Here we stand: Uma declaração evangélica com relação ao matrimônio

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Uma coalizão de diversos líderes evangélicos reunidos pela Ethics and Religious Liberty Commission [Comissão da Liberdade Religiosa e Ética - EUA] publicou o seguinte documento:

Como cristãos evangélicos, discordamos da decisão da Suprema Corte que redefine o casamento. O Estado não criou a família, e, portanto, não deveria recriá-la à sua própria imagem. Não nos submetemos a essa visão porque a autoridade bíblica assim exige de nós. O resultado da decisão da Suprema Corte em redefinir o casamento representa o que aparentemente é a consequência de meio século no qual se testemunha o declínio matrimonial por meio do divórcio, a coabitação e uma cosmovisão de liberdade sexual quase ilimitada. As ações da Suprema Corte colocam em risco uma fábrica social já volátil ao indispor aqueles cujas crenças relativas ao casamento são motivadas por profundas convicções bíblicas e que buscam o bem comum.

A Bíblia ensina claramente a verdade imutável de que o casamento consiste de um homem e uma mulher. De Gênesis a Apocalipse, a autoridade das Escrituras testemunha acerca da natureza do matrimônio bíblico como estando exclusivamente restrito à complementaridade entre homem e mulher. Esta verdade é inegociável. O próprio Senhor Jesus afirmou que o casamento é desde o princípio (Mt 19:4-6), de forma que nenhuma instituição humana possui a autoridade para redefinir o casamento, assim como nenhuma instituição humana tem autoridade para redefinir o Evangelho, do qual o casamento, de forma misteriosa, constitui-se como reflexo (Ef 5:32). A decisão da Suprema Corte em redefinir o casamento demonstra um julgamento equivocado ao desconsiderar aquilo que a História e incontáveis civilizações nos transmitiram – todavia, representa também uma consequência na qual os próprios evangélicos, infelizmente, possuem sua parcela de culpa. Frequentemente, evangélicos professos falharam em encarnar os ideais que nos são tão queridos e que cremos serem centrais à proclamação do Evangelho.

As igrejas evangélicas devem ser fiéis ao testemunho bíblico acerca do casamento, independentemente das mudanças culturais. As igrejas evangélicas na América do Norte se encontram agora num novo cenário moral que nos conclama a atuar num contexto cada vez mais hostil à ética sexual bíblica. Isso não é algo inédito na história da igreja. Desde seus primórdios, seja nas margens da sociedade ou numa instância de influência, a igreja é definida sempre pelo Evangelho. Insistimos, pois, na afirmação de que o Evangelho traz as boas-novas para todas as pessoas, independente de a cultura considerá-las ou não como boas-novas.

O Evangelho deve moldar nossa abordagem ao testemunho público. Como evangélicos movidos pelas boas-novas de que Deus oferece reconciliação por meio da vida, morte e ressurreição de Seu Filho, Jesus, nos comprometemos a:

1) Respeitar e orar pelas autoridades que sobre nós governam, mesmo que venhamos a trabalhar, mediante o processo democrático, a fim de reconstruir a cultura do matrimônio (Rm 13:1-7);
2) Ensinar a verdade a respeito do matrimônio bíblico de uma forma que traga restauração e cura a uma cultura sexualmente deteriorada;
3) Afirmar o mandato bíblico de que todas as pessoas, incluindo indivíduos da comunidade LGBT, são criadas à imagem de Deus e merecem, portanto, dignidade e respeito;
4) Amar nosso próximo a despeito de quaisquer discordâncias que surjam como resultado dos conflitos de crenças acerca do casamento;
5) Viver com respeito e civilmente juntamente com aqueles que possam discordar de nós, visando o bem comum;
6) Cultivar uma cultura comum de liberdade religiosa que permita o florescimento da liberdade de viver e crer diferentemente. 

A redefinição do casamento não deveria acarretar a erosão da liberdade religiosa. Nos próximos anos, as instituições evangélicas poderão ser intimadas a sacrificar suas crenças sagradas sobre o casamento e sexualidade a fim de se acomodarem àquilo que a cultura exige e que a lei requer. Não temos a opção de acatar essas exigências sem violar nossas consciências e renunciar o Evangelho. Não permitiremos que o governo coaja ou infrinja os direitos das instituições em viverem segundo a crença sagrada de que apenas homens e mulheres podem contrair matrimônio entre si.

O Evangelho de Jesus Cristo determina a forma e o tom de nosso ministério. A teologia cristã considera seus ensinamentos a respeito do casamento tanto atemporais quanto imutáveis, consequentemente devemos permanecer firmes nessa crença. Ofensas e pânico não são as respostas daqueles que confiam nas promessas de um Cristo Jesus que reina. Embora acreditemos que a Suprema Corte se equivocou em sua decisão, nos comprometemos a permanecer observando firme e fielmente o ensino bíblico de que o casamento é a principal pedra angular da sociedade, projetada para unir os homens, mulheres e crianças. Prometemos, portanto, proclamar e viver essa verdade a todo custo, com convicções que são apregoadas com bondade e amor.

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Nota:
[1] A expressão "Here I stand" pode ser traduzida como "Eis-nos aqui" ou "Assim nos posicionamos". Na verdade, trata-se de uma alusão ao dito de Lutero na Dieta de Worms: "Hier stehe ich. Ich kann nicht anders", que, na versão em inglês, foi traduzido para "Here I stand, I can do no other." [Esta é a minha posição. Não posso fazer nada mais]. Desse modo, é uma expressão que remonta à coragem dos primeiros reformadores em asseverar seu comprometimento com a verdade bíblica, ao invés de diluir ou se conformar com a mentalidade e cultura predominantes.

