Sobre a resposta de um arminiano ao Granconato

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Anda circulando na internet a resposta de um arminiano ao Granconato, sobre o texto de Mt 11:21-24. Não vou tratar sobre esse texto. Deixo os comentários para os exegetas de plantão. Quero falar sobre a presciência divina como a solução mágica para explicar o caráter divino.

Para o arminiano, não existe qualquer possibilidade de coexistência da eleição incondicional, vulgo predestinação, com o amor, misericórdia e justiça divinos. Ou Deus é estas três últimas coisas ou ele predestina. Na percepção de muitos respeitáveis e dedicados teólogos, Deus eleger de acordo unicamente com a sua vontade o tornaria um cruel e desamoroso tirano, pois estaria impedindo que alguns fossem ao céu, ao mesmo tempo que a outros concederia  esse privilégio de “mão beijada”. Está bem, então, vamos trabalhar com a mesma lógica, mas em sentido oposto.

Ora, sendo Deus bom, amoroso, misericordioso e justo, ele deveria conceder, pela lógica arminiana, a todos os homens iguais oportunidades de conversão e “acesso” a sua graça. Mas nós sabemos que isso não acontece. Deus não dá a todos os homens a mesma chance de conversão. Alguns ouvem o evangelho uma vez, outros uma centena. Há quem se converta somente na centésima. E então, como é que fica a justiça divina nesse caso?

Seguindo em frente, vamos considerar agora que Deus prevê quem irá se converter e quem não, e partir para uma ilustração. José e João têm, hoje, dez anos. Deus já viu que José se converterá, e que João não. Imaginemos agora que você tivesse acesso a essa informação. Você até poderia pregar para João, mas saberia que ele sempre permaneceria na incredulidade. “Sim, claro, por escolha dele”, objeta o arminiano. Mas seja sincero: não lhe parece o destino de João tão determinado quanto o de um não predestinado? Para se livrar dessa pedra no sapato, alguns arminianos e(in)voluíram para a Teologia do Processo ou Teísmo Aberto. Pronto, problema resolvido. Ninguém está mais com o destino selado, nem por você mesmo, nem por Deus. 

Mas o ponto chave é este: não estaria Deus sendo cruel ao mandar para o inferno uma pessoa, quem quer que seja? Se Deus é amor, misericordioso e justo, não haveria um modo diferente de resolver o problema que não enviando pecadores insensatos para o inferno? Afinal, Deus é Deus, e não seria difícil para ele achar outra solução.

Você enxerga o problema nessa argumentação? Se não, eu deixarei mais claro aqui. Sempre que tentamos encaixotar o amor, a bondade, a misericórdia e justiça de Deus, impondo limites ao que é ou não bom e justo, nós nos tornamos juízes de Deus. A ânsia de servir a um deus politicamente correto tem levado muitos a tentar explicar a participação divina nas tragédias de uma maneira mais adocicada, boazinha.

Falta ao arminiano aceitar que Deus é tudo isso que vivem repetindo dentro de Seu próprio padrão de conduta, que não é igual ao nosso. Ele não está sujeito ao tempo, espaço e à matéria como nós. Por que, então, estaria sujeito às mesmas regras morais? Deus mandou dizimar povos, matou “inocentes” criancinhas primogênitas no Egito, e Ele manda para o inferno pessoas boas aos nossos olhos. Mas aí está o problema. Tudo isso que entendemos como bom ou ruim, espiritualmente falando, está distorcido. É por isso que pessoas boas (aos nossos olhos) vão para o inferno. As pessoas boas de verdade vão para o Paraíso.

O calvinista verdadeiro aceita o que a Bíblia diz. Deus é amor, é justo e todo aquele leque de qualidades que podemos enumerar, ao mesmo tempo que reconhece que Deus também elege segundo bem quer e endurece o coração de alguns para recusarem sua vontade.

A verdade é que não dá para um calvinista discutir com um arminiano, porque o arminiano quer entender e explicar Deus, enquanto o calvinista se limita a aceitar Deus como Ele é, mesmo que não possa, é claro, compreender todos os mistérios.

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Autor: Renato César
Divulgação: Bereianos
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Série Credo Apostólico - Parte 3: Jesus Cristo é o Senhor

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INTRODUÇÃO

“Creio em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor”. O credo passa a focar, em especial, na pessoa de Jesus Cristo, e o motivo é simples: É através de Cristo que temos a plenitude da revelação. Através dele conhecemos o Pai e por seu intermédio foi nos concedido o Espírito Santo. No que se convencionou a chamarmos de “economia da salvação”, o papel de Jesus Cristo é de fundamental importância. Não é a toa que os que são integrantes do povo de Deus são identificados como cristãos.

“Jesus Cristo é o Senhor” foi uma confissão de fé surgida nos primórdios da igreja. Sua abreviação era similar a palavra “peixe” em grego, daí usarmos o peixe como um dos símbolos da religião cristã. Em tempos de perseguição, o peixe era colocado nas catacumbas dos que guardaram a sua fé até a morte.

É importante frisarmos que o Cristianismo vindica para si um caminho exclusivo para que nos cheguemos a Deus por meio de Cristo. Ele é o único mediador entre o divino e o humano, não há outro trajeto que se possa percorrer. O credo pós-moderno vai dizer que muitos caminhos levam a Deus, e que Ele pode ser encontrado em todas as religiões. Todavia, a ortodoxia cristã afirma que apenas por meio da fé em Cristo Jesus, nós somos conectados ao nosso Criador.

Não é raro vermos pessoas que se dizem conectadas com Deus, mas que rejeitam a pessoa de Cristo. Outros até o consideram, mas carregam uma imagem distorcida dele. Há quem queira puxar sardinha para o seu lado e se utiliza da figura de Jesus como se este fosse garoto propaganda de determinada ideologia. Uns vão dizer que ele foi da esquerda, outros rebaterão. Para uns Jesus é um pacificador boa praça ao estilo dos hippies dos anos 1960. Outros o veem como um filósofo popular e sincrético. O próprio Cristo falou que no fim dos tempos haveria falsos cristos. Talvez estes não sejam sempre homens (como o patético Inri), mas sim conceitos distorcidos de quem ele realmente é. A resposta de Pedro, relevada pelo Espírito Santo, é a de que ele é o Filho do Deus vivo. E João Batista deu a definição que devemos sempre professar e proclamar: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! Essa confissão de fé é uma antítese e não uma síntese. Toda vez que sintetizamos o Evangelho, é como se diluíssemos o vinho com água antes de oferecê-lo, ou seja, uma fraude.

Devemos estar atentos ao testemunho bíblico sobre Jesus. Pois, se ele não é o que diz ser nas páginas da Escritura, ou foi um lunático ou um charlatão. Estas são as duas alternativas caso não confessemos, tal como o credo nos ensina, que Jesus Cristo é o filho de Deus e o nosso senhor.

