10 Marcas distintivas da pregação de João Calvino

.

Por Steven Lawson


No livro João Calvino: Amor à devoção, doutrina e glória de Deus (Editora Fiel), editado por Burk Parsons, há um capítulo intitulado O Pregador da Palavra de Deus, escrito por Steven Lawson. Aqui está um resumo desse capítulo, delineando o que Steven Lawson sugere ser as dez marcas distintivas da pregação de Calvino.

1. A pregação de Calvino era bíblica em seu conteúdo.

“O reformador se manteve firme no principal fundamento da Reforma — sola Scriptura (somente a Escritura)… Calvino acreditava que o pregador não tinha nada a dizer além das Escrituras.” (pp. 96-97)

2. A pregação de Calvino seguia um padrão sequencial.

“Durante o ministério de Calvino, o seu procedimento era pregar sistematicamente sobre livros inteiros da Bíblia… Na manhã dos domingos, Calvino pregava o Novo Testamento; à tarde, o Novo Testamento e os Salmos; e, em semanas alternadas, pregava o Antigo Testamento todas as manhãs da semana. Servindo-se desse método consecutivo, Calvino pregou quase todos os livros da Bíblia.” (pp. 97-98)

3. A pregação de Calvino era direta em sua mensagem.

“Quando expunha as Escrituras, Calvino era notoriamente direto e centrado no ensino principal. Ele não iniciava sua mensagem com uma história cativante, uma citação estimulante ou uma anedota pessoal. Em vez disso, Calvino introduzia de imediato os seus ouvintes no texto bíblico. O foco da mensagem era sempre as Escrituras, e Calvino falava o que precisava ser dito com economia de palavras. Não havia frases desperdiçadas.” (p. 98)

4. A pregação de Calvino era extemporânea em seu apresentação.

“Quando subia ao púlpito, ele não levava consigo um rascunho escrito ou esboço do sermão. O reformador fez uma escolha consciente de pregar extempore, ou seja, espontaneamente. Ele queria que seus sermões tivessem uma desenvoltura natural e cheia de paixão, enérgica e envolvente; acreditava que a pregação espontânea era mais conveniente para cumprir esses objetivos.” (p. 99)

5. A pregação de Calvino era exegética em sua abordagem.

“Calvino insistia que as palavras da Escritura têm de ser interpretadas conforme o ambiente histórico específico, as línguas originais, as estruturas gramaticais e o contexto bíblico… Calvino insistiu no sensus literalis, o sentido literal do texto bíblico.” (p. 100)

6. A pregação de Calvino era acessível em sua simplicidade.

“Como pregador, o principal objetivo de Calvino não era comunicar-se com outros teólogos, e sim alcançar as pessoas comuns, assentadas no banco… Ocasionalmente, Calvino explicaria mais cuidadosamente o significado de uma palavra, sem citar o grego ou o hebraico original. Todavia, Calvino não hesitava em usar a linguagem da Bíblia.” (p. 101-102)

7. A pregação de Calvino possuía um tom pastoral.

“O reformador de Genebra nunca perdia de vista o fato de que ele era um pastor. Assim, ele aplicava calorosamente as Escrituras, com exortação amável a fim de pastorear o seu rebanho. Ele pregava com a intenção de estimular e encorajar suas ovelhas a seguirem a Palavra.” (p. 102)

8. A pregação de Calvino era polêmica em sua defesa da verdade.

“Para Calvino, a pregação necessitava de uma defesa apologética da verdade. Ele acreditava que os pregadores tinham de resguardar a verdade; por isso, a exposição sistemática exigia a confrontação das mentiras do Diabo em todas as suas formas enganosas.” (p. 103)

9. A pregação de Calvino era cheia de paixão em seu alcance.

“Em nossos dias, há uma noção errônea de que, por acreditar na predestinação, Calvino não era evangelístico. O mito persistente é que ele não tinha paixão por alcançar almas perdidas para trazê-las a Cristo. Nada pode estar mais distante da verdade. Calvino possuía uma grande paixão por alcançar as almas perdidas. Por essa razão, ele pregava o evangelho com uma persuasão que afetava o coração e com amor, apelava aos pecadores desgarrados a se renderem à misericórdia de Deus.” (p. 104)

10. A pregação de Calvino era doxológica em sua conclusão.

“Todos os sermões de Calvino eram completamente teocêntricos, mas seus apelos conclusivos eram sinceros e amorosos. Ele não podia descer do púlpito sem exaltar o Senhor e instar seus ouvintes a se rederem à absolutamente supremacia dEle. Os ouvintes tinham de se humilhar sob a poderosa mão de Deus. Quando concluía, Calvino exortava regularmente sua congregação: ‘Prostremo-nos todos ante a majestade do nosso grande Deus’. Não importando o texto bíblico sobre o qual ele pregava, essas palavras demandavam uma submissão incondicional de seus ouvintes.” (p. 105)

***
Tradução: Felipe Sabino (agosto/2013)
Fonte: Monergismo
.

Entrevista com Dr. Martyn Lloyd Jones

.


***
Tradução e legendas: Dr. Einstein Arruda

Haraquiri teológico – parte 1: um reino sem súditos

.

Por Jorge Fernandes 


Existe um movimento em progressão na igreja, que é a própria negação da igreja, e se resumiria na inadequação e acomodação dos conceitos mundanos a uma suposta vida cristã, não revelada como o sábio e perfeito conselho de Deus, pelo contrário, repudiada e condenada pela Escritura. Infelizmente a maior parte dos ataques que a igreja cristã sofre atualmente provém de suas próprias fileiras; o joio, misturado ao trigo, tem-se levantado para desarraigar o que Deus plantou, e assim fazer da igreja uma extensão do mundo, uma espécie de sanitário aparentemente higienizado e perfumado, mas que se resumiria a um local onde as pessoas defecam pelo chão e se esfregam nas paredes para limparem-se. Seria um local onde alguns poderiam amenizar suas dores, mas que se resume a um paliativo, um anestésico que aplicado sistêmica e subliminarmente, afasta-os do Evangelho, impedindo-os de reconhecer a verdade, acomodando os à má-consciência, à mentira deslavada e vergonhosa, como é toda mentira. O problema é a impossibilidade de se limpar um cômodo enchendo-o de lixo e entulho; da mesma forma a alma humana somente pode ser despoluída pelo puro Evangelho, que trará ao homem doente a cura através do arrependimento pelo qual vem o perdão: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos de refrigério pela presença do Senhor” [At 3.19] [1].

Os agentes infiltrados têm por objetivo levar a cabo o plano de tornar irrelevante o conselho do próprio Deus para os homens; e é dessa forma que os idealizadores do movimento agem [ainda que muitos adeptos não se aperceberam disso, cegados e iludidos pelos apelos do próprio coração]. Como Paulo nos alertou: “Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho, e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si.” [At 20.29-30].

Mas do que estou falando? De uma corrente que se diz evangélica e que trabalha laboriosamente contra o Evangelho chamada “movimento do não-senhorio de Cristo”.

Em linhas gerais, para quem ainda não sabe, este grupo afirma que alguém pode ser salvo sem a necessidade de se apresentar um fruto sequer. A salvação, pela graça, em si mesma não está atrelada à santificação ou ao testemunho que o salvo deveria dar, nem aos frutos que deveria produzir. De tal forma que, contrariamente ao que a Bíblia afirma, o cristão pode ser salvo mesmo sem arrependimento, sem fé, sem testemunho, sem saber que foi salvo, sem mesmo querer sê-lo, bastando-lhe apenas e tão somente a graça de Deus; uma graça que pode passar completamente desapercebida, e pela qual não se terá nenhum sentimento de gratidão. É como se eu usasse uma mesma camisa todos os dias, sem tirá-la do corpo, sem a concepção de que ela exista. Ou comesse atum todos os dias, em todas as refeições, e jamais me apercebesse do que estava comendo, e mesmo da existência do próprio atum. É claro que são figuras de linguagem precárias, especialmente quando se refere à salvação, mas a ideia de um crente completamente alheio à sua salvação é algo muito mais absurdo ainda.

