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“Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido” (1Timóteo 4.6).
Certa feita tive a honra de participar de um culto em ações de graças pela jubilação de um fiel ministro de Cristo. De fato, o pastor em questão é um fiel servo de Deus, um homem zeloso pela Palavra. Na ocasião várias pessoas receberam a oportunidade para testemunhar algo do pastor jubilado. Um deles afirmou que algo que chamou a sua atenção, foi o fato de nunca ter encontrado uma pessoa sequer para expressar alguma queixa contra o pastor. De acordo com a testemunha, isso mostrava que aquele ministro era, verdadeiramente, um bom pastor.
Pressuposto errado
Creio, de coração, que a testemunha partiu de um pressuposto completamente errado. Repito: o pastor em questão é um fiel ministro e alguém que deve ser admirado. O que questiono é: O fato de não ter aparecido ninguém para se queixar é prova da fidelidade ministerial de alguém? Se é assim, então, o que podemos dizer das palavras do apóstolo Paulo a Timóteo: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Timóteo 3.12)? O que dizer, então, da afirmação de Jesus Cristo, em Mateus 5.11: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós”? E João 16.1-3: “Tenho-vos dito estas coisas para que não vos escandalizeis. Eles vos expulsarão das sinagogas; mas vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar culto a Deus. Isto farão porque não conhecem o Pai, nem a mim”? O que dizer ainda do apóstolo Paulo e as “queixas” de muitos coríntios contra ele? A História da Igreja também é recheada de situações nas quais pastores foram alvo de grande insatisfação: Calvino em Genebra (1538) e Jonathan Edwards em Northampton (1750). Será que alguém ousaria dizer que esses dois gigantes da fé cristã foram maus pastores? Creio que não!
Jesus Cristo, no seu Sermão do Monte conforme registrado pelo evangelista Lucas, afirmou algo que vai diametralmente contra o pensamento da testemunha supracitada: “Ai de vós, quando todos vos louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos profetas” (6.26). Agradar a todas as pessoas não é a marca de um ministério bem-sucedido! Labora em erro aquele que parte do pressuposto de que a ausência de queixas e mágoas implica em bom ministério pastoral. O oposto é verdade. Com muita frequência, um bom ministro de Cristo desperta queixas, insatisfação e mágoa. No caso do pastor jubilado, com toda certeza ele despertou mágoas por defender a verdade; foi alvo de queixas por não se dobrar diante de hábitos pecaminosos de algumas de suas ovelhas; gerou insatisfação por manter a sua consciência cativa à Sagrada Escritura. É de se esperar que, por obra da graça de Deus, algumas das pessoas que se magoaram com ele no passado, tenham reconhecido que o pastor estava sendo fiel a Deus e, por isso, em depoimento reconheçam suas virtudes.
Para ser um bom pastor, é preciso...
Então, qual o parâmetro para se determinar quem é um bom ministro de Cristo? O que torna um pastor digno da alcunha de “servo bom e fiel”? A passagem de 1Timóteo 4.6 é muito interessante nesse sentido: “Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido”. O que tornaria Timóteo um bom pastor, alimentado com as Sagradas Escrituras e a boa doutrina? Timóteo deveria expor “estas coisas”. Que coisas? As mencionadas nos versículos anteriores (vv. 1-5):
Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado.
O caminho para se tornar um bom pastor deve passar pela fiel exposição daquilo que o Senhor revelou nas Sagradas Escrituras. No caso de Timóteo, ele seria um bom ministro de Cristo, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tinha seguido à medida que ensinasse a doutrina apostólica à igreja. O comentário de William Hendriksen é muito interessante: “‘Um ministro excelente’ é alguém que, com amorável devoção à sua tarefa, ao seu povo e, acima de tudo, ao seu Deus, adverte contra a apostasia da verdade, e mostra como se deve tratar o erro. Tal homem realmente representa (e pertence a) Cristo Jesus”[1].
O que se requer é fidelidade
Em 1Coríntios 4.2, Paulo faz outra afirmação importante a respeito da natureza do ministério pastoral: “Ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel”. Essa palavra de reveste de uma importância imensurável em uma época como a nossa. O Pr. Augustus Nicodemus chama a atenção para o fato de que, “em todo lugar, os pastores que querem seguir um modelo bíblico de ministério estão enfrentando questionamentos dos membros de suas igrejas, que tomaram como padrão e referencial de pastorado bem-sucedido” modelos antibíblicos[2]. Esse era exatamente o problema enfrentado por Paulo diante da igreja de Corinto, que fora plantada por ele.
