que é possível perder a salvação depois de a termos recebido, pois a parábola fala do rei concedendo perdão ao homem que lhe devia dez mil talentos, porém, anulando esse perdão posteriormente. O que as pessoas deixam de considerar é que o propósito da parábola não é ensinar isso. A parábola tem o objetivo de nos ensinar a respeito de perdoarmos nossos irmãos ilimitadamente, uma vez que nossa dívida em relação a Deus é infinitamente maior do que a dívida que qualquer pessoa tenha conosco (Mateus 18.23–35). Muitas pessoas erram na interpretação das parábolas porque as desassociam do seu contexto histórico, e isso jamais deve ser feito. No caso da parábola do credor incompassivo, o contexto histórico pode ser aferido nos versículos 21–22: “Então, Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”.

De igual modo, dizer que 2Samuel 12.1–4 fornece o fundamento para tratarmos nossos animais de estimação como filhos é violentar o propósito da parábola. Devemos perguntar: Qual o propósito de Natã ao contar essa parábola ao rei Davi? Por acaso, Natã desejava ensinar Davi a dormir com seus animais de estimação, deixar que eles comessem do seu prato e bebessem do seu copo, além de fazê-los irmãos dos seus verdadeiros filhos? É absurda e desonesta qualquer sugestão nesse sentido. O contexto histórico da parábola da cordeirinha é claro: os pecados cometidos por Davi, seu adultério com Bate-Seba e o assassinato de Urias (2Samuel 11). O capítulo 11 termina com a afirmação de que, “isto que Davi fizera foi mal aos olhos do SENHOR” (v. 27).

A parábola, então, foi contada por Natã para levar Davi a reconhecer a sua culpa diante de Deus. Ao contar a história do homem e sua cordeirinha, o único objetivo de Natã era extrair a confissão: “Pequei!”, de Davi. Natã não tinha a menor ideia de que, um dia a história que contou seria usada para defender uma tolice. Novamente citando Moisés Silva: “O ponto aqui é que as parábolas devem ser entendidas historicamente, isto é, identificando-se as situações específicas em que elas foram usadas”.[x]

Sinceramente, causa-me espécie o caráter pueril de se usar a passagem de 2Samuel 12.1–4 para defender tamanha insensatez. Insisto em dizer que as pessoas desconsideram o que passagens e doutrinas claramente ensinadas nas Escrituras ensinam, a fim de agarrarem a deturpações de passagens que nada têm a ver com aquilo que corações pecaminosos concebem. Paulo Anglada dá o alerta: “Finalmente, é importante verificar se outras passagens bíblicas ensinam a verdade que o intérprete pensa que a parábola ilustra. Como regra, parábolas não devem ser usadas como base doutrinária, mas como ilustrações de verdades ensinadas em outras passagens bíblicas”.[xi]

Consideração Final

Depois de todo o arrazoado acima, só resta dizer uma coisa em relação a quem procura usar a parábola da cordeirinha para ensinar que animais de estimação podem ser tratados como filhos. Como afirmou o reformador João Calvino: “É lícito concluir que a imaginação do homem é, por assim dizer, uma perpétua fábrica de ídolos”.[xii]

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Notas:
[i] O artigo pode ser lido aqui e aqui.
[ii] Herbert Lockyer. Todas as Parábolas da Bíblia. São Paulo: Vida, 2006. p. 39.
[iii] Andreas J. Köstenberger e Richard D. Patterson. Convite à Interpretação Bíblica: A Tríade Hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 396.
[iv] Herbert Lockyer. Todas as Parábolas da Bíblia. p. 9.
[v] Paulo Anglada. Introdução à Hermenêutica Reformada: Correntes Históricas, Pressuposições, Princípios e Métodos Linguísticos. Ananindeua, PA: Knox Publicações, 2006. p. 210.
[vi] Andreas J. Köstenberger e Richard D. Patterson. Convite à Interpretação Bíblica. p. 396.
[vii] Herbert Lockyer. Todas as Parábolas da Bíblia. p. 40.
[viii] Walter C. Kaiser Jr., e Moisés Silva. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 104.
[ix] Paulo Anglada. Introdução à Hermenêutica Reformada. pp. 212–213.
[x] Walter C. Kaiser Jr., e Moisés Silva. Introdução à Hermenêutica Bíblica. p. 106.
[xi] Paulo Anglada. Introdução à Hermenêutica Reformada. p. 213.
[xii] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. 1.11.8. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 107.

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Autor: Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima
Fonte: Medium
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Porque membresia é importante

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“Por que se preocupar com a membresia da igreja?”

