farei Deus a minha imagem

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Por Thomas Magnum


E disse o homem: farei Deus a minha imagem, conforme a minha semelhança!

É estranho ler uma frase assim para muitos, é blasfemo, enfatizam alguns, é herético dizem outros. Talvez até aqueles que não são religiosos repudiarão essa afirmativa. Alguém em sã consciência não diria que faria Deus, ou diria? 

Desde Dave Hume, passando por Nietzsche, dando uma paradinha em Freud e dando uma olhadinha em Foucault, só para citarmos os mais recentes, não é difícil observamos tal pensamento, ou poderíamos voltar um pouco mais e observarmos Atenas nos tempos do apostolo Paulo, que tinha por volta de trinta mil deuses, seja por isso que muitos historiadores dizem que existiam mais deuses do que homens em Atenas.¹

Aqueles que tiveram sua mente cientifica e filosófica prostradas a serviço do eu que se distanciou do tu e que ignorou o Ele, ou do filho que ignorou o ventre que o gerou, pintaram e esculpiram um deus descartável ou substituível, ou morto, ou negaram sua existência como fator fundamental para darem suporte para construção de seus edifícios teóricos e delírios filosóficos. Como dizia o filósofo John Locke: "Reconheço que tenho a noção de um primeiro ser sem começo e penso ser inevitável para uma criatura racional dotada de ponderação deparar com algo assim".² 

Em um discurso na colina de Marte na Grécia antiga lemos uma das mais belas peças de oratória das registradas na história, que dizia: 

"O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor do céu e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas. De um só fez ele todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar. Deus fez isso para que os homens o buscassem e talvez, tateando, pudessem encontrá-lo, embora não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como disseram alguns dos poetas de vocês: Também somos descendência dele."Atos 17:24-28

Eis aí uma declaração sobre o verdadeiro Deus, feita por uma das mentes mais brilhantes que pisaram nessa terra, Paulo o apostolo, homem que humilhou sua sabedoria e inteligência aquele que o criou. Mas, a criatura, deseja ser maior que o criador, criando seus deuses domésticos como nos povos antigos. Mas a "criação" de tais divindades nada mais são do que um bezerro de ouro, ou melhor, um cavalo de Troia que no fim das contas os levará a um estado deplorável. "Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo os seus próprios desejos juntarão mestres para si mesmos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos." 2 Timóteo 4:3-4

Mas, os deuses multiformes criados por religiosos e filósofos não são produto de um passado histórico ou acadêmico. Hoje, vemos a proliferação das heresias em arraiais cristãos, falsos deuses sendo pregados, profanação do altar. Vejamos o "evangelho" de muitas igrejas hoje que se assemelham com a mitologia: 

Pluto: deus das riquezas, representava a riqueza em termos gerais.
Ares: deus da guerra, sanguinário e agressivo, personificava a natureza brutal da guerra. Embora Ares fosse guerreiro e feroz, não era invencível, mesmo contra os mortais.
Erínias: Também conhecidas como Fúrias, eram as três divindades que administravam a vingança divina, sendo elas:
- Tisífona (a vingança contra os assassinos);- Megera (o ciúme) - Alecto (a raiva contínua).
Apolo: Na lenda de Homero ele era considerado, principalmente, como o deus da profecia. Apolo era músico e encantava os deuses com seu desempenho com a lira.

Seria estranho isso para nós? Teologia da prosperidade, guerra espiritual (leia-se dualismo), teologia da vingança, e divinização da música no culto público? Quantos deuses os homens tem criado a tantos séculos, a profanação do altar semelhante ao que fez Antíoco Epifanes. A exortação bíblica é grave:

"Amados, embora estivesse muito ansioso por lhes escrever acerca da salvação que compartilhamos, senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé uma vez por todas confiada aos santos. Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês. Estes são ímpios, e transformam a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor. Embora vocês já tenham conhecimento de tudo isso, quero lembrar-lhes que o Senhor libertou um povo do Egito mas, posteriormente, destruiu os que não creram." Judas 1:3-5

Portanto, creiamos no Deus das Escrituras, no Deus que se revelou, e nos adverte: "Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste." João 17:3

Como nos diz a Confissão de Fé de Westminster

"Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições. Ele é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado."

"Reformai, portanto, vossa vida e modo de agir, escutando a voz do Senhor, vosso Deus, a fim de que afaste de vós o mal de que vos ameaça." Jeremias 26:13

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Notas:
1 - Novo Testamento: R.N. Champlin 
2 - Draft A, do Ensaio sobre o entendimento humano - John Locke

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Imagem: Statue of Zeus and Hera in Albertina Square, Vienna, Austria. Arte: Bereianos
Divulgação: Bereianos
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O que são os atos proféticos?

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Por Robson T. Fernandes


Antes de qualquer coisa é preciso dizer que a intenção deste artigo não é denegrir a imagem de ninguém e nem difamar quem quer que seja, especialmente porque acreditamos sempre que existe a possibilidade de arrependimento e mudança de atitude diante de uma postura errada, principalmente porque, como cristãos, devemos sempre esperar que haja o exercício do arrependimento, confissão e perdão (2Cr 7:14).

Um dos problemas mais comuns e recorrentes na igreja evangélica brasileira diz respeito às falhas de interpretação bíblica, quando alguns textos são distorcidos, ora propositalmente ora por imperícia, imprudência ou negligência. De uma forma ou de outra, a utilização inadequada de um texto ou de uma passagem bíblica tem levado muitas pessoas ao engano e ao erro. É exatamente isso o que ocorre com as práticas dos atos proféticos, tão comuns entre aqueles que seguem o Movimento da Fé.

Mas, afinal de contas, o que é um ato profético?

René Terranova, que foi ungido apóstolo, depois “paipóstolo” e Patriarca, por Morris Cerrullo, tem se destacado como um dos principais líderes defensores do Ato Profético no Brasil. Ele diz: “A linguagem profética traz ao reino físico a existência do mundo espiritual. Na maioria dos seus discursos, Jesus falava de uma forma espiritual e o povo entendia na forma física, porque lhes faltava discernimento espiritual” (TERRANOVA, 2009) [1].

Ainda, o grupo Reavivamento Europa dá a seguinte definição para Ato Profético:

Como o nome já sugere são ações realizadas por homens, profetas de Deus com determinado sentido profético, com intuito de profetizar com ações e símbolos. São sinais que apontam para o reino espiritual e que tem conseqüências no reino físico. São ações expressas em atitudes e palavras [2].

Então, na visão dos seguidores do Movimento da Fé, o Ato Profético seria uma ação envolta em simbologia que supostamente traria ao mundo físico as realidades espirituais. Para isso, os defensores desse pensamento utilizam passagens bíblicas, especialmente do Antigo Testamento, em que Deus manda que os profetas utilizem símbolos para transmitir a Sua mensagem, a exemplo dos umbrais das portas com sangue na noite da décima praga do Egito (Ex 12), a pregação sem roupas de Isaías (Is 20:3-4), as sete voltas em torno de Jericó (Josué), a canga de Jeremias (Jr 27:2), o cinto de linho enterrado às margens do rio Eufrates (Jr 13:1-11), a botija de barro quebrada diante do povo (Jr 19:1-11) etc.

