Confrontar é falta de amor?

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Tornou-se comum evangélicos acusarem de falta de amor outros evangélicos que tomam posicionamentos firmes em questões éticas, doutrinárias e práticas. A discussão, o confronto e a exposição das posições de outros são consideradas como falta de amor.

É possível que no calor de uma argumentação, durante um debate, saiam palavras ou frases que poderiam ter sido ditas ou escritas de uma outra forma. A sabedoria reside em conhecer “o tempo e o modo” de dizer as coisas (Eclesiastes 8.5). Todos nós já experimentamos a frustração de descobrir que nem sempre conseguimos dizer as coisas da melhor maneira.

Todavia, não posso aceitar que seja falta de amor confrontar irmãos que entendemos não estarem andando na verdade, assim como Paulo confrontou Pedro, quando este deixou de andar de acordo com a verdade do Evangelho (Gálatas 2:11). Muitos vão dizer que essa atitude é arrogante e que ninguém é dono da verdade. Outros, contudo, entenderão que faz parte do chamamento bíblico examinar todas as coisas, reter o que é bom e rejeitar o que for falso, errado e injusto.

Considerar como falta de amor o discordar dos erros de alguém é desconhecer a natureza do amor bíblico. Amor e verdade andam juntos. Oséias reclamou que não havia nem amor nem verdade nos habitantes da terra em sua época (Oséias 4.1). Paulo pediu que os efésios seguissem a verdade em amor (Efésios 4.15) e aos tessalonicenses denunciou os que não recebiam o amor da verdade para serem salvos (2Tessalonicenses 2.10). Pedro afirma que a obediência à verdade purifica a alma e leva ao amor não fingido (1Pedro 1.22). João deseja que a verdade e o amor do Pai estejam com seus leitores (2João 3). Querer que a verdade predomine e lutar por isso não pode ser confundido com falta de amor para com os que ensinam o erro.

Apelar para o amor sempre encontra eco no coração dos evangélicos, mas falar de amor não é garantia de espiritualidade e de verdade. Tem quem se gabe de amar e que não leva uma vida reta diante de Deus. O profeta Ezequiel enfrentou um grupo desses. “... com a boca, professam muito amor, mas o coração só ambiciona lucro” (Ezequiel 33.31). O que ocorre é que às vezes a ênfase ao amor é simplesmente uma capa para acobertar uma conduta imoral ou irregular diante de Deus. Paulo criticou isso nos crentes de Corinto, que se gabavam de ser uma igreja espiritual, amorosa, ao mesmo tempo em que toleravam imoralidades em seu meio:

andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? Não é boa a vossa jactância...” (1Co 5.2,6).

Tratava-se de um jovem “incluído” que dormia com sua madrasta. O discurso das igrejas que hoje toleram todo tipo de conduta irregular em seus membros é exatamente esse, de que são igrejas amorosas, que não condenam nem excluem ninguém.

Ninguém na Bíblia falou mais de amor do que o apóstolo João, conhecido por esse motivo como o “apóstolo do amor”. Ele disse que amava os crentes “na verdade” (2João 1; 3João 1), isto é, porque eles andavam na verdade. “Verdade” nas cartas de João tem um componente teológico e doutrinário. É o Evangelho em sua plenitude. João ama seus leitores porque eles, junto com o apóstolo, conhecem a verdade e andam nela. A verdade é a base do verdadeiro amor cristão. Nós amamos os irmãos porque professamos a mesma verdade sobre Deus e Cristo. Todavia, eis o que o apóstolo do amor proferiu contra mestres e líderes evangélicos que haviam se desviado do caminho da verdade:

Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1Jo 2.19).
Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho” (1Jo 2.22).
Aquele que pratica o pecado procede do diabo” (1Jo 3.8).
Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo” (1Jo 3.10).
todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo” (1Jo 4.3).
“... muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo... Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus... Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más” (2Jo 7-1).

Poderíamos acusar João de falta de amor pela firmeza com que ele resiste ao erro teológico?

O amor que é cobrado pelos evangélicos sentimentalistas acaba se tornando a postura de quem não tem convicções. O amor bíblico disciplina, corrige, repreende, diz a verdade. E quando se vê diante do erro seguido de arrependimento e da contrição, perdoa, esquece, tolera, suporta. O Senhor Jesus, ao perdoar a mulher adúltera, acrescentou “vai e não peques mais”. O amor perdoa, mas cobra retidão. O Senhor pediu ao Pai que perdoasse seus algozes, que não sabiam o que faziam; todavia, durante a semana que antecedeu seu martírio não deixou de censurá-los, chamando-os de hipócritas, raça de víboras e filhos do inferno. Essa separação entre amor e verdade feita por alguns evangélicos torna o amor num mero sentimentalismo vazio.

Portanto, o amor cobrado pelos que se ofendem com a defesa da fé, a exposição do erro e o confronto da inverdade não é o amor bíblico. Falta de amor para com as pessoas seria deixar que elas continuassem a ser enganadas sem ao menos tentar mostrar o outro lado da questão.

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Autor: Rev. Augustus Nicodemus Lopes
Fonte: Página do autor no Facebook
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A Relação entre Igreja e Estado

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Nota do editor: Nas últimas três décadas, tanto políticos conservadores como políticos liberais escreveram uma grande quantidade de perigosas besteiras sobre a igreja e o Estado. Esta estupidez está começando a afetar a política de governo e os gastos das rendas de impostos. Recentemente, William Bennett, Secretário da Educação, defendeu o suporte financeiro governamental para escolas Católicas Romanas, e os conservadores defenderam programas de fiação para canalizar fundos governamentais para escolas religiosas. Este escritor esteve presente em uma conferência nacional de diretores de escolas Cristãs em Washington, D. C., no início deste ano e ouviu um orador (que não era um Cristão, nem um diretor de escola) opor a legislação ante o Congresso baseando-se em que os subsídios federais sob a legislação não poderiam ser canalizados para creches religiosas. Dentro dos últimos meses, William F. Buckley, Jr. foi convidado para se dirigir em uma grande convenção do Conselho Internacional de Inerrância Bíblica quanto ao assunto da impossibilidade de separar a igreja do Estado. E por último, mas não menos importante, a agenda de pelo menos alguns dos “Cristãos Reconstrucionistas” pareciam incluir o uso da autoridade civil para manter a ortodoxia entre a população.

No meio desta confusão contemporânea, nós apresentamos Charles Hodge, que foi chamado de “O príncipe dos Teólogos Americanos.” Hodge foi talvez o mais influente teólogo Presbiteriano do século dezenove, um instrutor no Seminário de Princeton por décadas, e o autor de muitos livros, incluindo seus três volumes de Teologia Sistemática.[1] Seus ensaios apareceram originalmente na Princeton Review em 1863. São agora tomados de um livro recentemente relançado de ensaios por uma variedade de autores e editado por Iain 
Murray, A Reforma da Igreja.[2]

Deus não é o autor do pecado

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Esta ideia pode nos ocorrer como consequência de que tal cooperação [Deus e homem] se daria na seguinte forma: há apenas uma causa para todos os movimentos e atividades. Sendo assim, Deus seria o único agente ativo, ao passo que o homem e todas as demais criaturas seriam inteiramente passivas, sendo colocados em movimento como as cordas de um instrumento musical, que são inteiramente passivas e cujo movimento é causado somente pelo músico.

Minha resposta a isto é: “De modo nenhum!” Pois ainda que as criaturas atuem como meios em relação umas às outras, quando Deus as utiliza na execução de Sua obra e propósitos, não obstante elas são a causa primária de seus movimentos e atividades. Isso não quer dizer que, com relação a Deus, fossem independentes dEle, mas, sim, com relação a outras causas subordinadas, bem como às consequências de suas atividades. Não há inconsistência no fato de que duas causas de uma ordem diferente possuem o mesmo resultado, especialmente visto que o resultado é o mesmo, procedendo de ambas as fontes de um modo diferente.

