Uri Geller e o Evangelho Torto

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Por: Hélio


Eu estava ouvindo uma pregação televisiva de Silas Malafaia esta manhã, o que faço eventualmente por obrigação, e não por prazer, e me bastou uma frase para entender a mensagem: algo como “não adianta uma pregação cheia do Espírito na igreja se ela não for aplicada lá fora e ver se funciona”. Resumindo, a grande questão implícita era: “a pregação funciona?”. Para quem não está familiarizado com a filosofia dominante na atualidade, o utilitarismo, é exatamente esta a pergunta que os utilitários fazem a respeito de todas as situações da vida: “funciona?”, ou seja, “produz resultados visíveis, palpáveis?”, “maximiza o lucro e minimiza as perdas?”, “os fins justificam os meios?”. Tudo, obviamente, preocupado com os resultados materiais que possam ser mensurados (e capitalizados) aqui e agora.

O fato de eu assistir alguma coisa do Malafaia na TV se deve à necessidade que todos nós temos, como corpo de Cristo nesta terra, de acompanhar e (o mais difícil) tentar entender em que estágio (e estado) está a igreja evangélica no Brasil. A conversão paulatina e radical de Silas Malafaia ao utilitarismo (também chamado de “teologia da prosperidade”), mostra que esta ideologia (não só filosofia, portanto) se instalou definitivamente na igreja brasileira. Afinal, não podemos nos esquecer de que não faz muito tempo o próprio Malafaia criticava a teologia da prosperidade, à qual se converteu com gosto, ao que tudo indica.

Necessário se faz uma breve análise do discurso de Malafaia, sintetizado na frase reproduzida acima, “não adianta uma pregação cheia do Espírito se ela não for aplicada lá fora e ver se funciona”. A primeira grande questão é definir quem é que julga se a pregação é cheia do Espírito Santo ou não. Afinal, existem critérios objetivos para se chegar a esta conclusão? Seriam eles línguas estranhas, sinais, curas, expulsões de demônios, etc.? Não seria isto limitar a ação do Espírito a uma espécie de check-list de maravilhas e fatos aparentemente inexplicáveis? Por outro lado, não passa esta análise também pelo julgamento subjetivo de quem ouve a tal pregação? Logo, não entram em jogo todos os dados pessoais, sociais, intelectuais e culturais do ouvinte, a influenciar a sua definição de “cheio do Espírito”? Parece-me que não há nenhum critério humano razoável para se definir uma pregação “cheia do Espírito”, o que deixa a tarefa para o testemunho do próprio Espírito Santo – individualmente – a cada ouvinte, e por isso mesmo restrito a ele, a não ser em situações extremamente especiais, em que a sua impressão deve ser proclamada aos quatro ventos, mas dada a raridade com que isso acontece, isto ficará muito claro no seu espírito, e não só no “senti no coração o desejo de...”, outro chavão evangélico que sintetiza um modo de ser que não pertence ao evangelho, já que “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o poderá conhecer? ” (Jeremias 17:9).

Quanto ao “funciona!”, me parece que igreja evangélica retrocedeu no tempo e voltou aos anos 70, período em que o israelense Uri Geller, autointitulado “paranormal”, viajava o mundo em espetáculos televisivos cuja grande atração eram os talheres entortados com a suposta força do pensamento, movida pela palavra mágica “funciona!”, que deveria ser repetida insistentemente enquanto a colher entortava. O evangelicalismo brasileiro absorveu Uri Geller, e hoje busca tudo na base do pensamento positivo, movido ao mantra do “funciona!”. A própria palavra “evangelicalismo” parece tristemente apropriada para descrever o movimento, já que une um arremedo de evangelho com os instintos mais primitivos do utilitarismo. Alguém poderia objetar, entretanto, que a pregação deve produzir frutos, esquecendo-se que os frutos não devem ser só produzidos, mas principalmente, devem permanecer (João 15:16) e que Jesus é a fonte de água não só para esta vida, mas principalmente para a vida eterna (João 4:14). Eternidade cujo anseio Deus colocou no coração do homem (Eclesiastes 3:11), e não um mero sentir instantâneo e despropositado.

Resumo da ópera: se o evangelicalismo brasileiro continuar seguindo o caminho do “funciona!”, a única coisa que vai conseguir entortar é o evangelho. Lamentavelmente.

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