Em primeiro lugar, as ações praticadas pelos profetas bíblicos não traziam nada à existência, como afirmam os seguidores do Movimento da Fé. Antes, tinham um caráter didático de ensino, instrução e orientação para o povo de Deus, a exemplo do profeta Oséias que casou com uma prostituta. A ação de Oséias, ordenada por Deus, visava fazer o povo entender que havia se prostituído diante do Senhor, mas que Ele, o Senhor, continuava fiel ao Seu povo (Os 3) buscando tirá-lo da prostituição, assim como Oséias fez com aquela mulher. Essa passagem bíblica nos mostra que a situação de Gômer, a prostituta, era a mesma situação do povo de Israel. Esse meio didático utilizado por Deus só demonstra que o povo estava em prostituição.

Essas ações proféticas encontradas na Bíblia não trazem à existência coisas espirituais. Elas tinham um caráter didático para corrigir o povo, ensinar o povo ou trazer juízo sobre um povo. Por isso diz-se que tais ações fazem parte dos atos salvadores de Deus na história.

Por essa razão é que o escritor aos Hebreus declara:

Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles.” (Hb 1:1-4)

Em segundo lugar, a interpretação bíblica é distorcida com os Atos Proféticos da atualidade. Isso ocorre porque tais pessoas confundem o que é relato histórico e o que é ordem direta.

Um relato histórico é a descrição de algo que ocorreu no passado. Por exemplo, a Escritura relata que Judas traiu Jesus. E mais, a Bíblia revela que o próprio Jesus disse: “O que fazes, faze-o depressa” (Jo 13:27). Ainda, a Bíblia revela que Deus disse à Moisés: “tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa” (Ex 3:5). Ainda, a Bíblia revela que Jesus “cuspiu na terra e, tendo feito lodo com a saliva, aplicou-o aos olhos do cego” (Jo 9:6). Ainda, a Bíblia revela que quando os sacerdotes entrassem na tenda da congregação, ou quando fossem ministrar no altar, deveriam lavar as mãos e os pés com água para não morrerem, e “isto lhes será por estatuto perpétuo, a ele e à sua posteridade, através de suas gerações” (Ex 30:20,21). Ou seja, se um relato bíblico e histórico é entendido como uma ordem para o povo de Deus e deve ser visto em forma de Ato Profético, deveríamos, então, trair Jesus, pois Ele mesmo disse “O que fazes, faze-o depressa”; deveríamos tirar as sandálias toda vez que entrássemos na presença de Deus em oração, na igreja ou em uma reunião espiritual com irmãos (Ex 3:5); deveríamos cuspir na terra e fazer “lodo” para passar nos olhos dos cegos para os quais oramos (Jo 9:6); deveríamos lavar as mãos e os pés todas as vezes que fôssemos oferecer algum tipo de serviço ao Senhor, para não sermos mortos (Ex 30:20,21) etc.

O fato é que esses atos, encontrados em sua grande maioria no Antigo Testamento, são direcionados à um povo, evento ou situação específica, e a Bíblia está apenas relatando o que houve. A Bíblia não está estabelecendo uma regra ou dizendo que deveríamos reproduzir o ato. Ainda, o leitor da Bíblia deve observar o que o texto está dizendo, para quem está dizendo e para quando está dizendo. Muitas vezes algumas pessoas erram porque se apropriam de promessas que dizem respeito ao povo de Israel no Antigo Testamento, como se isso dissesse respeito a nós hoje. Portanto, uma coisa é a Bíblia relatar um fato, e outra coisa completamente diferente é a Bíblia dar uma ordem direta e aplicável a nós hoje, como essa:

Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.” (1Co 5:11-13)

Em terceiro lugar, erram por ignorar a suficiência das Escrituras.

A busca por Atos Proféticos é gerada pela sensação de que a Bíblia não é suficiente para nos falar, para nos corrigir e nem para nos orientar, e muito menos para suprir nossas reais necessidades.

O apóstolo Paulo alerta seu discípulo Timóteo sobre isso:

Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4:1-5)

Exatamente por essa razão, Jesus disse: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22:29).

O fato é que tais pessoas sentem a necessidade de algo mais, de uma nova experiência. Isso ocorre porque se afastaram dos princípios elementares da fé cristã e do Sola Scriptura. Para estes a Sagrada Escritura já não é suficiente, pois buscam algo mais. Contudo, esquecem que os atos dos profetas no Antigo Testamento, normalmente, estavam relacionados com o afastamento do povo dos princípios estabelecidos pelo Senhor, e como este povo estava negligenciando a Sagrada Escritura, Deus usa de outro meio para lhes falar ao coração. Por isso, ao buscar um suposto e hipotético Ato Profético estão apenas confessando publicamente o quão distante se encontram da Bíblia Sagrada.

Em quarto lugar, erram na contextualização e na aplicação dos princípios bíblicos.

Um exemplo que pode ser citado para ilustrar a questão é a armadura de Deus, em Efésios 6:10-20. Ali, naquele texto, o apóstolo Paulo utiliza o artifício da ilustração para falar de verdades espirituais, e essas verdades são ilustradas através de uma realidade física. Ou seja, Paulo usa a armadura romana para falar da verdade da batalha espiritual, alicerçada no Evangelho da Paz (sandálias), Justiça (couraça), Salvação (capacete), Fé (escudo) e a Palavra de Deus (espada). Isso não quer dizer que o cristão tenha que usar uma armadura de verdade, ou que tenha que ter miniaturas de armaduras em sua casa como uma mandala, patuá ou amuleto, para estar protegido, pois isso seria superstição. Da mesma forma, os atos encontrados no Antigo Testamento, por exemplo, não precisam ser repetidos em nosso meio hoje, pois semelhantemente isso seria superstição, ou no mínimo seria o mesmo que achar que um método pode substituir ou provocar a ação do Espírito Santo, o que seria recair no erro do pragmatismo. Mas, é exatamente isso o que tem acontecido, quando essas “práticas” e “ações” são executadas com a finalidade de “bloquear”, “anular”, “derrubar” ou “vencer” fortalezas espirituais. Isso é o mesmo que os espíritas fazem ao usar sabonetes e sal grosso para tomar banhos de descarrego, ou usar alguns pós com supostos poderes especiais que acreditam poder livrar as pessoas de mal olhado, ou quando usam o pé de pinhão roxo para proteger suas casas e comércios, ou quando fazem um despacho para, supostamente, fechar o corpo contra maus espíritos. Tudo isso não passa de superstição, paganismo, feitiçaria e macumbaria.

Além do mais, é preciso destacar que não encontramos nenhuma ordem bíblica para que façamos tais coisas. É preciso relembrarmos que uma coisa é a Bíblia relatar algo que ocorreu, e outra, completamente diferente, é a Bíblia ordenar que pratiquemos algo.

Por isso, mais uma vez é preciso repetir o que o escritor aos Hebreus declara:

Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, NESTES ÚLTIMOS DIAS, NOS FALOU PELO FILHO, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles.” (Hb 1:1-4)

Portanto, no passado Deus utilizou alguns meios didáticos para ensinar o povo e conduzi-los à verdade da chegada e da presença do Messias, Jesus Cristo. Mas, a partir de Jesus o meio que Deus tem utilizado é o próprio Jesus, mediante a ação do Espírito Santo, por meio da Sagrada Escritura. Se no passado Deus usou, por exemplo, o Urim e o Tumim (Ex 28:30), hoje Ele usa a Sua Sagrada Palavra, revelada aos Seus filhos.

Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar. (Hb 4:12-13)

Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus. Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra.” (2 Tm 3:14-17)

A transferência de geração como um ato profético

A ideia de “Transferência de Geração”, praticada pelo grupo Diante do Trono, é caracterizada simplesmente como uma distorção e afastamento das Escrituras, baseada em manipulações de datas.