Signatários:

A.B Vines, Senior Pastor, New Seasons Church
Afshin Ziafat, Lead Pastor, Providence Church, Frisco, Texas
Alistair Begg, Senior Pastor, Parkside Church
Andrew T. Walker, Director of Policy Studies, Ethics and Religious Liberty Commission
Barrett Duke, Vice President for Public Policy and Research and Director of the Research Institute, Ethics and Religious Liberty Commission
Bart Barber, Pastor, First Baptist Church of Farmersville
Bruce Frank, Senior Pastor, Biltmore Baptist Church
Bruce Riley Ashford, Provost, Southeastern Baptist Theological Seminary
Bryan Carter, Pastor, Concord Church
Bryan Chapell, Senior Pastor, Grace Presbyterian Church
Bryan Loritts, Pastor of Preaching and Mission, Trinity Grace Church, Kainos Movement
Bryant Wright, Senior Pastor, Johnson Ferry Baptist Church
Carmen Fowler LaBerge, President, Presbyterian Lay Committee
Christine Hoover, Author
Christopher Yuan, Speaker, Author, Bible teacher
Clint Pressley, Pastor, Hickory Grove Baptist Church
Collin Hansen, Editorial Director, The Gospel Coalition
D. A. Carson, Research Professor of New Testament, Trinity Evangelical Divinity School
D.A. Horton, Director of ReachLife Ministries, National Coordinator for Urban Student Missions
Daniel Darling, Vice-President of Communications, The Ethics and Religious Liberty Commission
Daniel Patterson, Chief of Staff, The Ethics and Religious Liberty Commission
Danny Akin, President, Southeastern Baptist Theological Seminary
David E. Prince, Assistant Professor of Christian Preaching, The Southern Baptist Theological Seminary
David French, National Review
David Jeremiah, Senior Pastor, Shadow Mountain Community Church
David Platt, President, International Mission Board
David S. Dockery, President, Trinity International University/Trinity Evangelical Divinity School
David Uth, Senior Pastor, First Baptist Orlando
Dean Inserra, Lead Pastor, City Church, Tallahassee
Dennis Rainey, President, FamilyLife Today
Denny Burk, Professor of Biblical Studies, Boyce College
Edgar Aponte, Director of Hispanic Leadership Development, Southeastern Baptist Theological Seminary
Eric M. Mason, Lead Pastor, Epiphany Fellowship Church
Eric Teetsel, Executive Director, Manhattan Declaration
Erik Reed, Pastor, Journey Church
Erwin W. Lutzer, Senior Pastor, The Moody Church
Felix Cabrera, Pastor, Iglesia Bautista Central, Oklahoma City
Frank Page, President and CEO of the SBC Executive Committee
Fred Luter, Pastor, Franklin Avenue Baptist Church
Gabriel Salguero, President, National Latino Evangelical Coalition
Greg Laurie, Senior Pastor, Harvest Christian Fellowship
H.B. Charles Jr., Pastor-Teacher, Shiloh Metropolitan Baptist Church
Heath Lambert, Executive Director, Association of Certified Biblical Counselors
Hunter Baker, Associate Professor of Political Science and Dean of Instruction, Union University
J. Ligon Duncan III, Chancellor & CEO, John E. Richards Professor of Systematic and Historical Theology, Reformed Theological Seminary
J. P. Moreland, Distinguished Professor of Philosophy, Biola University
J.D. Greear, Pastor, The Summit Church
J.I. Packer, Board of Governors’ Professor, Theology Regent College
Jack Graham, Pastor, Prestonwood Baptist Church
Jackie Hill Perry, Writer, Speaker, Artist
James MacDonald, Senior Pastor, Harvest Bible Chapel
Jason Allen, President, Midwestern Baptist Theological Seminary
Jason Duesing, Provost, Midwestern Baptist Theological Seminary
Jeff Iorg, President, Golden Gate Baptist Theological Seminary
Jeffrey K. Jue, Provost, Westminster Theological Seminary
Jim Baucom, Senior Pastor, Columbia Baptist Church
Jim Daly, President, Focus on the Family
Jimmy Scroggins, Lead Pastor, Family Church, West Palm Beach
John Bradosky, Presiding Bishop, North American Lutheran Church
John Huffman, Board Chair Christianity Today and Gordon-Conwell Theological Seminary
John Stonestreet, Speaker and Fellow, The Chuck Colson Center for Christian Worldview
Johnny Hunt, Pastor, First Baptist Church of Woodstock
Jonathan Leeman, Editorial Director, 9Marks
Jose Abella, Pastor, Providence Road Church, Miami
Juan R. Sanchez, Jr., Senior Pastor, High Pointe Baptist Church, Austin, Texas
Justin Taylor, Author and Blogger
Karen Swallow Prior, Professor of English, Liberty University
Ken Whitten, Senior Pastor, Idlewild Baptist Church
Kevin DeYoung, Senior Pastor, University Reformed Church
Kevin Ezell, President, North American Mission Board
Kevin Smith, Teaching Pastor, Highview Baptist Church
Mac Brunson, Pastor, First Baptist Church Jacksonville
Mark Dever, Senior Pastor, Capitol Hill Baptist Church
Marvin Olasky, Editor-in-chief, WORLD Magazine
Matt Carter, Pastor of Preaching and Vision, The Austin Stone Community Church
Matt Chandler, Lead Teaching Pastor, The Village Church
Matthew Lee Anderson, Lead Writer, Mere Orthodoxy
Michael Youssef, Pastor, The Church of The Apostles in Atlanta, GA
Mike Cosper, Pastor of Worship and Arts, Sojourn Community Church
Mike Glenn, Senior Pastor, Brentwood Baptist Church
Naghmeh Abedini
Nancy Leigh DeMoss, Revive our Hearts
Nathan Finn, Dean of the School of Theology and Missions and Professor of Christian Thought and Tradition, Union University
Nathan Lino, Lead Pastor, Northeast Houston Baptist Church
Owen Strachan, President, The Council on Biblical Manhood and Womanhood
Paige Patterson, President, Southwestern Baptist Theological Seminary
Paul Chitwood, Executive Director, Kentucky Baptist Convention
Paul David Tripp, Pastor, Author, and International Conference Speaker
Paul Nyquist, President and CEO, Moody Bible Institute
Phillip Bethancourt, Executive Vice President, Ethics and Religious Liberty Commission
R. Albert Mohler, Jr., President, The Southern Baptist Theological Seminary
Ramon Osorio, Hispanic National Church Mobilizer, North American Mission Board
Randy Alcorn, Director, Eternal Perspectives Ministries
Raudel Hernandez, Pastor, Summit Español Raleigh, NC
Ray Ortlund, Lead Pastor, Immanuel Nashville
Ray Pritchard, President, Keep Believing Ministries
Richard D. Land, President, Southern Evangelical Seminary
Richard Mouw, Professor of Faith and Public Life, Fuller Seminary
Robert Sloan, President, Houston Baptist University
Roger Spradlin, Senior Pastor, Valley Baptist Church, Bakersfield, Calif.
Roland C. Warren, President & CEO, Care Net
Ron Johnson, Senior Pastor, Village Bible Church
Ron Sider, Senior Distinguished Professor of Theology, Holistic Ministry and Public Policy, Palmer Seminary at Eastern University
Ronnie Floyd, President, Southern Baptist Convention | Senior Pastor, Cross Church
Rosaria Butterfield, Author and Speaker
Russell Moore, President, Ethics and Religious Liberty Commission
Sam Storms, Lead Pastor for Preaching and Vision, Bridgeway Church
Samuel Rodriguez, President, National Hispanic Christian Leadership Conference
Samuel W. "Dub" Oliver, President, Union University
Steve Gaines, Pastor, Bellevue Baptist Church
Thom Rainer, President, LifeWay Christian Resources
Thomas White, President, Cedarville University
Timothy George, Dean and Professor of Divinity, Beeson Divinity School
Todd Wagner, Senior Pastor, Watermark Church
Tommy Nelson, Senior Pastor, Denton Bible Church
Tony Evans, Senior Pastor, Oak Cliff Bible Fellowship
Tony Merida, Pastor for Preaching, Imago Dei Church
Tory Baucum, Rector, Truro Anglican Church
Trey Brunson, First Baptist Church Jacksonville
Trillia Newbell, Director of Community Outreach, Ethics and Religious Liberty Commission
Trip Lee, Rapper, singer, poet and author
Vance Pitman, Senior Pastor, Hope Church, Las Vegas

