O amigo de Jó veio me visitar

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Quando estive internado por causa das recentes cirurgias pelas quais passei, recebi diversas visitas. Amigos, parentes, irmãos na fé, pastores — gente de perto e de longe — todos querendo me ver e deixar comigo alguma palavra de encorajamento e apoio. Como foi bom receber essas visitas! Às vezes eu estava me sentindo mal e não conseguia expressar todo o meu apreço por aquelas pessoas tão queridas. Elas, no entanto, entendiam a minha situação, mostravam-se indulgentes comigo, oravam por mim, teciam algumas frases de ânimo e fé e, então, iam embora, às vezes tentando conter o choro.

Eu louvo a Deus por todas aquelas pessoas e pelo modo como ministraram a graça de Deus em minha vida. Houve, porém, um visitante que se destacou por outro motivo. Imitando até certo ponto os amigos de Jó, ele foi me visitar com o objetivo muito claro de passar “lições de moral”; foi me ver com o alvo especial de fazer acusações veladas e sutis, dando a entender que Deus tinha me colocado naquela situação como uma espécie de castigo, para que eu revisse coisas erradas que havia em minha vida.

“É...” — ele dizia (e esse “é” era um “é” prolongado. Tipo “ééééé...”: um artifício pobre usado para conferir solenidade à fala) — “Tudo isso é bom pra gente avaliar a nossa vida e rever nossos valores... Às vezes Deus nos coloca numa cama de hospital pra gente refletir e ver o que temos que mudar...”. E, assim, esse meu amigo prosseguia em seus jargões de santarrão, repetindo-os a cada dez minutos e se aproveitando do meu estado de debilidade para sugerir o que bem entendesse, já que eu, fraco e cheio de dores, não tinha forças nem ânimo para replicar qualquer coisa. Ademais, as acusações eram veladas, indiretas e sutis, não dando margem para que eu me defendesse. É certo que, se eu estivesse bem, perguntaria: “Você tem algo mais específico em mente — algum pecado ou desvio que vê em minha vida e que acredita que eu deva corrigir?”. Contudo, minha debilidade só permitia que eu ficasse em silêncio. Eu não queria criar uma situação muito pesada. Tudo já era ruim demais.

Depois que tudo passou, pensei um pouco sobre o meu visitante especial e concluí que o problema principal do amigo de Jó talvez não sejam suas frases batidas, nem seu empenho em acusar direta ou indiretamente. Creio que um dos problemas maiores de um “amigo” assim é o prazer que ele demonstra no momento em que diz aquelas coisas. Segundo parece, ele vê na nossa doença uma prova imbatível de que a bronca que tem contra nós é justa, pois, segundo entende, o próprio Deus está nos punindo. Então, diante dessa prova cabal, ele se deleita, se sente “por cima” (afinal de contas, ele não está sendo punido. Logo, é alguém melhor!), repete seus jargões com um leve sorriso nos lábios e um brilho malicioso nos olhos, tenta falar com gravidade, fazendo o doente se sentir rebaixado à condição de um réu que ouve as correções de um sábio e grande juiz.

Todo esse modo de agir e sentir do amigo de Jó pode ter sua causa resumida em mais ou menos dez palavras: falta de conhecimento da verdade e falta de amor para com aquele que padece. A falta de conhecimento do amigo de Jó é no campo da teologia do sofrimento. Ele comete o erro de acreditar que a dor sempre decorre da punição de Deus! Ora, a Bíblia mostra que, de fato, Deus pune os seus filhos com doenças e até com a morte (1Co 11.27-32). Isso, porém, ele só faz às vezes. O amigo de Jó, contudo, acredita que a doença sempre tem como causa alguma iniquidade que cometemos, quando a própria história de Jó mostra que isso não é verdade.

Com efeito, Jó passou pelas maiores desgraças que um ser humano poderia enfrentar e, no entanto, não havia na terra homem mais justo do que ele (Jó 1.1,8). Ficar doente, portanto, pode sim ser resultado da disciplina de Deus, mas nem sempre é assim e, por isso, temos de ter cuidado para não julgar precipitadamente os outros como fazem os modernos amigos de Jó, sob pena de cairmos no desagrado de Deus (Jó 42.7-9).

Conforme eu disse acima, além da falta de conhecimento, o amigo de Jó também demonstra falta de amor por aquele que sofre. Note bem: quando alguém está doente, a Bíblia ensina que devemos nos aproximar dessa pessoa com compaixão, suprindo suas necessidades (At 20.35), orando por sua melhora (Tg 5.15) e promovendo de alguma forma o seu bem-estar (Tg 5.14). Decididamente, a enfermidade de um irmão não fornece o contexto para dançarmos vitoriosos sobre o quase cadáver dele; não nos autoriza a, satisfeitos e orgulhosos, saborear palavras do tipo “tá vendo?”. Tampouco nos concede o direito de aumentar o seu sofrimento lançando culpas (imaginárias ou não) em seu rosto.

Na verdade, se tivermos motivo para acreditar que o sofrimento do nosso irmão decorre de pecado e disciplina, o correto é esperar que tudo passe e, então, quando a dor se tornar somente uma lembrança, dizer a ele: “Irmão, eu testemunhei seu sofrimento e chorei ao vê-lo padecer tanto. Eu orei muito por sua melhora e agora que tudo passou eu me regozijo e suplico ao Senhor que confirme sua restauração. No entanto, como seu irmão na fé, com temor, tremor e humildade eu gostaria de lhe dizer que acredito que tudo que o irmão enfrentou talvez tenha como causa a mão de um Deus amoroso que disciplina seus filhos. Eu o conheço faz algum tempo e sei que o irmão nutre tal e tal pecado em sua vida. Eu não sou seu juiz, nem me julgo acima de você, mas, como irmão na fé, movido pelo amor e sob a autoridade da Palavra, eu gostaria de incentivar você a avaliar se tudo que ocorreu não foi uma forma que Deus usou para chamar a sua atenção para esse problema. Na verdade, não sei se foi essa a causa da sua dor, porém, como seu irmão, eu me senti no dever de dizer isso a você”.

A gente nunca consegue prever como as pessoas vão reagir a palavras como essas. Deus, no entanto, conhece os corações e sabe o que nos move nessas horas: se é o orgulho malicioso e julgador do amigo de Jó ou se é o amor fraterno, sincero e preocupado do discípulo de Jesus. Além disso, no fundo no fundo, aquele que é admoestado também perceberá se estamos sendo bondosos ou não e, sob a influência do Espírito Santo, será levado ao arrependimento.

O que deve ser evitado, porém, a todo custo, é tomar o caminho do amigo de Jó. Afinal de contas, amigos de Jó cedo ou tarde também adoecem. Cedo ou tarde também são visitados no hospital. Seria muito chato sermos um deles e, no dia do sofrimento, alguém (outro amigo de Jó) nos fazer tomar nosso próprio remédio.

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Autor: Pr. Marcos Granconato
Fonte: Igreja Batista Redenção
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1 comentários:

Quando minha esposa esteve na U.T.I passou pela mesma situação. É difícil.

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