A designação de Deus como a única causa de todos os movimentos, fatos e atividades, e a proposição de que o homem é consequentemente passivo e inativo é o resultado da cegueira e ignorância concernente ao poder e sabedoria de Deus. É um erro refutado tanto pelas Escrituras quanto pela natureza.

Primeiro, uma vez que Deus impôs uma lei sobre o homem, a qual apresenta tanto promessas quanto ameaças, o homem não é, portanto, passivo, mas é, em si mesmo, a causa movente de seus atos. Deus não pode impor uma lei sobre Si mesmo, nem fazer promessas a Si mesmo, nem ameaçar a Sua própria pessoa. Visto que a lei com suas promessas e ameaças foi dada ao homem para o propósito de reger sua conduta, o homem, por conseguinte, deve ser o elemento ativo para, então, receber as promessas ou ameaças.

Em segundo lugar, se o homem fosse meramente passivo em todos os seus movimentos, ele não poderia ser sujeito à punição, pois esta é a execução da justiça, em resposta à transgressão da lei. Se o homem não tivesse infringido nada, mas fosse simplesmente um objeto passivo da atividade de Deus, ele não teria cometido mal algum, e, portanto, com base na justiça, não poderia ser punido ou condenado.

Em terceiro lugar, se o homem fosse unicamente passivo e Deus fosse o único agente ativo em seus movimentos e atos, todos eles – tanto naturais quanto os pecaminosos (longe de nós esta afirmação de que Deus cometeria iniquidade) – teriam sido cometidos por Deus e seriam, pois, atribuídos a Ele. Então seria Deus, e não o homem, quem estaria andando, falando, escrevendo ou lendo. Destarte, o homem não oraria nem teria fé, mas Deus estaria orando para Si mesmo, e crendo em Si mesmo por meio de Jesus Cristo. O homem não seria culpado de forjar ídolos; o homem não usaria o nome de Deus em vão; não transgrediria o Sábado; o homem não desobedeceria aos seus pais; não seria culpado de ódio, ira, porfia com relação ao seu próximo, etc. Não odiaria a Deus, dado que seria apenas passivo e, assim, inativo. Tudo isto seria atribuído a Deus – o que seria a blasfêmia, em seu último grau.  

Em quarto lugar, as Escrituras claramente afirmam que o homem anda, vê, escuta, fala, crê e ora. Semelhantemente afirma que o ser humano peca e está sujeito, com justiça, à condenação. Não é necessário citar todos os textos que mencionam isso. Paulo observa: “porque somos cooperadores de Deus” (1 Co 3:9). Tal verdade é corroborada também quando ele afirma: “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2:12-13). Deus é a causa eficiente desta atividade, mas o homem é a causa subjetiva dessa mesma obra (a salvação), produzindo essas atividades a partir do interior de si mesmo. Essas atividades devem, portanto, ser atribuídas ao homem de acordo com este princípio: O nome é atribuído à causa formal. Em Filipenses 2:12-13, o homem é exortado a ser ativo com relação à sua salvação, sendo convencido e incentivado com respeito ao seu dever. Entretanto, ele é simultaneamente instruído acerca de sua pecaminosidade e incapacidade espiritual, para que não venha a entreter nenhuma noção de bondade de sua vontade, nem ser encorajado a ser ativo na salvação pautando-se em sua própria força. Por outro lado, não deve ser desencorajado quando percebe sua fraqueza, pelo contrário, deve ser exortado pelo fato de que Deus o auxilia, sendo Ele o iniciador de sua (do homem) ação, trabalhando poderosamente nele para que tome posse desse poder e aja em virtude dele.

Objeção #1: Tal cooperação faz de Deus o autor do pecado?

Resposta: De modo nenhum! É preciso distinguir entre a atividade em si, tal como o entender, o desejar, o ver, escutar, falar, trabalhar, e o contexto no qual essa atividade necessariamente se dá: isto é, a lei de Deus. A atividade em si mesma é natural e não é boa nem má; contudo, quando vista dentro do contexto da lei, de acordo com o qual deve ser julgada, na medida em que o sujeito, o tempo e a modo estão relacionados, essa atividade se torna boa ou má. Quando discutimos a cooperação de Deus, compreendo que ela se refere às dimensões naturais dessas atividades ou movimentos em si mesmos. Todavia, não é verdade no que se refere ao mau uso dessa atividade, à falta de conformidade com a lei, nem ao mal porventura realizado nela. Um indivíduo pode ser a acusa de atividade em outra pessoa, mas não do mal que a acompanha. O governo é a causa do carrasco açoitar o prisioneiro, mas não é a causa do modo cruel com o qual o algoz aplica o castigo. Um músico é a causa da corda do instrumento produzir o som, mas não a dissonância, que procede da corda. Um condutor pode conduzir seu cavalo e assim avançar. Eis o nosso caso em questão. A atividade em si procede de Deus, mas o homem a corrompe devido à sua corrupção interna. Consequentemente, não é Deus – mas o homem – a causa do pecado.

Objeção #2: Essa cooperação inicial e definitiva de Deus não elimina a vontade humana?

Resposta: De modo nenhum! A liberdade da vontade não é uma liberdade da neutralidade; isto é, da indiferença quanto a realizar ou não algo, mas, sim, de consequência necessária, vindo à tona a partir da própria escolha, inclinação ou prazer do indivíduo em fazer ou não determinada coisa. A cooperação de Deus permite o homem ser ativo em harmonia com sua natureza, isto é, mediante o exercício de sua vontade. Há, pois, harmonia entre a cooperação de Deus e a vontade humana. Deus ativa a vontade, e o homem, então, a exerce.   

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Autor: Wilhemus à Brakel
Fonte: The Christian’s Reasonable Service
Tradução: Fabrício Tavares
Divulgação: Bereianos
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A Irracionalidade do Conceito de Livre Arbítrio ou da Autonomia da Vontade

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O conceito de livre-arbítrio tem sido sustentado ao longo da história como algo absolutamente óbvio nos círculos de compreensão teológica e sociológica da vida. É como se esta premissa fosse tão autoevidente, que não precisasse ser provada filosófica e logicamente. Contudo, alguém que crê na existência do livre-arbítrio quando desafiado a prová-lo filosófico, teológico e logicamente, geralmente se vê em grandes apuros, devido a inconsistência e até mesmo a irracionalidade da ideia.

Primeiro, se faz necessário definir o conceito de livre-arbítrio. A premissa básica nada mais é que afirmar a autonomia da vontade do ser humano, como se esta fosse livre de qualquer causação, ou seja, não existe nada que limite ou domine a liberdade do homem, ele escolhe o que bem entender, do modo que bem entender, livre de qualquer influência definitiva nas escolhas que faz. 

Compreender a irracionalidade do conceito de livre-arbítrio é fundamental para uma avaliação mais assertiva da realidade que se vive. Para os cristãos esta compreensão é ainda mais importante, pois, tira o homem do centro da vida, como se ele fosse o motivo último da existência do universo, local em que a renascença e o iluminismo colocaram-no nos últimos séculos, conceito que tem sido tristemente absorvido e avalizado por grande parte da cristandade desde então. Compreender que não somos tão poderosos assim, traz o Deus das Escrituras de volta ao lugar de governador do universo e restabelece a ordem da criação: Deus como criador e sustentador de todas as coisas e os homens como suas criaturas, submissos a seu governo soberano.

Pretendo analisar brevemente o conceito sob dois aspectos: o cotidiano, que em primeira instância não envolve nosso relacionamento com Deus, e, o espiritual, que, aí sim, diz respeito a Deus, a religião, a espiritualidade e afins. Podemos facilitar a compreensão como sendo a primeira abordagem, sociológica, e a segunda, teológica. 