Já me fizeram essa pergunta antes. Às vezes, ela é feita com uma genuína curiosidade: “Explique-me o que ser membro significa”. Outras vezes, ela é feita com um quê de suspeita: “então, diga-me, mais uma vez, porque eu devo me tornar um membro” – como se fazer parte da igreja colocasse a pessoa automaticamente na lista de dízimos por débito automático.

Para muitos cristãos, membresia soa como algo rígido, algo que você tem em um banco ou em um clube de campo, mas que é formal demais para a igreja. Mesmo quando se aceita que o Cristianismo não é uma religião solitária e que nós precisamos de uma comunidade e de comunhão com outros cristãos, nós, ainda assim, receamos nos tornar oficialmente parte de uma igreja. Para que isso? Por que encaixotar o Espírito Santo em categorias de membro/não membro? Por que se dar ao trabalho de pertencer a uma igreja local quando eu já sou membro da Igreja universal?

Alguns cristãos – por causa da tradição da igreja ou da bagagem que possuem – podem não ser convencidos sobre a membresia, não importa quantas vezes a palavra “membro” apareça no Novo Testamento. Mas muitos outros estão abertos a ouvir sobre algo que eles não conhecem direito.

Aqui vão algumas razões pela qual a membresia importa.

1. Ao fazer parte de uma igreja, você demonstra visivelmente seu compromisso com Cristo e com seu povo

Membresia é uma das formas de se levantar a bandeira da fé. Você assume perante Deus e os outros que você é parte desse corpo local de crentes. É fácil falar em termos quentinhos sobre a igreja invisível – o corpo de crentes que estão perto ou longe, vivos ou mortos –, mas é na igreja visível que Deus espera que você viva a sua fé.

Às vezes eu acho que nós não ficaríamos clamando por viver em comunidade se já tivéssemos realmente experimentado passar por isso. A verdadeira comunhão é algo difícil, pois temos de lidar com pessoas muito parecidas conosco: egoístas, mesquinhas e orgulhosas. Mas é para esse corpo que Deus nos chama.

Quantas cartas Paulo escreveu para apenas uma pessoa? Apenas um punhado, as quais, em sua maioria, foram voltadas para pastores. A maior parte de suas epístolas foram escritas a um corpo local de crentes. Nós vemos a mesma coisa em Apocalipse. Jesus falou com congregações individuais, como a de Esmirna, Sardes e Laodicéia. No Novo Testamento, não há cristãos flutuando na terra do “só eu e Jesus”. Crentes pertencem a igrejas.

2. Fazer um compromisso é uma declaração poderosa, em uma cultura de poucos compromissos

Muitas ligas de boliche exigem mais de seus membros do que a igreja. Onde isso é algo real, então a igreja é um triste reflexo da sua cultura. A nossa cultura consumista faz com que tudo seja feito com o fim de atender as nossas preferências. Quando essas necessidades não são atendidas, nós sempre podemos experimentar um outro produto, trabalho ou esposa.

Juntar-se a uma igreja, nesse tipo de ambiente, é uma afirmação contracultural. É dizer: “estou comprometido com esse grupo de pessoas e eles estão comprometidos comigo. Estou aqui mais para dar do que para receber”.

Mesmo que você vá ficar na cidade por apenas alguns anos, não é uma má ideia participar de uma igreja. Isso faz com que a sua igreja de origem (se você está estudando longe de casa, por exemplo) saiba que você está sendo cuidado e faz com que a sua igreja atual saiba que você quer ser cuidado por ela.

Mas a questão não é apenas sobre ser cuidado, é sobre fazer uma decisão e ser fiel a ela – algo que a minha geração, com a sua variedade de opções, acha difícil. Nós preferimos namorar a igreja – tê-la por perto em eventos especiais, chamá-la para sair quando nos sentimos sozinhos ou mantê-la por perto em dias chuvosos. A membresia é a única forma de parar de namorar igrejas e se casar com uma.

3. Nós podemos ser excessivamente independentes

No ocidente, isso é uma das melhores e piores coisas sobre nós. Nós somos livres e pensadores críticos. Nós temos uma ideia, e corremos em direção a ela. Mas quem está correndo conosco? E será que estamos todos correndo na mesma direção? A membresia afirma formalmente: “eu sou parte de algo maior do que eu. Eu não sou apenas um dentre três mil indivíduos. Eu sou parte de um corpo”.