Para ver o vídeo da “Transferência de Geração” no youtube, clique aqui.

O argumento utilizado para se defender a “Transferência de Geração” é de que existe uma promessa em Joel 1:3, em que são citadas cinco gerações, sabendo que uma geração dura em torno de 40 anos. Além disso, afirmam que um país só é considerado como tal após a sua independência, e como a independência do Brasil só ocorreu no dia 7 de setembro de 1822, a promessa de Deus é conduzida até meados dos anos 1980. Os defensores deste pensamento afirmam especificamente o ano de 1982. Então, essa geração de 1982 seria a responsável por promulgar um santo jejum, convocar uma assembleia solene, congregar todos os anciãos e todos os moradores da terra para a Casa do SENHOR e clamar à Ele (Joel 1:14).

O primeiro problema com o argumento utilizado é para quem foi destinada a promessa de Joel 1:3. Para quem o Texto está falando?

O contexto do livro de Joel diz respeito a devastação da terra por uma dupla praga, de locustas [3] e seca. Então, a promessa de Joel é de que se o povo de Israel voltar à adoração do Deus verdadeiro, a sua terra será restaurada, tanto da praga dos gafanhotos como da seca. Portanto, essa profecia diz respeito às pragas derramadas sobre o próprio povo de Deus por sua apostasia, na época de Joel. Dessa forma, se o fundamento para a transferência de Gerações, praticada pelo Diante do Trono, é o texto de Joel, então esse grupo está confessando publicamente a sua apostasia, assim como foi com o povo do profeta Joel.

O profeta Joel alerta o povo de que essa praga não deveria ser esquecida, e, por isso, precisava ser relembrada às gerações futuras para que estas gerações entendessem que ela era a representação de um juízo ainda maior no porvir. Se esta praga foi terrível, o Dia do Senhor será muito mais (Jl 2:1-11). Portanto, o que deveria ser lembrado às gerações futuras era o derramamento do juízo de Deus, que não tem nenhuma relação com a suposta Transferência de Gerações.

O segundo problema com o argumento utilizado é que não há nenhuma evidência bíblica de que uma geração dure 40 anos, como essas pessoas desejam.

Orlando Boyer afirmou que a geração é a “duração média da vida de um homem” (1998, p.292) [4], e Werner Kaschel e Rudi Zimmer afirmaram que uma geração é a “sucessão de descendentes em linha reta: pais, filhos, netos, bisnetos, trinetos, tataranetos (Sl 112.2; Mt 1.17)” (1999, p.79) [5], ainda afirmaram que geração pode ser o “conjunto de pessoas vivas numa mesma época” (Idem).

Então, o texto bíblico de Mateus 1:17 nos diz que de Abraão até Davi são 14 gerações, em que temos um tempo médio de mil anos. Portanto, cada geração dura em média 71 anos. Ainda, o Salmo 90:10 nos diz que “os dias da nossa vida chegam a setenta anos”, que é a duração média de uma vida. Portanto, aqui, uma geração dura em média 70 anos.

Com isso, não há nada que faça pensar que uma geração dure 40 anos, como pretendem os defensores dos Atos Proféticos e da Transferência de Geração.

O terceiro problema com o argumento utilizado é afirmar que um país só é considerado como tal após a sua independência. Mas a promessa de Joel não tem nenhuma relação com a formação de um país, especialmente porque o Israel étnico sempre existiu como nação, preservando a sua cultura e religiosidade, até mesmo quando não tinha um território, e mesmo durante os cativeiros. Ainda, este povo só passou a ser reconhecido como um país em 1948, quando foi fundado o Estado Moderno de Israel.

O quarto problema com o argumento utilizado é tentar fazer uma correlação entre esta profecia e o Brasil. Não existe nada no texto, absolutamente nada, que dê chance para isso. Dessa forma, podemos ver claramente como esses grupos distorcem a Bíblia deliberadamente e como fazem isso contando sempre com a falta de conhecimento, falta de discernimento e falta de entendimento do povo. Esse é um claro exemplo de como a Bíblia tem sido tratada com desprezo e descaso por esses grupos.

Para piorar a situação, ainda mais, utilizam os textos de 1Samuel 16:13 e 2Coríntios 3:4-6 para fundamentar a prática de Transferência de Geração. Vejamos os textos:

Tomou Samuel o chifre do azeite e o ungiu no meio de seus irmãos; e, daquele dia em diante, o Espírito do SENHOR se apossou de Davi. Então, Samuel se levantou e foi para Ramá. (1Sm 16:13)
E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus; não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. (2Co 3:4-6)

O texto de 1Sm 16:13 relata o encontro entre Davi e Samuel, quando Davi foi ungido pela primeira vez. Esse texto fala da chamada de Davi ao trono de Israel, mas não pode ser visto como algo que se repete nos dias de hoje, especialmente porque o texto diz que nesse momento, com Davi, o Espírito do SENHOR se apossou dele. Contudo, na Nova Aliança o Espírito Santo se apossa do convertido no momento da conversão. Por isso que o apóstolo Paulo nos diz que “em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (1Co 12:13). E diz mais, pois “não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8:9). Portanto, não podemos afirmar que o fato de alguém ser ungido com azeite nos dias de hoje é o princípio para a chegada do Espírito Santo e nem para a Sua descida. Muito menos que é sinal da aprovação Divina.

O que vemos com isso, mais uma vez, é a apropriação indevida de um texto que está em outro contexto, dentro de outra Aliança e que é dirigido à outra pessoa. Um texto que é descritivo e que é manipulado para parecer uma ordem direta ou orientação Divina para sua repetição na atualidade.

O texto de 2 Coríntios 3:4-6 é outro que tem sido muito distorcido e mal interpretado por muitas pessoas. Essa passagem diz respeito a Nova Aliança, em que todo membro é um sacerdote, diferente da antiga Aliança. Se na antiga Aliança havia um grupo exclusivo de sacerdotes, na Nova Aliança todo membro é um ministro e sacerdote, como pode ser visto aqui. Portanto, todo aquele que nasceu de novo é um ministro da Nova Aliança, e esta Aliança não é da letra, ou seja, não é igual àquela que foi gravada com letras em pedras (3:7), porque a letra mata (3:6). Mas que letra é essa? Como já foi dito, é a letra que foi gravada em pedras (3:7), isto é, a Lei que foi dada à Moisés. Esta letra que mata, portanto, não tem nenhuma relação com o estudo ou pesquisa, mas com a Lei do Antigo Testamento.

Nesse sentido, Moisés fez algo que poderia ser visto como um ato profético, pois ele passou a usar um véu sobre a face. Porém, o apóstolo diz que “não somos como Moisés, que punha véu sobre a face, para que os filhos de Israel não atentassem na terminação do que se desvanecia” (3:13), e que para alguns, “até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido” (3:14). Por isso, não precisamos de certos artifícios, porque se essa letra em tábuas de pedra é vista como “ministério da condenação”, devemos entender que “em muito maior proporção será glorioso o ministério da justiça” (3:9), que é o que vivemos hoje na Nova Aliança. E este véu, usado por Moisés, foi apenas um artifício utilizado por ele para que o povo não percebesse que a glória de Deus estava desvanecendo. Portanto, o uso desse tipo de prática, nos dias de hoje, é apenas uma tentativa de ludibriar o povo, um artifício, para que este pense que a glória de Deus está presente ali, naquele “rosto”.

Por isso, não precisamos de Atos Proféticos e nem de unções descabidas.