Vamos a análise sociológica: 

A vontade está atrelada a mente. A mente é o mecanismo que julga o que é melhor para ser feito, esta decisão causa a nossa vontade, que por sua vez, causa a nossa ação. E sobre quais bases está fundamentada a nossa mente? Sobre as bases do nosso caráter. Nosso caráter é uma composição complexa de inúmeros fatores como, educação familiar, formação acadêmica, influências culturais, espiritualidade, influências psicossociais, influências químicas, físicas, geográficas e uma imensa gama de outros fatores. 

Diante disso, uma pergunta deve ser respondida: o que faz com que a mente de uma pessoa escolha a alternativa ou atitude A em detrimento da alternativa ou atitude B, ou vice-versa? Se entende-se que esta escolha é autônoma, não foi causada e não está baseada em nenhum elemento influenciador, teremos de descartar da lógica do raciocínio, toda esta gama de elementos reais descritos acima, inerentes a vida de todo ser humano. Se a escolha é autônoma e livre de causação, o que fez com que a mente desta pessoa escolhesse A ou B? O que tirou a escolha do ponto neutro? Se não é nenhum dos elementos vinculados ao caráter que influencia a mente, que por sua vez influencia a vontade, que por sua vez influencia a ação, é impossível não concluir que o que rege a decisão de alguém que tem ‘livre-arbítrio’ é o acaso. Pois, se meu caráter não causa minhas ações, porque minhas ações são livres de causação, minhas ações estão sendo regidas por impulsos autoimpostos da minha vontade completamente aleatórios. O que é completamente irracional. Em suma, se minha escolha é baseada na autonomia da vontade, ela está irremediavelmente vinculada ao acaso. Se ela é vinculada ao meu caráter, ela é causada, portanto, já não é mais livre.

Muitas vezes o conceito de livre-arbítrio é considerado como necessário para a existência da responsabilidade humana. Entretanto, ao analisarmos cautelosamente a questão, perceberemos que ao invés de subscrever a responsabilidade humana, ele na verdade a invalida. Pois, como alguém que tem suas ações desvinculadas de qualquer tipo de causação (caráter) e atreladas a instabilidade do acaso autônomo pode ter suas ações como sendo responsáveis e julgáveis? Responsabilidade é um conceito atrelado ao conhecimento e não a autonomia da vontade. Existe liberdade da vontade, sim! Mas esta está circunscrita a um sem número de fatores causativos e não ao conceito irracional de livre-arbítrio tal como se nos é apresentado corriqueiramente. 

Analisemos agora, a partir da premissa teológica:

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a vontade está atrelada a mente, a mente é o mecanismo que decide o que é melhor para ser feito, esta decisão causa a nossa vontade, que por sua vez causa a nossa ação. E sobre quais bases está fundamentada a nossa mente? Sobre as bases do nosso caráter. Analisando o caráter da raça humana à luz das Escrituras Sagradas, encontraremos inúmeras sentenças tanto no antigo como no novo testamento que apontam para uma grande e irremediável problemática no cerne daquilo que o constitui: somos pecadores, escravos do pecado e odiamos a Deus! (Rm 1.28-31, Jo 8.34) Dentre o sem número de textos bíblicos que apontam nossa depravação, escolhi o que julgo ser mais contundente quanto a questão, que se encontra nos versos 10, 11 e 12 do capítulo 3 da carta do apóstolo Paulo aos Romanos, que diz: “Como está escrito: Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer. Como pode haver autonomia da vontade se nosso coração, apresentado nas Sagradas Escrituras como o âmago da nossa existência, está corrompido pelo efeito devastador do pecado?

Como descrito pelo apóstolo, nosso caráter está absolutamente comprometido com a maldade e com a inimizade contra Deus, o próprio Paulo em outra oportunidade diz que, na verdade, estamos mortos em delitos e pecados (Ef 2.1) e não apenas mortos, mas trabalhamos contra Deus, odiamos a luz e amamos as trevas. O homem na Escritura Sagrada, mais particularmente na carta aos Romanos, no capítulo 1, é apresentado como conhecedor de Deus, que preferiu suprimir a verdade em detrimento da justiça, e por isso é considerado indesculpável. Notem que o conceito de responsabilidade está atrelado ao conhecimento e não a um suposto livre-arbítrio. 

Também em Romanos, no verso 23 do capítulo 14, o apóstolo diz que tudo que não provem de fé é pecado. Se todas as ações dos homens, incluindo seus pensamentos e expressões, que não vem de fé são pecado, onde está a neutralidade na escolha do homem? Como pode o homem não regenerado (que não recebeu fé de Deus) fazer algo que seja de fé? Toda a ação humana é permeada pelo pecado, não existe zona neutra. Um teste simples que comprovaria a inexistência do livre-arbítrio é o seguinte: comprometa-se consigo mesmo que pelos próximos 12 meses você não vai mais pecar. Você conseguiria? Quem conseguiria? Se temos autonomia e domínio exaustivo de nossa vontade por que não somos capazes de parar de pecar?

O que faz o ser humano diante da pregação do evangelho optar por receber ou negar a Cristo? A vontade autônoma ou o caráter humano? A hipótese da autonomia da vontade invalidaria todo o argumento bíblico que apresenta a raça humana como não livre, mas decaída, escrava do pecado e incapaz de buscar a Deus como atesta categoricamente o capítulo 3 da carta aos Romanos. Se a hipótese correta é que o que causa a escolha do homem é seu caráter, como poderia o homem optar por buscar a Deus se sua natureza foi completamente corrompida pelo pecado a ponto do apóstolo sustentar que não há quem busque a Deus? Se a despeito de toda a argumentação acima, ainda seja sustentada a ideia de que o homem rompe todas estas barreiras e escolhe a Deus fundamentado em sua própria capacidade, então já não há mais espaço para a graça, que não vem de nós, antes, é dom de Deus.

Somos seres livres, que fazem escolhas reais a todo o momento, a Escritura jamais negou isso. Contudo, nossas escolhas foram cabalmente afetadas pela queda, estão circunscritas a natureza humana caída que será regenerada por completo, apenas no dia da vinda de nosso Senhor. Nossa liberdade de escolha não pode ser confundida com o conceito de livre-arbítrio ou da autonomia da vontade, como se em algum lugar da natureza humana existisse neutralidade. Quando a Escritura nos impele a fazer escolhas, ela não está afirmando a existência do livre-arbítrio. A lei nos foi dada para que compreendêssemos nossa miserabilidade e assim corrêssemos para o único Salvador que pode nos ajudar a cumpri-la. Aquele que vive para Deus, já não vive mais por si mesmo, mas é Cristo quem vive nele, e uma vez distante de Jesus, absolutamente nenhum ser humano seria capaz de cumprir qualquer requisito exigido por Deus.

O conceito de liberdade na Escritura Sagrada nunca esteve atrelado ao conceito de livre-arbítrio e sim ao novo nascimento. Lembremo-nos das palavras de Jesus: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará!” Jesus não disse: e tereis livre-arbítrio e o livre-arbítrio vos libertará. Só existe verdadeira liberdade de escolha em Cristo Jesus, pois, ele irrompe nossa desgraça espiritual e regenera nosso caráter, fazendo com que tenhamos condições para servir a Deus. Foi ele mesmo quem disse: “ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (Jo 6.44). Se ninguém pode ir a Jesus sem que o Pai o leve, onde fica o livre-arbítrio humano? É Deus quem nos vivifica da nossa morte em delitos e pecados. É Ele que nos atrai com cordas de amor. É Ele quem chama, justifica, santifica e glorifica (Rm 8.30). Compreender a irracionalidade do conceito de livre-arbítrio é compreender que se algum dia algum homem amou a Deus, foi porque Deus amou este homem primeiro, e que se algum dia algum homem escolheu a Deus, foi porque Deus escolheu este homem primeiro, de graça, nunca partiu de nós, para que não viéssemos a nos gloriar. Jamais teríamos capacidade de buscar a Deus, mortos em nossos pecados. Jamais escolheríamos a Deus, se ele não nos escolhesse para si, em Cristo, para sua própria glória. A salvação pertence a Deus e não depende de quem quer ou de quem corre, mas de Deus demonstrar sua misericórdia (Jn 2.9, Rm 9.16). 