4. A membresia nos coloca sob supervisão

Quando participamos de uma igreja, estamos nos oferecendo uns aos outros para sermos encorajados, repreendidos, corrigidos e servidos. Estamos nos colocando sob líderes e nos submetendo a sua autoridade (Hebreus 13.7). Estamos dizendo: “Estou aqui para ficar. Eu quero ajudá-lo a crescer em santidade. Você me ajuda a fazer o mesmo?”.

Mark Dever, no livro Nove Marcas de uma Igreja Saudável (Editora Fiel, páginas 12 e 13), escreve:

Identificando-nos com uma igreja particular, permitimos que os pastores e demais membros daquela igreja local saibam que nós pretendemos manter um compromisso na frequência, na oferta, na oração e no serviço. Nós ampliamos as expectativas de outros em relação a nós mesmos nessas áreas, e tornamos claro que estamos sob a responsabilidade desta igreja local. Nós asseguramos a igreja quanto ao nosso compromisso com Cristo ao servir com eles, e pedimos o compromisso deles quanto a nos servir em amor e nos encorajar em nosso discipulado.

5. Juntar-se à igreja ajudará seu pastor e os seus presbíteros a serem pastores fiéis

Hebreus 13.7 diz: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles”. Essa é a sua parte como “leigo”. E essa é a nossa parte como líderes: “pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas”. Como pastor, eu levo muito a sério minha responsabilidade perante Deus de cuidar das almas. Em quase todas as reuniões de presbíteros o Manual de Instruções das Igrejas Reformadas da América RCA Book of Church Order – nos orienta a “procurar descobrir se qualquer membro da congregação está em necessidade de cuidados especiais em relação a sua condição espiritual e/ou não tem feito o uso adequado dos meios de graça”. Isso já é algo bem difícil de se fazer em uma igreja como a nossa, onde há uma constante rotatividade. Mas é ainda mais difícil quando nós não sabemos quem realmente é parte desse rebanho.

6. Juntar-se à igreja lhe dá a oportunidade de fazer promessas

Quando alguém se torna membro da University Reformed Church, a igreja que eu pastoreio, ele promete orar, ofertar, servir, comparecer aos cultos, aceitar a liderança espiritual da igreja, obedecer aos ensinamentos e procurar as coisas que trazem unidade, pureza e paz. Nós não devemos fazer essas promessas de qualquer jeito. Elas são votos solenes. E nós devemos ajudar uns aos outros a nos mantermos fiéis a elas. Se você não faz parte de uma igreja, você perde a oportunidade de fazer essas promessas publicamente, convidando os presbíteros e o resto do corpo a ajudarem você a se manter firme nessas promessas. Isso fará com que você, seus líderes e toda a igreja percam grande benefícios espirituais.

Membresia é mais importante do que muita gente pensa. Se você realmente quer ser um revolucionário contracultural, aliste-se em uma classe de membresia, encontre-se com seus presbíteros e junte-se a uma igreja local.

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Autor: Rev. Kevin DeYoung
Fonte: The Gospel Coalition
Tradução: Victor Bimbato
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A Trindade, a Criação e os “Pais e Mães de Pets”

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Tem se tornado cada vez mais comum encontrarmos proprietários de animais de estimação, como cães, gatos e pássaros, que denominam o seu relacionamento com os seus “pets” como “pais e filhos”. São homens e mulheres que se declaram “pais” e “mães de pets”, que tiram fotos com os seus animais e nas legendas escrevem frases como: “Uma selfie com a mamãe” ou “Primeira foto com a filha”. Além disso, sobrenomes de famílias são atribuídos aos animais, festas de aniversário são organizadas, decorações dispendiosas são utilizadas e até mesmo funerais, com a família em torno do caixão do animal são situações cada vez mais comuns. Toda a rotina da pessoa ou do casal é alterada, de modo a incluir o animal em todas as ocasiões. Até mesmo datas comemorativas, como o dia das mães e dos pais, são modificadas para contemplar os “pais e mães de pets”.¹

Homem e Mulher - iguais ou complementares?

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Nos dias da criação, Deus observou a sua obra e viu que tudo era bom. Ao criar o homem e observá-lo sozinho, “Disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele” (Gn 2.18), “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.27). O primeiro homem, Adão, desfrutava da presença de Deus (ser superior) e contava com a companhia de animais (seres inferiores), porém, Deus reconheceu que o homem precisava de alguém para relacionar-se de igual para igual.

Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne (Gn 2.21-24).