Por isso, podemos ver com clareza como esses grupos distorcem a Sagrada Escritura, a exemplo da utilização de 2Coríntios 3:17: “Ora, o Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, ali há liberdade”.

Bem, a liberdade quando é do Senhor nem dá lugar à carne (Gl 5:13), nem deturpa a verdade do Evangelho (1Pe 2:16) e nem causa escândalo (2 Co 6:3). Já que esse não tem sido o caso desses grupos só podemos concluir, biblicamente, que essa liberdade que têm utilizado não provém de Deus e que mais uma vez o texto bíblico utilizado não fundamenta as suas práticas.

Por último, só para entender com mais clareza como a prática do Ato Profético é uma distorção e como tem sido utilizada para fins antibíblicos, vejamos o que René Terranova diz sobre a relação que existe entre Ato Profético, mapeamento de genealogia e maldição hereditária:

A Bíblia relata que os judeus davam muita importância à genealogia, ao conhecimento de suas origens. Os judeus ortodoxos têm o costume de registrar a genealogia de suas famílias. Nós poderíamos ter essa cultura, mas nossa história é muito mal formada. Mal conhecemos a identidade de nossos pais, muito menos do nosso povo e nem sabemos como retratar nossa árvore genealógica. Um dos nomes de Jesus é Raiz de Davi, porque no contexto messiânico se Jesus não fosse a Raiz de Davi, não seria o Messias (Mt. 1). Em certas ocasiões, poderemos tentar uma conquista de território, mas nosso argumento genealógico poderá ser empecilho por não termos respaldo local ou não termos um nome de família honrado. Deus pode mudar esse quadro restaurando a nossa genealogia com um ato profético de quebra de maldições dos antepassados. Procure pelo menos descobrir quem foram seus familiares até a quarta geração que lhe antecedeu. Quando resgatamos a nossa história genealógica conhecendo nossas origens, fica mais fácil quebrar maldições hereditárias [6].

Contudo, Colin Brown Lothar demonstra que esse tipo de pensamento não passa de uma heresia, e que já era praticada por grupos anticristãos a exemplo do gnosticismo, ebionismo e pelos defensores dos misticismos judaicos:

Genealogia ocorre no NT somente em 1Tm 1:4 e Tt 3:9, e alude especificamente à prática de pesquisar a árvore genealógica a fim de estabelecer a descendência. Segundo qualquer exegese direta, aqueles que assim faziam somente podem ter sido judeus, que, a partir de genealogias do AT e de outras, estavam propagando todos os tipos de “mitos judaicos”, bem como, provavelmente, especulações gnósticas pré-cristãs. É também possível que os ebionitas empregassem argumentos semelhantes para atacarem a doutrina do nascimento milagroso de Jesus que circulava na igreja cristã [7].

Portanto, a única coisa que podemos perceber com tudo isso é que estamos simplesmente presenciando o surgimento de heresia em cima de heresia e que não há nada novo debaixo do sol (Ec 1:9).

Que Deus nos ajude.

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Notas:
[1] Atos proféticos na Igreja – comandos do Espírito Santo. Disponível em: <http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=9>. Acesso em: 24 abr 2014.
[2] O que é um ATO PROFÉTICO?. Disponível em: <http://reavivamentoeuropa.wordpress.com/o-que-e-um-ato-profetico;. Acesso em: 24 abr 2014.
[3] Locusta é uma espécie de gafanhoto.
[4] BOYER, Orlando. Pequena Enciclopédia Bíblica. São Paulo: Vida, 1998.
[5] KASCHEL, Werner; ZIMMER, Rudi. Dicionário da Bíblia de Almeida. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.
[6] Atos proféticos na Igreja – comandos do Espírito Santo. Disponível em: <http://www.reneterranova.com.br/site/content/ministracoes.php?id=9>. Acesso em: 24 abr 2014.
[7] LOTHAR, Colin Brown. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000. p.855

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Fonte: NAPEC
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É Ele quem converte o nosso coração

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Por Vinícius Corrêa


E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis.” [Ezequiel 36:26-27]

Esse é um dos textos elencados no antigo testamento que me traz mais alegria e esperança. Toda vez que leio esse texto meu coração se enche de alegria, pois me mostra que a salvação não depende de nós, mas do soberano Deus.

Onde está o livre arbítrio? Onde está a decisão do homem?

Observe que o próprio Deus toma a iniciativa de ir até o pecador, e muito mais do que isso, ele arranca o coração de pedra, que não é capaz de se voltar a Deus, não sente nada, é incapaz de exercer volição positiva, e coloca um coração de carne, que é capaz de amar a Deus e guardar seus estatutos.

Observe que o homem natural possui um coração incapaz de amar, isso lhe é inato, esse homem está emaranhado em pecados, sua natureza lhe imputa essa situação; ele está caminhando a passos largos para o inferno, cumprindo a justiça de Deus, que puniu com a morte todos os filhos de Adão. Mas mesmo com todo furor de sua ira, Deus soberanamente escolheu trazer para seu lado alguns desses homens que estavam caminhando em direção contrária a sua graça.

Mas como trazer esse homem de volta ao criador, se ele ama mais o mundo e seus rudimentos?

O próprio Deus, com sua potente mão retira o coração de pedra e coloca um coração de carne, muito mais do que isso, Ele coloca dentro de nós seu Santo Espírito, que é a garantia de nossa salvação, é o selo de nossa remissão, é aquele que nos sustenta e nos converte de nossos maus caminhos.

Mas esse homem pode se desviar?

De forma alguma!!! Todos aqueles que foram convertidos por Deus, e receberam o Espírito Santo estão seguros, pois o próprio Deus os faz andar em seus caminhos e guardar seus estatutos, é Deus quem preserva o pecador, do contrário fora, ainda com a conversão esse homem se desviaria do reto e digno caminho, e voltaria as suas antigas práticas.

Minha oração é que em sua vida toda glória da salvação seja dada a Deus, que você entenda que antes dEle arrancar seus coração de pedra, você era injusto e indigno de estar na presença dEle.

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Fonte: Gospel Prime
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Erros de interpretação da Bíblia - desejos do coração

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Neste vídeo, o Pastor Marcos Granconato mostra o erro de interpretação em Salmos 37:4 onde muitos se respaldam para conseguir a bênção de Deus conforme os desejos do próprio coração (emprego, carro novo, namoro, casamento). Assista e tire suas conclusões:



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Fonte: Roberto de Carvalho Forte, via Youtube
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Vivendo “Já” com Vistas ao “Ainda Não”

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Por Heber de Campos Jr.


O cenário brasileiro tem experimentado um influxo impressionante de livros que abordam o tema da cosmovisão. Simplificando um assunto bastante complexo, cosmovisão diz respeito a pressuposições que todo o ser humano possui (esteja ele consciente ou não) que residem em nosso mais interior (coração) formando assim uma orientação de vida, um comprometimento com verdades pelas quais você vive e morre. Trata-se de um conjunto de motivações, crenças, certezas, valores e ideais que formam o instrumento interpretativo da realidade, além de ser a base de nossas ações e decisões.

Devido à tradição reformada refletir sobre esse assunto há mais tempo do que qualquer outro segmento da cristandade (com nomes como James Orr, Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, Francis Schaeffer, etc.), os autores modernos tratam de certos marcos históricos do cristianismo como fundamentos da cosmovisão reformada: criação, queda e redenção. Esse tripé tem sido uma das características mais comuns entre os livros que tratam de cosmovisão. Não que outros cristãos não afirmem tais acontecimentos na história da humanidade, mas são os reformados que costumam enfatizar com maior frequência a importância de considerar a praticidade desses eventos para o nosso dia a dia.