NÃO É UM SOBRENOME

Algo que precisamos compreender, antes de qualquer coisa, é que Cristo não é o sobrenome de Jesus. Cristo é o termo grego equivalente ao termo hebraico “messias”. O Messias, que por sua vez significa “o ungido”, é o enviado de Deus para governar o seu povo. Ele é o esperado por Israel, pregado pelos profetas e anelado pelo povo. Quando chamam Jesus de Cristo, estão reconhecendo que ele é aquele que fora anunciado nas páginas do Antigo Testamento. O tão aguardado salvador havia chegado.

Jesus, de fato, é nome. Quando lemos Mateus 1.21, no anúncio do nascimento de Cristo pelo anjo Gabriel, ele fala acerca deste nome, que já nos dá uma pista do que Deus planeja com aquele menino que está para nascer. Jesus significa “Deus salva”. Alguns crentes judaizantes dizem que o correto seria referir-se ao salvador como Yeshua, pois, alegam que este é o verdadeiro nome, sendo Jesus uma adulteração no nome santo. Um dos seus principais argumentos é o de que nomes próprios não são traduzidos. Todavia, Jesus não é tradução, mas sim transliteração. A transliteração é um recurso utilizado para facilitar a fonética de uma língua para outra, ela nada mais é que uma versão de letras, pois, nem todas as letras estão em todos os alfabetos.

O Novo Testamento, escrito em grego “koiné” faz a transliteração de diversos nomes. Tomemos por exemplo Jacó, um dos patriarcas. No hebraico seu nome é Yaacov, mas os redatores neotestamentários usaram Iacobo, que no português tornou-se Tiago, ou seja, Jacó e Tiago possuem o mesmo significado, que é enganador – literalmente aquele que pega pelo calcanhar. O mesmo se dá com Jesus, que é o equivalente grego para Josué. O Novo Testamento original não faz nenhuma distinção entre as nomenclaturas Jesus e Josué, apenas o contexto diferencia o sucessor de Moisés e o Messias, Filho do Deus Vivo.

Logo, quem defende o uso estrito de Yeshua, ao invés de usar Jesus, se fosse para seguir a risca, chamaria Moisés de Moshe, João de Yohanan e por aí vai. Nem Deus seria pronunciado dessa forma, ao invés disso falaríamos todos Elohin. Portanto, não há nada de errado quando falamos Jesus Cristo, embora, pelo fato do segundo ser um título, a grafia mais correta deveria ser Jesus, o Cristo.

Explicado o nome do nosso redentor, passemos agora a analisar os dois títulos que o Credo lhe confere.

FILHO DE DEUS

De uma forma geral, Deus é o pai de sua criação. Daí, todos os seres humanos podem ser vistos como filhos de Deus, no sentido de serem suas criaturas. Outra filiação se dá por adoção. Os filhos de Deus são aqueles que Ele adotou para si: “Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade” (Efésios 1:5).

Como podemos ver, esta adoção se dá por meio de Jesus, que é o Filho de Deus na eternidade. É nesse sentido que Jesus é singularmente o Filho de Deus, pois, é o filho não criado, mas eternamente gerado do Pai. O que quer dizer que compartilham da mesma essência, logo, quando é dito que Jesus é o Filho unigênito de Deus (João 3.16), reconhecemos a sua natureza divina. Lembremos que o Deus a quem professamos é Trindade, logo, o Pai e o Filho são duas personas distintas, porém, estão unidos em essência, compartilhando da substância divida na eternidade.

Alguns teólogos, baseados na filiação eterna de Cristo, dizem que ele sempre foi subordinado ao Pai, todavia, consideramos tal posição equivocada. Na eternidade Pai e Filho são iguais em atributos, poder e glória. Devido a natureza divina ser indivisível, seus atributos estão presentes de maneira igual entre todas as pessoas da Trindade.

É bem verdade que no plano da salvação, Jesus se coloca numa condição servil. Ele é o servo sofredor, conforme Isaías profetizou, pois esvaziou-se (ler Filipenses 2). Sendo assim, Jesus se subordina ao Pai enquanto encarnado em seu ministério terreno. Mas sua relação intra-trinitária não possuí esse caráter servil. Para ilustrar, mesmo sendo filho, é como se Jesus fosse um filho adulto, que não é subserviente ao seu pai, embora o estime e continue mantendo o elo do amor na filiação.

SENHOR

No Antigo Testamento, Senhor é o termo usado para referir-se a Deus. Por ser considerado sagrado ao extremo, o nome de Deus não era mencionado, e então Senhor servia para nomear o Divino. Quando Jesus é chamado de Senhor, ele está sendo reconhecido como Deus, o mesmo de Abraão, Isaque e Jacó. Os judeus tentaram matar a Cristo quando ele se colocou como sendo “Eu Sou”, o Deus revelado aos patriarcas e profetas: “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou!” (João 8:58).

Mas este termo também implica dizer que Cristo é o dono de todas as coisas e por meio dele tudo subsiste. O Novo Testamento se refere a Jesus como Salvador apenas 16 vezes; chama-o Mestre 64 vezes; mas proclama-o Senhor umas 650 vezes! Como disse, certa feita, Abrahan Kuyper: “Não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: é meu!”

CONCLUSÃO

Ter Cristo como Senhor é o que tem faltado a muitos que dizem professar a fé em sua pessoa. Os indivíduos que confessam a Jesus falam o quanto amam seu salvador e batem na tecla de que ele as salvou. Isso é uma verdade: Cristo salva! No entanto, não devemos separar o Redentor do Senhor. Cristo redime um povo e o coloca em baixo de seu senhorio, de modo que a vida que vivem os salvos não mais são as suas vidas, mas passam a ser a vida de seu Senhor Jesus Cristo.

O apóstolo Paulo resume bem o que é viver debaixo do senhorio de Cristo ao escrever aos irmãos da Galácia: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2:20).

Devemos entender que a vida cristã é de renúncia e submissão. Determinada linha doutrinária de nossos dias, que apesar de ser bem popular, é herética, coloca o homem no papel de decretar e dizer aquilo o que Deus deve fazer. Isso não é biblicamente coerente. Por isso devemos ter cuidado e refletir se em nossa relação com nosso SENHOR, somos realmente humildes e subservientes a Sua vontade.

Agora nos é importante lembrar que o nosso Senhor não é um tirano ou um despótico. Aos seus discípulos ele chama amigos (João 15.15) e, paradoxalmente, servi-lo é ter liberdade. Lembrando que quem não tem a Cristo como Senhor é servo de outro patrão: o Diabo. Vive preso em suas redes e tem um trágico fim. Ele geralmente vem bem apresentado, tem muitas artimanhas para escravizar o homem. Os falsos deuses são os artifícios de Satanás para seduzir. Dinheiro, sexo, poder são suas armas mais usadas. Todavia, que diante de um senhorio concorrente, possamos dizer tal qual Josué diante do povo de Israel que estavam se curvando perante ídolos:

Se, porém, não lhes agrada servir ao Senhor, escolham hoje a quem irão servir, se aos deuses que os seus antepassados serviram além do Eufrates, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra vocês estão vivendo. Mas, eu e a minha família serviremos ao Senhor”. - Josué 24:15

Soli Deo Gloria 

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Autor: Pr. Thiago Oliveira
Divulgação: Bereianos

Leia também:
Série Credo Apostólico - Parte 1: Um Símbolo da Fé Cristã
Série Credo Apostólico - Parte 2: Pai, Todo Poderoso, Criador
Série Credo Apostólico - Parte 4: O Redentor no Espaço-Tempo
Série Credo Apostólico - Parte 5: O Padecimento do Cristo
Série Credo Apostólico - Parte 6: A Vitória do Cristo
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Série Credo Apostólico - Parte 2: Pai, Todo Poderoso, Criador

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INTRODUÇÃO

Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra”.