Esses relatos esclarecem o fato de que o homem e a mulher foram criados igualmente à imagem de Deus (cf. Gn 1.27). Ambos possuem o mesmo valor diante do Criador. Não há diferenças entre os sexos no que concerne a pessoalidade e importância. Como afirma o apóstolo Paulo: “nem o homem é sem a mulher, nem a mulher sem o homem, no Senhor. Porque, como a mulher provém do homem, assim também o homem provém da mulher, mas tudo vem de Deus” (1 Co 11.11-12). Os dois são dignos do mesmo respeito.

Porque todos os arminianos são calvinistas

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Quero apresentar um argumento contra o arminianismo baseado em uma falha interna dentro do esquema arminiano de predestinação.

Meu argumento, em poucas palavras:

“A posição arminiana sobre a predestinação é inescapavelmente calvinista (mais ou menos). Por causa disso, a única opção é aceitar o teísmo aberto ou o calvinismo”.

No século XVI, o teólogo católico romano e jesuíta Luis de Molina (1535–1600) propôs a ideia do conhecimento médio, mais tarde adotada (mas modificada) por Jacob Armínio (1560–1609).

Essa posição ficou conhecida como Molinismo. Pode ser que o “conhecimento médio” de Molina refere-se a liberdade de escolha, não predestinação. Mais tarde, os arminianos sequestraram o conhecimento médio de Molina para seus propósitos pessoais. Em outras palavras, Molina não é o vilão que presumimos, o que coloca os arminianos em uma posição precária de serem meio que inovadores.

Geralmente, os arminianos defendem que Deus poderia saber, antes de escolher indivíduos, o que um certo número de seres humanos, que são livres, fariam em certas circunstâncias. Em outras palavras, Deus sabe o que acontecerá e o que poderia acontecer sob certas condições.

Como resultado, para o arminiano, Deus elege baseado em seu “conhecimento médio” de que certos indivíduos responderão favoravelmente ao evangelho sob circunstâncias específicas. Deus não elege independente e incondicionalmente em Cristo, mas “reage” à escolha de um ser finito, a qual ele conheceu de antemão. Ele escolhe baseado em um condição futura (escolha).

Se a presciência de Deus depende de condicionais futuras, devemos perguntar se ela é ignorante em algum sentido (daí, o “teísmo aberto”). Mas, isso é um assunto pra outra hora.

No esquema arminiano, Deus “vê” o que aconteceria baseado em uma condicional futura e, então, escolhe com base no que ele “vê” acontecer em um mundo puramente condicional. Nesse esquema, Deus conhece condicionais condicionalmente.

Em resumo, o arminianismo introduz uma categoria separada, na qual a decisão humana se torna o fator causal que determina o evento. Essa é uma forma de semi-pelagianismo.

Entretanto, há uma falha para a qual eu gostaria de chamar atenção neste esquema, e uma que não vi ainda proposta antes. Pode ser que alguém tenha feito isso, mas não li ainda esse argumento em particular.

A Falha

Primeiro, certamente todos nós concordamos que Deus tem conhecimento de todos os mundos possíveis. Seu conhecimento não é limitado a um mundo, mas a todos os mundos possíveis no qual há um número infinito de possibilidades (por exemplo, não há cachorros em um certo mundo).

Por causa de sua liberdade absoluta, Deus não foi coagido a criar esse mundo particular em que vivemos. Teoricamente, ele poderia ter criado um mundo diferente em particular com base em seu conhecimento de um número infinito de outros mundos possíveis.

Ao eleger com base em uma condição futura, Deus está elegendo com base em um certo mundo possível que, então, ele escolhe trazer à existência. Daí, este mundo em que vivemos.

Neste mundo (i.e., um mundo possível A), ele escolhe a {pessoa x} com base na fé prevista.

Mas, neste mesmo mundo, ele não escolhe a {pessoa y} porque não houve fé prevista.

A pessoa x está predestinada à vida eternal, mas a pessoa y não está. Tudo porque a pessoa x creu (pela liberdade de sua vontade) com base em uma condicional futura.

Entretanto, em outro mundo possível (i.e., mundo possível B), a {pessoa y} crê, enquanto a {pessoa x} não.

Devemos nos perguntar o seguinte:

Por que Deus escolheu trazer à existência o mundo possível A, mas não o mundo possível B?

Ele escolheu assim, diz o calvinista, por causa de sua decisão livre e soberana de criar o mundo possível A, mas não o mundo possível B. Mas, o arminiano deve conceder que Deus, assim, elege um mundo no qual alguns creem e outros não, quando ele poderia ter eleito um mundo diferente no qual os resultados seriam diferentes. No final, a eleição ainda é, em última análise, escolha de Deus.