O que torna essa falsa doutrina algo realmente perigoso é o fato dela conter parte da verdade, de ter em seus princípios algo verdadeiro, mas que somente está ali para facilitar o estratagema enganoso de capturar os incautos para um sistema completamente falacioso, perverso e maligno. Uma mentira, ainda que tenha elementos verdadeiros, continua e permanece uma mentira. Basta uma lida na passagem em que o Senhor Jesus é tentado no deserto pelo diabo [Mt 4.1-11] para se perceber como a astúcia, a habilidade para o mal e para o engano, pode-se confundir com a verdade, camuflando os seus reais intentos. Como alguém já disse alhures: meia-verdade é mentira inteira!

Sabemos que a salvação é dádiva e favor completamente divinos, onde o homem não pode participar de maneira alguma, sendo apenas o alvo de toda a obra redentiva planejada e executada por Deus. Não se pode colaborar em nada com ela[Ef 2.8-9]. Mas ela pressupõe um processo, ainda que tenha sido decretada eternamente. E esse processo também é decretado, de tal forma que o salvo terá fé, arrepender-se-á, será regenerado, santificado, e dará frutos para a glória de Deus [não nesta seqüência, necessariamente]. Portanto, um salvo não precisará das obras para a salvação, mas as obras confirmarão a sua salvação. Portanto, nós, os salvos, somos feitos do alto, “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” [Ef 2.10]. Em outras palavras, os frutos não precedem a salvação, mas a sucedem, de tal maneira que por eles é possível se saber a sua procedência. Como o Senhor nos diz: “Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis” [Mt 7.16-20].

Alguém poderá dizer: “mas, nessa passagem, Cristo está a falar dos falsos profetas e mestres”. É verdade, mas ela serve perfeitamente para os cristãos também, porque se é possível distinguir o engano e a mentira através dos maus frutos, é-se possível distinguir a verdade através dos bons. O cristão dará bons frutos que revelem a sua semelhança com Cristo e a sua filiação ao Pai.

O que o movimento do “não-senhorio de Cristo” proclama é que Deus salvará o homem ainda que ele não saiba, não queira, e não seja capacitado a testemunhar a sua eleição. Poderá mesmo continuar tão ímpio que não haja diferença em sua natureza. Mas tudo isso é avesso e alheio à verdade, ao que a Bíblia nos revela, porque o homem, para ver o reino de Deus, terá de nascer de novo. Foi o que Cristo disse a Nicodemus: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” [Jo 3.3]. Da mesma forma, o Senhor também disse que seriamos reconhecidos como seus discípulos se amássemos uns aos outros [Jo 13.35]; ou seja, os frutos são uma espécie de atestado daquilo que somos, do que nos tornamos pelo poder Deus. Se o homem mantém a sua velha natureza e não reconhece a necessidade do arrependimento, do perdão divino, e de se sujeitar ao senhorio de Cristo, esse homem permanece morto em seus delitos e pecados [Ef 2.5], e carece de ser vivificado por Deus.

É estranho que haja entre aqueles que se dizem discípulos de Cristo quem defenda o não discipulado a um salvo. O argumento é autocontraditório, pois se é-se discípulo de Cristo, recebe-se o ensino de Cristo, e com ele aprender-se-á. E se dizem que o discipulado é desnecessário, em si mesma essa afirmativa já é um ensino, um ponto ou princípio definido por um sistema de crenças, que foi ensinado e aprendido. Na verdade, essa é a condição para se proteger de maneira eficaz todo o sistema distorcido e inválido do “não-senhorio de Cristo”, de forma que os tolos aprendam necessariamente um único aspecto normativo: o discipulado é supérfluo, pois nada se precisa aprender além dessa falsa premissa ensinada.

Interessante que a doutrina do “não-senhorio” reconhece a parte mais fácil para o homem [a salvação, pela graça de Deus], mas sem as suas implicações diretas [a servidão, a sujeição ao Senhor; que resultará na morte do velho homem e no surgimento do novo homem]. Paulo diz que estamos mortos para o pecado, então como é possível ainda vivermos nele? [Rm 6.3]. “Assim também vós considerai-vos certamente mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor” [Rm 6.11]. Há um claro conflito de interesses entre o que dizem os proponentes do “movimento do não-senhorio” e o que a Bíblia nos revela. Ao ponto deles considerarem irrelevante o ato de se pecar ou não, pois já estão debaixo da graça, logo, quer pequem, quer não pequem, isso em nada afetará as suas condições de salvos. Para eles, qualquer alusão à Lei e à santidade não passa de legalismo, de hipocrisia, visto que ninguém consegue se ver livre totalmente do pecado. Ora, uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. O fato do homem regenerado ainda pecar, não é o mesmo que pecar deliberadamente. Por deliberado quero dizer, convicto, decidido, disposto a levar às últimas consequências o ato pecaminoso. O homem regenerado, ainda que conviva com os seus pecados, sente-os como um peso, um fardo duro de carregar; ele titubeia e oscila entre o fazer e o não fazer antes de fazer; feito, arrepende-se e é perdoado por Deus. Mas mesmo depois disso, ele ainda é capaz de experimentar uma certa angústia, de se aborrecer, se entristecer, pois tem a nítida noção de que seu ato ofendeu a Deus. Como está escrito: “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte” [2Co 7.10]. Por isso, alguém que se considera salvo e nunca tenha se arrependido diante de Deus, somente receberá o salário do pecado: a morte! [Rm 6.23]. Porque é impossível ser salvo sem ser servo, ou de receber a redenção sem se sujeitar ao Redentor. O que eles querem é um reino sem súditos, e súditos sem reino.

  – Continua -

Notas:
[1] Esta é uma perspectiva do ponto de vista temporal e humana, pois é certo que o perdão de Deus é eterno e imutável, assim como o próprio Deus é eterno e imutável; logo, muito antes de virmos a nos arrepender no tempo, ele já nos perdoou eternamente, pois a obra de Cristo na cruz foi decretada também na eternidade. Leia o texto “Santidade: Temporal ou Eterna?”, onde desenvolve melhor este ponto.
________
Haraquiri – Técnica de suicídio praticada por membros da classe guerreira japonesa. A pessoa que comete haraquiri faz uma incisão em seu abdome, de determinada maneira prefixada, e estripa-se a si mesma. O termo japonês para designar esse ritual é Seppuku.

Este texto é uma ampliação ao que foi publicado no blog “Cotidiano Cristão”, cujo título é “Como ser ‘salvo’ e ainda ir para o Inferno!

Indico, como complemento, a leitura do texto “O que não é, pode não ser mesmo, se não for. Mas, e se for?”, bem como a leitura do livro do pr. John MacArthur Jr. “O Evangelho Segundo dos Apóstolos”, publicado pela Editora Fiel.