O Credo, como visto no texto anterior, tem uma estrutura trinitariana. O Deus confessado pelos cristãos não é outro senão o Pai, Filho e Espírito Santo. Três personas que dividem entre si a essência Divina, de modo que não existe hierarquia e subordinação. As três personas da Trindade são iguais em seus atributos, por isso que há unidade na pluralidade. O Deus Triúno é o Deus verdadeiro, confessado pelos cristãos.

No primeiro postulado do Credo, o enfoque recai sobre Deus Pai. E aqui vale ressaltar que chama-lo de “Pai” é imprescindível para todo aquele que deseja ser fiel a revelação da Escritura. O motivo da ressalva é que em alguns círculos, onde impera o liberalismo teológico, fazem a alegação de que chamar Deus de Pai é uma atitude sexista que endossa a visão patriarcal da antiguidade. As feministas até dizem que esse nome revela o machismo que há na Bíblia e subvertem a nomenclatura - alguns coletivos de mulheres que se dizem cristãs e feministas adotaram a palavra “Mãe” para se referir ao SENHOR.

Obviamente, Deus não tem gênero, mas se manifesta na Escritura como Pai. Isso não é apenas um termo usado pelos patriarcas do Antigo Testamento. Jesus, que é o ápice da revelação, diz que Deus é Pai e até mesmo nos instruí a orar, nos dirigindo ao “Pai nosso que está no céu”.  Acusar a Bíblia de ser um livro sexista ou machista é de uma leviandade imensa. Tais baboseiras são fruto de quem carrega pressupostos que não são bíblicos e trazem esses pressupostos para a interpretação do texto sagrado. Nós não podemos interpretar a Escritura com outro ponto de partida que não seja o conteúdo da própria Escritura. Nisso, o credo nos ajuda a nos mantermos fieis aos pressupostos bíblicos, pois resume o conteúdo da revelação contida nas páginas sagradas da Bíblia.

Como cristãos, precisamos crer que a Bíblia é a Palavra de Deus, pois o próprio Cristo pregou isso e adotou, na prática, o lema do sola Scriptura (somente a Escritura). Vejamos:

  • Cristo leu Isaías em Nazaré, textos que falavam acerca dele mesmo (Lucas 4. 14-30).
  • Cita três vezes o livro de Deuteronômio ao ser tentado pelo Diabo (Lucas 4.1-13).
  • Cita Gênesis ao ser indagado sobre o divórcio (Mateus 19).
  • Menciona uma passagem de 1 Samuel ao ser questionado por fariseus (Mateus 12).
  • Explana todo o Antigo Testamento no caminho de Emaús (Lucas 24.14-35).

Logo, se Cristo atestou a veracidade da Escritura, nós também devemos. Toda a Bíblia é inspirada e nos serve como fonte de revelação para que sejamos edificados mediante o seu conteúdo. A Escritura precisa assumir o seu lugar central em nossas vidas. Os homens são conduzidos à fé através da Palavra e este é o método ordinário que Deus usa para chamar o seu povo para Si. O Credo nos dá uma excelente contribuição ao ser formulado com base no texto sagrado. Ele nos lembra de que por sermos cristãos, somos o povo da Bíblia, detentores da revelação.

TRANSCENDÊNCIA E IMANÊNCIA

Pai Todo Poderoso revela que Deus é transcendente e imanente. Esse Deus a quem chamamos de “nosso Pai” é aquele que vai até as suas criaturas, revelando coisas sobre Si mesmo e instando os homens a se relacionarem com Ele através de um pacto. A revelação e a interação de Deus com a sua criação, sobretudo no relacionamento com os homens é o que na Teologia se chama imanência.

Mas, a imanência só faz sentido quando nos damos conta de que este Deus, que por sua soberana vontade se faz presente em nosso meio, é transcendente. O que isto quer dizer? A transcendência nos lembra que Deus está acima da criação, ele não pode ser confundido com nada do cosmos. Ele está para além de tudo o que existe no mundo criado. Como diz a segunda parte do primeiro postulado do Credo, Ele é o “Criador do céu e da terra”.

Quando paramos para contemplar a dimensão do mundo criado, muitas vezes nos surpreendemos com a sua imensidão. Todavia, nosso planeta é apenas um ponto azul no Universo que possui inúmeras galáxias. Mas o Criador é maior que a sua criação. O mundo criado não é “o corpo de Deus”. A matéria não é eterna, pois, Deus criou do nada (ex nihilo). Ele fez a matéria pelo poder de Sua palavra. O relato da criação demonstra o poderio do Senhor. Lemos em Gênesis 1 que bastava Deus falar “haja” e as coisas surgiam. Tudo bom e perfeito, refletindo a excelência do Autor da criação.

É pensando na transcendência divina que a imanência nos salta aos olhos como uma dádiva graciosa. Esse Deus, que está para além das coisas criadas, interage com a sua criação e, por graça, se relaciona com homens, chamando para si um povo, que pode se chegar ousadamente diante do trono da graça e chama-lo de Pai, a fim de obter misericórdia (Hb 4.16).

OS ATRIBUTOS DE DEUS

Quando o Credo afirma que Deus é Todo-Poderoso, nos remete aos seus atributos. Em sua essência, desde a Eternidade, Deus sempre foi o que Ele é. Quando se revela a Moisés, e este lhe pede seu nome para dizer ao povo. E a resposta de Deus é a seguinte:

Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês”. Êxodo 3:14

“Eu sou o que sou” reflete a imutabilidade de Deus. Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Não muda em sua essência por já ser pleno, ser perfeito. Deus não evolui e nem se aperfeiçoa. Ele é! Diante de sua essência imutável, ficamos cientes de que tudo o que Ele revela sobre si mesmo são atributos que sempre fizeram parte de Deus, de modo que desde a eternidade Ele é o Deus Todo-Poderoso, justo, santo e fiel.

Os atributos divinos revelam a singularidade do Pai Celestial. Ele pode todas as coisas (onipotência), pois nada pode frustrar os seus desígnios. Aquilo que foi arquitetado pelo SENHOR não pode deixar de ser cumprido. Com seu poderio Ele controla todas as coisas e sabe todas as coisas (onisciência). Não há nada que podemos esconder, pois Deus está em todos os lugares (onipresença).  Nem mesmo o futuro surpreende a Deus, pois Ele tem conhecimento das coisas por vir, pois, toda História é de sua autoria e tudo está decretado de maneira que ninguém pode dar um passo fora de seu roteiro. Como Deus é eterno, não limitado ao tempo, passado e futuro são contemplados por Ele, tal qual o presente.

