O conhecimento exaustivo de Deus sobre o futuro



por John Frame


[...] A responsividade divina observada nas Escrituras não nos refuta a crença no decreto eterno e na presciência exaustiva de Deus. Mas a Escritura dá testemunho da presciência eterna de Deus?

A Escritura tipicamente nos mostra o conhecimento de Deus sobre o futuro através do fenômeno da profecia. Um aspecto da profecia é a predição de eventos futuros. Além disso, uma evidência que revela um verdadeiro profeta é que suas predições sobre eventos futuros deve ser verdadeira (Dt 18.22). Em Isaías, Deus desafia os deuses das outras nações a predizerem o futuro, sabendo que somente ele é capaz de fazer isso (Is 41.21-23; 42.9; 43.9-12; 44.7; 46.10; 48:3-7).

Os teístas relacionais concordam que há um elemento preditivo na profecia, mas insistem em que esse elemento preditivo não implica que Deus tenha presciência exaustiva. Para mostrar isso, eles enumeram três tipos de profecia:

Uma profecia pode expressar a intenção de Deus em fazer alguma coisa no futuro, independente da decisão da criatura. Se a vontade de Deus é a única condição exigida para que alguma coisa aconteça, se a cooperação humana não está envolvida, então Deus pode garantir seu cumprimento de forma unilateral e pode anunciar esse cumprimento com antecedência... Uma profecia também pode expressar o conhecimento que Deus tem de que alguma coisa acontecerá porque as condições necessárias para isso foram cumpridas e nada pode evitá-la. Na época em que Deus predisse a Moisés o comportamento de Faraó, o caráter desse governante era tão rígido que seu comportamento era totalmente previsível... Uma profecia também pode expressar o que Deus quer fazer se certas condições forem cumpridas. 

Eu concordo que na Escritura há profecias de todos esses tipos. Eu discuti acima as profecias condicionais, e é claro que eu admito que Deus pode anunciar suas próprias ações independentemente da decisão das criaturas. O segundo tipo de profecia que Rice menciona deve ser problemático para os teístas relacionais, porque (como foi mencionado anteriormente com relação à interpretação de Boyd sobre Judas) ela sugere que algumas decisões humanas (a decisão de Faraó, na citação de Rice) são moralmente responsáveis, muito embora elas claramente não sejam livres no sentido libertarista. É estranho ver os teístas relacionais falando em “condições necessárias” para o comportamento de uma pessoa e usando termos como “rígido” e “totalmente previsível” – linguagem determinista em apoio à posição libertarista! É claro que, para os teístas relacionais, Faraó e Judas se endureceram antes de seu endurecimento se tornar irreversível, isto é, uma vez que o endurecimento surgiu, Deus fez com que essas pessoas fossem responsáveis por ações que não podiam ser evitadas.

Eu creio, contudo, que, além das profecias desse tipo, há outros tipos que (1) não afirmam simplesmente as intenções divinas, mas dependem, para seu cumprimento, das escolhas humanas; (2) implicam em que as decisões de Deus determinam as escolhas humanas; e (3) não são meramente condicionais.

Considere, como exemplos, as antigas profecias da história do povo de Deus, dadas por Deus a Noé (Gn 9.26, 27), Abraão (Gn 15.13-16), Isaque (Gn 27.27-  29, 39, 40), Jacó (Gn 49.1-28), Balaão (Nm 23 – 24) e Moisés (Dt 32.1-43; 33.1-29). Aqui Deus anuncia (de forma categórica, e não condicional), com muitos séculos de antecedência, o caráter e a história dos patriarcas e de seus descendentes. Essas profecias antecipam incontáveis decisões livres de seres humanos, muito tempo antes que qualquer um dos envolvidos tivesse tempo de formar seu caráter.

Em 1Samuel 10.1-7, o profeta Samuel diz a Saul que, depois que deixa Samuel, encontrará três homens, e mais adiante um grupo de profetas. Samuel lhe diz precisamente o que os três homens levarão e quais serão os acontecimentos da jornada. Através de Samuel, Deus claramente antecipa em detalhes as decisões livres dos homens e profetas sem nome, tanto quanto os eventos da jornada. Compare um registro semelhantemente detalhado dos movimentos de um inimigo de guerra em Jeremias 37.6-11.

Em 1Reis 13.1-4, Deus, através do profeta, diz ao ímpio rei Jeroboão que levantará um rei fiel, chamado Josias. Essa profecia foi feita três séculos antes do nascimento real do rei Josias. Compare referências em Isaías 44.28 – 45.13 ao rei persa Ciro aproximadamente um século antes de seu nascimento. Muitos casamentos, muitas combinações de esperma e óvulo, muitas decisões humanas foram necessárias para que esses indivíduos fossem concebidos, nascessem, assumissem o trono e cumprissem essas profecias. Esses textos pressupõem que Deus sabe como todas essas contingências serão cumpridas. O mesmo é verdade com relação a Jeremias 1.5, onde se diz que Deus conhecia Jeremias antes que ele estivesse no ventre materno e o designou para ser um profeta. Compare também a conversa entre Elias e Hazael da Síria, em 2Reis 8.12, e a detalhada cronologia futura em Daniel 9.20-27 sobre a vida dos impérios e a vinda do Messias. 

A Escritura não é duvidosa ao mostrar como Deus consegue esse conhecimento extraordinário. Deus conhece, como eu disse anteriormente, porque ele controla todos os eventos da natureza e da história por seu próprio plano sábio. Deus faz tudo de acordo com sua sabedoria (Sl 104.24) e realiza tudo de conformidade com o propósito de sua vontade (Ef 1.11). Portanto, Deus sabe tudo sobre as estrelas celestiais (Gn 1.15; Sl 147.4; Is 40.26; Jr 33.22) e sobre os menores detalhes do mundo natural (Sl 50.10, 11; 56.8; Mt 10.30). “Deus o sabe” é uma forma de expressão semelhante a um juramento (2Co 11.11; 12.2, 3) que garante a verdade das palavras humanas sobre o pressuposto de que o conhecimento de Deus é exaustivo, universal e infalível. O conhecimento de Deus é conhecimento absoluto, uma perfeição pela qual ele deve ser louvado (Sl 139.17, 18; Is 40.28; Rm 11.33-36).  

Dessa forma, “Deus conhece todas as coisas” (1Jo 3.20) e  

Não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb 4.13).  

Esse conhecimento inclui o conhecimento exaustivo do futuro? Considerando a inadequação dos argumentos dos teístas relacionais, a forte ênfase da Escritura sobre o conhecimento exaustivo de Deus sobre o futuro e o ensino bíblico de que o plano de Deus abrange toda a história, nós devemos dizer que sim.