Deus poderia ter trazido à existência o mundo possível B? Claro. O fato de que ele não traz à existência o mundo possível B mostra que, portanto, ele está elegendo a {pessoa x} e não a {pessoa y} porque ele poderia ter criado um mundo possível diferente (mundo possível B) onde a {pessoa y} seria salva.

No fim, para o arminiano, Deus ainda elege. Ele elege um certo mundo no qual alguns têm a fé prevista e outros não, quando, de fato, ele poderia ter escolhido criar um mundo diferente em que pessoas diferentes seriam salvas. O arminiano não consegue escapar da eleição soberana. Em certo sentido, o arminiano ainda é um calvinista, ainda que um “calvinista anônimo”.

Claro, o conhecimento médio é uma bobagem. É semi-pelagiano. Ele se rende ao deus da liberdade humana e torna Deus um servo dos homens. Mas, mesmo quando isso é feito, o arminiano não pode escapar de uma forma de calvinismo onde, em última análise, Deus elege com base em sua escolha soberana. Não surpreende, então, que tantos arminianos tenham se tornado socinianos ou virado teístas abertos. Ou eles se voltam para Leibniz e argumentam que Deus escolheu este mundo porque é o melhor de todos os mundos possíveis.

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Autor: Mark Jones
Fonte: The Calvinist International
Tradução: Josaías Jr 
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Honestidade e Honra Denominacional

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A honestidade é tão importante na teologia como nos negócios e no comércio, numa denominação religiosa como em um partido político. A honestidade confessional consiste, em primeiro lugar, em uma clara e inequívoca declaração de uma Igreja acerca de sua crença doutrinária; e, segundo, numa adoção inequívoca e sincera por parte de seus membros. Ambas as coisas são necessárias. Se uma denominação particular faz uma declaração ampla de sua crença, que é possível de ser interpretada em mais de um sentido, ela é desonesta. Se o credo da denominação é bem estruturado e elaborado, mas os membros que subscrevem com reserva mental e falta de sinceridade, a denominação é desonesta. 

A honestidade e a sinceridade são fundamentadas numa clara convicção e uma clara convicção é firmada no conhecimento e no reconhecimento da verdade. A heresia é um pecado e é classificada por são Paulo entre as “obras da carne”, juntamente com “adultério, idolatria, assassinato, inveja e ódio”, que excluem do reino de Deus (Gl 5:19-21). Mas a heresia não é um pecado tão grande quanto a desonestidade. Pode existir uma heresia honesta, mas não uma honesta desonestidade. Alguém que reconhece ser um herege, é um homem melhor do que aquele que finge ser ortodoxo enquanto subscreve um credo que despreza, e que ele finge sob pretexto de melhorá-lo e adaptá-lo ao tempo presente. O herege honesto deixa a igreja com a qual ele não concorda, mas o subscritor insincero permanece dentro dela para realizar o seu plano de desmoralização.

As discussões recentes na Igreja Presbiteriana revelaram uma diferença de sentimento em relação ao valor da honestidade denominacional. Alguns dos jornais seculares atribuem intolerância e perseguição aos presbiterianos, quando os desvios do credo da igreja são objeto de inquérito judicial e quando indivíduos são exigidos a conformar o seu ensino do púlpito ou da cátedra com os padrões denominacionais. Desta forma, uma parte da imprensa pública está em consonância com a desonestidade confessional. Isso permitiria aos oficiais da igreja subscreverem um credo e obter as vantagens da subscrição sob a forma de reputação ou benefícios, enquanto trabalham contra ele.

O credo de uma igreja é um contrato solene entre os membros da igreja, muito mais do que a ideologia de um partido político é entre políticos. Parte da imprensa parece não perceber a imoralidade de violar um contrato quando se trata de uma denominação religiosa, mas quando um partido político é o grupo a ser afetado pela violação de uma promessa, ninguém é mais preciso do que ela em discernir e nenhum deles é mais veemente em denunciar a dupla negociação.