***
Fonte: NAPEC
.

O estado intermediário dos mortos ímpios

.
Por Anthony Hoekema

O Novo Testamento diz bem pouco acerca da condição dos ímpios entre a morte e a ressurreição, uma vez que sua preocupação principal é com o futuro do povo de Deus. Conforme vimos, a parábola do homem rico e Lázaro retrata o homem rico sofrendo tormentos no Hades após a morte. Talvez, a passagem mais clara do Novo Testamento, que trata da condição do ímpio morto durante o estado intermediário, seja a de 2 Pedro 2.9: “O Senhor sabe como livrar os homem justos de provações e como reservar os injustos para o dia do juízo, enquanto continua sua punição” (NIV). Pedro vem expondo a severidade do julgamento divino sobre os anjos que pecaram, sobre o mundo antigo e sobre Sodoma e Gomorra. De acordo com o verso 4, Deus lança os anjos que pecaram no inferno (no grego, Tartarys), para serem guardados até o julgamento. No verso 9, Pedro está falando acerca dos homens injustos. A estes, diz ele, Deus sabe como guardar ou manter sob punição até o Dia do Juízo - literalmente, enquanto são punidos. A palavra grega utilizada aqui, kolazomenous, é a forma de particípio passivo presente no verbo kolazo, (=punir). O tempo presente do particípio transmite a idéia de que esta punição é contínua (note a tradução da NIV, citada acima). As palavras eis hemeran kriseos (=até o Dia do Juízo), nos revelam que o que é descrito aqui não é o castigo final dos ímpios, mas uma punição que precede o dia do juízo. Além disso, não pode ser sustentado que a punição aqui mencionada seja administrada somente nesta vida atual, uma vez que as palavras “até o dia do juízo” estendem claramente a punição até aquele dia. Esta passagem, portanto, confirma o que aprendemos na parábola do homem rico e Lázaro, e nos revela que os ímpios sofrem punição contínua (cuja natureza não nos é mais amplamente descrita aqui) entre a sua morte e o Dia do Juízo.

***
.

A quem honra, honra: honremos nossos pais

Assembleia de Westminster
Por Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


Introdução: O tesouro paterno

“Não devem os filhos entesourar1 para os pais, mas os pais, para os filhos” (2Co 12.14). Paulo entendia que como pai na fé dos crentes coríntios (1Co 4.14-15; 2Co 6.13/1Co 3.6,10; 9.1)2 deveria alimentá-los e fortalecê-los em sua fé. Esta analogia fala-nos, portanto, da responsabilidade do pastor em buscar o suprimento necessário, por intermédio da Palavra, para o progresso espiritual de seu rebanho. Por isso é que “a infidelidade ou negligência de um pastor é fatal à Igreja”.3

Curiosamente a nossa palavra patrimônio (patrimonium) está associada etimologicamente à palavra pai. Recebemos nosso patrimônio de nossos pais. De fato, de modo especial na infância, com raríssimas exceções, dificilmente podemos contribuir para o aumento dos bens de nossos pais; nós apenas os recebemos. No futuro, possivelmente nossos filhos receberão os nossos bens, muito ou pouco; contudo, certamente entesourados por nós e pelos nossos pais. Salomão, inspirado por Deus, escrevera: “A casa e os bens vêm como herança dos pais....” (Pv 19.14a).

1. Com os nossos Pais


O designativo “Pais” foi aplicado aos bispos da Igreja no segundo século. A obra anônima, O Martírio de Policarpo, escrita por uma testemunha ocular do ocorrido, por volta do ano 155 AD, relata que “a turba pagã e judia desejando matar Policarpo, por ser cristão, vociferou: ‘Eis o doutor da Ásia, o pai dos cristãos, o destruidor dos deuses, que com seu ensino, afasta os homens dos sacrifícios e da adoração’.”.4 (Destaque meu). Isto indica que na época era comum referir-se aos bispos cristãos como “Pais” (no sentido acima descrito, tinha uma conotação pejorativa, como “pai de uma heresia” ou “pai dos hereges”). O emprego dessa expressão disseminou-se de tal forma que, no quarto século, todos os pastores e mestres que haviam participado do Concílio de Niceia (325) eram chamados de “Pais da Igreja”.5

Entre os cristãos, a expressão aplicada aos bispos assume uma conotação carinhosa, indicando também a sua responsabilidade: “O conceito de ‘Padre da Igreja’ evidencia um aspecto da rica figura paterna: o bispo como autêntico transmissor e garante (sic) da verdadeira fé, aquele que vela pela sucessão ininterrupta da fé desde os apóstolos bem como pela continuidade e unidade da fé na comunhão com a igreja. Ele é o fiel mestre da fé, ao qual se pode recorrer nas dúvidas da fé. Essa autoridade na verdade não torna o Padre da Igreja individualmente inerrante em todos os pormenores – ele deve se ater à Sagrada Escritura e à regula fidei da igreja universal – mas, em sintonia com elas, ele é testemunha autêntica da fé e da doutrina da Igreja”.6

Etienne Gilson (1884-1978), seguindo uma compreensão clássica, diz que um “Pai” deveria apresentar quatro características: “ortodoxia doutrinal, santidade de vida, aprovação da Igreja, relativa Antiguidade (até fins do século III aproximadamente)”.7

Curiosamente, na única carta escrita por Calvino a Lutero (25/01/1545), a qual este, ao que parece, jamais recebeu, Calvino se dirige a Lutero como “meu respeitadíssimo pai”, “respeitadíssimo pai no Senhor” e “meu pai sempre honorável”.8

2. Nós e os nossos Pais 


Os documentos da Igreja que recebemos não são infalíveis (nem mesmo naquilo que é consensual), nem jamais pretenderam isso; contudo, são os tesouros históricos e teológicos que nos foram legados. A sua autoridade é relativa.9 No entanto, a Igreja não pode sobreviver sem a consciência de seu passado, de suas lutas, dificuldades, fracassos e, certamente, por graça, de suas vitórias. Esta consciência deve gerar em nós um espírito de gratidão, humildade e desafio diante da magnitude da Revelação de Deus.

Muitas vezes em nossas lutas presentes somos terrivelmente dominados pela sensação delas serem únicas ou as mais violentas. A história de nossos pais pode ser fonte de grande estímulo e consolo para nós. Por meio da história de sua vida e testemunho podemos descobrir – às vezes para vergonha nossa –, o quanto nossos irmãos do passado lutaram bravamente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos e da qual somos herdeiros. O nosso presente tende a assumir dentro de alguns contextos o caráter de onipresença, como se fosse um presente contínuo,10 assim, pensamos estar sozinhos em nossa empreitada, nos esquecendo da ação abençoadora e preservadora de Deus ao longo da história que hoje, cabe ser escrita por nós. Crer no Deus Triúno é uma declaração de que não estamos sozinhos; o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão conosco; Deus veio a nós criando a nossa fé.11 E mais: todos estamos irmanados pela mesma fé ao longo da história. O Deus em quem cremos é o meu Deus e o Deus de muitíssimos irmãos que ao longo da história têm vivenciado e testemunhado a mesma fé.

Veith escreve com propriedade:
Os cristãos modernos são os herdeiros de uma grande tradição intelectual cristã. Essa tradição de pensamento ativo e solução prática de problemas é uma aliada vital dos cristãos que lutam contra as tendências intelectuais do mundo contemporâneo. O uso das perspectivas do passado pode fornecer uma perspectiva valiosa sobre as questões atuais. Podemos, assim, livrar-nos da tirania do presente, a suposição de que a maneira que as pessoas pensam hoje é o único modo possível de pensar.12

Na Reforma Protestante do século XVI, o uso de Catecismos e Confissões, foi de grande valia para a educação dos crentes, partindo sempre do princípio da necessidade da fé explícita, de que todos os cristãos devem conhecer a sua fé, sabendo no que creem e porque creem. No Brasil, quando o presbiterianismo foi iniciado (1859), o ensino dos símbolos de Westminster teve papel decisivo na consolidação de sua identidade como Igreja Reformada. Hoje, em nome de um suposto “pluralismo” pretensamente acadêmico, o que podemos perceber, é um enfraquecimento desta ênfase, mesmo nos Seminários ditos Reformados, acarretando um desfiguramento doutrinário por parte de muitos de seus pastores e consequentemente, dos membros da igreja. Por trás de todo pluralismo há o mito da neutralidade acadêmica,13 como se fosse possível alguém ensinar sem seus pressupostos que conduzem a sua perspectiva da realidade. A nossa percepção e ação fundamentam-se em nossos pressupostos14 os quais são reforçados, transformados, lapidados ou abandonados em prol de outros, conforme a nossa percepção dos “fatos”. Os pressupostos se constituem na janela (quadro de referência) por meio da qual vejo a realidade; o difícil é identificar a nossa janela, ainda que sem ela nada enxerguemos.15 Assim, falar sobre a nossa cosmovisão, além de ser difícil verbalizá-la, é paradoxalmente desnecessário. Parece que há um pacto involuntário de silêncio o qual aponta para um suposto conhecimento comum: todos sabemos a nossa cosmovisão. Deste modo, só falamos, se falamos e quando falamos de nossa cosmovisão, é para os outros, os estranhos, não iniciados em nossa forma de pensar.16