O texto de 1Coríntios 4.2 nos ensina acerca do que o Senhor espera e exige dos seus ministros. Cada pregador, cada pastor, como mordomo da revelação de Jesus Cristo, deve ser encontrado pistós, ou seja, fiel. Isso significa “pregar, ensinar e expor os mistérios de Deus da maneira que Deus os revelou e determinou que fossem transmitidos”[3]. Lembremos que, a função dos apóstolos era a de se consagrarem à oração e ao ministério da Palavra (Atos 6.4). Hoje não existem mais apóstolos, de maneira que o encargo da pregação da Palavra e a responsabilidade da consagração na oração passou aos pastores, como deduzimos da ordem de Paulo a Timóteo: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2 Timóteo 4.2). Sendo assim, um bom pastor deve ser fiel no cumprimento da sua principal função, que é a pregação, e, ao pregar, deve ser fiel na transmissão exata daquilo que o Senhor revelou nas Sagradas Escrituras, nem mais nem menos.
Ainda de acordo com o Pr. Augustus Nicodemus, se há algo que pastores fiéis não fazem é falsificar, adulterar e diluir a Palavra, para poderem ganhar adeptos e admiradores[4]. Esse era o desejo de Paulo. Ele queria ser fiel, pois sabia que era isso que o Senhor exigia dele. Pouco importava para Paulo o sucesso externo. Pouco importava se as pessoas o amariam. Ele queria apenas receber louvor da parte do Senhor. Ele desejava apenas “ser encontrado fiel”. Esse “ser encontrado” aponta para o dia do juízo, “quando Deus haverá de julgar as intenções e motivos do coração e aferir a fidelidade dos obreiros”[5].
Diferentemente dos coríntios, a única coisa que o Senhor exigia de Paulo era fidelidade. Pensando nisso, quais são as exigências que muitas vezes são feitas aos pastores? O que é exigido da parte da igreja está em harmonia com aquilo que é exigido pelo Senhor Deus? Como devemos avaliar um obreiro? Por não encontrar ninguém que se queixe dele? Pela dureza? Por não passarem a mão na cabeça daqueles que estão em erro? Pelo número de visitas? Ou por aquilo que Deus espera e exige deles? Pela fidelidade? Por buscarem a glória de Deus? Por insistirem em que abandonem seus pecados? Resta-nos aguardar o dia do julgamento e o resultado da avaliação divina.
Queira o Senhor que nossas igrejas compreendam essa verdade e, assim, julguem os seus pastores pelos parâmetros estabelecidos pelo próprio Deus em Sua Palavra inerrante, inspirada e autoritativa.
Encerro com a oração de um puritano do século 17. Faço dela a minha sincera oração ao Senhor:
Ó MEU SENHOR,
Que meu ministério não tenha somente a aprovação dos homens,
ou meramente conquiste a estima e as afeições das pessoas;
Mas opera a obra da graça em seus corações,
chama os teus eleitos,
sela e edifica os regenerados,
e envia bênçãos espirituais sobre suas almas.
Salva-me de presumir que sou muito e de buscar fazer a minha vontade;
Rega os corações daqueles que ouvem a tua Palavra,
que aquilo que é semeado em fraqueza possa germinar em poder;
Faz com que, enquanto aqui, tanto eu quanto aquele que me ouvem
vejamos a ti na luz especial da fé,
e, depois daqui, na chama da glória infinita;
Torna cada sermão meu um meio de graça para mim mesmo,
e ajuda-me a experimentar o poder de teu amor agonizante,
pois teu sangue é bálsamo,
tua presença é felicidade,
teu sorriso é o céu,
tua cruz é o lugar onde verdade e misericórdia se encontram.
Considera as dúvidas e desencorajamentos de meu ministério
e livra-me de considerar-me importante;
Suplico perdão pelos meus muitos pecados, omissões, infirmezas,
como homem, como ministro;
Envia tuas bênçãos sobre meu trabalho fraco e indigno,
e sobre a mensagem da salvação entregue;
Esteja com teu povo,
e que tua presença possa ser a porção deles e a minha.
Na pregação, que minhas palavras não sejam meramente elegantes e educadas,
meu raciocínio polido e refinado,
meu desempenho não seja débil e sem tato,
mas que eu possa exaltar a ti e humilhar os pecadores.
Ó Senhor de poder e graça,
todos os corações estão em tuas mãos, os acontecimentos à teu dispor,
imprime o selo da tua toda-poderosa vontade sobre meu ministério.[6]
SOLI DEO GLORIA
Notas:
[2]Augustus Nicodemus Lopes. Uma Igreja Complicada. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 11.
[3] Ibid. p. 130.
[4] Ibid. p. 131.
[5] Ibid.
[6] Arthur Bennett (Ed.). The Valley of Vision: A Collection of Puritan Prayers & Devotions. p. 186. Tradução: Márcio Santana Sobrinho. Extraído do site: http://www.monergismo.com.[1]
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