CRIADOR

Esse Deus Todo-Poderoso, ao criar céus e terra, não faz isso por sentir que algo lhe falta. Não é a solidão que move o projeto da criação. Deus se autossatisfaz. No relacionamento trinitário, sempre houve amor entre os componentes da Trindade, de modo que em si mesmo há pleno contentamento. Quando Deus cria o mundo e todos os seres que povoam o mesmo, faz para o louvor de Sua glória. E por graça, faz do homem a coroa da criação e põe nele a Sua imagem. Mas o motivo para Deus fazer tal coisa não pode ser “humanizado”. Não devemos enxergar nenhuma necessidade em Deus que o levou a criar o mundo e os seres humanos.

Outra coisa que devemos ressaltar é que todo elemento criacional, ou seja, a matéria, não faz parte de Deus. Como vimos, Ele transcende a sua própria criação. Mesmo relacionando-se com ela, e intervindo no mundo criado, o SENHOR é totalmente outro. Nenhuma partícula do universo faz parte da essência eterna do “Eu sou”. Nisso, os panteístas, que acreditam que a essência divina está em cada parte da natureza, estão equivocados em sua crença.

O mandamento que proíbe fazer imagens de Deus (Êxodo 20.4) reflete essa questão. Pois, ao retratarmos Deus com alguma figura da criação, o estaríamos rebaixando. Os israelitas fizeram um bezerro de ouro fundido quando estavam no deserto e Arão falou: “aí está o teu deus” (Êxodo 32.4). Seu pecado foi muito grave, quebraram o mandamento e reduziram o Deus Todo Poderoso a uma imagem de um animal quadrúpede. Não foi sem motivo que a ira do SENHOR foi manifesta entre o seu povo.

CONCLUSÃO

O Deus da Bíblia é este que o Credo nos mostra como sendo Pai, Todo-Poderoso e Criador. É assim que ele se revela e assim podemos adorá-lO com base no conteúdo revelado. É por termos a revelação que podemos falar sobre o Divino. Na Escritura sabemos quem Deus é e o que Ele requer de nós, suas criaturas. Mesmo que o conteúdo não seja exaustivo, de modo que há muita coisa sobre Deus que nos é mistério, em contrapartida, existe um abrangente conteúdo revelado que nos informa coisas sobre o SENHOR que nos são suficientes para adorá-lO e devotar a Ele nossas vidas.

Louvamos a Deus por Ele ter se revelado a nós e partilhado informações tão importantes que também nos ajudam a conhecermos a nós mesmos, pois, ao saber que existe um Criador, ficamos cientes de que somos suas criaturas. Também sabemos que somos seus filhos, por ser Ele o nosso Pai. Além do mais, é consolador ter o conhecimento de que Deus pode todas as coisas e que diante de tamanho poderio, temos esperança de que Ele há de nos conduzir com braço forte, nos protegendo de todo mal, agindo para o nosso bem, segundo o beneplácito de Sua vontade.

Soli Deo Gloria

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Sobre o autor: Thiago Oliveira é graduado em História e especialista em Ciência Política, ambos pela Fundação de Ensino Superior de Olinda (Funeso). Mestrando em Estudos Teológicos pelo Mints-Recife. Casado com Samanta e pai de Valentina, atualmente pastoreia a Igreja Evangélica Livre em Itapuama/PE.

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Leia também:
Série Credo Apostólico - Parte 1: Um Símbolo da Fé Cristã
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Série Credo Apostólico - Parte 6: A Vitória do Cristo
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Aconselhamento Noutético

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Noutético vem da palavra de origem grega “nouthesia”, que literalmente significa “o ato de pôr em mente” (formado de nous, “mente”, e tithemi, “pôr”). O termo nouthesia é “o treinamento pela palavra”, quer por incentivo, ou, se necessário, por reprovação ou reclamação. Em contraste com isso, o sinônimo “Paideia” enfatiza treinar por ação, embora as palavras sejam usadas em cada aspecto.

O aconselhamento Noutético é um tipo de admoestação cujo objetivo é proporcionar orientação para uma vida correta diante de Deus. O que subentende também correção e a denúncia a qualquer padrão que seja incoerente com o viver cristão. A atividade noutética conforme ensina o Novo Testamento, indica que todos os cristãos, e não somente os pastores, devem ocupar-se no ensino e confrontar-se mutuamente (Rm 15.14). Porém, a atividade noutética caracteriza-se principalmente como parte integrante do ministério pastoral. Ao se despedir dos presbíteros de Éfeso, Paulo descreve, em (Atos 20.31), a atividade que desenvolvera enquanto estivera com eles, e os exortou a continuarem a mesma obra entre o povo.

Paulo foi um missionário, e onde quer que demorasse um pouco mais, atirava-se à sólida obra pastoral necessária para a edificação das pessoas na fé, sendo a atividade noutética parte proeminente dessa obra, razão porque suas cartas estão cheias de nomes de pessoas específicas, com as quais se envolvera muito intimamente. Ele não se limitava a pregar nas praças, mas lidava com as pessoas como indivíduos, grupos e famílias, confrontando-as nouteticamente. Existem três elementos da confrontação noutética que precisamos considerar aqui. Quais sejam:

1 – A atividade noutética e a sua conjunção com “didaskõ”.

Didaskõ é uma palavra grega e significa “Dar instrução” “ Ensino” (Cl 3.16). Em outros textos, contudo, o termo vai além do conceito de “ensino”. A confrontação noutética sempre envolve um problema e pressupõe um obstáculo que tem que ser vencido. A palavra didaskõ não envolve, necessariamente, um problema. Sugere, simplesmente, a comunicação de informação. Não inclui coisa alguma que diga respeito ao ouvinte, mas se refere exclusivamente à atividade do instrutor. A pessoa que está sendo ensinada pode estar ansiosa ou não por receber a instrução. Pode ter gastado razoável quantia ou ter percorrido longas distâncias para recebê-las ou então pode reagir como o típico aluno recalcitrante.

A noutese localiza aquele que faz a confrontação e aquele que a sofre, pressupondo, especificamente, a necessidade que se verifique mudança na pessoa confrontada, a qual pode opor ou não alguma resistência. A idéia de alguma coisa errada, algum pecado, alguma obstrução, algum problema, alguma necessidade que precise ser reconhecida e tratada, é uma idéia fundamental. O propósito básico da noutese é o de efetuar mudança de conduta e de personalidade.

2 - A atividade noutética e a sua conjunção com a “palavra”.