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Fonte: Eu não sei mais em quem eu tenho crido - Douglas Wilson (org.) - São Paulo: Cultura Cristã, 2006. Págs. 79-81
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O ato de profetizar e determinar: uma análise histórica, teológica e apologética - 1/3

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Por Leonardo Dâmaso

Introdução

Nos últimos 30 anos, fatos importantes aconteceram no cenário evangélico brasileiro. As décadas de 80 e 90 trouxeram a lume muitas “novidades religiosas” e “tendências doutrinárias inusitadas” que ficariam marcadas para sempre. Muitos cristãos, especificamente os desatentos, que presenciaram a chegada dessas novidades e doutrinas no Brasil, não poderiam sequer imaginar que elas não seriam salutares e que devastaria, com o passar dos anos, de maneira implacável, uma proporção abrangente da igreja evangélica, embora os seus adeptos não concordem com isso, uma vez que são limitados ou praticamente leigos em relação ao conhecimento das Escrituras.

Dentre as várias “novidades religiosas” e tendências doutrinárias vigentes no Brasil, quero elencar apenas duas, que são o ato de PROFETIZAR e DETERMINAR. É importante observar que PROFETIZAR e DETERMINAR não são sinônimos, mas estão relacionados e são similares. Entretanto, ambos possuem algumas nuances que diferem entre si, o que veremos na análise teológica. Estes atos, contudo, salientam que as mais variadas bênçãos que o cristão profetiza e determina, pela fé, para si mesmo e para outras pessoas, acontecerá.

A seguir, apresentarei uma breve análise histórica, teológica e apologética dos populares atos de PROFETIZAR e DETERMINAR, que se tornaram praticamente uma doutrina no meio evangélico.

1. Análise histórica

O ato de profetizar e determinar bênçãos, tais como milagres, curas, provisão financeira, “portas abertas” e felicidade na vida sentimental têm sua origem na confissão positiva ou movimento da palavra de fé. Juntamente com a autoridade espiritual ou unção especial, que Deus concede a alguns, especialmente aos crentes “profetas” e a libertação das maldições, que incluem a pobreza, doenças e todas as frustrações ou derrotas na vida, esta “doutrina” é um dos pilares que formam a teologia da prosperidade.

Não obstante, conforme muitos acreditam, a teologia da prosperidade não teve a sua origem no movimento pentecostal clássico da primeira fase, que veio para o Brasil em meados de 1910 e, tampouco, no movimento pentecostal da segunda fase, que sucedeu a primeira em meados de 1950. Antes, a teologia da prosperidade e suas doutrinas tiveram sua origem nas religiões sincréticas da nova Inglaterra, que fica localizada nos Estados Unidos, no nordeste do país, bem no início do século 20.

Uma vez que a teologia da prosperidade possui algumas afinidades com a cosmovisão pentecostal, isto é, com suas doutrinas, como a crença em profecias, revelações, sonhos, visões, foi justamente no pentecostalismo, e, por conseguinte, no neopentecostalismo que a teologia da prosperidade e o ato de profetizar e determinar (confissão positiva ou movimento da palavra de fé) tiveram boa receptividade e se destacaram, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Embora Kenneth Hagin (1917-2003) seja considerado o precursor da teologia da prosperidade por muitos de seus adeptos, pesquisas meticulosas realizadas por vários estudiosos renomados demonstraram, de forma inequívoca, que o verdadeiro originador da teologia da prosperidade, ou seja, da prática de profetizar e determinar bênçãos, que faz parte da confissão positiva ou movimento da palavra de fé, foi Essek William Kenyon. Sendo assim, é importante abordar um pouco da história destes dois grandes paladinos da teologia da prosperidade e suas implicações, a saber, Essek William Kenyon e Kenneth Hagin.

a) Essek William Kenyon, o precursor da teologia da prosperidade

Nascido no condado de Saratoga, estado de Nova York, Kenyon (1867-1948) mudou-se na adolescência com os pais para a cidade de Amsterdã, região que fica localizada próximo à fronteira do Canadá. Nesta época, aos 17 anos, ele conheceu o Evangelho em uma igreja Metodista, porém, só se tornou membro da mesma aos 19 anos e, por conseguinte, um evangelista.

Via de regra, em 1892, Kenyon mudou-se para Boston, onde se casou com Eva Spurling, em 1893. Iniciou seus estudos no “Emerson College”, conhecido por ser um centro do chamado movimento “transcendental” ou “metafísico”, que deu origem a várias seitas de orientação duvidosa. Uma das influências recebidas e reconhecidas por Kenyon nessa época foi Mary Baker Eddy, fundadora da “Ciência Cristã”.1

Mais tarde Kenyon foi ordenado pastor na igreja “Free Will Baptist’s” em 1894, onde assumiu uma pequena congregação em Elmira, depois em Springyville e, ainda, em Concord, Nova York. No entanto, em 1898, ele se desliga da igreja Free Will Baptist’s. Em seguida, inicia um novo trabalho na igreja Tabernáculo, em Worcester, Massachusetts. Em 1900 ele foi transferido para a cidade de Spencer, onde fundou o Instiuto Bíblico Bethel, que dirigiu até 1923. Depois disso Kenyon foi para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes no célebre Templo Angelus, em Los Angeles, da evangelista Aimee Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle, e foi um pioneiro do evangelismo pelo rádio, com sua “Igreja do Ar”. As transcrições gravadas de seus programas serviram de base para muitos de seus escritos.6 Além de sua teologia, Kenyon também foi o criador de famosos jargões populares contidos no triunfalismo, como “O que eu confesso, eu possuo” e um dos principais influenciadores dos muitos jargões populares criados no decorrer dos anos pelos adeptos do movimento de fé triunfalista.

b) As influências na teologia de Kenyon

Houve muitos debates acerca da influência de Kenyon na teologia da prosperidade e no movimento da palavra de fé triunfalista (o ato de profetizar e determinar). Conforme vimos anteriormente, quando estudou no Emerson College, em Boston, Kenyon, provavelmente teve acesso ao conhecimento metafísico. As seitas aderentes a metafísica ensinavam que a verdadeira realidade está além do âmbito físico. A esfera do espírito não só é superior ao mundo físico, mas controla cada um dos seus aspectos. Mais ainda, a mente humana pode controlar a esfera espiritual. Portanto, o ser humano tem a capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influência sobre o espiritual, principalmente no que diz respeito à cura de enfermidades. Kenyon acreditava que essas ideias não somente eram compatíveis com o cristianismo, mas podiam aperfeiçoar a espiritualidade cristã tradicional. Mediante o uso correto da mente, o crente poderia reivindicar os plenos benefícios da salvação.2

O Norueguês Geir Lie afirmou em sua tese de mestrado publicada em 1994, intitulada: “E.W. Kenyon: Ministro evangélico ou fundador de culto?” que a doutrina de Kenyon foi influenciada pelos ensinamentos de John Wesley sobre santidade, mas que ele poderia ter sido influenciado também, de certa forma, por traços da metafísica cultual.3 No entanto, segundo pesquisas realizadas pelo Dr. Dale H. Simmons, Kenyon, além de possuir raízes nos ensinos de John Wesley, conforme Geir Lie destacou em sua tese, também foi influenciado pelo Movimento de Vida Superior e pelo movimento do Novo Pensamento. Simmons argumenta que Kenyon poderia ter tido conhecimento de ambos os sistemas.