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Fonte: Christianity Today
Tradução: Fabrício Tavares
Divulgação: Bereianos
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Casamento, divórcio e novo casamento - 2/3

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iiiii. Diretrizes para os solteiros, divorciados e viúvas (vs.6-9) 
  
Todavia, o versículo 6 está ligado ao versículo 5c, e não ao contexto inteiro, que compreende os versículos 1-5. O termo concessão συγγνώμην (syngnó̱mi̱n) denota um “sentimento compartilhado”, “ter opinião com”, e refere-se à abstinência sexual que Paulo permite que o casal observe por um tempo. 

Com o pronome demonstrativo isto, o apóstolo não se refere ao casamento em si, mas à abstinência sexual, que é uma exceção de regra dos direitos conjugais (vs.5b), do qual ele é concorde. No entanto, é importante frisar que o apóstolo não impõe essa “licença” para a abstinência sexual como um mandamento.  

Apesar de ter o dom de celibato e a capacidade para a abstinência sexual, o apóstolo não institui este dom para aqueles que não o possuem. “Paulo estabeleceu os deveres de todos os casados, mas não estabelece como dever que todos devem casar-se”.[11] No versículo 7-8, Paulo orienta três classes de pessoas: 1) os que nunca se casaram; 2) os divorciados; 3) as viúvas. 

A vontade do apóstolo é que os homens que nunca se casaram, os divorciados e a viúvas não se casem, mas permaneçam solteiros como ele. Essa afirmação expressa sua vontade, mas não um desejo improvável. Mas por qual motivo Paulo preferia que os solteiros não buscassem o casamento (vs.26,28)? O que Paulo tinha em mente com a expressão por causa da angustiosa situação no presente (vs.26a). Duas coisas, pelo menos. Senão vejamos:

1) Paulo poderia ter em mente as muitas circunstâncias presentes que afligem um casamento, como doenças, problemas financeiros, familiares, com os filhos e com o próprio cônjuge.

2) Tendo em vista o contexto histórico da carta de 1 Coríntios, a tribulação daquela época que Paulo se refere “era a destruição de Jerusalém, que ocorreu cerca de quinze anos após Paulo ter escrito 1 Coríntios. Uma das mais severas pressões que tal crise provocaria seria o impacto destruidor na vida familiar”.[12]

Hernandes Dias Lopes expande:

Paulo está se referindo ao tempo tenebroso de implacável perseguição que a igreja estava prestes a enfrentar. Paulo estava em Éfeso quando escreveu essa carta (2Co 1.8). Esse era o clima que estava surgindo no horizonte. Jerusalém estava prestes a ser cercada. Suas muralhas seriam quebradas. Jesus já havia falado em seu sermão profético: Ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias (Mt 24.19). Por que Jesus disse isso no sermão profético?  
No ano 70 d.C., quando Tito Vespasiano entrou em Jerusalém e quebrou os seus muros, seus soldados rasgaram as entranhas das grávidas com a espada. As mulheres grávidas não podiam correr para se livrarem. Paulo está dizendo que quem é casado numa hora de tribulação, de guerra, de perseguição, de fuga, sofre terrivelmente. Já imaginou um pai fugindo e deixando um filho para trás? Já imaginou uma mãe fugindo da guerra e deixando uma filha indefesa para trás? Já imaginou um marido fugindo e deixando sua mulher para trás? Paulo está mostrando que o clima prenunciava um tempo de uma guerra que estava chegando. Nero já despontava com sua insanidade. O cenário para a perseguição implacável aos cristãos estava montado. Roma seria incendiada em 64 d.C., e os cristãos seriam caçados, perseguidos e mortos por todos os cantos do império.[13]

O casamento é uma instituição de Deus, sendo algo bom e recomendável; entretanto, nem todas as pessoas devem almejar o casamento. Existem homens e mulheres que não possuem a vontade de se casar porque receberam de Deus a capacidade para conter-se pelo celibato. Por outro lado, existem homens e mulheres que não foram dotados com a continência; esses, portanto, devem se casar para não viverem pecando na área sexual. Paulo recebeu o dom para o celibato e se alegrou com essa condição, mas entendia que nem todas as pessoas recebem os mesmos dons. Destarte ele ensina que Deus outorga a cada pessoa o seu dom. Calvino escreve:

O estado de solteiro desfruta de muitas vantagens, e que estas não sejam subestimadas, contanto que cada um viva feliz com sua condição pessoal. Portanto, ainda que a virgindade [ou pureza sexual] seja exaltada até o terceiro céu, não obstante ainda permanece sendo verdadeiro que ela não é praticável a todos, senão apenas aos que a recebem como dom especial de Deus.[14]   
Tendo aconselhado aos não casados, Paulo, agora, dirige-se aos desprovidos da continência, dizendo no versículo 9: Mas, se vocês não podem dominar o desejo sexual, então casem, pois é melhor casar do que ficar queimando de desejo. (NTLH) Ou, conforme traduziu a NVI – pois é melhor casar do que ficar ardendo de desejo.

No grego, o verbo πυρονσθαι (pyrousthai) significa “arder, queimar”. No entanto, para que o sentido fique claro no contexto, devemos acrescentar a expressão desejo sexual. Os tradutores entendem que o verbo por si é incompleto, e por isso necessita de uma explicação. Portanto, conforme a NTLH e a NVI traduziram, o verbo arder, nesse contexto, é relacionado à incontinência. 

Paulo sabe que existem pessoas não casadas que não conseguem exercer o autocontrole na área sexual. A incontinência (desejo sexual) não é pecado, mas ceder a ela é pecado. Aquele que busca o prazer sexual através de meios pecaminosos, tais como a masturbação, pornografia e a fornicação, comete pecado. A fim de solucionar o problema da incontinência, Paulo sugere aos incontinentes que se casem. 
  