Deveria surgir um grupo dentro do Partido Republicano, por exemplo, e se esforçar para alterar a plataforma, mantendo os escritórios e os salários garantidos por professar fidelidade ao partido e prometendo adotar os princípios fundamentais sobre os quais foi fundado, e pelos quais difere do Partido Democrático e demais partidos políticos, a acusação de desonestidade política poderia prejudicar a posição social e histórica do Republicanismo. Quando esses divergentes se desviam do cargo, sendo disciplinados pelo partido, e talvez, sejam expulsos da organização política, se a queixa de heresia política e a perseguição fossem oferecida, a única resposta concedida pela imprensa republicana seria a do desprezo. Quando alguns políticos desonestos reivindicam a tolerância, sob a desculpa de políticas mais “liberais” do que as aceitas pelo partido, preservando-se o pagamento do partido, enquanto defende diferentes sentimentos da maioria do partido, o fato é que ninguém é obrigado a unir-se ao Partido Republicano, ou permanecer nele, mas se uma pessoa se juntar a ele ou ficar nele, deve adotar estritamente o credo do partido e não fazer tentativas, seguras ou abertas, de alterá-lo. Que um credo republicano pertence aos republicanos e a nenhum outro, parece ser a concordância por todos. Mas que um credo calvinista é para calvinistas e de nenhum outro, parece suscitar dúvidas de alguns.

Há defensores de uma visão de igreja confessional e de uma subscrição confessional que argumentam que é apropriado introduzir melhorias num credo denominacional. Que o progresso na física e no espírito da nossa época exigem novas declarações de ética e religião. E isso justifica o surgimento dentro de uma denominação de um grupo para fazê-los, e exige que a denominação atente e analise com calma. Isto significa, por exemplo, que uma igreja que adota a escatologia histórica é obrigada a permitir que os seus membros pensem que o restauracionismo  é uma melhoria, e que poderiam introduzi-lo nos artigos de fé. Ou que uma igreja que adota o arminianismo wesleyano é obrigada a permitir que seus membros pensem que a eleição incondicional seja preferível a eleição condicional, esforçando para torná-la calvinista, introduzindo esse princípio doutrinário.

Mas se uma liberdade correspondente fosse exigida na esfera política, não haveria nenhuma aceitação. Se dentro do Partido Democrata surgisse um grupo que reivindicasse o direito, enquanto membros no partido, para converter o corpo em princípios e medidas republicanas, se diria que o lugar apropriado para tal projeto está fora do Partido Democrata, e não nele. O direito do grupo divergente às suas próprias opiniões não seria contestado, mas seria negado o direito de mantê-las e espalhá-las com os recursos financeiros e a influência do Partido Democrata. Os democratas poderiam usar a ilustração de Lutero num exemplo semelhante: “Não podemos evitar que as aves voem sobre nossas cabeças, mas podemos impedir que elas façam seus ninhos nos nossos cabelos”. Eles diriam aos mal-intencionados: “Não podemos impedir que vocês tenham suas próprias visões peculiares e indesejáveis, mas vocês não têm o direito de ventilá-las em nossa organização”. Se os executivos da Alfândega de New York ou dos Correios insistissem em usar os salários dessas grandes instituições na transformação da política do partido que os colocou lá, nenhuma acusação de “perseguição” impediria o partido de cobrar imediatamente a sua coerência. No entanto, alguns da imprensa secular, bem como alguns religiosos, afirmam que é apropriado para os subscritores da Confissão de Westminster fazerem uma alteração radical na teologia denominacional dentro da denominação, e que estão reprimindo o livre pensamento e o direito de juízo privado, quando o sete-oitavos de representantes da Igreja Presbiteriana vetou sobre tal tentativa em seu tribunal da Assembleia Geral.

Nesta ação eclesiástica não há negação do direito de juízo privado e de livre pensamento sobre qualquer sistema de doutrina. Apenas afirma que aqueles que discordam do credo aceito pela denominação, se forem minoritários, devem sair dela, se desejarem construir um novo esquema doutrinário. A maioria satisfeita tem o direito de exercer o livre pensamento e o juízo privado, bem como a minoria insatisfeita, mas na sua prática permanece o credo como está. Consequentemente, se o descontentamento com o padrão denominacional surgir na mente de alguns, o lugar apropriado para seus novos experimentos em teologia, está dentro de uma nova organização e não na antiga que não concorda com as suas especulações. Por esta razão, desde tempos imemoriais, uma denominação religiosa sempre reivindicou o direito de expulsar pessoas que são hereges, conforme julgados pelo credo denominacional. Só assim pode uma denominação viver e prosperar. Não seria útil para a sociedade ou a religião derrubar os limites doutrinários da denominação e convertê-la numa “terra de ninguém” para que todas as variedades de crenças divaguem.