O Movimento do Novo Pensamento foi uma onda espiritual que surgiu no final do século 19, nos Estados Unidos, obtendo grande eclosão. Este movimento consistia em um grupo formado por instituições religiosas variadas, organizações seculares, escritores, filósofos e pessoas que compartilhavam das crenças metafísicas, as quais enfatizavam os efeitos do pensamento positivo na esfera física, da lei da atração, cura através da força da mente, força vital, visualização criativa e poder pessoal. Segundo a teologia deste movimento, todas as doenças se originam da mente, e que o “pensamento positivo” em face delas produz a cura.

Um dos primeiros e principais originadores do Movimento do Novo Pensamento foi Phineas Parkhurst Quimby (1802-1866). Nascido em Lebanon, Nova Hampshire, Quimby era filósofo e hipnólogo, porém, sofria de algumas doenças. Isso, portanto, o motivou a estudar sobre o assunto, onde desenvolveu algumas ideias. Ele chegou à conclusão de que as doenças têm origem na própria mente do homem por conta de crenças falsas, “e que a mente aberta para a sabedoria de Deus vence a doença”.4 Quimby acreditava que “o corpo era uma casa para a mente do homem. Se havia um "inimigo" (doença ou alguma outra perturbação negativa, ênfase minha) instalado no corpo, isso se dava por uma crença errada da mente. Mesmo com o desconhecimento do portador, a mente é quem adoecia o homem. Desse modo, Quimby prometia entrar na casa e com o poder da mente expulsar o intruso, corrigindo a "impressão errada" pelo restabelecimento da "verdade" na mente.5

Contudo, quando as pessoas possuíam a crença correta, elas desenvolveriam a habilidade de curar suas próprias enfermidades por meio da força de suas mentes. Esta crença da cura pelo poder da mente tinha sua origem na teologia de um Deus amoroso que deseja o bem estar e a felicidade de todos, e de uma realidade espiritual mais profunda e tão real como é a nossa realidade física no mundo. Portanto, de acordo com as pesquisas realizadas de forma acurada, e as informações em pauta, a teologiade Kenyon, de fato, possui traços dos ensinos das seitas transcendentais, metafisicas, do Movimento de Vida Superior e, principalmente do Movimento do Novo Pensamento. 

c) Kenneth Hagin, o propagador da teologia da prosperidade

Se Kenyon foi o pioneiro da teologia da prosperidade e da confissão positiva, Kenneth Hagin foi o divulgador. Nascido em McKinney, no Texas, com um problema cardíaco congênito, Kenneth Erwin Hagin (1917-2003) teve uma infância conturbada. Quando tinha 6 anos, seu pai decidiu abandonar a família. Perto de completar 16 anos, seu estado de saúde piorou, chegando ao ponto de ficar prostrado a uma cama. Foi neste momento doloroso de sua vida que Hagin teve “experiências espirituais” marcantes. Depois de alegar que foi ao inferno e ao céu por três vezes, ele converteu-se a Cristo Jesus.

Hagin afirmou que em 1933 foi “visitado” por Jesus Cristo e curado de sua doença”.7 O seu testemunho tornou-se base para muitas de suas pregações de fé. Após refletir no Evangelho de Marcos 11.23-24, ele concluiu que para a pessoa receber a benção, era necessário “crer”, em seguida “declarar verbalmente a fé” e, finalmente, “agir como se já tivesse recebido a benção”. Em outras palavras, como um tipo de “fórmula mágica”, Hagin acreditava e ensinava que, para receber a benção, bastava tão somente “crer” e “profetizar, determinar ou decretar” com a boca, que aquilo que foi pedido acontecerá.

Em seu testemunho, Hagin descreve que, apesar de muito debilitado fisicamente por conta da doença, ainda assim insistia em ir para a escola, mesmo que muitos o recomendassem a não ir às aulas para permanecer em repouso. Como já havia desobedecido as recomendações médicas, ele acreditava e declarava a sua cura. Feito isso, pouco tempo depois recebeu a benção, isto é, a cura de sua doença.

Em 1934 Hagin começou seu ministério como pregador batista e três anos depois se associou aos pentecostais, em 1937. Recebeu o batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. No mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembleias de Deus e pastoreou várias igrejas no Texas. Em 1949 começou a envolver-se com pregadores independentes de cura divina e em 1962 fundou seu próprio ministério. Finalmente, em 1966, fez da cidade de Tulsa, em Oklahoma, a sede de suas atividades. Ao longo dos anos, o Seminário Radiofônico da Fé, a Escola Bíblica por Correspondência Rhema, o Centro de Treinamento Bíblico Rhema e a revista “Word of Faith” (Palavra da Fé) alcançaram um imenso número de pessoas. Outros recursos utilizados foram fitas cassete e mais de cem livros e panfletos. Hagin dizia ter recebido a unção divina para ser mestre e profeta. Em seu fascínio pelo sobrenatural, alegou ter tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem como diversas outras experiências fora do corpo. Segundo ele, seus ensinos lhe foram transmitidos diretamente pelo próprio Deus mediante revelações especiais. Todavia, ficou comprovado posteriormente que ele se inspirou grandemente em Kenyon, a ponto de copiar, quase palavra por palavra, livros inteiros desse antecessor. Em uma tese de mestrado na Universidade Oral Roberts, D. R. McConnell demonstrou que muito do que Hagin afirmou ter recebido de Deus não passava de plágio dos escritos de Kenyon. A explicação bastante suspeita dada por Hagin é que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos dois.8 

d) Os reflexos da influência dos ensinos de Kenneth Hagin no Brasil

Os ensinos de Hagin não somente influenciaram muitos pregadores norte-americanos, como Kenneth Copeland, Benny Hinn, Frederick Price, John Avanzini, Robert Tilton, Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jerry Savelle, Paul David Yonggi Cho, dentre outros, mas também muitos pastores e pregadores brasileiros. Assim, no início dos anos 80, a teologia da prosperidade e o movimento da palavra de fé triunfalista chegaram ao Brasil por meio de conferências, literatura e vídeos. Rex Humbard, Marilyn Hickey, John Avanzini, Robert Tilton, dave Robertson e Benny Hinn foram os seus divulgadores. Estes pregadores participaram das várias conferências promovidas pela Associação de homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep).