Com isso, Paulo não está repreendendo nem desaprovando os que não possuem continência. Pelo contrário, para evitar a possibilidade de ruir em pecado pela incontinência, o apóstolo ordena o casamento para os que não são casados. MacArthur acrescenta que uma pessoa não pode viver feliz e servir ao Senhor efetivamente se dominado por desejo sexual não satisfeito.15 O casamento é o meio para que os incontinentes vivam de maneira santa e felizes em servir a Deus.  
                               
b) A estabilidade do casamento (7.10-11)

Muitos cristãos que vivenciam crises no casamento, com receio do que os outros vão pensar, ficam reclusos e se fazem perguntas num tipo de introspecção. Através de três imperativos, Paulo responde a estas perguntas. Senão vejamos:

O que fazer quando um dos cônjuges se arrepende de ter casado? O que fazer quando um casamento se torna insustentável? Existem muitos casais dentro das igrejas que se arrependeram de ter-se casado, reconhecendo que cometeram um erro. Dentre os motivos do arrependimento, muitos alegam incompatibilidade, precipitação, que no casamento o cônjuge demonstrou ser uma pessoa ociosa, malandra, agressiva e pervertida sexualmente. Em suma, no casamento, o cônjuge esboçou uma faceta completamente diferente da que era no namoro. Sendo assim, o que fazer nessa situação? Cada caso deve ser analisado da melhor forma possível e sobre a égide das Escrituras. Senão vejamos o que Paulo orienta:  
     
i. O casal não deve se separar (vs.10)

Paulo, aqui, dirige-se àqueles que se casaram e estão casados. Mesmo tendo autoridade (veja 5.5, 12; 6.18; 7.5, 8), ele, agora, recorre à autoridade do Senhor Jesus. Paulo utiliza de um método retórico chamado “correctio” para esboçar mais autoridade no imperativo. Com isso, não temos apenas uma mera lembrança do apóstolo de que não foi ele quem disse tais palavras, mas Jesus. Não é muito comum encontrarmos Paulo evocar as palavras de Jesus (veja 1Co 9.14; 11.23; 1Ts 4.15; 1Tm 5.18), o que demonstra ainda mais autoridade à instrução subsequente.

O interessante é que essa prescrição não é uma citação literal das palavras de Jesus, mas uma paráfrase, isto é, uma interpretação, um comentário dos seus ensinos acerca do divórcio (Mt 5.31-32; 19.3-12; Mc 10.2-12; Lc 16.18). Paulo não estabelece uma distinção de autoridade entre o que ele diz e o que o Senhor disse. O cerne é esclarecer que o próprio Jesus deixou instrução sobre a questão do divórcio, enquanto sobre outros assuntos Paulo, como apóstolo de Cristo, é quem aplica e distende os seus ensinamentos (veja o vs.12, 25,40).  

Simon Kistemaker ressalta:

Paulo afirma que ele tem uma ordem para pessoas casadas que vem não dele, mas do Senhor. Ele usa as palavras de uma tradição oral do Evangelho. Supomos que Paulo tenha ouvido essa declaração dos outros apóstolos, provavelmente de Simão Pedro (Gl 1.18, 19), e assim recebeu-a indiretamente de Jesus. Paulo cita a palavra de Jesus preservada na tradição evangélica, que para ele e os coríntios têm autoridade divina. Na verdade, os apóstolos e a Igreja primitiva conferiam a mesma importância às Escrituras do Antigo Testamento e ao Evangelho oral ou escrito. Para eles, ambos tinham igual autoridade. E Paulo sabia que, com respeito ao casamento e divórcio, os cristãos coríntios ouviriam e obedeceriam à voz de Jesus. Escrevendo sobre esse assunto, Paulo não exerce mais a sua autoridade, e sim a do Senhor. Paulo se põe de lado e permite que Jesus fale diretamente aos coríntios.[16]
Nessa carta, Paulo revela que por muitas vezes recebeu palavras ou ordens do Senhor, que podem lhe ter vindo diretamente por visão ou indiretamente por meio dos apóstolos (veja 9.14; 11.23; 14.37; 15.3; compare com 1Ts 4.15)”.[17] 

Todavia, o evangelho de Marcus relata o embate teológico entre Jesus e os fariseus (Mc 10.2-12). Eles o indagaram acerca do divórcio. Jesus, por sua vez, recorreu à Escritura, citando o relato da criação (Gn 1.27; 2.24). Por conseguinte, Jesus acrescenta seu comentário, dizendo: De modo que já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem (Mc 10.8b-9). 

Desejando saber mais sobre a questão do divórcio, os discípulos decidem inquirir Jesus em busca de mais respostas. Sendo assim, Jesus acentua: O homem que se divorciar de sua esposa e casar com outra comete adultério contra aquela. E se a esposa se divorciar de seu marido e casar com outro, comete adultério (Mc 10.11-12). (minha tradução)     
  
Os judeus e os gentios da época de Paulo tinham uma concepção semelhante a respeito do divórcio. Entretanto, antes da releitura da Torá proposta por Hilel, a tradição judaica admitia o divórcio apenas por três motivos: falha em fornecer alimento, falha em fornecer roupas e descumprimento dos deveres conjugais, baseando-se em Êxodo 21.10-11 e Deuteronômio 24.1-4. Essa foi a interpretação da lei durante anos. O rabino Hilel, no entanto, no primeiro século antes de Cristo, mudou a interpretação de Deuteronômio 24.1-4, afirmando que o homem poderia se separar de sua esposa por qualquer motivo ou por ter achado algo indecente nela, e tornou a lei no judaísmo semelhante à lei grega corrente. Tanto o homem quanto a mulher poderiam pedir divórcio e havia nos contratos de casamento provisão para esse caso. Era comum os contratos fazerem referência ao tríplice dever (comida, roupas e amor) e indicarem a possibilidade de divórcio caso não fosse cumprido, embora os contratos aramaicos fizessem maior referência ao término do casamento em caso de morte do que em caso de divórcio. Era nesse contexto de grande facilidade quanto ao divórcio que os cristãos coríntios viviam.[18]