O segundo elemento inerente ao conceito de confrontação noutética é que os problemas são resolvidos por meios verbais. É o treinamento mediante a palavra de encorajamento, quando isso basta, ou de admoestação, de reprovação, de censura, quando estas se fazem necessárias. Assim, ao conceito de noutese deve-se acrescentar a dimensão adicional de confrontação verbal pessoa a pessoa, cujo objetivo é realizar mudança de comportamento e de caráter no consulente. No seu uso cristão, visa pôr em ordem o indivíduo, mediante a mudança de seus esquemas de conduta, de modo que estes se enquadrem nos padrões bíblicos. A mudança de personalidade, segundo as Escrituras, envolve confissão, arrependimento e o desenvolvimento de novos padrões de conduta. Tudo entendido como obra do Espírito Santo, pois tudo o que constitui esse ministério é por Ele tornado eficaz. Os métodos comuns de aconselhamento recomendam longas “excursões” retrospectivas rumo às confusões dos porquês e para-quês da conduta. O aconselhamento noutético aplica-se intensamente à discussão do o quê. O que foi feito? O que precisa ser feito para corrigi-lo? O que deverá constituir as futuras reações e respostas? A ênfase é no o quê, visto que já se sabe o “porquê’, antes de iniciar-se o aconselhamento. A razão pela qual as pessoas se envolvem em problemas em suas relações com Deus e com o próximo está em sua natureza pecaminosa.

3 - A atividade noutética e a sua conjunção com o “benefício ou ajuda”.

O motivo subjacente à atividade noutética é que sempre se tem em mente que a correção verbal visa beneficiar o interessado. Esse terceiro elemento implica em mudar aquilo que, na vida do consulente, o está ferindo. A meta deve ser a de enfrentar diretamente os obstáculos e vencê-los verbalmente, não com o fim de puni-lo, mas sim o de ajudá-lo. A idéia de castigo, mesmo o de cunho disciplinar, não é contemplada no conceito de confrontação noutética. A noutese é motivada pelo amor e profundo interesse, sendo que os consulentes são aconselhados e corrigidos por meios verbais para seu bem. O objetivo final é que Deus seja glorificado.

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Sobre o autor: Jay Edward Adams exerce um ministério de mais de 40 anos na área de aconselhamento bíblico. Obteve seu Ph.D pela Universidade de Missouri e serviu como professor no Seminário Teológico de Westminster por vários anos. Dr. Adams fundou os ministérios Christian Counseling and Educational Foundation (CCEF) e National Association of Nouthetic Counselors (NANC).
Fonte: Exposição Teológica
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O Dia do Senhor e o Culto Reformado

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Até algum tempo atrás, uma das marcas distintivas do culto reformado era o seu compromisso com a santificação do Dia do Senhor como o tempo divinamente prescrito para que o povo da aliança de Deus adorasse esse Deus da aliança.


Esta perspectiva puritana possivelmente está melhor demonstrada na Confissão de Fé de Westminster:

“Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim  também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em todas as épocas, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (= descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo, foi mudada para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado dia do Senhor (= domingo), e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão”.

Dizendo isso, os puritanos estavam em consonância com os reformadores ao dizer que o shabbat (sábado) não era o único dia em que o povo de Deus se reunia para o culto e também não estavam dizendo que a adoração é um tipo de atividade exclusivamente corporativa e que apenas acontece quando a igreja se une para adorar.

Foram os reformadores e puritanos que resgataram para nós a ideia de que adoração é a resposta do crente momento após momento à Palavra de Deus. Ao mesmo tempo eles tinham uma convicção apaixonada quanto a este ponto. Diziam que o culto cristão tem que ser ancorado e baseado no Dia do Senhor. Existe um debate que sempre está presente entre os próprios reformados com relação ao Dia do Senhor e o shabbat (sábado). Devemos considerar o Dia do Senhor como o shabbat? Isso ficará claro à medida que formos expondo o assunto.

Os que creem na perpetuidade do sábado cristão como sendo uma ordenança da graça que é obrigatória para todo povo de Deus, precisam lembrar que não estamos simplesmente engajados num conflito para persuadir nossos irmãos em Cristo e que passagens como Colossenses 2:16-17 não estão abolindo o sábado cristão que foi instituído na criação. Nossa batalha é muito mais séria que isto, pois estamos batalhando para resgatar os irmãos cristãos dos efeitos corrosivos da cultura contemporânea. O que estamos dizendo é, que o assunto tratado aqui, dentro da tradição reformada, não é somente de persuadir nossos irmãos em Cristo do caráter divino, mandatório do sábado cristão (shabbat) como sendo uma ordenança vinda da criação e do Evangelho, mas na verdade estamos diante de um trabalho ainda mais exigente. Ou seja, de persuadir nossos irmãos em Cristo da sabedoria daquele que nos deu o shabbat, do regozijo que é o sábado cristão e dos efeitos corrosivos e fatais de permitirmos que nossa cultura contemporânea venha formatar nossa vida espiritual e dos nossos filhos.

Fiquei extremamente espantado quando, há alguns anos, passei um período nos Estados Unidos e vi que o dia da final do campeonato de futebol, o evento esportivo mais enfatizado do ano, era praticado no Dia do Senhor e que muitas igrejas evangélicas, cristãs, naquele dia, até mesmo que professavam a fé reformada, cancelavam até os seus cultos dominicais para permitir que as pessoas fossem assistir este jogo. Quase não acreditei que isso estivesse acontecendo. Porém, disseram-me que mais igrejas mudariam até o horário de culto para permitir aos crentes irem a esta final de campeonato.

Eu tenho um filho que gosta muito de futebol e gosta muito de jogar. Outro dia ele me perguntou por que se marcavam tantos jogos exatamente no Dia do Senhor. Meu filho gosta muito de futebol e por isso fica frustrado quando não pode jogar e sente falta do jogo, mas mesmo assim não deixa de ir à igreja para participar dos jogos de futebol e nem ao menos pensa nisso. Mas percebo que esta situação vem continuamente se projetando para tomar controle sobre a igreja. 

Levanto esta questão porque o problema não é realmente a guarda do sábado cristão, mas é algo mais profundo que isso. O assunto com o qual nos deparamos é o caráter de Deus, a Sua autoridade, a verdade de Sua Palavra e a sua suficiência. Se estamos convencidos que Deus é bom, somente bom, e que todos Seus caminhos para Seus filhos são sábios e agradáveis, isso nos deveria persuadir a abraçar com alegria a santificação do Dia do Senhor. Não deveríamos ser levados a pensar que as leis do Dia do Senhor não são mais para nós hoje e que por isso têm sido abandonadas por muitos cristãos que professam a fé reformada e que têm se esquecido de santificar este dia. A razão para isso é que eles não têm compreendido o sentido do Dia do Senhor.

O problema é mais profundo. A verdade é que as pessoas perderam o contato de quem Deus é. Creio que dificilmente poderíamos duvidar que, quando o Dia do Senhor não é uma ordenança graciosa, o culto na igreja deteriora e em seguida a sociedade deteriora. O Dia do Senhor é um testemunho da grande benignidade de Deus para com Seu povo e nos dá um tempo divinamente apontado por Deus para que nós O adoremos e Deus mesmo nos dá o foco apropriado em relação à Sua adoração.

Quero apresentar dois aspectos com respeito à guarda do Dia do Senhor.

1) Explicar o caráter obrigatório do Dia do Senhor para o cristão; essa era a convicção dos reformados puritanos e que surgiu de uma compreensão correta das Escrituras.
2) Destacar o significado e os benefícios de se observar o Dia do Senhor reservando-o para um culto que honra a Deus.