Esses pilares históricos não devem ser vistos como meros conceitos ou categorias intelectuais. Não se tratam de proposições atemporais. A cosmovisão é uma história, a história da humanidade, a nossa história. Esse elemento existencial não pode ser esquecido no estudo de cosmovisões. Sendo assim, é quando encarnamos as verdades dessa história, e vivemos conscientes dessa história, que nossa cosmovisão se coaduna com a revelação bíblica. Viver à luz da criação significa, por exemplo, relacionar-se com as pessoas mais complicadas à luz do fato de ainda serem imagem e semelhança de Deus. Viver à luz da queda implica em não nutrir sonhos utópicos resultantes do esforço humano para construir uma sociedade melhor. Viver à luz da redenção envolve a noção de uma redenção tão abrangente que afeta pessoas não só em sua espiritualidade, mas em todas as áreas de sua vida, inclusive o seu habitat.

Na área da redenção é que calvinistas têm o perigo de comunicar uma mensagem indevida. Se por um lado, atacam corretamente o pessimismo do mundo evangélico em não integrar a fé às várias áreas de nossa atuação secular, por outro lado, correm o risco de criarem uma falsa expectativa de nossa atuação no reino de Deus. Desde a célebre obra de H. Richard Niebuhr, Cristo e Cultura, os calvinistas têm sido descritos como possuindo uma visão transformacionista da cultura. De acordo com Niebuhr, os calvinistas não são essencialmente contra a cultura, nem a recebem indiscriminadamente, não colocam a fé em um patamar acima da vida comum, nem mantém a fé e a vida comum em constante tensão. Eles se colocam como agentes transformadores da cultura. Autores modernos têm perpetuado essa leitura de Niebuhr e falado da importância de uma fé holítisca no engajamento cultural. Os proponentes dessa visão falam de ir além de envolvimento cultural. [1] Os cristãos devem trazer os efeitos da obra redentora de Cristo para as várias esferas da vida.

Precisamos de cautela para não sermos nem pessimistas demais, nem otimistas demais. Aos cristãos cabe o redirecionamento da cultura numa direção redentiva que a restaure, o máximo possível, dos efeitos do pecado. Isto não significa que nossa postura é de “transformação”, uma palavra otimista demais. Nossa atitude é de Reforma, participando dos movimentos de Deus em restaurar certas áreas da sociedade inclinada ao mal. Podemos ser instrumentos de Deus para frear a derrocada moral e espiritual como foram os reis de Judá que operaram Reforma após períodos de grande incredulidade e vileza (Ex: Asa, Ezequias, Josias). A Reforma Protestante do século 16, o Grande Despertamento na América colonial e Inglaterra do século 18, foram movimentos em que Deus freou a decadência de um povo e permitiu que certas áreas da sociedade fossem reformuladas segundo o padrão bíblico. A linguagem de Reforma impede que sejamos pessimistas quanto ao que Deus pode fazer neste mundo antes da segunda vinda de Jesus.

Todavia, para que não sejamos otimistas demais, faz-se necessário acrescentar ao tripé reformado um quarto pilar: o da consumação. Tal inclusão ajuda-nos a separar o “já” e o “ainda-não” da história da redenção. Isto é, a consumação é o completar da redenção, mas não é para esta vida e não é operada pela igreja. Se, por um lado, somos e devemos ser “sal da terra” (Mt 5.13) no sentido de contribuir para o retardamento da putrefação de nossa sociedade – esse aspecto está de acordo com a visão transformacionista –, por outro lado, a parábola do joio (Mt 13.24-30, 36-43) é uma demonstração de que a construção de uma sociedade com a consequente retirada do mal no mundo será uma realização de Deus por intermédio dos seus anjos (isto é, sem a participação do ser humano) e não ocorrerá nesta vida (como é o anseio de muitos seres humanos).

David VanDrunnen faz uma ressalva à visão transformacionista de representantes modernos como Henry R. Van Til (O Conceito Calvinista de Cultura), Cornelius Plantinga (O Crente no Mundo de Deus) e Albert M. Wolters (A Criação Restaurada). Ele chama atenção para um elemento preocupante da escatologia dos transformacionistas:

“Os autores transformacionistas tendem a colocar muita ênfase no caráter já manifesto do reino escatológico. Embora eles obviamente reconheçam que Cristo está voltando e que somente então é que todas as coisas serão perfeitamente restauradas, é curioso que a sua comum divisão tripartida da história em criação, queda, e redenção não inclua a quarta categoria de consumação. Lendo nas entrelinhas, eu sugiro que o relacionamento muito solto entre a transformação da cultura agora e a transformação final a ser realizada no retorno de Cristo contribua substancialmente para a ausência dessa quarta categoria… [Para eles] A obra de trazer a realização perfeita do reino escatológico na presente terra começa já nos esforços culturais do cristão aqui e agora. Consumação parece ser o clímax de um processo de redenção que já está a caminho ao invés de um evento único e radical na história.” [2]

VanDrunnen acertadamente nos lembra do aspecto radical e único da consumação. Cristo não irá só completar o que começou. Ele irá mudar tudo radicalmente. Após o amor esfriar, a apostasia se alastrar, e este mundo ser permeado por um governo maligno, Deus irá eliminar todo o mal com fogo (2 Pe 3.10-13) e para o fogo (Ap 21.10) a fim de criar Novo Céu e Nova Terra.

A ênfase no envolvimento com a cultura, por parte dos transformacionistas, é positiva. Afinal, não fomos remidos para vivermos em um gueto cristão, nos relacionando somente com crentes, realizando tarefas eclesiásticas, criando uma cultura separatista. Porém, nós não fomos chamados para remir a cultura que, de acordo com a Escritura, tende a piorar devido à apostasia. Somos instrumentos para remir pessoas, isso sim. A mensagem de Paulo no Areópago não transformou a cultura de Atenas, mas alcançou pessoas. Só Deus, e isto na consumação, é que promoverá a extinção das culturas pecaminosas e a santificação dos costumes e do conhecimento humano. Só Deus conseguirá plena redenção da cultura.

Kevin DeYoung, avaliando a perspectiva missiológica da igreja moderna, afirma que o que “está faltando na maioria das conversas sobre o reino é alguma doutrina de conversão ou regeneração. O reino de Deus não é essencialmente uma nova ordem da sociedade. Isso era o que pensavam os judeus nos dias de Jesus… Creio que entendo o que as pessoas querem dizer quando falam sobre redimir a cultura ou ser parceiras de Deus na redenção do mundo, mas o fato é que precisamos encontrar outra palavra. A redenção já foi realizada na cruz. Não somos parceiros na redenção de nada. Somos chamados a servir, dar testemunho, proclamar, amar, fazer o bem a todos e embelezar o evangelho com boas obras, mas não somos parceiros de Deus na obra da redenção. De modo similar, não há um texto nas Escrituras que fale que os cristãos constroem o reino. Ao falar sobre o reino, o Novo Testamento usa verbos como entrar, buscar, anunciar, ver, receber, olhar e herdar… no Novo Testamento nunca somos aqueles que trazem o reino.” [3]

Essa observação é muito perspicaz. O problema fundamental dessa tendência, de acordo com DeYoung, é que eles “estão repletos de ‘já’ e carentes de ‘ainda não’ em sua escatologia.” [4]

Creio que o equilíbrio foi estabelecido pelo nosso Salvador nas parábolas do reino em Mateus 13. Se por um lado a parábola do joio nos apresenta uma redenção completada pelo Salvador sem a nossa participação, por outro lado temos as parábolas do grão de mostarda e do fermento (Mt 13.31-33) que falam do crescimento e da influência dos princípios do reino na sociedade. Não podemos ser extremados em nosso entendimento escatológico. Toda escatologia que enfatiza só o que Deus já fez, e está fazendo, produz uma cosmovisão ufanista demais. Toda escatologia que destaca o que Deus irá fazer na segunda vinda de seu Filho, sem levar em conta a redenção que se iniciou na primeira vinda, gera uma visão pessimista do crente no mundo. Precisamos de equilíbrio em nossa cosmovisão. Precisamos viver o “já” com vistas ao “ainda não”.