O Evangelho de Marcos, no entanto, escrito num contexto romano e dirigido a gentios, reflete o mundo greco-romano. Nesse mundo, a mulher tinha o direito de tomar a iniciativa e separar-se de seu marido, o que é eufemismo para divórcio. A possibilidade realmente existe de que mulheres influentes da igreja de Corinto tivessem consultado Paulo a respeito das relações maritais e do divórcio. O apóstolo responde a elas com uma palavra de Jesus. O relato da criação ensina a unidade de esposo e esposa, a qual, segundo Jesus, não deve ser quebrada. O profeta Malaquias também se refere à narrativa do Gênesis e denuncia o divórcio como uma quebra da aliança que o marido fez com sua mulher. Ele cita a palavra do Senhor Deus, que exclama: Eu odeio o divórcio (Ml 2.14-16). A intenção de Deus é que os votos de casamento não sejam dissolvidos. Jesus permite uma exceção somente quando um dos cônjuges se torna infiel ao outro (Mt 5.32; o paralelo em Lucas 16.18 omite a exceção). A regra que data do começo da história humana é que uma esposa não pode se divorciar de seu marido e que, da mesma forma, um marido não pode mandar embora sua esposa (v. 11).[19] 

Diante disso, a ordem de Paulo, baseada no ensinamento de Jesus, é para o casal não se divorciar, exceto por causa de adultério.  
            
ii. Se houver a separação por parte da mulher, que ela não se case novamente ou se reconcilie com o marido, que, da mesma forma, não se separe da mulher (vs.11)  

A segunda pergunta que os coríntios fizeram a Paulo deve ter sido esta: O que fazer quando um casamento se torna insustentável? Paulo oferece duas soluções: 1) Se houver a separação, fique sozinha. 2) Após um tempo separados, talvez para refletir sobre o casamento da melhor forma possível, que a mulher tente a reconciliação com o marido. No decorrer da explanação essas perguntas serão respondidas.   
  
Não obstante, podemos observar que a esposa é quem toma a iniciativa de separar-se do marido (vs.10-11). Por outro lado, no Evangelho de Mateus, vemos que o marido é quem toma a iniciativa de separar-se de sua esposa (Mt 19.9). É importante destacar que o público de Mateus é composto por judeus, no qual o marido podia separar-se de sua esposa somente em caso de relações sexuais ilícitas, porém a mulher não tinha o direito de separar-se do marido. Com a proposição condicional no grego se ἐὰν (eán), Paulo demonstra que a ocorrência do divórcio é possível. Todavia, é bem provável que, na igreja de Corinto, havia casos de esposas estarem iniciando os procedimentos necessários para se divorciarem de seus maridos por outros motivos que não fossem a infidelidade na área sexual; um desses motivos seria o ascetismo, talvez.  

Werner de Boor acrescenta que é possível que uma mulher já tenha se separado do marido. Paulo deve ter recebido notícias nesse sentido. Ao que parece, ainda não aconteceu que esposas foram deixadas pelos maridos; mas certamente uma ou outra mulher já havia se separado. Essas circunstâncias também se refletem no fato de que no versículo anterior, Paulo se dirige extraordinariamente primeiro à mulher, impedindo-a de separar-se do marido.[20]

Uma vez que a mulher não deve se divorciar do seu marido, da mesma forma o marido não deve se divorciar de sua esposa (vs.11b).  

Embora o marido tivesse na sociedade judaica e greco-romana a prerrogativa de se divorciar e tivesse maior liberdade do que a mulher, Paulo ensina o que as Escrituras dizem sobre este assunto. Ele se recusa a seguir a cultura de seu tempo, mas se prende à Palavra de Deus. Ele proíbe o marido de mandar sua esposa embora. Fica implícito que o marido precisa lutar por reconciliação no caso de um divórcio, porque o casamento é para toda a vida.[21]   

Note que Paulo está apontando para um mandamento de Jesus, no entanto, apresenta uma situação que não foi mencionada por Ele em seus ensinamentos, nos Evangelhos, ou seja, a mulher tomar a iniciativa de se divorciar. Outra questão que deve ser observada, é que a possibilidade do divórcio sugerida por Paulo é vetada pelos mandamentos de Jesus (veja Mt 5.31-32, 19.3-9; Mc 10.2-12; Lc 16.18). 
   
Logo, uma pergunta surge: O cristão pode se divorciar por outro motivo que não seja por adultério, visto que Paulo pode ter demonstrado essa possibilidade?     

Deus é terminantemente contra o divórcio. Ele odeia o divórcio (Ml 2.16). Deus tolera e até permite o divórcio no caso de adultério, porém não se agrada disso. A sua vontade (prescritiva) é que haja a reconciliação do casal, e não o divórcio. Paulo também não apoia o divórcio em hipótese alguma (vs.12-14). Ele ratifica o ensino de Jesus de que o divórcio só é legítimo e permitido em caso de infidelidade conjugal. Contudo, o mesmo Paulo deixa implícito que existem algumas exceções que tornam o divórcio lícito e até necessário, bem como o novo casamento (vs.15-16), o que veremos mais adiante.  

Continua nos próximos dias...

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Notas:
11. Leon Morris. 1 Coríntios – introdução e comentário, pág 86.
12. David Prior. A mensagem de 1 Coríntios, pág 140.
13. Hernandes Dias Lopes. 1 Coríntios, pág 141-142.
14. Calvino. 1 Coríntios, pág 209. 
15. Bíblia de Estudo MacArthur. Notas de Rodapé, pág 1536.
16. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 311.    
17. Ibid.   
18. Instone Brewer, David. 1 Corinthians 7, Divorce, pág. 225-243.
19. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 312.   
20. Werner de Boor. 1 Coríntios, pág 61.
21. Simon Kistemaker. 1 Coríntios, pág 314.    

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Fonte: Bereianos

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Uma carta aberta aos pastores - sobre o casamento gay nos EUA

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A Suprema Corte neste país [EUA] promulgou seu julgamento. As manchetes informam que um pouco mais da metade dos juízes da Suprema Corte consideram a liberdade de orientação sexual, um direito para todos os americanos. Esta troca de valores não aparece como uma surpresa para nós. Já sabemos que o deus deste século cega as mentes daqueles que não acreditam (2 Cor. 4:4). O dia 26 de junho de 2015 fica como um marco americano de demonstração desta antiga realidade.


Nos próximos dias, irão esperar de você, como um pastor, que forneça comentários sensatos e conforto para o seu rebanho. Este é um momento crítico para os pastores, e surge como um lembrete de que uma formação adequada é crucial para um pastor. Estou escrevendo esta mensagem curta como de um pastor para outro. Os meios de comunicação estão cheios de atualizações, e eu não preciso juntar a minha voz nessa briga. Em vez disso, eu quero ajudá-lo a pastorear sua igreja nesse momento confuso. Além dos artigos úteis no blog Preaching and Preachers, eu também quero transmitir os pensamentos abaixo que, creio eu, vão ajudar a enquadrar a questão de uma maneira bíblica.