Caráter Obrigatório

I) Inicialmente gostaria de dizer que o Dia do Senhor foi instituído por Deus na criação. Lemos em Gênesis 2 que Deus terminou sua obra no sexto dia e no sétimo descansou do que havia feito. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou porque nele descansara de todas as obras que havia feito. Antes que o pecado entrasse no mundo Deus já havia providenciado um sábado (descanso) para Adão e Eva e seus filhos. Nas palavras do grande presbiteriano John Murray, o sábado é uma ordenança da criação dada por Deus para o benefício de todas as Suas criaturas. Geralmente se diz que Calvino ensinava que o sábado, como dia de descanso, havia sido ab-rogado na dispensação do Novo Testamento. Para apoiar isso, são citados seus comentários sobre o quarto mandamento e sua exposição em Colossenses 2:16-17. Sem dúvida existe alguma diferença entre a perspectiva de Calvino e os puritanos, mas na minha opinião são circunstanciais e pequenas. Quando lemos o que Calvino escreveu no seu comentário de Gênesis 2:3, escrito em 1561, dois anos depois da edição final das Institutas, o que é bastante significativo, encontramos uma exposição que o reformador faz de forma sucinta, da sua perspectiva do sábado cristão. Calvino disse:

“Quando ouvimos que o sábado foi ab-rogado pela vinda de Cristo, devemos distinguir o que pertence ao governo perpétuo da vida humana e o que pertence propriamente às figuras antigas. O uso destas foi abolida quando a verdade foi cumprida. Descanso espiritual é a mortificação da carne ao ponto de que os filhos de Deus não devem viver para si mesmos ou permitir livremente as ações de suas inclinações. Assim, na medida que o sábado era uma figura (obs: com isso os puritanos concordariam). Mas, na medida em que foi ordenado aos homens, desde o início, de que eles deveriam se engajar no culto a Deus, é legítimo que o sábado cristão deva continuar até o fim do mundo. O sábado é uma ordenação da criação que é perpétua”.

II) A segunda coisa que tenho para afirmar é que o sábado cristão está baseado no exemplo divino. Esse é o ponto de Moisés em Êxodo 20:11. O ritmo do homem alternado entre trabalho e descanso é o sério padrão do ritmo criador. John Murray faz a seguinte afirmativa: “Podemos pensar no exemplo que Deus nos deu de trabalho e descanso como sendo um padrão de conduta eterno para a raça humana nas ordenanças de trabalho e descanso”.


III) A ordem de Deus para que guardemos o Dia do Senhor está embutida nos dez mandamentos. O quarto mandamento garante e valida a permanência do mandamento para guardarmos o Dia do Senhor e estabelece a guarda do sábado cristão no coração da vida de adoração do povo de Deus. Acho absurdo quando ouço irmãos que, dizendo-se reformados, tentam me convencer que o “shabbat”, o sábado, foi abolido, deixando um dos dez mandamentos fora de validade para a vida do povo de Deus. Na verdade, Deus deu validade à guarda do sábado por colocá-lo dentro do decálogo.

IV) Nosso Senhor Jesus Cristo destacou a importância da permanência do shabbat. Jesus nos diz em Marcos 2.27: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado”. O que mais poderíamos dizer com relação a isso? A minha preocupação é simplesmente mostrar a importância do fundamento da guarda permanente do shabbat. Deus tem gravado esta verdade em Sua Palavra e nós nos desviamos dessa ordenança apenas para sermos prejudicados espiritualmente. Pertence nossa obediência à verdade revelada de Deus e nossa submissão ao nosso Pai amorável. Tendo estabelecido o fundamento bíblico para o dia do Senhor e considerando a transição do sábado para o domingo, quero considerar quais os benefícios e o significado de guardar o dia do Senhor.

Significado e Benefícios


I) O shabbat nos dá uma oportunidade de buscar o Senhor e adorá-lo sem distração. No ano passado passei um tempo no Marrocos visitando famílias cristãs. Viver num país muçulmano como aquele significa não ter liberdade para guardar o Dia do Senhor como os cristãos gostariam. Mas em países como Brasil e Escócia ainda temos o privilégio precioso dado por Deus de preservar e guardar o Dia do Senhor como um dia santo. Irmãos, valorizem o Dia do Senhor; lutem por ele; os assuntos relacionados com a guarda do dia de descanso são profundos. Essa provisão que Deus nos faz que o adoremos sem distração alguma é uma visão que vem do próprio Deus.

II) O shabbat nos dá oportunidade de adorar coletivamente a Deus e buscá-lO juntos. O shabbat enfatiza o caráter bíblico e corporativo do culto que se deve prestar a Deus. O nosso Deus fez uma provisão graciosa por seu povo. Ou seja, que O adoremos juntos. Esta verdade perece dia após dia em nossa época. Desde o iluminismo, na cultura ocidental e particular, o indivíduo tornou-se o centro de todas as coisas e essa preocupação absorvente com o indivíduo desfechou um golpe mortal no pensamento bíblico com respeito à aliança. Os cristãos não têm mais qualquer doutrina, não têm mais esta compreensão do caráter coletivo da Igreja, e mesmo cristãos que se professam reformados não têm mais qualquer sentido do caráter corporativo do culto da aliança. Estou cada vez mais convencido que o sábado cristão é talvez o meio principal usado por Deus de educar o seu povo na vida e no culto do pacto. Guardar o Dia do Senhor, o sábado cristão, é o antídoto poderoso para aquele individualismo absorvente que marca tanto o mundo que nós vivemos como a igreja de Cristo.

III) O shabbat coloca diante de nós os grandes feitos de Deus na criação e na redenção. No sábado cristão somos graciosamente capacitados por Deus em nos centralizarmos na criação e na redenção e despertar nossos corações e mentes ao seu louvor. Calvino coloca o seu dedo exatamente nesse ponto. No livro II das Institutas, capítulo 8, ele diz:

“Durante o repouso do sétimo dia, na verdade, quando Deus determinou que se descansasse no sétimo dia, o legislador divino queria falar ao povo de Israel do descanso espiritual quando os cristãos devem deixar de lado o seu trabalho para permitir que Deus trabalhe neles”.

Em outras palavras, o
shabbat nos dá oportunidade de repousar de nossas próprias obras e nos concentrar nas obras de Deus. Nesse sentido, o shabbat é um símbolo evangélico, um glorioso símbolo semanal da justificação gratuita. Nós vivemos em uma época em que os cristãos andam em busca de sinais e símbolos. Demos a eles o grande símbolo do Evangelho: um dos grandes símbolos e sinais do Evangelho é o shabbat que nos foi dado por Deus.

IV) O shabbat destaca a importância dos cultos matinais e vespertinos. Parece muito simplório. Mas mesmo assim é importante falar deles. Honrem o sábado cristão, não somente uma parte dele, mas como um todo. Se havia uma coisa que caracterizava a religião puritana, a prática puritana, era a maneira cuidadosa que brotava de seus corações e pela qual eles se entregavam alegremente, de forma não legalista, à guarda do Dia do Senhor.