Alguns dentre os muitos pastores e pregadores que abraçaram os ensinos de Hagin no Brasil foram a “apóstola” Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé, o Missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça, o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, o “apóstolo” Renê Terra Nova, do Ministério Internacional da Restauração, o “apóstolo” Miguel Ângelo da Silva Ferreira, da Igreja Evangélica Cristo Vive, o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus vitória em Cristo e o pastor André Valadão, da Igreja Batista Lagoinha. Através destes líderes religiosos supramencionados e de muitos outros, a teologia da prosperidade foi se difundindo ao longo dos anos pelas igrejas de todo o Brasil através do impacto de sermões, livros e vídeos.   

Continua nos próximos dias...
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Notas:
[1] Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da teologia da prosperidade.
[2] Ibid.
[3] Geir Lie. E. W. Kenyon: cult founder or evangelical minister? (2003).
[4] Phineas Parkhurt Quimby.
[5] The Quimby manuscripts.
[6] Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da teologia da prosperidade.
[7] The new international dictionary of Pentecostal and charismatic movements. Michigan, 2003, pág 687.
[8] Alderi de Souza Matos. Artigo: Raízes históricas da teologia da prosperidade

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Fonte: Bereianos

Leia também:
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Coração rebelde



Por John Frame



Pergunta: (a) O que você pode fazer, se é que algo pode ser feito, com a “rebelião do coração”? (b) Você é tentado, testado e experimentado — você quer se arrepender, mas seu coração não quer.

A pessoa descrita na pergunta, evidentemente, não apenas foi “tentada, testada e experimentada”, mas também cometeu pecado. Ou seja, ele ou ela não apenas foi tentado, mas rendeu-se à tentação. De outra forma, não haveria nada de que se “arrepender”. Então a pergunta básica é: o que você faz quando você pecou e você quer se arrepender, mas seu coração não quer? (Enquanto discutimos essa questão, lembre o que “arrependimento” significa. Não é apenas sentir-se mal por seu pecado, mas realmente abandoná-lo e achegar-se a Cristo, assim parando de cometer o pecado.)

Bem, todos nós já tivemos essa sensação às vezes: nós gostaríamos de mudar, mas algo em nós, parece, não quer mudar junto conosco. Nós pensamos nisso como se fosse um carro com problemas: o carro quer andar, mas algo dentro dele, digamos, o carburador, não está funcionando direito, então ele não se mexe. Ou uma pessoa com dificuldades: Alice adoraria jogar tênis, mas as costas dela não deixam ela fazer isso. É assim que se parece, frequentemente, quando nós cometemos pecado. Nós gostaríamos de parar, mas algo em nós (a pessoa que faz a pergunta chama isso de “coração”) não nos deixa parar.

Mas veja só: O “coração”, nas escrituras, não é como um carburador defeituoso dentro de um carro, nem como dor nas costas tornando o corpo de alguém mais lento. O coração (no sentido religioso, é claro, não o órgão físico) é a pessoa no nível mais profundo – o que ele ou ela realmente é. Meu coração sou eu. Seu coração é você. “Rebelião do coração”, então, é rebelião da pessoa. É a minha rebelião e a sua.

Então o coração não é algo dentro de nós que, contrariando nossas melhores intenções, não quer funcionar direito. Um coração rebelde significa que nossas intenções não são boas. Ter um coração rebelde significa nada mais nada menos que isso: nós queremos pecar. A figura de uma “parte” quebrada dentro de nós é uma figura ruim e perigosa, porque é uma forma de dar uma desculpa pelo pecado: “Não sou eu o culpado”, nós pensamos; “esta parte quebrada é que é culpada”. Mas nós é que devemos ser culpados, nós somos responsáveis.

Mas há momentos em que nos sentimos como a pessoa descrita na pergunta: como se nós quiséssemos arrepender, mas não conseguíssemos. Nesses momentos, entretanto, acredito que o verdadeiro problema é mais assim: nós queremos o arrependimento, mas não queremos o suficiente. Nós queremos arrependimento, mas também gostamos do pecado. Nós queremos parar mas, inconsistentemente, nós também queremos continuar pecando. Esta é uma forma mais bíblica de colocar a questão: não um “eu não consigo” mas um “eu não vou”. Desse jeito, aceitamos a responsabilidade em vez de colocá-la em algum “carburador”.


E então, depois de aceitarmos a responsabilidade, o que nós fazemos a respeito? Arrependemo-nos, é claro! Pare de dizer “não consigo”. Isso vem do diabo. Se você é um cristão, você consegue. Peça a ajuda de Deus e peça a ajuda de líderes e outros cristãos se você estiver achando difícil. Mas não desista da batalha. Lembre-se de I Coríntios 10:13: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.” Ouviu isso? “Você pode suportar!” Isso é uma excelente notícia! Não chame Deus de mentiroso. Confie nele e obedeça.


Se você precisa de mais motivação, pense de novo no terrível preço que Jesus pagou para salvar você do pecado. Pense no amor imensurável mostrado por Cristo quando ele morreu por você. Então peça ajuda a Jesus para viver a vida agradando a ele.


Há um sentido no qual uma pessoa não-regenerada não pode mudar. Assim, falamos de “Incapacidade Total”. No entanto, (a) Cristãos não estão nesta posição. Pelo Espírito de Deus, eles podem mudar. E (b) até um incrédulo é responsável por sua incapacidade. Ele “não consegue” porque ele “não vai”, e porque seu “não vou” não pode ser superado, exceto pela graça. Desta forma, até para um incrédulo, o “não consigo” na verdade é um tipo de “não vou”.

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Fonte: Frame & Poythress
Tradução: Daniel TC 
Via: Reforma 21
 

Eu estou realmente louvando a Deus?