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Notas:
1 – “De vez em quando os cristãos dizem que nosso alvo principal é mudar o indivíduo, não o sistema. O dualismo persiste: de algum modo nossa vida espiritual pode ser separada de nossa vida cultural, e isso significa que podemos trabalhar no sistema aceito.” Walsh e Middleton, A Visão Transformadora, p. 89. Essa forma de colocar o problema demonstra o espírito revolucionário de subverter o sistema, o qual é próprio dos autores.
2 – David Vandrunnen. “The Two Kindgoms: A Reassessment of the Transformationist Calvin”, Calvin Theological Journal 40, no. 2 (nov 2005), p. 252.
3 – Kevin DeYoung e Tedd Kluck, Por que amamos a igreja (São Paulo: Mundo Cristão, 2010), p. 50, 51.
4 – DeYoung e Kluck, Por que amamos a igreja, p. 40.

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Fonte: Ministério Fiel
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Pragmatismo religioso

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Por Michael Horton


"Sabe, porém isto: Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os homens serão egoístas, avarentos jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, antes amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes. Pois entre estes se encontram os que penetram sorrateiramente nas casas e conseguem cativar mulherinhas sobrecarregadas de pecados, conduzidas de várias paixões, que aprendem sempre e jamais podem chegar ao conhecimento da verdade. E, do modo por que Janes e Jambres resistiram a Moisés, também estes resistem à verdade. São homens de todo corrompidos na mente, réprobos quanto à fé; eles, todavia, não irão avante: porque a sua insensatez será a todos evidente, como também aconteceu com a daqueles" (II Tim. 3:1-9).

A Inglaterra, que uma vez já foi conhecida pela sua vitalidade espiritual, agora está mergulhada numa letargia espiritual e a visão missionária dos Estados Unidos está substituindo aquilo que a Inglaterra deixou de lado. Além disso, muita coisa do que Deus está fazendo hoje está acontecendo fora desses dois países. Eu espero que a Igreja no Brasil esteja em constante oração para que, a partir do Brasil, uma outra reforma e um grande despertamento venha e tome conta do mundo.

Não sabemos o que Deus vai fazer no mundo, mas seria muito emocionante se pudéssemos fazer parte daquilo que Ele deseja fazer no Brasil. É maravilhoso ser um cristão e saber que Deus tem todas as coisas debaixo do Seu controle. Todos nós sabemos da necessidade de um grande avivamento, mas ao mesmo tempo existe uma grande polêmica nesses dias sobre a questão. Sem sombra de dúvidas, se convidássemos as pessoas para uma reunião de avivamento, muitas delas viriam com conceitos diferentes do que é avivamento. Assim sendo, faz-se necessário ter uma definição clara em nossa mente do significado desse termo. Qual a diferença entre avivamento e avivalismo, se assim podemos chamar?

Avivalismo e Pragmatismo

Avivalismo, especialmente na tradição deixada por Charles Finney, é, na realidade, um fenômeno americano e queremos tratar de parte desse fenômeno. Não somente porque é um produto feito na América, mas porque muitos dos movimentos que estão vindo dos Estados Unidos para outras partes do mundo têm essa visão característica de entender avivamento segundo o modelo de Charles Finney.

Esse modelo tem como base o que nós chamamos de pragmatismo. Se você for abrir um negócio você tem que ser pragmático e se você vai criar uma família, existe uma série de considerações práticas que você precisa sempre ter em mente; e, certamente, o mesmo se aplica quando nós estamos fundando uma Igreja e queremos desenvolvê-la.

Todos sabemos que há preocupações práticas que devemos considerar, mas o pragmatismo é uma filosofia que empurra para a periferia uma série de princípios fundamentais e elege, como único fator relevante, a questão: “Isso funciona?”

Quais os perigos do pragmatismo? Voltando para o texto de II Tim. 3:1-9, consideraremos primeiramente os aspectos relativos à nossa chamada para o ministério. Vejamos, então, o contexto do nosso ministério. Paulo se refere a esse contexto como sendo o dos “últimos dias”. Sabemos que os “últimos dias” começaram com o tempo dos apóstolos, e terminarão com a segunda vinda do nosso Senhor. Portanto, estamos vivendo nos “últimos dias”, como, também, Timóteo estava vivendo nos “últimos dias”. Qual é o contexto, então, do ministério nesse período entre as duas vindas de Cristo? Paulo diz, em primeiro lugar, que nos últimos dias os homens serão amantes de si mesmos.

Narcisimo e Auto-Estima

Christen Lash, um sociólogo americano bastante conhecido, escreveu um livro sobre a cultura americana cujo título é: “O culto do Narcisismo”. Essa é uma acusação difícil de se fazer, porque o que ela implica é que a cultura americana é uma cultura onde as pessoas se endeusam. E como vocês se lembram “Narciso” é o nome daquele jovem da lenda grega que costumava admirar o seu próprio reflexo no espelho das águas. Mas isso não somente é parte da nossa cultura, como também se tornou parte das nossas igrejas. Muitos dos movimentos que se entitulam “avivados”, em nossos dias, simplesmente estão reavivando o narcisismo, ou seja: a adoração do “eu”. Isso pode ser visto na declaração de um desses pastores que afirmou: “A Reforma errou porque foi centralizada em Deus e não no homem, como devia ser”. Esse pastor escreveu um livro cujo título é: “Crendo no Deus Que Crê em Você”. Uma certa ocasião, trouxemos esse cidadão para falar no nosso programa de rádio. Então eu li essa passagem, onde Paulo diz que as pessoas serão amantes de si mesmas, e perguntei-lhe: “Como você pode dizer às pessoas que a salvação começa com o amor próprio, quando Paulo diz que nos últimos dias as pessoas serão amantes de si mesmas? Não estaria ele dizendo que isso é uma coisa errada, e que nós não devíamos ser amantes de nós mesmos? E como Deus vai nos fazer felizes com esse falso evangelho narcisista?”

O que está acontecendo é que a piedade e a santidade deixaram de ser os referenciais pelos quais julgamos se um movimento é ou não é do Espírito. Assim, o critério que tem sido adotado é: “Funciona? Vai me fazer feliz? Vai me ajudar a criar minha família? Vai consertar o meu casamento?”. Todas essas questões são importantes, à luz das Escrituras, mas não são as mais importantes.

Em segundo lugar, Paulo diz que eles serão amantes do dinheiro. Porque as pessoas amam excessivamente a si mesmas, elas criam o evangelho da auto-estima; e porque as pessoas amam excessivamente o dinheiro, elas criam o evangelho da prosperidade.