V) O Dia do Senhor é uma preparação para o céu. Ouçamos as palavras de Richard Baxter: “Qual o dia mais apropriado para subir ao céu do que aquele em que Ele ressurgiu da terra e triunfou completamente sobre a morte e o inferno? Use o seu shabbat como passos para a glorificação até que tenha passado por todos eles e chegue à glória”. A religião puritana floresceu no solo regozijante da guarda do sábado cristão. É por causa destas coisas que somos chamados em Isaías 58, pelo próprio Senhor, para considerarmos o sábado como um deleite e a isso ele adiciona uma promessa. Se guardarmos seus sábados como sendo um deleite, encontraremos nossa alegria no Senhor.

Esse capítulo 58 de Isaías é mais uma confirmação de que a guarda do sábado cristão deveria ser considerada como parte da Lei Moral e não simplesmente mais uma observância pertinentes às leis cerimoniais. Esta passagem de Isaías onde o mero cerimonialismo é denunciado pelo profeta, há um apelo para a guarda do sábado como sendo importante para o culto espiritual.

Sei que existe o perigo de dar ao sábado cristão um lugar central no culto, fazendo com que ele torne-se um exercício de justiça própria. Sabemos da condenação tremenda feita pelo Senhor em Isaías 1. Mas os crentes reformados deveriam guardar o Dia do Senhor de forma santa. Devemos chamá-lo de um deleitoso. Por quê? Por causa de nossa obediência ao nosso Deus e amor ao nosso Salvador. Jesus disse: “Se vocês me amam, guardem meus mandamentos”.

Neste sentido a guarda do Dia do Senhor, o sábado cristão, ou é o resultado da obediência legalista, ou da obediência evangélica. Se for o produto de uma obediência legalista, a guarda do dia do Senhor será sem alegria, monótona, formal e alguma coisa que simplesmente traz auto-justiça e vaidade pessoal. Mas se a guarda do Dia do Senhor é o resultado de uma obediência evangélica, será profundamente regozijante. Diremos como o salmista: “Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor”. Se for uma guarda por causa de uma obediência evangélica, será algo refrescante que nos revigora e nos humilha.

John Murray, cujos escritos trouxeram uma impressão inapagável na minha vida quando moço (Por exemplo: Redenção, Conquistada e Aplicada (Cultura Cristã ― Obra que considerei como a melhor peça sobre justificação jamais escrita por alguém), disse: “O shabbat semanal é uma promessa, um sinal, e um antegozo daquele descanso consumado. A filosofia bíblica do shabbat é de tal maneira, que negar sua perpetuidade é privar o movimento da redenção de uma das suas mais preciosas características”.

Vivemos numa época em que mais do que nunca precisamos resgatar o shabbat para o povo de Deus, porque amamos o povo de Deus e desejamos seu bem diante de Deus. Sabemos que Deus quer abençoar Seu povo com isso. Mas sabemos também que a bênção que Ele deseja dar nunca virá sem a honra que o povo deve ao Dia do Senhor. Pelo bem espiritual dos nossos filhos devemos educá-los ensinando a honrar o Dia do Senhor, mas não como uma coisa rotineira e sem alegria. Como poderia o cultuar a Deus e esperar n'Ele ser algo monótono ou cansativo? Na verdade, o Dia do Senhor foi algo criado por Deus para o bem de Seus filhos. Estou quase convencido que o sucesso dos puritanos pode ser traçado por seu compromisso de guardar o Dia do Senhor para honra de Deus. Deus abençoou grandemente seus labores, seus escritos, porque foram homens e mulheres que honraram o dia do Senhor.

Finalmente cito Baxter porque creio que suas palavras expressam o coração da compreensão puritana com respeito ao shabbat: “Que dia é mais apropriado para subir ao céu do que aquele em que ele ressurgiu da terra e triunfou plenamente sobre a morte e o inferno? Use seus shabbats como passos para a glória até que tenha passado por todos eles e lá tenha chegado”.

O Dia do Senhor é para o povo do Senhor como um antegozo ou penhor do céu que nós tanto almejamos. Nós desejamos e sonhamos com aquele dia em que estaremos com o Senhor para sempre. Até que aquele dia venha, façamos do Dia do Senhor tudo aquilo que Deus gostaria que fizéssemos. Que seja o pulso palpitante da vida espiritual da Igreja e que partindo de nossa obediência evangélica nos reunamos para o encontro com nosso Deus e para receber as promessas que Ele decidiu nos dar, para aqueles que honram o Seu dia, porque assim honram aquele que instituiu esse dia.

Amém.

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Autor: Ian Hamilton
Fonte: Os Puritanos
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Série Credo Apostólico - Parte 1: Um Símbolo da Fé Cristã

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INTRODUÇÃO

Vivemos numa era de incertezas, onde o chamado multiculturalismo nos diz que a simples afirmação de que cremos no Deus verdadeiro é um insulto para outros povos e outras crenças. Daí, muitos cristãos não estão certos se devem assumir dogmaticamente que a fé cristã é a verdadeira religião. Alguns, dentro das próprias igrejas e/ou seminários teológicos, advogam que a declaração de fé dogmática é coisa de outros tempos, algo que deve ficar restrito ao passado. Em suma, dizem não haver espaço para credos em nosso mundo pluralista.

Mas será que devemos nos curvar diante da cartilha multicultural e negar a nossa fé para não provocar nenhuma ofensa ou ressentimento em quem professa uma fé distinta?

Batalhando pela segurança eterna dos santos

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A pergunta que nunca se cala: O crente pode perder a salvação? Essa questão inquieta teólogos e cristãos não acadêmicos de diversas denominações. Enquanto alguns se agarram nas promessas de Jesus: “ninguém as arrebatará das minhas mãos” (Jo 10.28); outros lutam para cumprir as advertências do próprio Cristo: “quem perseverar até o fim será salvo” (Mc 13.13).

Nos deteremos à posição reformada apenas: a posição de que o crente não perde a salvação. Porém, dentro da posição reformada existe divergência entre os teólogos acerca do significado das advertências. Para limitarmos nosso estudo, focaremos em apenas uma das posições e a defenderemos como posição mais coerente na interpretação das Escrituras.

Um estudo de caso

O Novo Testamento trata de alguns casos em que há uma afirmação acerca da salvação das pessoas envolvidas. Dois deles são exemplos clássicos: Pedro e Judas. Jesus estava reunido com seus discípulos em seus últimos momentos e em sua oração por eles, Jesus afirmou:

Enquanto eu estava com eles, eu os guardei e os preservei no teu nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. - João 17.12

Jesus afirmou categoricamente que Judas não fora guardado por ele para que a Escritura se cumprisse. Uma dura verdade. Mas, a salvação dos discípulos, assim como a nossa, dependia exclusivamente da preservação de Jesus. Ainda no mesmo período de tempo desta afirmação de Jesus, o Mestre previu a traição de Pedro:

Simão, Simão, Satanás vos pediu para peneirá-lo como trigo; mas eu roguei por ti, para que tua fé não esmoreça; e quando te converteres, fortalece teus irmãos. Pedro lhe disse: Senhor, estou pronto para ir contigo tanto para a prisão como para a morte. Disse-lhe Jesus: Pedro, eu te digo que o galo não cantará hoje antes que tenhas negado três vezes que me conheces.” - Lucas 22.31-34

Observe que Jesus impediu Satanás de tirar-lhe a fé. Jesus o preservou. Porém, no que dependia de Pedro, ele trairia Jesus. No entanto, Jesus afirmou que Pedro seria restaurado (QUANDO te converteres e não SE te converteres). Jesus preservou a fé final (a perseverança) dos seus discípulos, assim como faz conosco, mesmo em meio às suas quedas momentâneas.