Tenho observado que se você sustentar uma posição teológica “histórica”, independentemente de sua tradição e de sua argumentação, ela tenderá a ser considerada radical e limitada. Contudo, se você simplesmente se limitar a fazer críticas às tradições teológicas, valendo-se de clichês repetidos e mesmo já abandonados, sem propor nenhuma alternativa bíblica e historicamente viáveis, você será considerado um intelectual profundo, com grande argúcia e capacidade crítica. Talvez até ouça a seu respeito: “aquele cara é meio liberal, mas, é uma capacidade; ele nos faz pensar...”. Esta é uma das falácias do chamado “academicismo” moderno.

A epistemologia antecede à lógica e esta, por mais coerente que seja, se partir de uma premissa equivocada nos conduzirá a conclusões erradas e, portanto, a uma ética com fundamentos duvidosos e inconsistentes. Portanto, a questão epistemológica antecede à práxis e em grande parte a determina.

Contudo, como nos aprofundar no campo intelectual se abandonamos as questões epistemológicas? As palavras de Machen (1881-1937) no início do século XX não se tornam ainda mais eloquentes nos dias de hoje?: “A igreja está hoje perecendo por falta de pensamento, não por excesso do mesmo”.17 

No início do século XIX, ouvia-se o clamor de determinados grupos independentes nos Estados Unidos, que diziam o seguinte: “Nenhum credo senão a Bíblia”.18 Atitude similar ainda hoje é observada em grupos ou pessoas, dentro de denominações chamadas históricas, que manifestam de forma clara o seu desprezo para com os Credos da Igreja ou, de modo velado, não se interessando por eles, como se os Credos fossem apenas uma série de pronunciamentos antiquados, sem nenhuma relevância para a igreja contemporânea ou como se eles pretendessem se constituir numa declaração de fé que rivalizasse com as Escrituras Sagradas, devendo, portanto, ser rejeitados por não estarem de acordo com o espírito da Reforma que, corretamente, enfatizou “Sola Scriptura”.

Quando tratamos deste tema, as questões que logo vêm à baila são: estariam tais grupos ou pessoas errados? Por outro lado, as denominações que têm as suas Confissões de Fé estariam incorrendo em erros? Neste caso, os Credos e as Confissões não estariam sendo colocados no mesmo nível das Escrituras, contrariando, assim, um dos princípios da Reforma, que diz: “Sola Scriptura”?

Consideramos oportuno realçar preliminarmente, que “Lutero e os reformadores não queriam dizer por Sola Scriptura que a Bíblia é a única autoridade da igreja. Pelo contrário, queriam dizer que a Bíblia é a única autoridade infalível dentro da Igreja”.19 A autoridade dos Credos era indiscutivelmente considerada pelos reformadores – tendo inclusive Lutero e Calvino elaborado Catecismos para a Igreja –; contudo, somente as Escrituras são incondicionalmente autoritativas. Um juízo adequado envolve a justa medida; portanto, nem subestimar, nem superestimar. Por isso, os documentos da Igreja devem ser lidos com reverência e proveito dentro dos limites de sua riqueza e falibilidade.20

Considerações Finais

“Deus permitiu aos heréticos fustigarem sua Igreja exatamente para despertar a mente pelo conflito e para levá-la a buscar a Palavra de Deus”, afirmou Abraham Kuyper.21

Ao refletir sobre este assunto, ainda que introdutoriamente, devemos ter um espírito de gratidão, tendo como desafio nos apropriar das contribuições de nossos pais (tradição) e, em submissão ao mesmo Espírito, partindo das Escrituras, única autoridade infalível, e deste patrimônio riquíssimo buscar respostas para as indagações e questionamentos contemporâneos.

“Ouvimos, ó Deus, com os nossos próprios ouvidos: Nossos pais nos têm contado....” (Sl 44.1). Como bons filhos devemos atender ao Mandamento de Deus honrando os nossos Pais.

Notas:
1 Mt 6.19,20; Lc 12.21; Rm 2.5; 1Co 16.2; 2Co 12.14; Tg 5.3; 2Pe 3.7.
2 Irineu (c. 120-202) usa a mesma expressão, dizendo: “Quem foi instruído por outro por meio da palavra é chamado filho de quem o instruiu e este pai daquele” (Irineu, Irineu de Lião, São Paulo: Paulus, 1995, IV.41.2. p. 513). Do mesmo modo Agostinho (Veja-se: Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, Vol. 1, (Sl 44), p. 768).
3 João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.16), p. 126.
4 O Martírio de Policarpo, XII.2. In: H. Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE., 1967, p. 39. Para um estudo crítico deste documento, inclusive no que se refere à data do martírio, veja-se: J.B. Lightfoot, The Apostolic Fathers, 2ª ed. Peabody Massachusetts: Hendrickson Publishers. © 1989, Vol. I, p. 646-722. Para uma visão abreviada desta discussão, ver: J.B. Lightfoot, The Apostolic Fathers, 10ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker, 1978, p. 103-106.
5 Agostinho (354-430) parece ter sido o primeiro a ampliar o conceito, incluindo São Jerônimo, um presbítero, entre os Pais (Cf. B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia, 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 19). Seguindo o exemplo de Agostinho, Vicente de Lérins em 434, aplicou o termo Pai a diversos escritores eclesiásticos sem nenhuma distinção hierárquica. (Ver: Vicente de Lérins, Commonitorium, 31 e 33. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (reprinted). (Second Series), 1978, Vol. XI, p. 155 e 156. 
6 Hubertus R. Drobner, Manual de Patrologia, Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p. 11-12.
7 E. Gilson, A Filosofia na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1995, “Introdução”, p. XXI. Do mesmo modo: Hubertus R. Drobner, Manual de Patrologia, p. 12; B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia, p. 20.
8 João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 53 e 54.
9 Vejam-se: Confissão Gaulesa, Cap. V; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, Vol. 1, p. 228-234 (com valiosos documentos); Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 13.
10 Dentro de outro contexto e abordagem, o historiador britânico contemporâneo, Eric Hobsbawn (1917-), num de seus livros, analisando a nossa presente era, diz que “quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem” (A Era dos Extremos, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 13).
11 Veja-se: Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 16-17.
12 Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 97.
13 A “neutralidade” é impossível tal qual a “objetividade” completa, no entanto, deve ser buscada. Gilberto Freyre expressou bem isto, ao dizer: "A perfeição objetiva nas Ciências do homem ou nos Estudos Sociais talvez não exista. Mas o afã de objetividade pode existir. É a marca do historiador intelectualmente honesto. E sua ausência, o sinal do intelectualismo desonesto" (Gilberto Freyre, na Apresentação da obra de Davi Gueiros Vieira, O Protestantismo, A Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 9).
14 “As pressuposições ainda determinam nossos destinos, mesmo a despeito de alguma inconsistência no caminho” (R.K. McGregor Wright, A Soberania Banida: Redenção para a cultura pós-moderna, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 15).
15 “Seria atenuar os fatos dizer que a cosmovisão ou visão de mundo é um tópico importante. Diria que compreender como são formadas as cosmovisões e como guiam ou limitam o pensamento é o passo essencial para entender tudo o mais. Compreender isso é algo como tentar ver o cristalino do próprio olho. Em geral, não vemos nossa própria cosmovisão, mas vemos tudo olhando por ela. Em outras palavras, é a janela pela qual percebemos o mundo e determinamos, quase sempre subconscientemente, o que é real e importante, ou irreal e sem importância” (Phillip E. Johnson no Prefácio à obra de Nancy Pearcey, A Verdade Absoluta: Libertando o Cristianismo de Seu Cativeiro Cultural, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2006, p. 11).
16 Veja-se: James W. Sire, O Universo ao Lado, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 21-22.
17 J.G. Machen, Cristianismo y Cultura, Barcelona: Asociación Cultural de Estudios de la Literatura Reformada, 1974, p. 19.
18 Cf. M.A. Noll, Confissões de Fé: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, Vol. I, p. 340. Este tipo de declaração também tornou-se comum pelo menos, no início do século XX, quando alguns fundamentalistas além de repetirem a afirmação supra, também bradavam: “Nenhum ‘CREDO', senão Cristo” (Vejam-se:. R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo: La Santa Iglesia, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 100; L. Berkhof, Introduccion a la Teologia Sistematica, Grand Rapids, Michigan: T.E.L.L., c. 1973, p. 22; Gordon H. Clark, Em Defesa da Teologia, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 41). Entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, Lloyd-Jones disse com tristeza: “No presente século há marcante aversão por credos, confissões e por definições precisas. O cristianismo tornou-se um vago e indefinido espírito de boa vontade e filantropia” (David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: PES, 1994, p. 213).
19 R. C. Sproul, Sola Scriptura: Crucial ao Evangelicalismo: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 122.
20 Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, Vol. 1, p. 234.
21 Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 57.