Rebeldia, desprezo pelo passado e busca do prazer

Paulo diz ainda que haverá muito orgulho e revolta contra as autoridades. Haverá pessoas desobedientes aos pais. Uma geração não se preocupará com a geração anterior. O cantor Bob Marley escreveu uma música sobre a cultura americana dizendo: “Povo do futuro, onde está o teu passado? Povo do futuro, quanto tempo vocês vão durar?” O povo que não tem passado também não tem futuro. Não sei se Bob Marley era crente, mas com certeza esses versos refletem um ponto de vista bíblico ao tentar se segurar naquilo que pede o seu passado.

Eu quero lhes garantir que se levarem a doutrina bíblica a sério, muitos irmãos e irmãs vão lhes dizer que vocês não estão andando nos passos do Espírito; vão lhes dizer que o Espírito Santo hoje quer fazer uma coisa inteiramente nova, tal como nunca fez no passado. E o que vocês vão falar? Vão falar sobre os grandes avivamentos do passado, sobre a Reforma? Qual o valor disso para os amantes de si mesmos e materialistas? Eles responderão que Deus está fazendo algo completamente diferente nos dias de hoje. Mais uma vez eu quero lembrar que isso faz parte do narcisismo que diz o seguinte: - “eu é que sou importante e aqueles da minha geração é que são importantes e não os que vieram antes de nós”.

E ele diz também que as pessoas serão hedonistas, amantes do prazer, nos últimos dias; como ele diz no verso 4, serão mais “amigos dos prazeres que amigos de Deus”. Mais uma vez queremos enfatizar: Se você perguntar em uma Igreja: “Vocês concordam com o hedonismo?” Creio que ninguém vai responder sim a essa pergunta. Mas se você entrar numa livraria evangélica, se ouvir uma emissora de rádio evangélica, se prestar atenção a muitos sermões evangélicos, você ouvirá mensagens afirmando  que o Cristianismo é a melhor maneira para você se auto-realizar. Quantos testemunhos temos visto que funcionam como comerciais de televisão? Nos Estados Unidos, temos aquelas propagandas de dieta que mostram uma pessoa antes e depois da dieta. Muitas vezes, os testemunhos dos crentes são assim: “Antes eu era triste, agora sou feliz; antes eu era deprimido, mas agora eu estou extremamente motivado para viver”. Esses são benefícios maravilhosos, mas, por vezes, a verdade é que nós, como cristãos, nos tornamos tristes. Algumas vezes, o caminho da cruz é o caminho do sofrimento, e nem sempre estamos tão entusiasmados a respeito disso. Apesar de tudo isso, a perspectiva que predomina nos nossos dias é que temos que viver para satisfazer a nós mesmos.

Moralidade sem piedade

No verso 5 do texto destacado, Paulo diz: “tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder”. Veja bem! O que Paulo está dizendo é que pode haver uma moralidade sem Deus. Existem pagãos que tem uma vida moral excelente, e há ímpios que acreditam ser errado você trair sua esposa. Há pessoas não cristãs que têm famílias muito boas. Mas será que este é o propósito do cristianismo? Consertar tudo aquilo que está moralmente errado no mundo, ou será que o foco está em Deus, nos Seus mandamentos justos, e no Evangelho pelo qual nós devemos viver?

É esse o contexto do nosso ministério. Então respondamos à pergunta: Qual o nosso chamado para o ministério? O exemplo de Paulo é alguma coisa que temos de imitar nesse sentido. Mas agora perguntamos: Como, historicamente, essa filosofia do pragmatismo dominou o pensamento moderno? A figura mais destacada no cenário evangélico, neste sentido, é a de Carlos Finney. Quantos de vocês já ouviram falar de Charles Finney? Quase todo mundo. Isso é significante porque Finney é uma pessoa muito importante para aqueles que são proponentes do movimento de crescimento da Igreja e do movimento de sinais e prodígios.

Evangelho ou Pragmatismo?

Charles Finney era presbiteriano, mas atacou a Confissão de Fé de Westminster que ele próprio subscrevera. Ele a chamou de: “um papa de papel”. Ele dizia, no século XIX em que viveu: “Nós já somos pessoas muito ilustradas e racionais para acreditar em todas essas coisas aí que a Confissão de Fé está dizendo”. Vejam algumas das coisas que Charles Finney escreveu:

Quando o homem se torna religioso - disse Finney - ele não recebe um poder que não tinha antes, ele simplesmente muda a sua vontade, e resolve seguir, agora, numa direção moral. Religião é obra do homem, não é um milagre e nem depende de um milagre em qualquer sentido; é simplesmente um resultado filosófico do uso correto de técnicas. O homem já possui, por natureza, toda a habilidade necessária para prestar perfeita obediência a Deus, portanto o objetivo do ministro é emocionar as pessoas até que se disponham a tomar essas decisões.

Foi dessa filosofia que nasceu o que ficou chamado naquela época de “novas medidas introduzidas por Finney”. Por exemplo: O sistema de apelo para que as pessoas se manifestem fisicamente e caminhem até à frente em resposta à pregação nasceu com Charles Finney, nesse período. Em sua Teologia Sistemática, Finney nega explicitamente a doutrina do pecado original. Ele diz ainda que a doutrina da substituição vicária de Cristo é uma ficção, e que a justificação pela graça, por meio da fé somente, é “outro evangelho”. Com certeza, é um evangelho diferente daquele que Finney estava pregando.

É isso que Paulo diz a Timóteo, quando fala de pessoas que têm forma de piedade mas negam, entretanto, o seu poder. Afinal de contas, onde reside o poder da piedade? É o poder de Deus para a salvação! E que poder é esse? É o evangelho de Jesus Cristo! Somente o Evangelho pode nos capacitar a viver a vida cristã. Portanto, é possível ter moralidade sem piedade; e esse é o resultado do pragmatismo.

Mais tarde, tornou-se conhecida a idéia de D.L. Moody. Ele disse no século XIX que não faz nenhuma diferença como você leva alguém a Deus; se você conseguir fazer isso, não importa o meio. O importante é levar, de qualquer maneira, a Deus.

Uma vez perguntaram a Moody: Qual é a sua teologia? Ele disse: “Minha teologia? nem sei se eu tenho uma!”. Vejam bem! Moody era um vendedor de sapatos, e um dia ele disse que ao se tornar evangelista não mudou de profissão, o que ele havia feito era trocado de produto.

Como abordamos o pragmatismo corporativo da nossa cultura? Alguns dizem que a contribuição distinta da América para a história da filosofia foi a criação do pragmatismo. Um dos grandes pais do pragmatismo e quem o transferiu da esfera religiosa para a esfera secular foi William James. Ele era filho de pastor; pastor, ele próprio, e também professor da Universidade de Harward. Ele disse: “Faça a seguinte pergunta: Como é que você define que determinada verdade é o que você deve crer?” E acrescentou: “A resposta é que você tem que determinar o seu valor em termos de experiência e resultado”. Então, com princípios pragmáticos, analisou a doutrina de Deus dizendo o seguinte: “Se a doutrina de Deus funciona, então é verdade. O pragmatismo tem que adiar questões dogmáticas porque no começo nós não sabemos qual reivindicação doutrinária vai produzir resultado”.