Aqui surge a questão: quem deve interpretar o credo da igreja e dizer se um esquema proposto de doutrina concorda com ele, ou o contradiz? Quem poderia dizer o que é heresia do ponto de vista do sistema denominacional? Certamente a denominação, e não o indivíduo ou o grupo que é acusado de heresia. Este é um ponto de grande importância. Para aqueles que são acusados de heterodoxia, comumente definem a ortodoxia a seu modo e afirmam não se afastarem do que eles consideram como os elementos essenciais do sistema denominacional. O partido arminiano na controvérsia do Sínodo de Dort alegou que as suas modificações na doutrina eram moderadas e não antagônicas aos credos reformados. Os semiarianos na Igreja Inglesa afirmaram que a sua concepção da Trindade não diferia essencialmente da dos pais nicenos. Em cada uma dessas instâncias, o acusado queixou-se de que suas declarações foram erroneamente interpretadas por seus oponentes, afirmando que a Igreja estava equivocada ao supor que sua heterodoxia não poderia ser harmonizada com a fé herdada. A mesma afirmação de ser mal interpretada e a mesma reivindicação de ser ortodoxa, marca o julgamento existente na Igreja Presbiteriana.

Ao determinar qual é o verdadeiro significado da fraseologia em uma proposta de alteração do credo denominacional, e qual será a influência natural dela se for permitido ensiná-la, é óbvio de que é a denominação quem decide. No caso de uma diferença na compreensão e interpretação de um documento escrito contendo mudanças propostas no credo da igreja, a regra da lei comum aplica-se, que o acusado não pode ser o juiz final do significado e disposição do seu próprio documento, mas sim o tribunal. A denominação é o tribunal. Não há dificuldades ou injustiças nisso. Um julgamento denominacional é correto para ser equitativo, ocorra ele na Igreja ou no Estado. A história da política mostra que as decisões dos grandes partidos políticos respeitando o verdadeiro significado de suas ideologias e a conformidade dos indivíduos a elas, geralmente, foram corretas. A história da religião também mostra que os julgamentos dos grandes grupos eclesiásticos agiram corretamente em relação aos ensinos de seus padrões, e o acordo ou desacordo das escolas particulares de teologia com eles. Os indivíduos e os partidos foram declarados heterodoxos, política ou teologicamente, pelo voto deliberado do corpo ao qual pertenciam. É raro que a maioria estivesse errada e correta minoria.

A honestidade confessional é intimamente relacionada com a honra denominacional. As igrejas que foram as mais francas em anunciar o seu credo, bem como as mais rigorosas em insistir numa interpretação honesta e a sua adoção por parte de seus membros, caracterizaram-se por uma escrupulosa consideração pelos direitos de outras igrejas. Estando satisfeitos com sua própria posição doutrinária e confiantes da verdade de seus artigos de fé, eles não invadiram outras denominações para alterar seu credo ou obter seu prestígio. A este respeito, os calvinistas da cristandade se comparam favoravelmente com alguns de seus oponentes que os acusam de obscurantismo e intolerância. É verdade que, nos tempos em que a união da Igreja e do Estado era universal, e a propagação de qualquer outra religião, exceto a do Estado, era considerada ameaçadora para o bem político, os calvinistas como todos os outros partidos religiosos tentaram suprimir todos os credos senão o estabelecido.

Mas os calvinistas estavam na vanguarda a favor da separação da Igreja e do Estado e pela tolerância religiosa que resultaria naturalmente. Desde que a tolerância religiosa se tornou o princípio da cristandade e tornou-se dominante o direito protestante do juízo privado, o calvinismo não foi intolerante ou disposto a interferir nos credos, instituições e benefícios de outros grupos. A este respeito temos um bom exemplo. Não há exemplos registrados, que nos lembremos, de que calvinistas secretamente adulteraram o credo de outro corpo eclesiástico e tentaram seduzir os seus membros de sua lealdade aos artigos de crença por eles adotados publicamente. De sua própria posição calvinista aberta e declarada, eles, naturalmente, criticaram e se opuseram a outros credos, porque acreditavam que eles eram mais ou menos errôneos, mas nunca adotaram a estratégia de se infiltrar noutra denominação, subscrevendo os seus artigos e, em seguida, a partir dessa posição, revolucionar o grupo que professou sinceramente se juntar. Nenhuma parte da cristandade foi mais livre de hipocrisia e dissimulação do que as igrejas calvinistas.