***

Molinismo - problemas, problemas e problemas.

.
Luis Molina
Por Ronald W. Di Giacomo 


Molinistas e Calvinistas concordam sobre a validade do argumento a seguir, onde X é uma escolha pessoal.

1. Necessariamente, se Deus X conhece de antemão, então X acontecerá;
2. Deus conhece X de antemão
3. Então, X acontecerá.

Molinistas e Calvinistas até concordam que o seguinte argumento, como escrito, é falacioso:

1. Necessariamente, se Deus conhece X de antemão, então X acontecerá
2. Deus conhece X de antemão.
3. Então, X acontecerá necessariamente.

A falácia em vista é aquela de transferir a necessidade da inferência para a conclusão. Todavia, o Molinista não aceitará que a falácia possa desaparecer em um número de modos diferentes. Um modo é por estabelecer que uma condição necessária para a presciência de Deus sobre X é a necessidade de X. Os Molinistas afirmam que X ocorrerá, não necessariamente, mas contingentemente. Claro, um X contingente, por definição, possivelmente pode não ocorrer.  Então, os Molinistas são deixados com Deus conhecendo que X pode não ocorrer enquanto sabe que X ocorrerá – mas estas são verdades contraditórias e, então, impossível para Deus conhecer. Assim, a presciência de Deus de X pressupõe a necessidade de X pela simples razão que pode e será semanticamente antitético e é verdade que X ocorrerá. Conseqüentemente, se X ocorrerá, então é falso de que [talvez] possa ocorrer.

1. Necessariamente, se Deus conhece X de antemão, então X acontecerá
2. Necessariamente, Deus conhece X de antemão
3. Então, X necessariamente acontecerá.

O Molinistas negam que Deus necessariamente conhece X de antemão. De fato, o papa do Molinismo, Willian Lane Craig, afirma que “a Teologia Cristã sempre tem mantido que a criação do mundo é um ato livre de Deus, que Deus poderia ter criado um mundo diferente – no qual X não ocorre – ou até nem [criado] um mundo. Dizer que Deus necessariamente conhece um evento X de antemão implica que este é o único mundo que Deus poderia ter criado e, assim, nega-se a liberdade divina”.

Apenas de passagem, observe que os Molinistas não são tipicamente bem vistos nas áreas de Teologia Reformada Sistemática e Histórica, do Protestantismo Reformado. Na parte IV, seção VII do Clássico de Jonathan Edwards, The Freedom of the Will, Edwards tem muito a dizer sobre este assunto sob o título “Acerca da Necessidade da Vontade Divina”.[1] Edwards, eloqüentemente, afirma que “ninguém discute qualquer dependência da vontade de Deus, que sua suprema sábia volição é necessária, que isto infere uma dependência de seu ser, que sua existência é necessária. Se for alguma coisa muito insignificante para o Supremo Ser ter sua vontade determinada pela necessidade moral, assim [será] tão necessária em todo caso a vontade santa e ditosa em mais alto grau. Então, por que também não é insignificante para ele ter sua existência, e a perfeição infinita de sua natureza, e sua infinita felicidade, determinada por necessidade. Não é mais desonra para Deus ser necessariamente sábio do que ser necessariamente santo... e, em todo caso, agir mais sabiamente ou fazer as coisas mais sábias de todas; pois a sabedoria é, também, em si mesmo excelente e honorável... mais uma coisa a ser observada antes de concluir esta seção. Que, se isto em nada invalida da glória de Deus necessariamente determinada pela condição superior em alguma coisa; então, também não deve ser assim determinada em todas as coisas".

Meu apelo a Edwards como um representante da Teologia Reformada Ortodoxa é simplesmente mostrar que a observação de Craig é, no mínimo, injustificável. Pensadores reformados consideram as escolhas livres libertárias uma irracionalidade filosófica, da mesma forma que a noção metafísica boba pertencente ao homem, mas como também pertencente a Deus. Não apenas Molinistas como Craig não percebem que a necessidade da vontade divina é sustentada por um vasto número de Calvinistas, [mas] observam também a imprecisão das observações de Craig onde ele fala de liberdade. Molinistas não fazem distinção alguma entre a liberdade (ou seja, a capacidade de escolher como se quer) e o poder de escolha contrária, que é a alegada capacidade de agir de forma contrária à forma como se queria (livre-arbítrio libertário). Os dois [tipos] são os mesmos para o Molinista; no entanto, a primeira ideia é pertencente à responsabilidade moral, enquanto a última é uma noção metafísica que no fim destrói a responsabilidade moral. É triste ter que perguntar, mas alguém já leu um Molinista que tenha interagido como a noção de liberdade, que é a própria sede da responsabilidade moral? Por que a habilidade de escolher como se quer não é uma condição suficiente para responsabilidade moral? O Molinista nos diz por que a liberdade é insuficiente? Não, eles simplesmente ignoram a questão da liberdade e fazem afirmações brutas de que nós somos capazes de escolher contrário ao que nós queríamos, a fim de ser agentes moralmente responsáveis. O que é, afinal, ser capaz de escolher X, quando nós pretendemos escolher não-X? Se isto é uma caricatura da liberdade libertária, então [como] um Molinista explicará esta noção metafísica à luz do problema do regresso infinito que é inerente à noção?

Insistente, deveríamos ver que a premissa menor, que “necessariamente, Deus conhece de antemão  X” é, de fato, verdadeira. Se a presciência de Deus sobre X não era necessária, então ela era contingente. Esqueça por um momento que os futuros contingentes – sendo verdadeiramente contingentes – desafiam os verdadeiros valores eternos com respeito ao seu resultado, (como os Teístas Abertos têm demonstrado). Qual a simples verdade de que todas as coisas eternas (Deus e seus pensamentos) devem ser necessárias? Afinal, Deus deliberou? Ele moveu-se do não-saber para o saber? Além disso, onde está fundamentado “X acontecerá” se não na determinação eterna de Deus? E caso contrário, o que significa determinar X sem determinar a causa de X? Será que causas contingentes determinam o decreto eterno de Deus, o que inclui a noção arminiana de “certezas contingentes”?

Uma terceira maneira de se livrar da falácia é utilizar fatos que estão gramaticalmente no passado [e] contemplá-los como no futuro. A progressão abaixo não toma atalhos, então pode parecer um pouco entediante, mas cada passo é apropriado.