“Minha confiança em ser preservado, não consiste na minha habilidade em preservar, mas minha confiança repousa no poder de Cristo em sustentar-me em sua graça e em sua intercessão por nós”¹ - R.C. Sproul

2. As advertências do Evangelho:

Como podemos entender as advertências do Evangelho, então? Claramente na Escritura há um chamado a examinarmos se estamos ou não em Cristo:

Examinai a vós mesmos, para ver se estais na fé. Provai a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? A não ser que já estais reprovados.2 Coríntios 13.5

Em nosso ponto de vista esta questão facilmente se resolve quando entendemos o texto de Hebreus 6.4-9. Esse texto, embora muito disputado, pode ser esclarecido com o contexto da carta:

Porque temos nos tornado participantes de Cristo, se mantivermos a nossa confiança inicial firme até o fim.- Hebreus 3.14

Entendemos que esse versículo elucida que os verdadeiros crentes são aqueles que permanecem até o fim em sua “confiança inicial”. São aqueles que professaram sua fé em Jesus e a conservaram até o fim. A Manutenção da confiança inicial até o fim é prova de que temos nos tornado participantes de Cristo.

Tendo este texto em mente, entendemos o texto de Hebreus 6.4-9:

Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública. Pois a terra que absorve a chuva, que cai frequentemente e dá colheita proveitosa àqueles que a cultivam, recebe a bênção de Deus. Mas a terra que produz espinhos e ervas daninhas, é inútil e logo será amaldiçoada. Seu fim é ser queimada. Amados, mesmo falando dessa forma, estamos convictos de coisas melhores em relação a vocês, coisas próprias da salvação.

Entendemos que as pessoas das quais falam os versículos, provaram mas não “nasceram de novo” (Jo 3) de fato. Elas conheceram as verdades do Evangelho, e até foram influenciadas por ele, mas não são filhos de Deus (Jo 1.12). Elas se tornaram participantes ao serem apenas companheiras de caminhada, assim como haviam companheiros do povo que saiu do Egito, porém não entraram na terra prometida² (1 Cor 10.1-13). Assim, elas chegaram até a mudar certos hábitos pecaminosos, mas nunca foram regeneradas pelo Espírito Santo (Tt3.4-7).

Wayne Grudem elucida muito bem esta explicação com a seguinte ideia:

“Portanto, o autor quer fazer um grave alerta àqueles em perigo de cair da fé cristã (pressupondo que na comunidade da carta haja não regenerados). Ele quer usar a linguagem mais forte possível para dizer: ‘vejam aqui até onde a pessoa pode chegar na experiência das bênçãos temporárias, sem, no entanto, realmente estar salva’. Ele os exorta a vigiar, pois não basta depender de bênçãos e experiências temporárias. Para isso, ele fala não de uma verdadeira mudança no coração ou de algum bom fruto, mas simplesmente das bênçãos e experiências temporárias que essas pessoas tiveram e que lhes deram uma compreensão parcial do cristianismo.”³

A parábola do semeador (Mt 13.1-23) deixa bem claro a possibilidade de que na comunidade da fé exista aqueles que não são verdadeiros cristãos. A parábola afirma que em alguns dos solos houve uma “germinação”, porém não se sustiveram. Entendemos que o “solo bom” é o coração genuinamente trabalhado pelo Espírito Santo, para que possa produzir os “resultados” do Evangelho (Jo 16.7-11). Ou seja, os verdadeiros crentes permanecem:

Eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos, pois se fossem dos nossos teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram, para que se manifestasse que não eram dos nossos.1 João 2.19

Por fim, embora tenhamos a segurança da salvação prometida com toda a expressão possível no Novo Testamento (Jo 10.27-29; Rm 8; Ef 1.13-14; 1 Pd 1.5; Jd 24,25; etc.), não somos chamados a uma “preguiça espiritual”. Somos convidados por Jesus e os apóstolos a perseverarmos. Somos convidados a batalhar pela nossa fé na esperança confiante de que Deus vencerá por nós e nos guardará até o fim.

Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. - Filipenses 2.12,13

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Fontes:
[1] R.C. Sproul. Disponível em: O que é teologia reformada? (DVD – Fiel)
[2] Carson, D.A. Disponível em: Análise da carta de Hebreus (aula 3)
[3] Grudem, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2011.

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Sobre o autor: Rafael Moraes Bezerra é formado em Direito pela UFJF; mestre no programa Master of Divinity pela EPPIBA (Escola de Pastores da Primeira Igreja Batista de Atibaia) em parceria com a TLI (Training Leaders International); Pastor auxiliar da Primeira Igreja Batista em Ubá/MG
Fonte: Bem Vindo ao Evangelho
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Marxismo-Cristão: Uma Contradição Alarmante

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1. Para Início de Conversa

Este é o tipo de texto que me deixa feliz ao escrever, pois tratarei de campos do saber que muito me agradam discutir e que fazem parte da minha formação acadêmica. Com graduação em História e especializado em Ciência Política, conheço e estudei o marxismo sob a ótica de diversos teóricos favoráveis e contrários às ideias difundidas por Karl Marx - esta figura controversa. Sou da opinião de que algo da sua leitura acerca das relações entre empresários e trabalhadores (no contexto da Revolução Industrial) não pode ser totalmente desprezada, no entanto, creio que sua desgraça foi reduzir todo o fluxo da História apenas à questão econômica. Também acredito que ele não conseguiu escapar de algo que tanto atacou: a ideologia. O mais irônico é ter as suas ideias utilizadas como uma religião. A tragédia marxiana foi denunciar o ópio da religiosidade e acabar vendo seus seguidores produzindo uma droga sintética chamada marxismo-leninismo[1].

Em busca do preço justo: perspectivas econômico-teológicas sobre salários e precificações

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Vão também trabalhar na vinha, e eu lhes pagarei o que for justo[...]. Você não concordou em trabalhar por um denário? [...] Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro?” - Mateus 20.1-15

Há uma famosa história sobre um sapateiro que, abordando Lutero, perguntou como ser um bom cristão em sua profissão. “Eu devo desenhar cruzes nos sapatos que faço?”, haveria questionado o homem, curioso sobre como viver o cristianismo na vida profissional. A resposta de Lutero era que seu cristianismo seria vivido não em adicionar elementos religiosos ao visual dos calçados. Seu ensino foi: “Faça um bom sapato e venda por um preço justo”. Esta história costuma ser contada para ilustrar sobre a necessidade de viver o cristianismo em todas as áreas da vida, mas ela também evoca uma questão diferente. O que define um preço justo? O que faz com que a equivalência financeira na troca de um produto seja injusta? E se salários são nada mais que preços para um serviço, o que faz com que as precificações salariais sejam também injustas?