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Por Thiago Oliveira


Se pegarmos um dicionário e irmos para a palavra “Louvor” encontraremos o seguinte significado para ela: “Ato de enaltecer alguém ou alguma coisa; elogio, apologia”. Pois bem, quando falamos em louvar a Deus, isso implica em enaltecermos ao Senhor, e essa prática pode ser individual ou congregacional. Hoje o louvor tornou-se sinônimo de música para a igreja contemporânea, todavia, louvar não se resume a cantar. Obviamente, os hinos ou cânticos espirituais podem ser usados com essa finalidade. Encontramos na Bíblia referências a música como parte integrante da liturgia. Paulo aos Efésios dá a seguinte instrução: 

Efésios 5:19 - Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração.

Só que os velhos hinos e os salmos vêm perdendo espaço para as músicas da indústria fonográfica gospel. A invasão de letras e melodias compostas por artistas desse segmento mercadológico começou timidamente nos anos 90, quando tais canções tinham um espaço no culto dividido com os louvores dos clássicos hinários. Aos poucos, o hinário foi ficando obsoleto e em muitas congregações só existem as músicas do gospel. Bem, não irei aqui fazer apologia a Harpa, ao Cantor Cristão e nem nada desse tipo, até porque alguns dos hinos antigos também apresentam equívocos teológicos e estão obsoletos em seus vocabulários e arranjos sonoros. 

O grande problema é que o Gospel é um tipo de música feito com o intuito de vender. Enaltecer a Deus não é a primazia. Daí você me diz: “Estás julgando”. Ao que eu respondo: “Sim, estou”. O julgamento é uma análise e para um bom discernimento é preciso estudar os frutos. Vamos lá. Reparem nas músicas cantadas no próximo culto e vejam quantas delas tem Deus como sendo o cerne das letras e quantas tem o homem no centro. Gostaria de listar alguns exemplos.

Uma das canções mais antropocêntricas que já ouvi (e o clipe ajuda bastante) é “Cheio do Espírito Santo”, gravada por Thalles. Eis um trecho:

Vou dizer, quem sou eu/Ahhhh/Cheio de graça/Cheio da bênção/Cheio do fogo/Cheio do manto/Fica a vontade, chega mais perto/Chega buscando/Chega dando glória, e dá lugar irmão.

É perceptivo que o “eu” é o objeto de louvor. Outra música que vai na mesma direção é “Nada pode calar um adorador” cantada por Eyshila. Observem o refrão:
Adorar é o que sei/Adorar é o que sou/Nada pode calar um adorador/Não existem prisões/Que contenham a voz de quem te adora, oh Senhor.

Não estou fazendo uma refutação teológica dessas canções. Apenas atento para o fato de que elas não são litúrgicas. Até aceito alguém dizer que é um adorador e que ninguém cala um adorador, mas tal afirmação não coaduna com o louvor a Deus. Para não dizer que sou um crítico desonesto, usarei um exemplo positivo de uma música gospel (uma rara exceção) que glorifica ao Senhor e pode ser usada como adoração congregacional. Trata-se de Senhor e Rei, do grupo Toque no Altar:

Acima de Todos /acima de tudo/Está o Senhor entronizado/Os anjos e os homens/os céus e a terra/Montanhas e mares declaram quem tu és/Tu és Senhor e Rei/Governas sobre o universo/Justo e fiel/vestido de glória e poder/Coroado estás/Pra sempre reinarás.

Nosso louvor deve ser para enaltecer a Deus tanto pelo que Ele faz, mas sobretudo pelo que Ele é. Não são apenas os atos do SENHOR que devem ser louvados, os Seus atributos também. É isso que vemos fazer Moisés (Êxodo 15) e Maria (Lucas 1) com seus cânticos. Da mesma forma os diversos Salmos, dentre eles os compostos pelos coraítas (por exemplo o Salmo 48). Não poderíamos aqui esquecer de um cântico da igreja primitiva que o apóstolo Paulo registra em sua epístola aos irmãos de Roma:

Romanos 11:36 - Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.

Agora vejam o contraste entre o versículo acima e a letra “Conquistando o Impossível” gravada e cantada por Jamily:

Campeão, vencedor/Deus dá asas, faz teu voo/Campeão, vencedor/Essa fé que te faz imbatível/Te mostra o teu valor/Tantos recordes/Você pode quebrar/As barreiras/Você pode ultrapassar/E vencer.

É uma canção extremamente humanista com um apelo motivacional que enfatiza tanto os atributos do ser humano que diz que a fé (não necessariamente salvífica) mostra o valor da pessoa e não o valor do Deus que “dá as asas” para que o homem possa “voar”.

A grande falha nos “louvores” atuais é tirar o foco da majestade e da grandeza do nosso Deus para dissertarem acerca dos dilemas humanos, das tribulações da vida ou até mesmo a exaltação do cristão como se ele por si só fosse o responsável por perseverar em meio as lutas e tentações. Por isso, quando você estiver no culto, quando começar o período de louvor faça a seguinte pergunta a si mesmo: Eu estou realmente louvando a Deus?

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Divulgação: Bereianos
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Quando o Pastor Presbiteriano não cumpre seus votos de ordenação

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Por Heitor Alves


Uma das perguntas feitas ao candidato ao Sagrado Ministério, bem como aos candidatos ao presbiterato e ao diaconato, é esta: “Recebeis e adotais sinceramente a Confissão de Fé e os Catecismos desta Igreja (IPB), como fiel exposição do sistema de doutrina, ensinado nas Santas Escrituras?” E o candidato responde: “recebo, sim, senhor”.

Esta pergunta dá-nos a entender que ninguém pode ser ministro, presbítero ou diácono da IPB, se não aceitar as Escrituras Sagradas e os Símbolos de Fé da Igreja. Quando o candidato faz estes votos, deve fazê-los com a intenção de cumpri-los, pois, eles se revestem de grande importância porque foram feitos diante de Deus e da Sua Igreja. A Confissão de Fé de Westminster no capítulo XXII que trata dos juramentos legais e dos votos afirma que “quem vai prestar um juramento deve considerar refletidamente a gravidade de ato tão solene, e nada afirmar de cuja verdade não esteja plenamente persuadido, obrigando-se tão somente por quilo que é justo e bom... e por aquilo que pode e está resolvido a cumprir. É, porém, pecado recusar prestar juramento concernente a qualquer coisa justa e boa, sendo ele exigido pela autoridade legal... o juramento deve ser prestado... sem... restrição mental... o voto é da mesma natureza que o juramento promissório; deve ser feito com o mesmo cuidado religioso e cumprido com igual fidelidade.” Apesar desta declaração, infelizmente, muitos que fazem estes votos têm fracassado em cumpri-los.