Acredito que quase ninguém iria marcar essas coisas num exame tipo teste dizendo que acredita nelas, mas, na prática, o que acontece é que esse é o credo do evangelicalismo mundial hoje. Um evangelista americano famoso disse: “Não tente entender, simplesmente comece a desfrutar, porque funciona; eu já tentei”. Ele estava falando a respeito da meditação transcendental da Nova Era. Na década de 50 do nosso século, esse pragmatismo se desenvolveu em termos de pensamento positivo. Foi então publicado um livro chamado “A Mágica do Crer”. Esse livro propõe que há uma certa qualidade mágica no simples ato de crer. Porém, a verdade é outra. No cristianismo, o que salva não é o ato da fé, mas sim o objeto da fé. Nós não somos salvos pela fé, não somos justificados pela fé; nós somos justificados pela justiça de Cristo que nos é imputada. Mas hoje em dia, desenvolveram essa equação de que fé é igual a pensamento positivo. Na realidade, essa última frase que mencionei foi uma citação de Peter Wagner.

Deus como objeto de consumo

Muito bem! Esses conceitos funcionam numa sociedade materialista, que está satisfeita e centralizada no ego; pode funcionar muito bem na América do final do século XX, pode ser até que funcione em São Paulo também, e pode funcionar em Londres. Mas imagine o seguinte quadro: Você vai a um cristão do século I e diz a ele que a razão principal pela qual ele está indo para a boca dos leões é porque o Cristianismo funcionou melhor do que as outras religiões!

Os testemunhos que temos no Novo Testamento são muito diferentes dos testemunhos que nós vemos hoje em dia. No Novo Testamento temos a palavra de testemunhas oculares, que é muito mais importante que o nosso próprio testemunho. O que é que Paulo disse em I Cor. 15? Ele disse: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e é vã a vossa fé... Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens”. Ele não diz “pelo menos vocês têm uma vida feliz e saudável!”. E ele também não está dizendo “Bem! o que é que você pode perder?” Por que Paulo não fez isso? porque ele não era um pragmático. Paulo fundamentava todas as reivindicações da fé cristã no Evangelho verdadeiro.

Temos que nos perguntar: “Será que não estamos usando a Deus? Será que, finalmente, não embarcamos nesse consumismo da nossa sociedade? Será que não estamos tratando a Deus como tratamos um produto?” São perguntas muito importantes que devem ser feitas a nós mesmos. “Será que Deus está nos usando ou nós estamos usando a Deus?”

Reavivamento e Reforma não virão à Igreja até que a mentalidade dos crentes seja desviada desse egoísmo humano, da centralização no homem que Paulo descreve, para o verdadeiro Evangelho e para Deus.

Nos Estados Unidos, temos um adesivo que diz: “Jesus é a resposta”. Os incrédulos fizeram um outro adesivo para retrucar a esse: “Qual é a pergunta?” Considere, agora, o que diz o pragmatismo: “Eu não sei qual é o seu problema, mas qualquer que seja, Deus pode resolver. O seu carro está enguiçado? A sua vida familiar não está progredindo como devia? Deus pode consertar em um piscar de olhos!”. Assim, passamos a consumir a Deus. Nós usamos a Deus, ao invés de amá-Lo, servi-Lo e honrá-Lo.

Muito bem! Então qual é o propósito do nosso ministério? Vejamos o que diz Paulo:

Tu, porém, tens seguido de perto o meu ensino, procedimento, propósito, fé longanimidade, amor, perseverança, as minhas perseguições e os meus sofrimentos, quais me aconteceram em Antioquia, Icônio e Listra, - que variadas perseguições tenho suportado! De todas, entretanto, me livrou o Senhor. Ora todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos. Mas os homens perversos e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção para a educação na justiça. a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, que não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as cousas, suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério (II Tim. 3:10-4:5).

O modelo apostólico

Em primeiro lugar, o propósito do nosso ministério é seguir o modelo apostólico. Paulo menciona aqui o seu ensino, a sua maneira de viver, o seu propósito, a sua fé, a sua paciência, o seu amor, e a sua perseverança diante das tribulações. Perseguições? Sim! É o que ele diz no verso 12. Todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos. Será que é isso o que estamos ouvindo hoje? Ou será que estamos ouvindo outra mensagem? Algumas vezes você vai pensar que não está dando certo, que as coisas não estão funcionando como deveriam, como lemos em Romanos, capítulo 7. Nós sofreremos como cristãos, e ainda vamos sofrer com os nossos pecados.

A proclamação da Lei e do Evangelho

Além de seguir o seu exemplo, Paulo quer que Timóteo também se firme naquelas verdades que aprendeu quando era jovem. Veja que Paulo, ao invés de nos levar à questão do pragmatismo: “Será que funciona?”, ele nos conduz para as Escrituras. Ele diz: “'prega a Palavra', com muita paciência instruindo as pessoas. Porque haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina. Ao contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como quem sente coceira nos ouvidos” (4:3).

Vejam! sempre temos coceira nos ouvidos. Pragmatismo não é uma coisa nova. Na realidade já foi praticado desde o jardim do Éden. Quando Eva viu que a árvore era agradável para se ver, para descobrir o conhecimento e desejável para trazer entendimento; então ela tomou do fruto e comeu. O que significa para nós “pregar a Palavra”? O que Paulo quer dizer no verso 5 “Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista”?. O que ele quer dizer com isso, “pregar a Palavra”? Vez após vez, Paulo e os demais escritores bíblicos nos dizem que isso é a proclamação da lei. Na verdade, é pela proclamação da lei santa de Deus que nós somos tocados e feridos. A lei de Deus vem até nós e ela não vem dizendo assim: “Eu vou transformar a tua vida numa vida feliz!”, ela não vem dizendo: “Vou te dar prosperidade!”. Na realidade, a lei vem para nos dizer exatamente aquilo que Deus tem dito que requer de nós. A lei nos confronta com a glória de Deus e a nossa pecaminosidade torna isso aterrorizante!

Finalmente, o Evangelho vem e causa também impressão em nós. Há uma Igreja no Estado do Arizona, cujo pastor, numa entrevista que foi publicada na revista Newsweek, disse: “As pessoas hoje em dia não estão preocupadas com doutrinas como justificação, salvação ou expiação. Nos dias de hoje, ninguém entende esses termos. O que nós precisamos fazer é atender as necessidades das pessoas!”

Imaginem um professor! Vocês não acham que seria muito estranho se o professor chegasse dizendo assim: “Não posso ensinar o alfabeto para esta criança porque ela ainda não sabe português”. Esse é o tipo de argumento que esse pastor estava apresentando. Tanto que o que hoje se passa com o nome de pregação, na realidade, não é pregação da Palavra. Porque não apresenta nem a Lei nem o Evangelho. Esses pastores começam decidindo o que é que as pessoas de sua igreja desejam ouvir. Quais são os pontos que estão em moda hoje? Quais são as necessidades das pessoas dos dias de hoje? E aí, então, eles vão às Escrituras e procuram e acham passagens que podem ser usadas para apoiar essa necessidade, ao invés de, indo ao texto, perguntarem primeiro como a santidade de Deus nos convence do nosso pecado e como o Evangelho de Cristo pode ser tão claro que até pecadores como nós podem se arrepender e crer.

Mas vocês, irmãos e irmãs, ouçam o que Paulo diz, sejam sóbrios em todas essas coisas, preguem a palavra, suportem as aflições, façam o trabalho de evangelista, e cumpram cabalmente o ministério.

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Palestra proferida por ocasião do V Simpósio “Os Puritanos”, realizado em Águas de Lindóia, SP, de 10 a 14 de junho de 1996. Michael Horton é professor no Seminário Reformado em Orlando, Flórida (USA), fundador e presidente do movimento “Cristãos Unidos pela Reforma”, na Califórnia, e autor de diversos livros. [Você também poderá baixar o eBook deste artigo clicando aqui]

Fonte: Os Puritanos
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