Que Deus nos alcance!

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Sobre o autor: Lucas Freitas serve a Igreja Presbiteriana do Brasil, é formado no SEDEC - Seminário de Desenvolvimento Comunitário pelo CADI Brasil e na Escola Compacta pela Missão Steiger Brasil. Atualmente cursa o terceiro ano de teologia pela FUNVIC - Fundação Universitária Vida Cristã em Pindamonhangaba/SP.
Divulgação: Bereianos
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Evangelismo moderno: tem algo errado nesta receita

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Imagine que um grupo de pessoas começa um novo empreendimento na área alimentícia. A produção vai de vento em popa e os resultados financeiros que foram programados em longo prazo começam a serem vistos em curto tempo. O grupo se encontra extasiado com o sucesso e só falam em prosseguir com a produção e as vendas. Porém, um imprevisto ocorre. Pessoas começam adoecer ao ingerir aquele alimento produzido, passar mal e muitos começam a dar entrada em hospitais diversos. O caos é notório. Qual deveria ser o procedimento daquele referido grupo de empreendedores em relação à sua produção? temos três alternativas:

1) Continuar a todo vapor as vendas, mesmo sabendo que seus clientes vão passar mal e correr risco de morte. 
2) Parar a produção e refletir sobre os ingredientes da receita, encontrar os possíveis erros, pois antes não ocorria este tipo de problema, corrigi-los e retornar às atividades de venda. 
3) Abandonar tudo e decretar falência.

Qual você escolheria?


Nossa opinião recai sobre a alternativa de número 2. Pois, a partir de uma base reflexiva se encontraria o problema e este seria corrigido. Com isso as vendas regressariam e, consequentemente, todo o sucesso anterior seria retomado.

A grande pergunta que vos faço a partir desta pequena analogia é a seguinte: Por que não se age assim em relação à prática do Evangelismo moderno? O produto está sendo fornecido com algum erro na receita que tem levado muitos a adoecerem. O Evangelismo contemporâneo tem sido marcado muito pelo aspecto emocional e não pelo aspecto teológico-reflexivo. É preciso sentir menos a presença de Deus e vivê-la mais. Quem sente, logo logo não sente mais, é igual a dor de dente, às vezes demora, mas passa. A presença de Deus precisa ser vivida, pois viver é diferente de sentir. 

Os clichês e jargões têm permeado todo o ambiente do evangelho brasileiro, com isso, a prática do evangelismo moderno também é afetada. Um dos clichês mais utilizados na evangelização moderna é este: “Deus tem um grande plano para realizar na sua vida”. Meus irmãos, bem possível seja que quem profira estas palavras em direção a alguém na evangelização esteja repleto de boa vontade e até com o coração puro – boas intenções. Porém, boa vontade, boa intenção e coração puro só são de bom proveito no reino de Deus quando se coadunam com a vontade de Deus expressa nas Sagradas Escrituras. Será que Davi não estava cheio de boas intenções e com o coração puro quando carregou a Arca da Aliança sobre bois, em festejo pelo regresso da Arca que estava sob domínio filisteu (1º Crônicas 13: 6-8)? Será que Uzá não estava repleto de boa vontade e de coração puro quando tentou livrar da queda a Arca da Aliança a segurando (1º Crônicas 13: 9-10)? A resposta é sim, mas a Arca da Aliança não era nem para ser carregada por bois (e Davi conhecia o preceito divino [1º Crônicas 15: 1-2]), nem muito menos ser tocada por mãos humanas. As consequências destes atos foram trágicas, mesmo mediante a boa intenção, boa vontade e coração puro dos personagens em questão. Parece-nos que o ambiente de festa suprime todo e qualquer senso reflexivo, como já mencionamos; Davi e seu séquito estava festejando o regresso da Arca do Senhor do domínio dos filisteus para o domínio israelita, motivo suficiente para comemoração, mas comemorar não significa deixar a emoção sobrepujar à razão, mas é o que mais ocorre. Não quero aqui colocar a razão no trono e vê-la como a rainha soberana. Mas um bom senso reflexivo em todas as áreas da vida, juntamente canja de galinha, não faz mal a ninguém – e isso faltou a Davi na ocasião mencionada.

O Evangelismo moderno, sobre tudo aquele que envolve os jovens, é marcado por uma verdadeira festa nas ruas, mais parece um carnaval fora de época. Grupos de jovens nos semáforos, muitos deles com a face pintada, outros até segurando faixas com dizeres cristãos enquanto o semáforo está vermelho, outros entregando literaturas etc. Sabe-se de igrejas que formam grupos e estipulam metas evangelísticas para estes grupos; quem entregar mais panfletos e quem conseguir maior número de conversões é o campeão, e no final do dia, ainda rola um lanchinho para o grupo vencedor enquanto o grupo perdedor vai servir os campeões. Deva ser por este ambiente festivo que envolve a evangelização moderna, sobre tudo a que se utiliza de pessoas jovens sem o devido treinamento, que muitos pontos principais do evangelho em si, e a capacidade reflexiva, são suprimidos. Se, se erra no início, tudo mais que vier após isso, estará errado também. Ou seja, aparentes conversões, aparentes novos cristãos e um aparente “Evangelho” sendo alimentado. Um “Evangelho do Falso”: falsas conversões, que gera falsos cristãos, que gera falsa adoração, que gera uma falsa compreensão da genuína Fé Cristã. Como dizíamos anteriormente, o clichê que “Deus tem um plano para realizar na sua vida” é grande prova disso. Está carregado de emocionalismo de festejo, mas de pouco senso de reflexão bíblico-teológica. Na realidade, Deus não tem plano nenhum para realizar na vida de seu ninguém. Sabe por quê? Porque Ele já realizou! O plano redentivo da salvação já fora realizado por Deus na vida de sua igreja e esta notícia é muito mais atrativa do que àquela anterior (de que o plano ainda estar por ser feito). É muito melhor saber que alguém já fez algo de bom para nós do que saber que ainda vai fazer.

Parafraseando o professor Leandro Karnal, “o maior desafio dos cristãos modernos é cristianizar os próprios cristãos”. Entendemos que é muito melhor propagar uma fé bem digerida do que propagar uma fé inacabada ou com uma falha na receita principal que adoece pessoas. Uma fé bem digerida, ruminada e processada gerará frutos com sementes, e não frutos ocos sem conteúdos. Algumas alas cristãs de nosso país precisam, de fato, cessar com a propagação de uma fé mal digerida, que mais adoece do que faz bem. Parar com a propagação de um evangelho que se distingue da receita principal. Precisam regressar ao ambiente interno, rever o que está errado, corrigir, e depois voltar às ruas propagando uma fé bem digerida e que gera saúde espiritual. Não se pode continuar fornecendo um alimento que faz mal por tempo prolongado! Os consumidores correm risco eminente de morte! E em muitos casos, o óbito já fora atestado!
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Autor: Thiago Azevedo
Divulgação: Bereianos
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Os Cânones de Dort

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CAPÍTULO 1
A DIVINA ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO

1. Todos os homens pecaram em Adão, estão debaixo da maldição de Deus e são condenados à morte eterna. Por isso Deus não teria feito injustiça a ninguém se Ele tivesse resolvido deixar toda a raça humana no pecado e sob a maldição e condená-la por causa do seu pecado, de acordo com estas palavras do apóstolo: "... para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus... pois todos pecaram e carecem da glória de Deus...", e:"...o salário do pecado é a morte..." (Rom. 3:19,23; 6:23).

2. Mas "Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo...", "...para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." (I Jo 4:9; Jo 3:16).

3. Para que os homens sejam conduzidos à fé, Deus envia, em sua misericórdia, mensageiros desta mensagem muito alegre a quem e quando Ele quer. Pelo ministério deles, os homens são chamados ao arrependimento e à fé no Cristo crucificado. Porque "...como crerão naquele de quem nada ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?..." (Rom. 10:14, 15).