Certo pastor, presidente de um dos presbitérios da IPB, afirmou: “Se dependesse de mim já teria jogado a Confissão de Fé no fogo”. Este pastor, claramente não tem nenhum interesse pela doutrina reformada apresentada nos nossos símbolos de fé. Ele não tem respeito pelas doutrinas professadas por sua igreja. Eu seria até mais rude e diria que tal pastor é leviano.

John Murray afirmou: “Frequentemente tem-se argumentado que a mensagem cristã precisa ser adaptada ao homem moderno... mas, é muito mais verdadeiro e importante argumentar que o homem moderno é que tem que se adaptar ao evangelho”[1]. O pastor que faz seu voto na fé reformada, não tem por tarefa pregar para ser agradável, nem para reunir multidões, nem para entreter, nem para acomodar a teologia às pessoas da presente era. A tarefa do pastor reformado é ser preciso no ensino da doutrina da graça: Ele tem que ensinar ao seu povo o que é adoração conforme a Palavra de Deus, e precisa proibir tudo aquilo que a Escritura não permite, por mandamento explicito ou por exemplos claros.

Muitos estão hoje abandonando os símbolos de fé da Igreja, simplesmente para acomodar sua mensagem aos ouvintes. A pergunta que todo pastor precisa fazer a si mesmo é: Qual é a área de primordial importância em meu ministério? A resposta a esta pergunta é: Para o pastor reformado a sua área de importância primordial é a teologia que assumiu nos votos da sua ordenação.

O pastor Paulo Anglada no livro Sola Scriptura, pagina 21, diz:

Subentende-se, por exemplo, que a fé e prática de todo pastor presbiteriano seja a mesma. Teoricamente, pelo menos, um pastor presbiteriano, ao aceitar um convite de uma igreja, pode estar certo de que não deverá haver substancial discordância doutrinária, visto que o conselho subscreve á mesma Confissão de Fé. Isso deveria dar tranqüilidade aos membros de uma igreja, pois sabem que não lhes serão impostas doutrinas ou práticas substancialmente diferentes das que estão registradas nos seus símbolos de fé. Os Credos e Confissões de Fé são, portanto, uma garantia de que a fé e prática da igreja não serão mudadas ao bel-prazer do subjetivismo, pragmatismo ou idiossincrasias de pastores ou conselhos. Uma igreja sem Confissão é como um partido sem ideologia, como uma sociedade sem estatuto, ou como um país sem constituição. Não há coerência, nem unidade, nem estabilidade, nem fidelidade, nem disciplina.

O pastor Herminsten Maia Pereira Costa, no livro “Eu creio: No Pai, no Filho e no Espírito Santo”, páginas 13,14 diz:

No Brasil, quando nossa Igreja foi iniciada, o ensino dos símbolos de fé de Westminster teve um papel importante. Hoje, em nome de um suposto “pluralismo” supostamente acadêmico, o que podemos perceber é um enfraquecimento desta ênfase, mesmo nos Seminários ditos reformados, acarretando um desfiguramento doutrinário por parte de muitos de seus pastores e consequentemente, dos membros da igreja.

Todo ministro presbiteriano deve ter compromisso com a teologia de Westminster; teologia esta, que ele prometeu pregar quando foi ordenado. Se todo pastor presbiteriano e conselhos de igrejas, se apegassem à teologia de Westminster que é bíblica, que é o verdadeiro evangelho, não teríamos a influência do pentecostalismo, nem do neo-pentecostalismo, nem do liberalismo e nem do arminianismo em nosso meio. Mas, em nome do crescimento da igreja, a boa teologia é jogada no lixo, e práticas estranhas, esquisitas e mundanas são colocadas no culto. Para atrair multidões, vale tudo: Brincadeiras, gincanas, entretenimentos, dança, jogo de luz, grupo de coreografia, teatro, etc.

Quanto a isto, o pastor Paulo Anglada, no livro “O Princípio Regulador do Culto”, páginas 22, 23, citou Charles Haddon Spurgeon nestas palavras:

O diabo tem raramente feito alguma coisa mais sagaz do que sugerir à igreja que parte da sua missão consiste em proporcionar entretenimento ao povo, com vista a ganha-lo... Em nenhum lugar nas Escrituras é dito que promover divertimento para as pessoas é função da igreja. Se isso fosse função da igreja, por que Cristo não falou sobre isto?...” Ele concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres” para a obra do ministério. Onde se incluem os que entretêm pessoas?... Se Cristo tivesse introduzido mais elementos festivos e agradáveis à sua missão, Ele teria sido mais popular, quando as pessoas se afastavam Dele por causa da natureza perscrutadora e penetrante do Seu ensino. Mas eu não o ouço dizendo: “corre atrás dessas pessoas Pedro, e diga a elas que teremos um estilo de culto diferente amanhã, algo mais breve e atrativo, com pouca pregação...” Jesus se compadecia dos pecadores, preocupava-se e chorava por eles, mas nunca procurou diverti-los.

Cremos que temos uma excelente opção, para não cairmos nesses erros: Qual é? É seguirmos a recomendação que Paulo deu a Timóteo, e seguirmos o exemplo de Cristo e Seus apóstolos. Ou seja, tanto Cristo como os apóstolos se envolveram com a pregação sadia da Palavra e viviam de acordo com a Palavra. Assim a igreja hoje, deve pregar a Palavra. Esta é a tarefa da igreja (Mc 1.38; At 8.4; 2 Tm 4.2).

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Nota:
[1] Prólogo: HODGE, A. A. Confissão de Westminster - São Paulo - Puritanos-1999-p. 4.

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Artigo postado originalmente no antigo site Eleitos de Deus que infelizmente saiu do ar.
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Os símbolos de fé e a herança reformada

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Por Thomas Magnum


No contexto que vivemos hoje na história da igreja moderna é consideravelmente estranho para muitos ler a afirmação que os símbolos de fé são relevantes para nosso contexto teológico e histórico. Vivemos num emaranhado de sofismas e aberrações ideológicas e doutrinárias, que vem maculando a seriedade doutrinária de muitas denominações que vieram de uma tradição reformada, mas, que hoje estão imersas no sincretismo religioso que impera no Brasil. Diante dessa tela, afirmar que precisamos reexaminar e valorizar os símbolos de fé não é nostalgia nem anacronismo. O mesmo motivo que levou a igreja a formulação de seus documentos doutrinários é o que nos leva a afirmar que a observância e zelo por tais documentos são importantes para a igreja. Não é meramente a guarda de tradições humanas. Os credos, confissões, catecismos e cânones devem ser enfatizados como uma compilação útil da doutrina bíblica para a igreja do Senhor.

O que são os símbolos de fé?