Estabelecer a necessidade de crença de Deus sobre a escolha de Tom:

1. 100 anos atrás, Deus sabia que Tom escolheria X amanhã
2. Se X é crido no passado, então agora é necessário que X seja crido então.
3. Então, agora é necessário que 100 anos atrás Deus acreditava que Tom fará X amanhã.

Estabelecer a necessidade da escolha de Tom, dada a necessidade da crença de Deus.

4.  Necessariamente, se 100 anos atrás, Deus sabia que Tom faria X amanhã, então Tom fará X amanhã.
5. Se p (i.e, a crença histórica de Deus sobre a escolha de Tom) agora é necessária (3), também necessariamente se p, então q; então q (i.e, a escolha de Tom de X amanhã; [consequente de 4]) agora é necessário [transferido do princípio da necessidade].
6. Então, agora é necessário que Tom fará X amanhã [3, 4 e 5]

Estabelecer que Tom não agiu livremente, dado a necessidade da escolha de Tom.

7. Se agora é necessário que Tom fará X amanhã, então Tom não pode fazer outra coisa.
8. Então, Tom não pode fazer outra coisa que não X amanhã.
9. Se [Tom] não pode fazer outra coisa, então [Tom] não age livremente.
10. Então, quando Tom fizer X amanhã, ele não fará livremente.

Molinistas novamente aceitarão a validade do argumento, mas terão problemas com algumas premissas, ou seja, 5 e, possivelmente também 2. Com respeito a 2, um Molinista pode querer afirmar que a necessidade do passado não se aplica ao passado todo, mas isso é uma censura arbitrária. Um Molinista pode também objetar a premissa 5, onde uma mudança de modalidade ocorre segundo necessidades acidentais (necessidades sobre o passado) são mescladas com necessidades metafísicas que têm a ver com as ações de escolher. Isso, no entanto, representa um caso clássico de distinção sem diferença relevante. A objeção Molinista é a transferência do princípio da necessidade, ainda que eles permitam o mesmo princípio da lógica quando tratam com a validade do argumento 3. Realmente, suas objeções deveriam ser apenas às premissas 2 do argumento 4, mas eles estão preparados para argumentar que o passado é contingente e não necessário?

Dado a objeção de transferência do princípio da necessidade, a posição Molinista reduz-se a: a escolha de Tom de X necessariamente ocorrerá, mas contingentemente. O que significa X ocorrer necessariamente por meios contingentes? Em outras palavras, o que significa uma ocorrência necessária ocorrer contingentemente!? (novamente, “vontade=poder” para o Molinista)

Em suma, o lamento de Craig com o argumento 3 é que ninguém pode provar a necessidade do conhecimento de Deus. Se alguém puder provar a necessidade, então sou conduzido a crer por sua palavra que ele aceitaria a conclusão do argumento 3 acima, que afirma a natureza não-contingente da escolha. Consequentemente, o problema com Craig e seus discípulos durante a prova de 10-passos não deveria ser superior a qualquer alteração na modalidade no passo-5, desde que o mesmo tipo de mudança na modalidade ocorre no argumento 3 sem objeção! A objeção de Craig ao argumento 3 não é uma objeção de mudança de modalidade, mas sim, estritamente uma objeção metafísica pertencente à liberdade de Deus. Não tendo nenhuma objeção modal ali, os Craiguitas não deveriam encontrar nenhum argumento em 4 também. Consequentemente, Craig e seus discípulos deveriam ao menos começar a conceder que, com o tempo, o pré-conhecimento de Deus torna-se necessário (passo 3 – argumento 4), que os conduziriam a abraçar todos os argumentos válidos como sendo sólido dado que não há objeção modal para o argumento 3. Então, por que eles não fazem? Porque o assunto é ético, não intelectual. Essa é a razão. Deus ocultou dos Arminianos as gloriosas doutrinas da graça e é por isso que eles dizem coisas tais como “como Deus pode encontrar culpa, pois quem pode resistir à sua vontade?”. Temo que os Arminianos não reconheçam que Romanos 9 está falando a eles.[2]

Notas: 
[2] A objeção ao Dr. Craig, bem como a crítica ao Arminianismo, em nada diminui as contribuições que ambos têm prestado ao Cristianismo, nem tampouco venho a considerá-los como “não-Cristãos”. Mantenho meu respeito e admiração pela irmão Dr. Craig e pelos irmãos Arminianos. As palavras do Dr. Cornelius Van Til são-me úteis e diretivas: "Somos gratos e nos alega o trabalho feito por arminianos no testemunho do evangelho. Alegres, por causa do fato de que, a despeito da inconsistência de sua apresentação o testemunho cristão, algo, com muita frequência, da verdade do evangelho brilha para os homens, e eles são salvos"(VAN TIL, Cornelius. O Pastor Reformado e o Pensamento Moderno. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p.55)[Nota do Tradutor]

***
Traduzido por Rev. Gaspar de Souza
.

Conselhos aos pastores que buscam especializações acadêmicas

.


"Por que Estudar?

Você precisará estar consciente de suas próprias motivações para o estudo. Muitos bons homens têm caído vítimas de falsas motivações, e assim acabaram perdendo o verdadeiro benefício de um estudo continuado. Em primeiro lugar, seu estudo continuado não deve ser motivado pelo desejo de ganhar algum status. Muitos renomados seminários e instituições de ensino atraem os pastores a fazerem um curso “avançado” que dificilmente seria considerado avançado em padrões reais, simplesmente porque oferecem um título de graduação ostentoso, possuindo na verdade um conteúdo inexpressivo. Não caia vítima deste “golpe”. O objetivo do aprendizado é o conhecimento, não o status.

Os britânicos têm uma atitude muito mais saudável que os americanos quanto aos títulos de graduação a acadêmica (embora eu creia que estamos tendo um efeito nocivo até mesmo sobre eles nesta área). O grande F.F. Bruce, por exemplo, tinha graduação equivalente á de universitário americano (ele tinha um Scottish MA) e ainda assim foi devidamente reconhecido como um grande erudito em seu campo de estudos. Sua falta de um doutorado não fez a menor diferença. Ele tinha mais conhecimento do que uma sala cheia de doutores. Eu, pessoalmente, não dou a menor importância ao título que o homem tem. Se ele não possui o conhecimento correto e útil, e um bom julgamento das coisas, é de pouco valor para a igreja como um ensinador.

Uma motivação que deve impelir seus estudos é simplesmente o desejo de aprender – aprender a verdade e adquirir o verdadeiro e útil conhecimento. Há pouquíssimas ocasiões na vida em que não há problema em ser ganancioso; no que concerne ao aprendizado, devemos ser “gananciosos” para aprender, porque a verdade vem de Deus e devemos ter o desejo de conhecê-la. Além disso, devemos ser motivados a aprender, a fim de sermos de alguma ajuda à igreja. Não é raro encontrar ministros cristãos que, pelo muito estudar, consideram-se extremamente sofisticados e “acima” da média dos frequentadores da igreja. Tal tipo de atitude é inapropriada ao extremo e, é interessante notar, geralmente não é vista naqueles que possuem mentes realmente brilhantes. O ministro estuda precisamente para poder ajudar o povo de Deus, por mais humilde que ele seja. Nós queremos aprender a fim de sermos úteis à igreja.

Você deve ser motivado a aprender para ser útil a outros pastores e igrejas. Torne-se um especialista em algo para que possa ajudar amigos pastores às voltas com determinada área de conhecimento que eles não conhecem tão bem quanto você. Talvez você se familiarize de tal maneira com a melhor literatura acadêmica sobre o Islamismo, que não somente poderá testemunhar como também ensinar seu povo. Também poderá ajudar outros pastores que não conhecem tanto quanto você sobre aquela que é a principal rival religiosa do cristianismo no mundo. Ou, talvez, você se torne um especialista nos puritanos, não apenas para ser edificado através daquele excelente material, mas, também, a fim de livrar outros da considerável e negativa mitologia que cerca este campo de estudos. Você entendeu o que quero dizer. Esteja motivado a aprender para que seu aprendizado possa abençoar a igreja como um todo.