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Notas:

[1] Os parágrafos foram subdivididos para facilitar a compreensão dos argumentos. Nota do tradutor.
[2] O termo em seu uso teológico pode referir-se a premissa histórico-teológica de que o cristianismo se apostatou em pontos essenciais de sua identidade doutrinária, sendo necessário restaurá-lo. Steven L. Ware, de modo confuso, define “restauracionismo é um complexo de ideias que, implícito e comum a todo o protestantismo (...) é essencialmente sinônimo de primitivismo”. Veja “Restorationism in Classical Pentecostalism” em New Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements (Grand Rapids, Zondervan, 2002). Neste sentido, em parte, a reforma protestante foi restauracionista, mas a sua reivindicação é de um retorno ao ensino da Escritura Sagrada e não ao modelo da igreja primitiva. A igreja no primeiro século passou pela transição da aliança, dentro dum processo que culminou na cessação dos agentes e modalidades revelacionais, bem como da transmissão de novas revelações. A igreja primitiva não foi o modelo final, tanto pelos diferentes problemas e imperfeições Sitz im Leben que evidenciava, como também ela não poderia ser considerada madura até que se consumasse a transição. O fechamento do cânon do Novo Testamento, o fim do apostolado e a consumação da estrutura da nova aliança, somente ocorreram no fim do primeiro século. Por isso, o modelo de igreja é determinado por princípios bíblicos e não por um exemplarismo histórico. Shedd usa o termo restauracionismo, em seu sentido negativo, para se referir a grupos heréticos que surgiram em sua época como o adventismo, o mormonismo e as testemunhas de Jeová. O pentecostalismo surge no início do século XX como uma proposta restauracionista. Nota do tradutor.
[3] J. De Witt, “William Greenough Thayer Shedd,” PRR 6:295–332. Traduzida por: Felipe Sabino de Araújo Neto e revisada por Ewerton B. Tokashiki.
[4] Encontra-se disponível uma nova edição com notas, num único volume. Alan W. Gomes, ed., William G.T. Shedd, Dogmatic Theology (Phillipsburgh, P&R Publishing, 3ª ed., 2003). Nota do tradutor.
[5] Publicada pela Editora Hagnos. Nota do tradutor.

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Sobre o autor: William G.T. Shedd foi o maior sistematizador, depois de Charles Hodge, da teologia calvinista americana entre a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial. O seu pai foi um ministro congregacional que encorajou a sua educação na Vermont University e no Andover Theological Seminary. Em Vermont, Shedd estudou aos pés de James Marsh, que o encorajou a ler Platão, Kant e Coleridge, um trio de autores que mantiveram uma influência em sua teologia pelo resto de sua vida. Shedd serviu, por um breve período, como ministro congregacional em Vermont. Ensinou inglês na Vermont University, retórica sagrada no Auburn Theological Seminary e história da igreja em Andover, antes de assumir o serviço ministerial, como pastor-auxiliar na Brick Presbyterian Church, em Nova Iorque. Em 1863 ele se tornou um professor de Bíblia e teologia no Union Theological Seminary, em Nova Iorque, onde permaneceu por mais de trinta anos.
A obra mais conhecida, dentre as muitas de Shedd, foi a Dogmatic Theology,  publicada originalmente em três volumes, entre 1888 a 1894. Como a Teologia Sistemática  (1872–73) de Hodge, o manual de teologia sistemática de Shedd defende o “alto Calvinismo” da Confissão de Westminster contra o arminianismo, o catolicismo romano e o racionalismo moderno. Shedd não foi tão abrangente quanto Hodge no tratamento das várias divisões da teologia, mas ele incorporou aspectos do pensamento moderno em sua obra mais do que Hodge ou quase qualquer outro conservador de sua geração, especialmente ideias de desenvolvimento histórico. Novamente ele foi incomum em sua confiança sobre a história do Cristianismo como um antídoto para os ensinos medíocres, quer antigos, quer modernos. Para ele, Atanásio sobre a Trindade, Agostinho sobre a natureza do pecado, Anselmo sobre a existência de Deus e os reformadores sobre a salvação, eram mais do que capazes de delinear os contornos da ortodoxia. Ele sabia que a tradição agostiniana-calvinista carregava amplos recursos bíblicos, teológicos e filosóficos para suportar o teste do tempo.
Os interesses de Shedd se estenderam bem além da teologia, abrangendo a literatura, a história da igreja, a homilética e o comentário bíblico. Ele publicou obras em cada uma dessas áreas. Testificou o seu interesse na ideia do desenvolvimento histórico orgânico ao publicar Lectures on the Philosophy of History, em 1856, e editando as obras completas de Samuel Taylor Coleridge, publicada em sete volumes, em 1853.

Fonte: Calvinism: Pure and Mixed – A Defense of the Westminster Standards (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1986), pp. 152-158.
Tradução: Rev. Ewerton B. Tokashiki
Divulgação: Bereianos