O vocábulo símbolo vem do grego, súmbolon, que significa basicamente “lançar junto” dando a entender um sinal, marca que caracteriza alguma coisa. Essa palavra é usada com o sentido de acordo ou sinal. Quando nos referimos aos símbolos de fé estamos falando de um “sinal” da sã doutrina. Podemos entender também os símbolos de fé como resumos sistemáticos das verdades fundamentais do Cristianismo. São declarações formais da fé cristã. [1]

Há quatro tipos principais de símbolos de fé: credos, confissões de fé, catecismos e cânones. 

Os credos são declarações de fé resumidas, a igreja antiga produziu os mais conhecidos antes da divisão da igreja cristã em ocidental e oriental. Exemplo: o Credo Apostólico, Credo Niceno, Credo de Atanásio. 

A diferença do credo para a confissão de fé é basicamente seu detalhamento, extensão e o período histórico que foram produzidas. Enquanto os credos foram feitos na igreja antiga, as confissões são produto da reforma ou de igrejas herdeiras da reforma. Podemos citar a Confissão Escocesa, Confissão de fé Belga e de Westminster. 

Os catecismos tem uma finalidade pedagógica no ensino da igreja, é estruturado em perguntas e respostas. Os Catecismos podem ser maiores ou breves. Temos o Catecismo de Lutero, Catecismo de Heidelberg e os Catecismos de Westminster.

Os Cânones são decisões oficiais da igreja em concílios quanto a doutrinas especificas, a exemplo temos os Cânones de Dort com a questão dos Remonstrantes. 

Qual a importância dos Símbolos de fé

Podemos designar a utilidade dos símbolos frisando alguns propósitos.

Propósito Doutrinário

Desde a morte dos Apóstolos a igreja tem confessado o Evangelho pregado por Cristo e seus discípulos; como já vimos através dos credos. Com isso podemos apontar a preservação da doutrina bíblica como o primeiro fator.  Dr. Paulo Anglada nos diz:

Nos quatro primeiros Séculos, foram definidas especialmente questões teológicas propriamente ditas (sobre a Trindade) e cristológicas (sobre a pessoa de Cristo). Posteriormente, no quinto século, as doutrinas antropológicas do pecado e da graça de Deus foram discutidas (especialmente por Agostinho e Pelágio). A soteriologia só foi devidamente discernida e definida durante a Reforma Protestante do século XVI. A eclesiologia foi mais debatida nos séculos XVII e XVIII. 

Dentro desse desenvolvimento histórico e doutrinário, é importante pontuarmos também a questão apologética, essa afirmação doutrinaria leva automaticamente a uma ênfase  de defesa da fé, a igreja defendendo os valores teológicos ensinados na Palavra de Deus.

Propósito didático

Não só as confissões e credos têm sido usados no ensino religioso, mas, principalmente os catecismos que tem sido de grande utilidade na educação de crianças. Pelo fato da praticidade e organização pedagógica, os catecismos tem servido como uma grande ferramenta para a instrução do povo de Deus. Tanto o aprendizado cristão como a orientação eclesiástica para liturgia e sacramentos da igreja tem sido de grande valor. Por isso é importante que cada denominação tenha sua confissão doutrinária, para que haja uma unidade no ensino, no ministério, na comunhão.

A Base Bíblica  

No antigo testamento vemos a orientação de Deus ao seu povo em relação ao ensino dos pequeninos:

E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos e delas falarás sentado em casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te. Também as amarrarás como sinal na mão e como faixa na testa; e as escreverás nos batentes da tua casa e nas tuas portas. Dt 6. 6-8 

No Novo testamento temos uma ênfase na confissão da nossa fé, como declaração das verdades da Palavra, isso significa que não é somente a afirmação da religião, mas, a manifestação confessional da doutrina de Cristo.

Antes, reverenciai a Cristo como Senhor no coração. Estai sempre preparados para responder a todo o que vos pedir a razão da esperança que há em vós. I Pe 3.15
Porque, se com a tua boca confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo; pois com o coração é que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Rm 10.9-10
Trava o bom combate da fé. Apodera-te da vida eterna, para a qual foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas. I Tm 6.12
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Hb 4.14

Podemos ver claramente nesses textos que a confissão da igreja já era de grande importância, mesmo não tendo os atuais documentos confessionais. Podemos ver isso na carta de Paulo aos Coríntios:

Porque primeiro vos entreguei o que também recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; e foi sepultado; e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; e apareceu a Cefas, e depois aos Doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, e a maior parte deles ainda vive, mas alguns já faleceram. Depois apareceu a Tiago, e a todos os apóstolos. I Co 15. 3-7

O Conceito Bíblico de Confessionalidade

Ao tratarmos o assunto da confessionalidade, não podemos embargar num conceito puramente formal, ideológico ou epistemológico. Quando encaramos assim (e muitos encaram) reduzimos a confessionalidade Bíblica a redundância de meros documentos, essa não é a essência da confissão cristã. O confessar vai além da crença teológica, não é mera profissão, mas, algo com o modo de agir em relação a ela. Por outro lado o fato de verbalizar é decorrência da encarnação da mensagem do Evangelho na igreja. O Salmo 116.10 diz: Cri por isso falei. A boca fala do que o coração está cheio, essa materialização deve ser valorizada e estimulada. 

O verbo grego homologeo, do qual deriva nosso verbo confessar, significa literalmente “falar a mesma linguagem”, “concordar com”, confessar. Uma confissão é uma declaração de concordância com o conteúdo do que é afirmado nas Escrituras. [2]

É interessante citar Calvino e o que ele diz acerca da confissão.

Primeiro, voltaremos à passagem de I Tm 6.12
Trava o bom combate da fé. Apodera-te da vida eterna, para a qual foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas.
Entendo confissão, aqui, no sentido não de algo expresso verbalmente, mas, de algo realizado de forma concreta, e não numa única ocasião, mas ao longo de todo o seu ministério. Pois Cristo não fez sua confissão diante de Pilatos pronunciando um discurso, mas de forma concreta, sofrendo a morte em voluntária submissão. Pois ainda que Cristo tenha decidido manter silêncio diante de Pilatos, em vez de abrir a boca em sua própria defesa, já que chegara ali resignado a uma condenação predeterminada, no entanto havia em seu próprio silencio uma defesa de sua doutrina não menos magnificente que se houvera defendido sua causa pronunciando um discurso. Pois ele a ratificou com o próprio sangue e com o sacrifício de sua morte melhor do que com o uso de palavras. [3]

Devemos, portanto sublinhar esse conceito com a cor do pacto, a confissão primeiramente é fato interior que é sustentada pelo autor e consumador da fé. Posteriormente essa confissão é grafada com base nas Sagradas Escrituras.