1 – Nenhum tribunal humano tem a autoridade de redefinir o casamento, e o veredicto de ontem não muda a realidade do casamento que foi ordenado por Deus. Deus não foi derrotado nesta decisão, e todos os casamentos serão julgados de acordo com fundamentos bíblicos no Ultimo Dia. Nada irá prevalecer contra Ele (Provérbios 21:30) e nada vai impedir o avanço de Seu Reino (Dan 4:35).

2 – A Palavra de Deus pronunciou seu julgamento sobre toda nação que redefiniu o mal como o bem, a escuridão como a luz, e o amargo como o doce (Isaías 5:20). Como uma nação, os EUA continuam a colocar-se na mira do julgamento. Como proclamador da verdade, você é responsável por nunca comprometer estas questões. De todas as maneiras, você deve se manter firme.

3 – Esta decisão prova que estamos claramente em minoria, e que somos um povo separado (1 Pedro 2: 9-11; Tito 2:14). Como escrevi no livro “Why Government Can’t Save You”, as normas que moldaram a cultura ocidental e a sociedade americana deram lugar ao ateísmo prático e ao relativismo moral. Esta decisão simplesmente acelerou a taxa de declínio dos mesmos. A moralidade de um país nunca vai ser mais alta que a moralidade de seus cidadãos, e sabemos que a maioria dos americanos não têm uma cosmovisão bíblica.

4 – A liberdade religiosa não é prometida na Bíblia. Na América, a Igreja de Jesus Cristo tem desfrutado de uma liberdade sem precedentes. Isso está mudando, e a nova norma pode, na verdade, incluir a perseguição (o que será algo novo para nós). Nunca houve um momento mais importante para homens talentosos ajudarem a liderar a igreja ao lidar, de forma competente, com a espada do Espírito (Efésios 6:17).

5 – O casamento não é o campo de batalha final, e os nossos inimigos não são os homens e mulheres que procuram destruí-lo (2 Coríntios 10:4). O campo de batalha é o Evangelho. Tenha cuidado para não substituir a paciência, o amor e a oração por amargura, ódio, e política. A medida que você guiar cuidadosamente seu rebanho afastando-o das armadilhas perigosas que aparecem à frente, lembre-os do imenso poder do perdão por meio da cruz de Cristo.

6 – Romanos 1 identifica claramente a evidência da ira de Deus sobre uma nação: a imoralidade sexual seguida da imoralidade homossexual culminando em uma disposição mental reprovável. Esta etapa mais recente nos lembra que a ira de Deus veio na íntegra. Vemos agora mentes reprováveis em todos os níveis de liderança – no Supremo Tribunal Federal, na Presidência, nos gabinetes, na legislatura, na imprensa e cultura. Se o diagnóstico da nossa sociedade está de acordo com Romanos 1, então, também devemos seguir a receita encontrada em Romanos 1 – não devemos nos envergonhar do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação! Neste dia, é nosso dever divino fortalecer a igreja, as famílias, e testemunhar o evangelho ao tirar os absurdos pragmáticos que distraem a igreja de sua missão ordenada por Deus. Homossexuais (como todos os outros pecadores) necessitam ser avisados do juízo eterno iminente e precisam ter o perdão, a graça e a nova vida, amorosamente oferecidos através do arrependimento e da fé no Senhor Jesus Cristo.

Em última análise, a maior contribuição ao seu povo será a de mostrar paciência e uma confiança inabalável na soberania de Deus, no Senhorio de Jesus Cristo, e na autoridade das Escrituras. Mire seus olhos no Salvador, e lembre-os de que quando Ele voltar, tudo será corrigido.

Estamos orando para que você proclame firmemente a verdade, e que se posicione de maneira inabalável em Cristo.

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Autor: John MacArthur
Fonte: The Master's Seminary
Tradução: Olhai e Vivei
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A Verdade Sobre o Pragmatismo

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Pragmatismo é a noção de que o significado ou o valor de alguma coisa é determinado pelas consequências práticas. Ou seja, algo só deve ser aceito como verdadeiro se gerar resultados imediatos. 


Para o pragmático o que importa é o que funciona. Se é Verdadeiro ou não, se é ético ou não, não interessa! O que interessa é: funciona? Esse é o crivo da verdade no pragmatismo. A grande pergunta do pragmático, portanto, não é, “é certo?”, mas “dá certo?”. 

No geral o pragmático é relativista. Sendo relativista rejeita a noção de absolutos. A verdade é aquilo que é útil e funciona. 

Pois bem, lamentavelmente tenho que dizer que as igrejas brasileiras estão tomadas de pastores pragmáticos e precisamos batalhar urgentemente contra isso...

Neste vídeo, o Rev. Dorisvan Cunha mostra o que é pragmatismo e como combate-lo. Assista:




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Fonte: Guerra pela Verdade
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Nuvens escuras na vida cristã

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A caminhada cristã não é fácil. É interessante que na medida em que os anos passam, vamos descobrindo que nem todas as coisas na vida são tão simples e divertidas como pensávamos quando éramos crianças. Na jornada cristã este movimento não é muito diferente. Nem tudo é doce e brilhante como aparenta e nem só de dias ensolarados se faz a vida. Mas nas adversidades (e diante das nuvens) podemos enxergar a graça de Deus e seu zelo, aprender muito com aquilo que se opõem e descobrir o que realmente tem – ou deveria ser reconhecido como tendo – valor para nossas vidas.


O livro de Atos dos Apóstolos apresenta diversos episódios cuja fé dos cristãos em geral e dos apóstolos em específico eram moldadas pelas adversidades. Neste estudo vamos nos ater ao relato de At 16.12-40. Paulo e Silas estavam em Missão conforme textos anteriores (junto com Lucas e Timóteo) e alguns fatos anteriores mostram conversões acontecendo, através da pregação do Evangelho e pela obra do Santo Espírito (At 16.13-15). Deus estava com seus servos assim como permanece com os Seus nos dias de hoje. Talvez para muitos a sequência de fatos que foram se desenrolando podem soar como injustas para quem estava tão somente fazendo a obra de Deus. Vejamos.

A falsa religião como fonte de lucro

Passando pela maravilhosa experiência de compartilhar o Evangelho e ver corações – como o de Lídia, v.14 – se prostrando ao Senhor, encontramos mais uma vez a forma impressionante como a religiosidade pode engordar os bolsos de líderes nefastos. Tal prática não nasceu ontem, ela está enraizada na humanidade como um culto paralelo cujo fim é a riqueza e o bem-estar momentâneo. Enquanto Paulo e Silas avançavam na pregação do Evangelho e na comunhão com os novos crentes, uma jovem possessa “que tinha um espírito adivinhador” os seguia gritando uma suposta glorificação ao nome de Deus (v.17), porém tal glória era falsa e tal jovem servia tão somente como fonte de lucro aos seus senhores. A jovem estava possessa por um espírito mau e era explorada por seus senhores.