4. A ira de Deus permanece sobre aqueles que não crêem neste Evangelho. Mas aqueles que o aceitam e abraçam Jesus, o Salvador, com uma fé verdadeira e viva, são redimidos por Ele da ira de Deus e da perdição, e presenteados com a vida eterna (Jo 3:36; Mc 16:16).

5. Em Deus não está, de forma alguma, a causa ou culpa desta incredulidade. O homem tem a culpa dela, tal como de todos os demais pecados. Mas a fé em Jesus Cristo e também a salvação por meio dEle são dons gratuitos de Deus, como está escrito: "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus..." (Ef 2:8). Semelhantemente, "Porque vos foi concedida a graça de..." crer em Cristo (Fp 1:29).

6. Deus dá nesta vida a fé a alguns enquanto não dá a fé a outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. Porque as Escrituras dizem que Ele "...faz estas cousas conhecidas desde séculos." e que Ele "faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade..." (Atos 15:18; Ef 1:11). De acordo com este decreto, Ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, Ele deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre os homens que estão na mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível conforto para as pessoas santas e tementes a Deus.

7. Esta eleição é o imutável propósito de Deus, pelo qual Ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por graça pura. Estas são escolhidas de acordo com o soberano bom propósito de sua vontade, dentre todo o gênero humano, decaído pela sua própria culpa de sua integridade original para o pecado e a perdição. Os eleitos não são melhores ou mais dignos que os outros, porém envolvidos na mesma miséria dos demais. São escolhidos em Cristo, quem Deus constituiu, desde a eternidade, como Mediador e Cabeça de todos os eleitos e fundamento da salvação. E, para salvá-los por Cristo, Deus decidiu dá-los a Ele e efetivamente chamá-los e atraí-los à sua comunhão por meio da sua Palavra e seu Espírito. Em outras palavras, Ele decidiu dar-lhes verdadeira fé em Cristo, justificá-los, santificá-los, e depois, tendo-os guardado poderosamente na comunhão de seu Filho, glorificá-los finalmente. Deus fez isto para a demonstração de sua misericórdia e para o louvor da riqueza de sua gloriosa graça. Como está escrito: "... assim como nos escolheu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito [bom propósito] de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado...". E em outro lugar: "E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou" (Ef 1:4-6; Rom 8:30).

8. Esta eleição náo é múltipla, mas ela é uma e a mesma de todos os que são salvos tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento. Pois a Escritura nos prega o único bom propósito e conselho da vontade de Deus, pelo qual Ele nos escolheu desde a eternidade, tanto para a graça como para a glória, assim também para a salvação e para o caminho da salvação, o qual preparou para que andássemos nEle (Ef 1:4,5; 2:10).

Crescimento numérico é evidência do favor de Deus?

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A mentalidade de que crescimento numérico é evidência do favor de Deus domina o meio evangélico há várias décadas. Tanto é assim, que a qualidade do ministério de um pastor ou o suposto grau de aprovação de uma igreja diante de Deus são medidos, muitas vezes, exclusivamente com base nesse critério. Por causa disso, se a gente apontar para os desvios doutrinários absurdos, o mundanismo, a falta de real devoção e os escândalos tão comuns nas megaigrejas que há por aí, logo aparece um "santarrão espiritualóide" dizendo: "Se esse pastor e essa igreja são tão ruins como você fala, por que Deus os tem abençoado tanto? Você já viu como seus cultos são lotados?".

É evidente que falta a muitas dessas pessoas o discernimento espiritual necessário para aprovar as coisas excelentes (Fp 1.9-10). Falta-lhes também o conhecimento bíblico que realça que nos últimos dias, os homens buscariam mestres "segundo as suas próprias cobiças" (2Tm 4.3). Esse versículo, diga-se de passagem, deixa evidente porque quem prega e velha e apodrecida doutrina do sucesso financeiro sempre tem seguidores aos milhares!

Falta, porém, algo mais àqueles que associam crescimento numérico à bênção de Deus. Desculpem a sinceridade, mas, a meu ver, falta-lhes também capacidade de percepção ou de raciocínio. Digo isso porque não é preciso ter um cérebro de Einstein para perceber que muitos movimentos absolutamente contrários à fé crescem numericamente num ritmo assustador. Isso é tão evidente que eu fico até com medo de dar alguns exemplos e ser acusado de gastar tempo dizendo obviedades. Mesmo assim, vou citar alguns...

Observem o crescimento do nazismo na primeira metade do século 20. Praticamente toda a Alemanhã abraçou essa "idelologia" que se expandiu além de sua "pátria mãe", encontrando apoio em diversos países. Aliás, o nazismo, que alguns pensam ingenuamente estar morto, continua ativo e crescerá ainda mais, especialmente agora que o livro de Hitler, o Mein Kampf (Minha Luta), caiu em domínio público. Acaso isso prova que o nazismo é aprovado por Deus?

Observem ainda o islamismo. Todos percebem claramente a ameaça que essa crença representa para a liberdade religiosa ou para qualquer outro tipo de liberdade. Quanta tolice é crer que somente os "radicais islâmicos", com seus atos de terrorismo, são perigosos para a sociedade ocidental! Muçulmanos em geral coisificam as mulheres, são favoráveis à pena de morte aplicada aos homossexuais, aprovam o casamento de garotinhas de dez anos com marmanjos de quarenta... Mesmo assim, essa religião cresce numericamente. Na verdade, algumas estatísticas afirmam que é a religião que mais cresce no mundo! Será que esse crescimento decorre da bênção de Deus? Ora, por favor!

Considerem finalmente o movimento LGBT. A Bíblia condena expressamente o homossexualismo e é contrária à ideia de que os homossexuais "nascem assim". Segundo as Escrituras, a responsabilidade pelos atos homossexuais são da própria pessoa que os pratica, sendo certo que essa pessoa prestará contas desses atos ao próprio Deus. Ademais, o simples senso natural repugna a prática e a "filosofia" homossexual. É, de fato, um grande agravo ao decoro e à decência tudo o que se vê, por exemplo, numa "Parada Gay". Zombarias grosseiras dirigidas contra a fé cristã, atos indecorosos praticados em público sob a luz do dia, exibições de corpos mutilados ou modificados por chocantes protuberâncias artificiais... Tudo isso é o que se vê nesses desfiles. No entanto, ainda que o número de pessoas que comparecem às paradas gays tenha caído vertiginosamente, segundo alguma pesquisas, o fato é que o movimento LGBT cresce a cada dia em número de indivíduos que o apoiam. Até crianças hoje em dia defendem o homossexualismo! Seria esse crescimento numérico uma prova do favor de Deus. Óbvio que não.

A grande realidade que se depreende das Escrituras é que o crescimento numérico em si não significa muita coisa. Na verdade, conforme visto, o mero crescimento numérico de um partido ou mesmo de uma igreja pode ter como causa fatores ruins, capazes de atrair um número imenso de homens maus. Por isso, é necessário que o crescimento de uma igreja esteja associado a outros elementos para que seja considerado saudável e também seja visto como resultado da ação graciosa de Deus. Que outros elementos são esses? A resposta a essa pergunta está em Atos 9.31: "A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número".

Note que o crescimento saudável da igreja primitiva era uma bênção de Deus associada ao viver digno e santo de crentes que andavam no temor do Senhor e que eram edificados enquanto viviam assim. Ora, é evidente que a vida vivida sob o temor do Senhor se afasta de escândalos, imoralidades, palavreado sujo, desonestidades, mentiras, fraudes e hipocrisias. O texto indica, portanto, que a igreja primitiva em geral tinha um testemunho maravilhoso, sendo encorajada pelo Espírito Santo (a palavra traduzida como "conforto" pode significar também encorajamento ou assistência) que lhe dava ousadia, direção, sabedoria e disposição para o serviço. Então, como resultado disso tudo, a igreja "crescia em número".