Certamente, há muitas outras motivações para estudar além destas que eu listei. Dei apenas sugestões."

***
Fonte: DUNCAN, Ligon. Continue Estudando. In: ASCOL, Thomas K. Amado Timóteo. Tradução de Maurício Fonseca S. Júnior. São José dos Campos: FIEL. 2005. p. 167-186.

Nota MCA: Quando critiquei o academicismo que seduziu muitos pastores de minha igreja, não fui corretamente compreendido. Muitos desses que me criticaram são fieis, outros, apenas defenderam o status. Fui tachado de perseguidor do ensino da IPB. Nada mais injusto.

Talvez, ao autor citado nesta postagem, quem sabe, darão crédito... na verdade, EU espero isso pelo menos dos que possuem amor pela Igreja de Cristo e estão engajados em alguma especialização acadêmica. Os amantes de ‘divisas’, continuarão orgulhosos e cegos. Prejuízo deles e do povo que eles ‘pastorearem’.

Deus nos ajude.

.

Você foi salvo de quê?

.

Por R. C. Sproul

Certa vez, fui confrontando por um jovem na Filadélfia que me perguntou: “Você está salvo?” Minha resposta para ele foi: “Salvo de quê?”. Ele foi pego de surpresa com a minha pergunta. Obviamente, ele não tinha pensado muito sobre o significado da questão que estava perguntando. Certamente eu não estava salvo de ser interrompido na rua e abordado com a pergunta “Você está salvo?”.

A questão de ser salvo é a questão suprema da Bíblia. O assunto das Sagradas Escrituras é o tema da salvação. Jesus, em sua concepção no ventre de Maria, é anunciado como o Salvador. Salvador e salvação caminham juntos. O papel do Salvador é salvar.

Perguntamos novamente: Salvo de quê? O significado bíblico de salvação é amplo e variado. Na forma mais simples, o verbo salvar significa “resgatar de uma situação perigosa ou ameaçadora”. Quando Israel escapa da derrota nas mãos de seus inimigos no campo de batalha, ele se diz salvo. Quando as pessoas se recuperam de uma doença com risco de vida, elas experimentam salvação. Quando a colheita é resgatada de praga ou seca, o resultado é a salvação.

Usamos a palavra salvação de uma maneira similar. Diz-se que um boxeador foi  ”salvo pelo gongo” se o round termina antes do árbitro iniciar a contagem. Salvação significa ser resgatado de alguma calamidade. No entanto, a Bíblia usa o termo salvação em um sentido específico para se referir à nossa redenção definitiva do pecado e à reconciliação com Deus. Neste sentido, a salvação é da calamidade final – o juízo de Deus. A salvação final é realizada por Cristo, “que nos livra da ira vindoura” (1Ts 1.10).

A Bíblia anuncia claramente que haverá um dia de julgamento, em que todos os seres humanos serão responsabilizados diante do tribunal de Deus. Para muitos, esse “dia do Senhor” será um dia de trevas, sem luz. Esse será o dia em que Deus vai derramar sua ira contra os ímpios e impenitentes. Será o holocausto final, a hora mais escura, a pior calamidade da história humana. Ser liberto da ira de Deus, que muito certamente virá sobre o mundo, é a salvação definitiva. Esta é a operação de resgate que Cristo executa para o seu povo, como seu salvador.

A Bíblia usa o termo salvação não só em muitos sentidos, mas em muitos tempos. O verbo salvar aparece em praticamente todos os possíveis tempos da língua grega. Há o sentido de que fomos salvos (desde a fundação do mundo); estávamos sendo salvos (pela obra de Deus na história); somos salvos (por estar em um estado justificado); estamos sendo salvos (por estarmos sendo santificados ou tornado santos) e seremos salvos (por experimentar a consumação da nossa redenção no céu). A Bíblia fala da salvação em termos de passado, presente e futuro.

Às vezes, nós igualamos a nossa salvação presente com a nossa justificação. Em outros momentos, vemos a justificação como um passo específico na ordem total ou plano de salvação.

Por fim, é importante notar outro aspecto central do conceito bíblico de salvação. A salvação é do Senhor. Salvação não é uma iniciativa humana. Os seres humanos não podem se salvar. A salvação é uma obra divina, que é realizada e aplicada por Deus.  Somos salvos pelo Senhor e do Senhor. É ele quem nos salva da sua própria ira.

***
Traduzido por Annelise Schulz | iPródigo.com | Original aqui
.

Amém é coisa séria!

.

Por Alan Rennê Alexandrino Lima


É comum ouvirmos a afirmação que o significado das palavras hebraica e grega traduzidas como “amém” é “que assim seja”. Ouvimos, por exemplo, que devemos finalizar nossas orações com um convicto “amém”, a fim de expressar nosso forte e sincero desejo de que Deus atenda nossas petições. E, de fato, a palavra pode ser entendida dessa forma. Edward Robinson diz que a palavra aparece “usualmente no final de uma oração, onde serve para confirmar as palavras que precedem” (Léxico Grego do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. p. 46). Isso pode ser visto, por exemplo, em Neemias 5.13: “Também sacudi o meu regaço e disse: Assim o faça Deus, sacuda de sua casa e de seu trabalho a todo homem que não cumprir esta promessa; seja sacudido e despojado. E toda a congregação respondeu: Amém! E louvaram o SENHOR; e o povo fez segundo a sua promessa” (cf. Deuteronômio 27.15-26; 1Reis 1.36; 1Coríntios 14.16). Não é incorreto afirmar que dizer “amém” é uma expressão de desejo pela consecução daquilo que é pedido ou uma confirmação do que foi afirmado.

Entretanto, a palavra “amém” possui um significado mais solene. O estudioso Hans Bietenhard afirma: “Através do ‘amém’, aquilo que foi falado é afirmado como certo, positivo, válido e obrigatório” (Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 110). Trata-se, portanto, de uma afirmação de veracidade. Dizer “amém” é jurar que aquilo que foi afirmado na oração é expressão da verdade. Nesse sentido, quando suplicamos algo a Deus e dizemos “amém”, estamos expressando diante do Senhor que o nosso desejo é sincero e verdadeiro. Quando louvamos a Deus e finalizamos com “amém” estamos afirmando diante d'Aquele que sonda o nosso coração, que verdadeiramente o valorizamos e o consideramos como supremamente valioso.

Esse significado pode ser visto, por exemplo, em Isaías 65.16: “de sorte que aquele que se abençoar na terra, pelo Deus DA VERDADE é que se abençoará; e aquele que jurar na terra, pelo Deus DA VERDADE é que jurará”. A palavra hebraica traduzida pela Almeida Revista e Atualizada como “da verdade” é 'amên. Literalmente, o texto diz: “aquele que se abençoar na terra, pelo Deus DO AMÉM é que se abençoará; e aquele que jurar na terra, pelo Deus DO AMÉM é que jurará”. A ideia é que toda bênção e todo juramento terão a Deus como sua testemunha, Aquele que é a própria verdade, devendo, assim, serem feitos segundo a verdade e por coisas lícitas. Em Apocalipse 3.14, Jesus se identifica para o anjo da igreja de Laodiceia da seguinte forma: “Ao anjo da igreja em Laodiceia escreve: Estas coisas diz o AMÉM, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus”. Ao identificar-se como o “Amém”, Jesus está afirmando que o diagnóstico que ele apresentará a seguir é a mais pura expressão da verdade. Tudo o que ele tem a dizer é verdadeiro e, portanto, digno de crédito e de submissão da parte daqueles que ouvem. Gregory K. Beale diz que, “as três descrições ‘o Amém, a testemunha fiel e verdadeira’ não são distintas, mas geralmente se sobrepõem para sublinhar a ideia da fidelidade de Jesus ao testemunhar diante de seu Pai durante seu ministério terreno e sua continuidade como tal testemunha” (The Book of Revelation. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1999. p. 296). Simon Kistemaker, outro estudioso do Novo Testamento diz que, “o ‘Amém’ comunica a ideia daquilo que é verdadeiro, solidamente estabelecido e fidedigno”. (Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 225).