Outras passagens nos mostram – ainda em Atos – a luta da Igreja contra estas investidas. Veja por exemplo Pedro contra Simão em At 8.14 e Paulo com Bar-Jesus em At 13.4. No caso de Simão, seu ato pecaminoso passou a nomear a prática de aferir lucro no comércio das coisas sagradas: “Simonia”. Pela narrativa da história da igreja encontra-se na obra “Apologia” de Justino Mártir – datada de 150 a.D. que posteriormente Simão passou a ser seguido por muitos e se autodenominava como “Manifestação do Deus Supremo”.

Segundo os versículos de At 16.16-19 diante de uma perturbação diária gerada pela jovem possessa, pois poderia com sua “glorificação” levar as pessoas a desacreditar o Evangelho, associando-o ao ocultismo [1], Paulo se aborreceu e ordenou que o espírito saísse da jovem, ao que pela ordem e sujeito ao nome de Jesus tal espírito foi expulso. Deus foi verdadeiramente glorificado, enquanto a fonte de lucro de homens perversos secou. Não houve júbilo a estes homens, mas tal decepção que denunciaram Paulo e Silas às autoridades, e em praça pública foram acusados e espancados sem chances de defesa.

Muitos de nós se indignariam diante de Deus com perguntas do tipo “Por que? Qual o motivo, oh Deus!”. Paulo e Silas estavam fazendo a obra de Deus e ainda assim foram injustamente condenados.

A Verdade não trouxe alegria aos ímpios. Muito tem a ensinar o texto de At 16.20-24. Por mais que a jovem estivesse livre, o que realmente interessava era o lucro perdido. Além disso, aprendemos que todo aquele que defende a fé cristã e está comprometido com o Evangelho deve estar atento, em alerta constante em relação às amizades falsas e interesseiras, pois para muitos a glorificação da jovem poderia inflar o ego do pregador quando na verdade visava desviar o culto. E ainda: estar preparado para ferrenha oposição e “revolta dos magistrados” que declaram guerra contra Paulo e Silas.

Paulo cura a menina; no entanto, o bem, em vez de trazer-lhe glória e gratidão, trouxe-lhe açoitamento e prisão. Há um dito popular que diz: ‘Não há mal que não traga algum bem’. Talvez também devêssemos dizer o oposto: ‘Não há bem que não traga algum mal’. Talvez isso seja um tanto exagerado, mas, com frequência, é verdade. Vivemos em um mundo caído que, por essa razão, é dominado pelas estruturas do pecado. Por isso, quando nos opomos ao pecado, estamos nos opondo aos interesses de alguém. Paulo cura a menina; mas ao fazer isso, ele prejudica os interesses econômicos dos donos dela, que, portanto, acusam-no e conseguem que seja açoitado e preso. [2]

Um costume maligno foi destronado e a fé dos servos de Deus estava posta a prova.

Um exemplo de como se portar diante da adversidade e o milagre da salvação

Não vamos nos ater a pensar no que a maioria faria diante de tudo que estava sobrevindo naquele momento de humilhação. Vamos focar nosso olhar para o exemplo de Paulo e Silas. Trancafiados injustamente, acoitados, pés presos ao tronco, entoavam louvor a Deus orando e cantando hinos. Deus respondeu rompendo as cadeias e colocando o injustiçado em liberdade.

Interessante que a resposta de Deus não era um fim em si própria, mas um meio de fazer um obra ainda maior e trazer glória ao nome dEle!

A liberdade que Deus proporcionou aos Seus servos foi o bálsamo em relação ao injusto castigo que lhes foi afligido sem a menor possibilidade de defesa.

Diante de tantos feitos maravilhosos e miraculosos, o maior dos milagres chega à casa do carcereiro. Aquele que estava outrora separado e apartado pode se achegar à graça salvadora de Jesus: “Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?” pergunta este homem no verso 30. Perceba que somente àquele cujo Espírito de Deus colocou a consciência de perda e condenação pode clamar para ser salvo. Somente o perdido pode clamar pela salvação.

Naquela mesma noite não somente o carcereiro como todos os seus foram alcançados. Era Deus – ao Seu tempo – produzindo o bem das circunstâncias que apenas registravam o mal e a injustiça.

Não há nada de mágico neste contexto e neste versículo em específico (“Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” Atos 16:31) uma vez que a salvação de um indivíduo não depende da crença de outrem. Foi pela ação de Deus e pelo poder de Sua palavra que o Evangelho pregado alcançou morada e a contemplação da misericórdia divina.

Concluindo

Depois de toda a luta enfrentada, mesmo fazendo aquilo que estava certo e que era para Deus e Seu Reino, ainda que diante da injustiça dos homens, Paulo e Silas não esmoreceram na fé. Pelo contrário, houve ainda tempo de retornarem aos irmãos recém-convertidos e os encorajarem. Deus deu a estes homens a oportunidade de ver o fruto de seu trabalho:

Esta é nossa luta constante. Ainda que sob o céu nublado das adversidades é possível ver a graça de Deus presente, e ainda que tudo possa parecer desfavorável, o Senhor pode fazer daquilo que é mal, o bem. Confiança é algo que se constrói na certeza de estarmos com Deus em nosso dia-a-dia, e mesmo que tudo pareça difícil, sempre haverá oportunidade para consolar e encorajar o próximo, ainda que muitas adversidades nos possam parecer injustas.

Vamos prosseguir, sempre olhando para o Alvo!

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NOTAS:
[1] STOTT, John R.W. A Mensagem de Atos. ABU Editora. São Paulo: 1994. p. 298
[2] GONZÁLEZ, Justo. Atos. Hagnos. São Paulo: 2011. p.232

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Autor: 
João Rodrigo Weronka
Fonte: NAPEC
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As implicações da mentira

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Quem é que nunca ouviu falar da história de Pinóquio, o garoto-boneco narigudo de madeira? Dentre as crianças – ou ao menos quando eu era criança – a história de Pinóquio é o exemplo de menino mentiroso. Quanto mais mentia, seu nariz vegetal crescia. Talvez não seja incomum vermos professoras de ensino fundamental dizendo aos pequenos que tomem cuidado para que seus narizes não cresçam, em analogia à mentira.


A verdade, queiramos ou não, é que somos todos pinóquios – em maior ou menor grau. Vez ou outra caímos na mentira. Uns mais, outros menos; intencionalmente ou não. Isso, porém, não deve ser motivo para não buscarmos agir com honestidade e espírito verdadeiro.