Eis aí o crescimento numérico desejável, decorrente da aprovação de Deus. Por isso, é preciso destacar que, se uma igreja cresce enquanto seus membros não andam e nem são edificados no temor do Senhor, há, sem dúvida, algo muito errado com essa igreja. Talvez ela esteja oferecendo coisas ruins e, por isso, esteja atraindo homens ruins; talvez esteja proclamando ideias e realizando programações que se harmonizam com as expectativas perversas dos incrédulos; talvez tenha mestres que anunciam doutrinas em total sintonia com a cobiça dos iníquos; ou talvez esteja usando meras estratégias de marketing, adotando técnicas que nada têm a ver com a construção de uma igreja realmente bíblica. Lembrem-se: Onde estiverem os cadáveres do falso ensino e dos artifícios humanos, aí se ajuntarão os abutres, saltando alegremente em meio à carniça.

Tenhamos, pois, cuidado. Avaliemos as coisas com mais precisão e inteligência. Também supliquemos ao Senhor que sua igreja aumente mais e mais suas fileiras. Peçamos, porém, que esse aumento não ocorra a qualquer custo. Que o santo cordeiro da verdade e da pureza não seja sacrificado no altar do crescimento numérico. Que os salões lotados durante os cultos sejam reflexos de igrejas que andam no temor do Senhor e não de comunidades que criam atrações mundanas. Se não for assim, então que continuemos a ser, nas palavras de Jesus, um "pequenino rebanho", tentando ajustar a vida ao que ele quer, a fim de que o aumento saudável e verdadeiro aconteça no tempo devido.

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Autor: Pr. Marcos Granconato
Fonte: Perfil do autor no Facebook
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O verdadeiro significado de Tradição Apóstolica

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Será que o Sola Scriptura requer que acreditemos na existência de uma “tradição” (ou “regra de fé”) a qual devemos apelar para ter a interpretação correta da Bíblia? Não há dúvidas de que os escritores cristãos primitivos utilizavam esse termo, e muitos são rápidos em usar esse fato com alegria. Mas quando examinamos o seu significado, descobrimos que a maioria das referências são destinadas ou a um esboço fundamental das crenças cristãs sobre Deus e Cristo, ou a crenças sobre práticas e ritos que não eram doutrinários ou dogmáticos por natureza. Ireneu definiu “tradição” nos seguintes termos:

Todos esses declararam que existe um Deus, criador dos céus e da terra, anunciado pela lei e pelos profetas; e um Cristo, o Filho de Deus. Se alguém não concorda com essas verdades, esse alguém despreza os companheiros do Senhor; mais ainda, despreza o próprio Cristo, Senhor; sim, despreza também o Pai, e permanece auto-condenado, resistindo e opondo sua própria salvação, como é o caso de todos os hereges. (Alexander Roberts e James Donaldson, The Ante-Nicene Fathers, 1:414-415)

Obviamente, o conteúdo dessa “tradição” não é extra-bíblico: as Escrituras claramente ensinam essas coisas. Tertuliano, mais tarde, deu uma versão expandida:

Agora, no que diz respeito a esta regra de fé (para que possamos, a partir deste ponto, reconhecer o que é que defendemos), você deve saber aquilo que prescreve a crença de que existe um só Deus, e que Ele não é outro senão o Criador do mundo, que produziu todas as coisas a partir do nada por meio de Sua própria Palavra; que essa Palavra é chamada de Seu Filho, e, sob o nome de Deus, foi visto em diversas maneiras pelos patriarcas, ouvido durante todas as épocas pelos profetas, enfim levado pelo Espírito e pelo poder do Pai para a Virgem Maria, se fazendo carne em seu ventre, e, tendo nascido dela, se revelando como Jesus Cristo; daí em diante Ele pregou a nova lei e a nova promessa do reino dos céus, operou milagres; tendo sido crucificado, ressuscitou ao terceiro dia; tendo subido aos céus, Ele sentou-se à direita do Pai; enviou, ao invés de si mesmo, o poder do Espírito Santo para liderar os que crêem; virá com glória para levar os santos ao gozo da vida eterna e das promessas celestiais, e para condenar os ímpios ao fogo eterno, após a ressurreição de ambas essas classes ter acontecido, em conjunto com a restauração de sua carne. Esta regra, como será provado, foi ensinada por Cristo, e não levanta entre nós qualquer questão além daquelas que as heresias introduzem, e que fazem os homens hereges. (Tertuliano, Prescrição contra os hereges, 13)

Mas, novamente, tudo isso pode ser derivado a partir do texto inspirado e não existe como uma revelação separada das Escrituras. Se quando alguém fala de “tradição apostólica” e de “interpretar as Escrituras sob a luz da regra de fé”, tudo o que esse alguém quer dizer é que existem certas coisas inegociáveis que são fundamentais para uma compreensão adequada da Palavra de Deus e da fé cristã, dificilmente existirá alguma discussão. Tudo o que se precisa fazer para enxergar essa verdade é notar as relativamente poucas tentativas feitas pelos estudiosos mórmons para fornecer comentários exegéticos sobre os textos das Escrituras, especialmente a literatura neo-testamentária, e a impossibilidade de realizar tal tarefa sob a luz do politeísmo. Deve-se entender os esboços mais básicos da verdade cristã para investigar mais profundamente a revelação das Escrituras, e se alguém começa com erros nesse ponto, os esforços restantes serão em vão. Se isso é tudo o que alguém quer dizer por “regra de fé”, então isso é completamente compreensível.

Na verdade, poderíamos dar um passo adiante e dizer que a regra de fé representa o resumo da doutrina apostólica que existiu até mesmo durante a época em que os documentos do Novo Testamento estavam sendo escritos. Essa regra de fé coincide com o texto pela razão óbvia de que os apóstolos foram os autores de ambos, apesar de termos que notar que seus testemunhos registrados nas Escrituras são mais claros (e mais específicos) que a regra de fé. É eminentemente lógico assumir que a medida em que o Novo Testamento estava sendo escrito, um resumo da verdade cristã já era conhecido e já circulava entre as igrejas; no entanto, é aqui que vemos novamente a sabedoria de Deus nos meios que Ele usa para conceder as Escrituras. Em contraste com a confiança e a verificabilidade dos manuscritos bíblicos escritos, a transmissão oral da tradição é inerentemente sujeita à corrupção (e essa acontece muito rápido).

Em particular, um exemplo impressionante disso é fornecido naquilo que pode muito bem ser a primeira instância documentada de um escritor cristão, especificamente afirmando ter informação proveniente não das Escrituras, mas via “tradição” oral dos apóstolos. Quando Ireneu procurava refutar os argumentos gnósticos do segundo século, ele fez uma referência a um elemento particular de um de seus (dos gnósticos) argumentos, e, sendo bem franco, ele se perdeu por completo. O argumento dos gnósticos era irrelevante, e sua resposta foi errante; ao tentar refutá-los, Ireneu postulou que Jesus tinha mais de cinquenta anos quando Ele morreu no Calvário; ele também afirmou que como Cristo veio salvar tanto bebês quanto crianças, jovens, adultos e velhos, então Ele também tinha que passar por todos esses estágios da vida. Como Ireneu pode demonstrar que Jesus tinha essa idade ao morrer na cruz? Insistindo que ele havia sido informado disso por aqueles que conheciam os apóstolos:

Todos estão de acordo que trinta anos é a idade de homem ainda jovem, idade que se estende até aos quarenta; dos quarenta aos cinqüenta declina na senilidade. Era nesta idade que nosso Senhor ensinava, como o atesta o Evangelho e todos os presbíteros da Ásia que se reuniram em volta de João, o discípulo do Senhor, que ficou com eles até os tempos de Trajano, afirmam que João lhes transmitiu esta tradição. Alguns destes presbíteros que viram não somente João, mas também outros apóstolos e os ouviram dizer as mesmas coisas, testemunham isso tudo. Em quero mais devemos acreditar: nestes presbíteros ou em Ptolomeu, que nunca viu os apóstolos e sequer em sonhos seguiu algum deles? (Ireneu, Contra Heresias, 2:22:5)