De igual modo, quando desejava expressar de forma mais contundente a veracidade do seu ensinamento e como ele deveria ser levado a sério por seus discípulos, Jesus introduzia seus ditos no Evangelho de João com um duplo “amém”, que na nossa tradução aparece como “em verdade, em verdade vos digo”: “E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (1.51; cf. 3.3,5,11; 5.19,24,25; 6.26,32,47,53; 8.34,51,58; 10.1,7; 12.24; 13.16,20,21,38; 14.12; 16.20,23; 21.18). Todo o seu testemunho é verdadeiro. Nele não há engano. Nas suas declarações não existem mentiras. Ele é a verdade e tudo o que Jesus afirma é verdadeiro.

Isto posto, devemos compreender que quando fazemos nossas orações a Deus, louvando-o, bendizendo-o, fazendo súplicas e intercessões, e respondemos com o “amém”, estamos dizendo ao Deus da Verdade, ao Deus do Amém, que nossos desejos são sinceros, que nosso coração está tomado de santas afeições por suas perfeições, majestade e glória. Quando oramos e concluímos com o “amém”, dizemos ao Deus que sonda os nossos corações que tudo o que expressamos é verdadeiro. Por esta razão, devemos levar muito a sério o dever da oração. Devemos nos aproximar de Deus sabendo que ele não vê como vê o homem. Ele vê o coração. Ele sabe quando nossos desejos estão direcionados para outras coisas. Ele conhece a insinceridade dos nossos corações. Quando não somos sinceros ou quando somos indiferentes em nossas orações, o “amém” é uma mentira dita ao Deus que tudo sabe. Por isso, que ele nos guarde de toda mentira e nos preserve no caminho da verdade, para que nossas orações sejam, de fato e de verdade, nas palavras de Wilhelmus à Brakel, “a expressão de santos desejos a Deus, em nome de Cristo, que, por meio da operação do Espírito Santo, procede de um coração regenerado, junto com o pedido do cumprimento desses desejos”.( The Christian’s Reasonable Service. Vol. 3. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 1997. p. 446.)

***
.

Expiação Limitada – J. I. Packer

.

Por J. I. Packer

“Você falou em redescobrir o evangelho”, diz nosso questionador, “e isso não significa apenas que você quer que todos nós nos tornemos calvinistas”?

Essa indagação presumivelmente gira não em torno da palavra calvinista, mas da coisa em si. Pouco importa se nos chamamos calvinistas ou não; o que importa é que compreendamos biblicamente o evangelho. Mas, isso, conforme pensamos, na realidade significa compreendê-lo conforme o tem feito o calvinismo histórico. A alternativa consiste em compreendê-lo mal e distorcê-lo. Dissemos antes que o evangelicalismo moderno, a grosso modo, tem deixado de pregar o evangelho à moda antiga; e francamente admitimos que o novo evangelho, naquilo em que se desvia do antigo, parece-nos ser uma distorção da mensagem da Bíblia. E agora podemos perceber o que tem sido erroneamente exposto. Nossa moeda teológica tem sido depreciada. Nossas mentes têm sido condicionadas a pensar sobre a cruz como uma redenção que faz menos do que redimir, e a pensar sobre Cristo como um salvador que faz menos do que salvar, e a pensar sobre a fé como a ajuda humana de que Deus necessita para cumprir os seus propósitos. Em resultado disso, não mais somos livres para acreditar no evangelho bíblico ou para anuncia-lo. Não podemos acreditar no mesmo, porque os nossos pensamentos são arrebatados nas circunvoluções do sinergismo. Somos perseguidos pela noção arminiana de que se a fé e a incredulidade tiverem de ser atos responsáveis, terão de ser atos exclusivamente humanos. E, daí deriva-se a ideia que não somos livres para crer que somos salvos inteiramente pela graça divina, através de uma fé que é dom de Deus e que chega até nós por meio do Calvário. Ao invés disso, ficamos envolvidos em uma estranha maneira de dúbio pensar, acerca da salvação, pois, em um momento, dizemos a nós mesmos, que tudo depende de Deus, para, no momento seguinte, dizermos que tudo depende de nós. A confusão mental daí resultante priva Deus de grande parte da glória que lhe deveríamos atribuir como autor e consumador da salvação, e a nós mesmos do consolo que poderíamos extrair do conhecimento daquilo que Deus fez por nós.

E então, quando passamos a pregar o evangelho, nossos falsos preconceitos nos fazem dizer exatamente o oposto daquilo que tencionávamos. Queremos (e com toda a razão) proclamar Cristo como nosso Salvador. Não obstante, terminamos dizendo que Cristo, após ter tornado possível a nossa salvação, deixou que fôssemos nossos próprios salvadores. E tudo termina dessa maneira. Queremos magnificar a graça salvadora de Deus, bem como o poder salvador de Cristo. E assim declaramos que o amor remidor de Deus abarca todos os homens, e que Cristo morreu para salvar todo homem, e proclamamos que a glória da misericórdia divina deve ser medida através desses fatos. Mas então, a fim de evitarmos o universalismo, somos forçados a depreciar tudo aquilo quanto vínhamos exaltando, passando a explicar que, afinal de contas, nada daquilo que Deus e Cristo fizeram pode salvar-nos, a menos que acrescentemos algo – o fator decisivo que realmente nos salva é o nosso próprio ato de crer. O que dizemos, portanto, resume-se nisto: Cristo salva-nos com a nossa ajuda. E o que isso significa, depois de passar pelo crivo de nosso raciocínio, é o seguinte: salvamo-nos a nós mesmos, com a ajuda de Cristo.

Esse é um anticlímax vazio de significado. Porém, se começarmos afirmando que Deus tem um amor salvífico para todos, e que Cristo morreu para salvar todos, ao mesmo tempo em que repudiamos tornarmo-nos universalistas, nada mais restará para dizermos. Portanto, sejamos claros sobre o que temos feito, após ter exposto a questão dessa maneira. Não temos exaltado a graça divina e nem a cruz de Cristo; antes, temo-las tornado baratas. Teremos limitado a expiação muito mais drasticamente do que o faz o calvinismo. Pois, ao passo que o calvinismo, assevera que a morte de Cristo salva a todos quantos foram predestinados para a salvação, teremos negado que a morte de Cristo, como tal, seja suficiente para salvar qualquer pessoa ímpios e impenitentes pecadores, ao assegurar-lhes que eles têm a capacidade de arrependerem-se a crer, embora Deus não possa dar-lhes essa capacidade. Talvez também tenhamos transformado em coisas triviais o arrependimento e a fé, a fim de tornar-se plausível essa certeza (“é tudo muito simples – apenas abra o seu coração para o Senhor…”). Por certo, teremos negado da maneira mais eficaz a soberania de Deus, além de havermos solapado a convicção básica da religião cristã – o fato que o homem está sempre nas mãos de Deus. Na verdade, teremos perdido muita coisa. Assim sendo, não admira que a nossa pregação tanto se ressinta de falta de reverência e humildade, e que os nossos professores convertidos mostrem-se tão autoconfiantes e tão deficientes quanto ao conhecimento de si mesmos, bem como nas boas obras que as Escrituras consideram fruto do verdadeiro arrependimento.

***
Trecho do livreto: “O Antigo Evangelho”, reeditado pela Editora Fiel em Julho de 2013
.