O que alguns talvez não saibam é que a inversão quanto à mentira é mais antiga do que a era cristã. Moisés, há mais de três mil anos, recebeu o decálogo (ou Dez Mandamentos) dado pelo próprio Deus. Dentre as ordens, o nono mandamento é “não dirás falso testemunho”. Muitos pensam que isto implica em apenas não mentir, mas não é apenas isso.

O Catecismo de Heidelberg, em sua pergunta de número 112, diz: “O que se exige no nono mandamento?”. A resposta dada pelo próprio catecismo é:

Que eu não devo levantar falso testemunho contra ninguém, nem distorcer as palavras de ninguém, não fazer fofoca nem difamar, não condenar nem me ajuntar com ninguém para condenar a outrem precipitadamente e sem o ter ouvido. Antes devo repudiar toda mentira e engano, obras próprias do diabo, para não trazer sobre mim a pesada ira de Deus. No tribunal ou em qualquer outro lugar eu devo amar a verdade, dizê-la e confessá-la com honestidade e fazer tudo o que puder para defender e promover a honra e a reputação do meu próximo.[1]

Como dito no Catecismo citado acima, cumprir o mandamento não é apenas evitar a mentira, mas muito além disso. Kevin DeYoung nos diz:

Alguma vez você já disse uma meia verdade sobre alguém? Alguma vez você deu falso testemunho do caráter ou das ideias de alguém? Se assim for, você quebrou o nono mandamento. [2]

Dizer meias verdades também é mentir. Ser desonesto ou algo do gênero nos faz iguais a mentirosos. Corremos o risco de emitir uma versão diante de algo, omitindo algumas partes ou distorcendo outras. Não dar a descrição honesta de algo é caracterizado por mentira. O Salmo 40.4 nos diz: “Bem-aventurado o homem que põe no Senhor a sua confiança e não pende para os arrogantes, nem para os afeiçoados à mentira”.

O catecismo nos diz, ainda, que não devemos fazer fofoca. Fofocar é dizer algo sem fundamentação ou, ainda, divulgar segredos de alguém[3]. Desastres podem ser provocados por fofocas ou especulações sem embasamento. Casamentos podem ser prejudicados. Pessoas, mortas. Vidas, arruinadas. Carreiras, destroçadas. Tudo isso por uma simples especulação. Provérbios 26.28 nos diz: “A língua falsa aborrece a quem feriu, e a boca lisonjeira é causa de ruína.”.

É necessário entender que uma fofoca não é apenas algo errado, mas também dizer algo desnecessário. Paulo nos diz: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Ef 4.29).

Outro problema é o julgar. Como seria bom se todos buscassem informações confiáveis sobre algo ou alguém antes de julgar. Aliás, ainda mais importante: buscar saber se isso ou aquilo de fato aconteceu. Muitos julgam os demais sem qualquer precaução. Sem buscar informações. Jesus Cristo nos diz: “Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.” (Mt 7.1-2, NVI). A falta de amor leva algumas pessoas a não se colocarem no lugar do próximo.

É importante lembrar, antes de qualquer coisa, que o que nos é proibido não é o julgar, mas julgar indevidamente. Nós precisamos analisar tudo e reter o que é bom, como dissera Paulo. Muitas pessoas, carismáticos principalmente, se escondem atrás do “não julgueis” como desculpa para cometer pecados e saírem ilesos de situações. Lembro-me de certa ocasião em que, ao criticar um pastor neopentecostal, uma amiga me disse: não se deve falar mal de um pastor, ele é ungido de Deus. A questão da expressão “ungido de Deus” é assunto para outro momento, mas o foco é: precisamos avaliar tudo.

Precisamos, ainda, fugir de “toda mentira e engano”. Uma razão prática para isso é que o pai da mentira é Satanás (Jo 8.44). DeYoung nos diz:

As palavras “todo tipo” realmente me apertam. Quantas vezes distorcemos as nossas histórias só um pouquinho, exagerando a quantidade de neve que caiu, ou quanto tempo estudamos, ou quão rápido corremos? Eu me peguei querendo distorcer a hora em que me levanto pela manhã, só para dar impressão de um melhor rendimento do meu dia.[4]

É necessário policiar-se, para que nossa natureza pecaminosa não nos faça pecar. Podemos, algumas vezes, mentir para nós mesmos e acreditar em nossa própria mentira. Quando mentimos, honramos o pai errado.[5]

Outra forma de desobedecer o mandamento é ser conivente com injustiças. O catecismo diz que precisamos “fazer tudo o que puder para defender e promover a honra e a reputação do meu próximo”. Arruinar o nome de uma pessoa publicamente ou contribuir injustamente com seu declínio é ser conivente. O amor ao próximo, dentre outras situações, deve-se também aplicar aqui.[6]

O Catecismo Maior de Westminster, em sua pergunta 145, nos diz quais são os pecados proibidos no nono mandamento. Um comentarista nos resume, dizendo que são: difamação, julgamento falso, pleitear em favor de causas más, covardia, caluniar e maldizer, discriminar.[7]

Resumindo: O ocultamento ou falseamento da verdade, o falso testemunho, o perjúrio e a detração são ofensas a Deus pela quebra do nono mandamento, opróbrios aos eleitos e ignomínia diante do santíssimo tribunal divino.[8]

Que possamos viver de acordo com a vontade do Senhor para as nossas vidas, sendo verdadeiros e honestos.

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Notas:
[1] CATECISMO DE HEIDELBERG. Dia do Senhor 43. Disponível em: <http://www.heidelberg-catechism.com/pt/lords-days/43.html>. Acesso em 02 abr. 2015.
[2] DeYOUNG, Kevin L. As boas novas que quase esquecemos. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 192.
[3] Dicionário Online de Português. Significado de Fofoca. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/fofoca_2/>. Acesso em 02 abr. 2015.
[4] DeYOUNG, Kevin L. As boas novas que quase esquecemos. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 193.
[5] Ibid. p. 194.
[6] Ibid.
[7] FIGUEIREDO, Onézio. Catecismo Maior de Westminster. Disponível em: <http://www.ipalimeira.com.br/files/Catecismo-Maior-de-Westminster.pdf>. Acesso em 04 abr. 2015. p. 228-229.
[8] Ibid. p. 229.

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Sobre o autor: Christofer F. O. Cruz é seminarista no Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, em São Paulo, pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Trabalha com adolescentes na 1ª Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo/SP.

Fonte: Fidem et Rationem
Publicado no blog Bereianos com autorização do autor.
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