Note o que Ireneu afirma, pois a história da igreja está cheia desse tipo de erro. Não existe razão textual alguma para acreditar que Jesus tinha mais de cinquenta anos de idade, ainda assim Ireneu afirma “o Evangelho” como parte dos fundamentos de sua compreensão. Ele rapidamente põe mais peso ao dizer “e todos os anciãos”. Ele apoia essa afirmação ao insistir que “todos os presbíteros da Ásia que se reuniram em volta de João, o discípulo do Senhor,” transmitiram essa informação, mas como isso não parecia ser o suficiente, ele expande a alegação até João, de forma que esse conceito da idade Jesus seja creditado como vindo “também dos outros apóstolos. Ireneu escreveu dentro de um século depois da morte de João, ainda assim será que hoje alguém acredita que não apenas João mas o resto dos apóstolos ensinaram a seus seguidores que Jesus estava em Sua sexta década de vida quando Ele morreu? Ninguém acredita nos argumentos de Ireneu, pois eles não são fundamentados textualmente; no entanto, não acreditar nisso significa ou que Ireneu estava mentindo quando escreveu essas palavras ou que a “tradição oral” pode ser corrompida muito rapidamente.

Duas lições podem ser aprendidas com Ireneu nesse ponto.

Primeiro, em referência à ideia de que existe uma “regra de fé” originada nos apóstolos, as únicas bases possíveis para aceitar tal conceito seria primeiro vê-lo como meramente um resumo dos ensinamentos apostólicos, e nós obteríamos esse resumo através de todo o espectro dos escritos cristãos primitivos, não de uma fonte em particular. Isso é basicamente o que observamos; os exemplos mais antigos são bem básicos, breves, e com o tempo vão se expandindo. Obviamente, essas expansões estão sujeitas a suspeita, mas também vemos uma preocupação que essa regra de fé vem de todo o espectro das igrejas antigas, não apenas de uma única igreja ou de um único grupo de igrejas. Quanto mais amplo o testemunho, mais sólida é a fundação sobre a qual a regra de fé está.

Segundo, parece impossível evitar a conclusão de que se uma suposta tradição apostólica pode ser corrompida em menos de um século, como podemos levar a sério as afirmações de Roma de que seus dogmas marianos, e em particular crenças como a Imaculada Conceição e Assunção Corporal (crenças que por séculos sequer foram mencionadas em suas formas modernas na história de igreja e que não foram definidas dogmaticamente até poucos anos atrás) são realmente apostólicas em sua origem e forma? Certamente, para alguém ter qualquer base significativa para chamá-las de “apostólicas”, esse alguém deve ver esses dogmas como revelação divina de mesma categoria das Escrituras.

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Autor: James R. White
Fonte: Scripture Alone: Exploring the Bible's Accuracy, Authority and Authenticity. Paperback – October 1, 2004.
Tradução: Erving Ximendes
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O soberano Deus que ama seus filhos

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Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós” Gn 45.5

Introdução

De início, gostaria de fazer um breve resumo sobre a história de José do Egito. No entanto, acredito ser importante lembrar alguns pontos da história do pai de José, Jacó. Creio que todos se lembram que ele precisou sair fugido de sua cidade porque havia roubado o direito de primogenitura e a bênção de seu irmão, Esaú. Ele foi, então, morar na casa do primo de sua mãe, Labão. Depois de algum tempo lá, Jacó se encantou pela filha mais moça de Labão, Raquel. Para poder se casar com ela, ele fez um trato com Labão: trabalharia por sete anos nas terras do primo. 

Apaixonado, ele cumpriu fielmente a sua parte no trato. Porém, Labão o enganou, trocou Raquel por Lia, sua irmã mais velha, e a deu em casamento a Jacó, que consumou a união sem ter percebido a troca. Por conta disso, Jacó se sujeitou a trabalhar por mais sete anos para se casar com sua amada, Raquel. Após 14 anos, enfim, ele conseguiu seu objetivo.

Se sentindo preterida, Lia usava seus filhos para zombar de Raquel, uma vez que essa era estéril. Por conta disso, Raquel muito se entristecia, assim como se entristecia Jacó. Então, depois de orar a Deus, Raquel finalmente deu luz a dois filhos, José e Benjamin.

Por ser o primogênito de Raquel (que falecera após o nascimento de Benjamim), José tinha certa preferência do pai e, por consequência, o ódio e inveja dos irmãos. Um dia, José começou a ter sonhos esquisitos, nos quais ele governava sobre seus pais e irmãos. Esse foi o estopim para que seus irmãos, movidos por inveja e rancor, planejassem sua morte.

Todavia, Rúben, um dos irmãos de José, o livrou convencendo os demais a joga-lo numa cisterna, ao invés de tirar-lhe a vida. Ao verem uma caravana passando, decidiram vende-lo como escravo. Depois, José foi levado ao Egito, onde foi comprado por um homem importante, Potifar. O jovem, então, passou a servir fielmente na casa desse homem. Não demorou muito para que ele se destacasse e ganhasse a confiança de seu senhor. Porém, a esposa de Potifar buscava constantemente o seduzir e uma vez a situação saiu do controle. Ela o agarrou e retirou suas vestes. Diante dessa difícil situação, José saiu correndo, mas deixara suas vestes ainda com a mulher. Essa, mentindo, disse que ele tentara agarra-la a força.

O jovem, então, foi mandado para a prisão. Lá, ele ganhou a confiança do carcereiro e passado algum tempo interpretou corretamente os sonhos do copeiro e padeiro real. Conforme José havia dito, o copeiro real retornou ao palácio. Contudo, ele se esqueceu da promessa feita a José ainda na prisão.

Somente quando o Faraó teve um sonho que ninguém pudera interpretar, o copeiro se lembrou do rapaz. Esse o interpretou corretamente e, por conta disso, foi colocado como o segundo homem mais importante do Egito.

Quando a região experimentou um período muito duro de escassez, os irmãos de José foram até o Egito para buscar algum alimento. E acabaram se reencontrando com José. Na primeira vez, José não se revelou aos seus irmãos. Na segunda, porém, ele não resistiu e lhes contou sua identidade. O momento em que José se revela é justamente retratado aqui no texto que lemos. 

1) O Deus soberano

O que veremos nesse texto (Gn 45.1-8), irmãos, pode ser bem resumido no versículo 5. Ao olhar para ele, eu vejo José revelando duas verdades importantíssimas para nós. A primeira é a soberania de Deus. José estava plenamente convencido de que Deus era o responsável por toda a cadeia de eventos que o levara até aquela posição. José acreditava verdadeiramente na plena soberania de Deus. Ele não tinha dúvidas quanto ao “Deus me enviou adiante de vós” (Gn 45.5b)!

É natural que tenhamos certa resistência à ideia da soberania de Deus. Em nós reside o pecado, que é uma vontade de se rebelar contra Deus, de rejeitar sua soberania, de querer ser independente, ser o senhor do próprio destino. Não foi exatamente isso que levou o primeiro homem a comer da árvore do conhecimento do bem e do mal? Por conta desse sentimento de independência, o ser humano tem a extrema dificuldade em aceitar que Deus está no controle de tudo o que existe e acontece. A grande verdade é que estamos acostumados a uma cosmovisão antropocêntrica e não teocêntrica. 

Porém, ao olharmos para a Bíblia vemos que a soberania (e majestade) de Deus é um ponto pacífico. Não há discussão acerca disso! Nas palavras de A.W. Pink:

A Bíblia nos ensina que Deus criou todas as coisas, e que Ele exerce um controle completo e soberano sobre tudo o que fez. A vontade de Deus não pode ser mudada. Ele é o Rei soberano sobre todas as coisas e nunca pode ser surpreendido por nada do que acontece. Ele reina sobre tudo, fazendo com que todas as coisas operem juntas para o bem de todos aqueles que O amam e que têm sido chamados por Ele para ser Seu povo.

