Resposta ao leitor: Perseverança e Salvação

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A Paz Esteja Contigo Andre!

O meu nome é Adauto. Moro em Itabaiana-Se. Gostaria que você interpretasse o capítulo de Mateus 24:13. A Salvação é pela graça (Efésios 2:8) ou pela Perseverança? Sei que o capítulo 24 de Mateus se refere a dois acontecimentos (futuros próximo e distante). O 1º- A invasão de Jerusalém e o 2º- A vinda de Jesus. Sei que a palavra salvar (sózo) e salvação (soteria) e soterion possui vários significados, é claro, dependendo do contexto em que a palavra está inserida. Por isso, gostaria saber sua opinião sobre esse assunto. Qual a interpretação mais coerente e exegética desse texto (sem tendência religiosa)? Será que você pode me indicar um bom livro ou material de pesquisa sobre interpretação bíblica?

Desde já, agradeço pela atenção.

Fraternalmente,
o irmão em Cristo,
Adauto.
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Então, Adauto. Antes de qualquer coisa, gostaria de agradecer a sua visita no blog, por entrar em contato e permitir a publicação da resposta como artigo no blog Teologia Et Cetera.

Não sei o quanto posso ajudar você. Acredito que preciso dividir o seu pedido de ajuda em três: 1) Minha opinião sobre o assunto “salvação e perseverança”, 2) uma interpretação coerente e exegética do mesmo texto sem tendência religiosa e 3) indicar algum material de pesquisa sobre interpretação bíblica.

Minha opinião sobre o assunto “salvação e perseverança”

Minha leitura do texto é a clássica interpretação calvinista, também compartilhada pelos batistas, os quais também creem na perseverança dos santos.

A perseverança é resultado da salvação e não o contrário. Assim como o fruto do Espírito é evidência de novo nascimento, a perseverança é fruto da salvação. Parece um dilema de Tostines: vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Há como ver a declaração de Jesus por dois ângulos, e isso nos leva à sua próxima pergunta.

Uma interpretação coerente e exegética do mesmo texto sem tendência religiosa.

Uma das regras básicas da hermenêutica é: trazer luz para um texto obscuro através de textos mais claros. Como a declaração de Jesus quanto à salvação e perseverança é obscura, precisamos recorrer a outros textos. Aqui, então, encontramos o problema da orientação teológica.

Na minha opinião, não existe este negócio de leitura imparcial! Todo aquele que lê a Bíblia projeta no texto a sua própria orientação. É possível buscar, por exemplo, a leitura que valoriza o significado a partir da cultura, geografia, filosofia, teologia e estilo literário do autor ou redator do texto. Todavia, não posso dizer que isso seja uma leitura imparcial de todo, porque esta leitura pode estar viciada na base do que o leitor/intérprete acredita ser verdadeiro ou coerente concernente à cultura, geografia, filosofia, teologia e estilo literário do autor. Se isso não fosse verdadeiro, encontraríamos, por exemplo, consenso entre os estudiosos da alta crítica, que tentam interpretar o texto a partir destes elementos utilizando o método histórico crítico.

Hermenêutica é uma ciência; portanto, depende de uma metodologia. O método hermenêutico escolhido pelo intérprete é uma ferramenta orientadora; contudo, não pode garantir, de forma alguma, uma leitura imparcial. Só por utilizar um método e desprezar outro, você já estaria comprometendo a tal imparcialidade que você busca ter. Entende a complexidade da coisa?

O que vale, então, é ser honesto – como dizia meu professor de hermenêutica no seminário. Você adota um determinado método hermenêutico que parece mais elegante, ou coerente para você. Um julgamento da mera racionalidade, da sua percepção da realidade, ou até mesmo de fé - igualzinha à fé religiosa, uma vez que não há explicação para o porquê da escolha desse ou daquele pressuposto como ponto de partida para a sua interpretação. Isso não é nenhum absurdo, até Aristóteles apela para um postulado, um ponto de partida para o exercício de sua filosofia. 

Você pode estar se perguntando: – André está tentando ajudar ou ele quer me deixar mais desesperado?

Parece até que eu estou mesmo querendo dizer que não existe uma interpretação melhor, ou mais próxima da verdadeira mensagem que o autor intencionou transmitir em seu texto. O que eu quero deixar claro, na verdade, é que o dever de todo intérprete (exegeta) é buscar a mensagem original que estava na cabeça do autor - mensagem transmitida por um idioma, com símbolos linguísticos, condicionada à cultura, época, etc. Para tudo isso, você vai precisar adotar um método; mas, o fantasma da interpretação tendenciosa sempre o atormentará.

– André, você está exagerando! Encontrei uma leitura do texto que não está nem de um lado, nem do outro. Não é nem arminiana nem calvinista, por exemplo.

Quando consideramos A e B como posições extremas, uma leitura entre as duas parecerá equilibrada, mas isso não passa de ilusão. Essa interpretação C só parecerá equilibrada enquanto os posicionamentos A e B forem considerados extremos. Uma leitura D poderia posicionar a leitura C em algo nada equilibrado. Tudo, meu irmão, depende dos postulados, do acordo entre as partes do debate. Minha proposta C só parecerá equilibrada enquanto concordamos - eu e você - que A e B são extremos. Entende? Se a sua percepção da realidade é compatível com a leitura A, a leitura C deixa de ser equilibrada. Percebe?

Acho que já falei o suficiente sobre a segunda pergunta. Vamos à terceira.

Indicar algum material de pesquisa sobre interpretação bíblica.

Lembra quando falei que hermenêutica é uma ciência? Então, há dois métodos bem utilizados hoje: 1) Método Histórico Crítico e 2) Método Histórico Gramatical. O método histórico gramatical é o mais utilizado pelos pastores exegetas, método também conhecido como baixa crítica. Esse é o método que utilizo frequentemente e tenho certo domínio. O método histórico crítico, ou alta crítica, está acima das minhas competências – arrisco muito pouco. O método histórico crítico é muito acadêmico, depende de muito conhecimento de antropologia, línguas originais, acesso aos textos (documentos) originais para comparar grafia, cor e composição da tinta utilizada, comparar amostras de papiros e couros, etc. Além dessas limitações, o método histórico crítico não permite a utilização do texto trabalhado como pregação tão facilmente.

Mas, voltando ao mundo da nossa realidade - aquilo que dá para trabalhar com segurança - o melhor livro sobre hermenêutica (método histórico gramatical) é: A Interpretação Bíblica - Meios de Descobrir a Verdade da Bíblia. Autor: Roy B. Zuck  - Editora Vida Nova

Acredito que se você aprender tudo o que o Dr. Roy B. Zuck ensina em seu livro, você terá uma produção exegética excelente!

Bem, lembre-se que tudo não passa da minha opinião. Contudo, é a opinião de quem não para de ler e tem uma vida dedicada aos estudos.

Espero ter ajudado. Se faltou alguma coisa, é só postar um comentário abaixo.

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Autor: André R. Fonseca 
www.andreRfonseca.com
Twitter: @andreRfonseca
Fonte da imagem:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8b/Crop_Book_of_Isaiah_2006-06-06.jpg/800px-Crop_Book_of_Isaiah_2006-06-06.jpg

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