Conclusão

Podemos finalizar com as palavras do Rev. José Alves dos Santos

1- A confessionalidade faz parte da natureza da fé e, por extensão, da igreja que professa a fé.

2- O conteúdo da fé tem sido demonstrado através de Credos, Confissões e declarações ao longo da história da igreja.

3- Esses Credos e confissões da vertente reformada se caracterizam não só pela aceitação das doutrinas que são comuns aos demais ramos protestantes, mas por outras especificas, geralmente conhecidas como as doutrinas da graça, devido a forte ênfase na soberania de Deus em todos os aspectos de seu trato com a criação e especialmente com o homem.

4- A confessionalidade tem seus limites. Ela nunca deve ser colocada em pé de igualdade com as Sagradas Escrituras, pelas quais deve ser julgada e aferida. [4] 

Soli Deo Gloria

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Notas:
[1] Sola Scriptura, Paulo Anglada. Ed. Knox.
[2] A Glória da Graça de Deus, Org. Franklin Ferreira. Ed. Fiel
[3] As Pastorais, João Calvino. Ed. Fiel.
[4] A Glória da Graça de Deus, Org. Franklin Ferreira. Ed. Fiel

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Imagem: Assertion of Liberty of Conscience by the Independents of the Westminster Assembly of Divines, 1644, by John Rogers Herbert; adaptada para o blog Bereianos.
Divulgação: Bereianos
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Igreja, um corpo e uma organização

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Por Renato César


Nos últimos anos, com o crescente aumento das megaigrejas, cujos líderes passaram a povoar programas televisivos com objetivos supostamente evangelísticos, cresceu também a rejeição de muitos adeptos de outras religiões, dos que se denominam ateus e até mesmo dos próprios evangélicos aos persistentes apelos financeiros desses líderes religiosos.

Na contramão do discurso de “promessas de bênçãos divinas para os dizimistas fiéis” surgiram grupos de evangélicos, muitos dos quais decepcionados com as instituições religiosas e seus líderes, apregoando o ensinamento de que o dízimo não é para os cristãos, mas uma prática restrita ao povo judeu do Antigo Testamento. Esse novo grupo de cristãos tem ganhado cada vez mais espaço, especialmente entre os “sem igreja”, e atraído mais e mais crentes.

A despeito da validade ou não dos argumentos, o fato é que essa nova ala de evangélicos não-dizimistas está evoluindo em seus argumentos, caminhando exatamente na contramão do discurso tradicional do templo sagrado como local onde o povo de Deus deve se congregar, bem como tem combatido ardorosamente a atual estrutura em que está envolto o ambiente eclesiástico, especialmente no que diz respeito à remuneração de pastores.

Não tenho a intenção de discutir aqui a fundamentação bíblica do dízimo para os cristãos, e nem se pastores devem ou não ser remunerados. Esse embate esconde um viés ainda mais preocupante. Refiro-me ao extremo ao qual alguns cristãos tem chegado ao se posicionarem contra qualquer tipo de institucionalização da igreja, contrapondo-se à histórica prática cristã de reunião em templos. Os mais radicais condenam qualquer forma de ajuntamento que implique organização, ou seja a existência de um líder e de uma estrutura administrativa. Uma igreja não organizada formalmente não teria despesas administrativas, incluindo pastores, e logo poderia ter todos os seus recursos destinados a causas mais nobres que manutenção dela mesma, argumentam.

Muitas das críticas feitas à forma como as igrejas se tem portado são pertinentes, e eu mesmo estou entre aqueles que reprovam a maneira pouco eficaz e, muitas vezes, nada honesta como o dinheiro tem sido gerido pelas igrejas institucionalizadas. Mas seria a solução jogar para o ar todo tipo de estrutura administrativa montada em torno da pregação do evangelho? Organizações eclesiásticas trazem realmente mais malefícios que benefícios ao Reino de Deus na Terra?

Quando um grupo de cristãos está reunido, Deus está presente entre eles como está em qualquer outro lugar. Se essas pessoas são apenas um grupo, então elas irão se reunir com objetivos próprios e voltar para suas casas. Alguns poderão alcançar seus objetivos, outros não, mas isso não deverá interferir na estabilidade do grupo. Contudo, se esse ajuntamento não for só um grupo, mas uma equipe, isso significa que as pessoas têm objetivos em comum, que irão direcionar todo o grupo para um objetivo que é de todos. Isso tornará necessário a existência de um líder, e também de uma organização mínima do recursos que permita haver uma combinação de esforços mútuos num mesmo sentido. Agora pense: qual desses dois se parece mais com o corpo de Cristo?

O corpo de Cristo é sua igreja, que tem muitos membros exercendo diferentes dons, que se complementam a fim de que o corpo seja perfeito. Como bem ensinou o apóstolo Paulo em 1Co 12, o corpo de Cristo possui muitos membros, cada um com seu papel, de modo que são todos importantes. Isso é uma equipe! Pessoas com tarefas específicas (dons) trabalhando em torno de um objetivo (proclamação do evangelho) sob a autoridade de um líder (Cristo).

Dessa forma, se servimos a Deus com tudo que temos, devemos servir também com nossos recursos financeiros. Mas se cada um usa seu dinheiro como bem entende, de modo que uns escolhem doar para organizações de caridade, outros para projetos missionários específicos, e ainda outros para a igreja, temos que não há neste caso organização, nem muito menos uma equipe, mas tão somente um grupo de pessoas que se reúnem, e isso não representa o que realmente é o corpo de Cristo.

É claro que ninguém está impedido de contribuir de forma particular e com fins diferenciados, mas deve haver um mínimo de sincronismo entre aqueles que se reúnem num mesmo ajuntamento, no sentido de reunir recursos humanos e financeiros para a consecução de um objetivo comum a todos, pois isso não somente é mais coerente com a ideia de corpo, como também mais eficiente. Dois separados são apenas dois, mas juntos eles podem ser mais. Isso se chama sinergia.

Não à toa existem redes de supermercados ou ocorrem fusões de grandes empresas. Quase todos sabem que unidos podem fazer mais que sozinhos. Falta aos cristãos "modernos" saberem disso também, e tentarem encontrar um meio termo entre suas indignações e a missão da igreja, que poderá ser mais eficazmente realizada se nos concentrarmos em trabalhar juntos, apesar de nossas diferenças e pecados.

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Sobre o autor: Renato César é cristão reformado, formado em administração de empresas e teologia, membro da IPB - Fortaleza/CE. Contatos: renatocesarmg@hotmail.com

Divulgação: Bereianos
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