Como Pink menciona, a Bíblia revela a soberania de Deus em diversos momentos, tanto no A.T. como no N.T. Vejamos alguns versículos:

Teu, SENHOR, é o poder, a grandeza, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, SENHOR, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos.” 1 Cr 29.11
Pois Tu, SENHOR, és o Altíssimo sobre toda a terra; tu és sobremodo elevado acima de todos os deuses.” Sl 97.9
Excelso é o SENHOR, acima de todas as nações, e a sua glória, acima dos céus.” Sl 113.4
Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste”. Cl 1.16-17
Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as cousas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade...” Hb 1.3
nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade...” Ef 1.11
... dele, por meio dele e para ele são todas as coisas”. Rm 11.36

Podemos ver a soberania de Deus, ainda, em algumas histórias relatadas na Bíblia. Por exemplo, quando o povo de Israel estava perante Faraó, Deus fez valer a sua vontade soberana e subjugou o império mais poderoso da terra para que seu povo pudesse ser livre. Deus usou o seu poder para derrubar as muralhas de Jericó. Deus usou o seu poder para derrotar Golias. Quando Daniel encarou a morte certa, Deus interviu e fechou a boca dos leões para que a Sua santa vontade prevalecesse. Quando os amigos de Daniel enfrentaram a fornalha ardente, Deus enviou seu anjo para impedir que eles fossem consumidos.

O nosso Deus é soberano sobre a terra, Ele é o senhor dos céus e do universo! Como A. Kuyper disse certa vez: “não há um só centímetro quadrado em todo o universo sobre o qual o Cristo ressurreto não declare: ‘é meu’”! Deus é soberano na maneira como usa o seu poder. Ele o usa quando quer e da forma que deseja. Ele é soberano na maneira como mostra sua misericórdia. Ele é soberano na maneira como mostra a sua graça. 

Não há nada que fuja do controle de Deus. Portanto, precisamos compreender, assim como José compreendeu, que Deus está no controle até das mais difíceis situações que venhamos a enfrentar. E precisamos aprender a encontrar conforto nessa verdade.

O Deus amoroso

Esse conforto tem relação direta com outro ponto relatado por José no versículo 5. Na visão dele, Deus permitiu que diversas coisas ruins acontecessem em sua vida para que mais tarde ele pudesse salvar os seus irmãos e muitos outros da morte. O que José defende aqui é uma das verdades mais belas acerca de Deus. Ele nos ama! E faz com que todas as coisas cooperem para o nosso bem. Paulo coloca da seguinte forma:

Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” Rm 8. 28-29

Talvez nesse ponto você esteja pensando “Pedro, você não tem ideia do que eu estou passando” ou “você não faz ideia do que eu passei. Não é justo que você venha aqui e me diga que tudo coopera para o meu bem”. E, bom, eu acho que, de alguma forma, você tem razão em dizer isso. Verdadeiramente eu desconheço suas dores, as marcas e cicatrizes que podem fazer parte do seu passado. Eu não tenho como conhecer o mais íntimo e profundo do seu coração.

No entanto, o Espírito Santo, por meio da palavra de Deus, pode toca-lo porque ele o conhece no seu íntimo e tem poder para sarar as suas feridas. Então, eu te peço que considere o que a palavra de Deus fala a respeito disso e, eu oro para que ela traga descanso ao seu coração. 

Primeiramente, eu queria olhar para a história de José do Egito. Assim como fez José, quando olhamos para trás fica fácil perceber que Deus tinha tudo planejado. Quando nós conhecemos o fim da história, fica mais fácil perceber qual era o plano de Deus nisso tudo. E foi assim não somente com José do Egito, mas com Jó, com Daniel, com Sansão, com Elias, com Davi, com Paulo e com todo servo de Deus que passou por momentos de tribulação. Olhem o que relata o profeta Isaías:

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos.” Isaías 55.8-9

Assim, a primeira coisa que devemos buscar frente a uma situação de dor, dificuldade ou complexidade extrema é o conforto na verdade de que os caminhos de Deus são mais elevados; e mesmo que não entendamos no momento (ou nunca venhamos a entender) o motivo de nossas dores, Ele é soberano e nos ama. Além disso, o confiar em Deus nas tribulações pode nos levar a aprofundar o nosso relacionamento com Ele. Como Paulo diz:

... E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado.” Rm 5.3-5

Vejam que coisa maravilhosa! A esperança gerada pelo Espírito Santo no meio das tribulações não confunde por conta do amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo! Irmãos, eu sei que é muitas vezes difícil acreditar que tudo coopera para o nosso bem quando vemos nosso mundo desabar*. Porém, a palavra de Deus nos manda buscar forças n'Ele para perseverar e a garantia que temos de Paulo aqui é que essa perseverança nos conduzirá à experiência e, por fim, à esperança. E todo esse processo será regado por muito amor, com muito cuidado da parte de Deus. Como a palavra também nos confirma:

... lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós.” 1 Pe 5.7
Confia os teus cuidados ao SENHOR, e ele te susterá; jamais permitirá que o justo seja abalado.” Sl 55.22

Um dos motivos, portanto, para descansarmos na soberania de Deus é que Ele nos ama e cuida de nós!

Buscando esperança na eternidade

A segunda coisa que a Bíblia nos manda fazer é pensar nos céus, na eternidade, na Glória. Isso nos ajudará a lidar com os sofrimentos do presente. Vejam o que Pedro e Paulo dizem sobre isso:

... nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações,..., obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma.” 1 Pe 1.3-6 e 9
Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas cousas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas.” 2 Co 4.16-18

Deus é bom, irmãos! E por mais que o amor de Deus seja tão banalizado hoje em dia, ao buscarmos nas Sagradas Escrituras a verdade a respeito desse assunto, encontraremos descanso, consolo e conforto, porque não há amor maior do que o amor de Deus. Ele, sendo o criador e sustentador do universo, enviou o seu primogênito para morrer por nós, para tomar sobre si as nossas dores e a nossa culpa, para assumir o nosso lugar na Aliança, para ser nosso representante e advogado fiel! Como o profeta Jeremias coloca, essa é a promessa de Deus para nós:

Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim. Alegrar-me-ei por causa deles e lhes farei bem; plantá-los-ei firmemente nesta terra, de todo o meu coração e de toda a minha alma. Porque assim diz o Senhor: Assim como fiz vir sobre este povo todo este grande mal, assim lhes trarei todo o bem que lhes estou prometendo.” Jr 32.40-41

Portanto, se a soberania de Deus não for capaz de trazer conforto ao seu coração por conta do seu cuidado e amor para conosco, pense, no ato maior de amor de Deus; pense na cruz de Cristo; pense na promessa do TODO PODEROSO; pense na plenitude de alegria que experimentaremos no céu! Que a alegria da salvação seja o combustível para reaquecer o seu coração (Sl 51.12).

Conclusão

Assim, irmãos, para todo aquele que lê esse texto e enfrenta um momento difícil em sua vida ou carrega consigo profundas dores e cicatrizes, procure consolo e conforto na soberania de Deus, sabendo que; (1) Ele te ama e cuida de você e que (2) o amor Dele é tão infinitamente grande que Ele se fez homem para um dia te levar ao céu, onde não mais haverá choro e ranger de dentes; onde encontraremos plenitude de alegria Nele.

Alegra o teu coração, pois o Deus soberano, criador e sustentador de todo universo, te ama, cuida de ti e vai te levar um dia ao céu!

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Referência:
Deus é soberano, A.W. Pink.

* Um dos motivos de não acreditarmos que tudo coopera para o nosso bem é uma compreensão inexata do que significa “bem” nessa passagem. No entanto, esse é um assunto para um próximo texto. 

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Sobre o autor: Pedro Franco, 23 anos, é estudante de farmácia pela UFRJ e diácono na Igreja Presbiteriana Adonai (RJ).
Divulgação: Bereianos
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