Qual o motivo da sua fé?

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Por Leonardo Dâmaso

Introdução

O capítulo 6 do evangelho de João começa com o evento da multiplicação dos pães e peixes. Uma multidão de mais ou menos 20 mil pessoas, contando com homens, mulheres, idosos e crianças foram alimentadas miraculosamente a partir de 5 pães e 2 peixes em um monte nas proximidades do mar da galiléia, em Betsaida.

Mais tarde, Cristo se retirou sozinho para o monte enquanto seus discípulos desceram para o lago e foram de barco em direção a Carfanaum, até o outro lado do mar da Galiléia. Contudo, eles foram surpreendidos por uma terrível tempestade. Naquela mesma noite Jesus se juntou aos discípulos andando sobre as águas. O barco chegou a Genasaré (Mc 6.53), onde dali retornaram para Carfanaum.

No dia seguinte, a multidão que seguiu Jesus até Betsaida, que havia sido alimentada no dia anterior foi procurar por ele, porém não o acharam. Então, eles ficaram aguardando ali, depois de Jesus se retirar (6.15) na esperança de que retornasse (6.22). Jesus, entretanto, não retornou, e seus discípulos foram para o outro lado do lago.

Quando a multidão percebeu que Jesus não voltaria, eles tomaram alguns barcos em Tiberíades (6.23) e foram para Cafarnaum à sua procura (6.24). Sendo assim, o encontraram na sinagoga da cidade (6.59).

A interação de Jesus com a multidão é percebida em pelo menos seis seções, onde cada uma delas é introduzida por uma pergunta ou uma reação dos ouvintes. Passo a passo ela se define com a questão do pão da vida.

Argumentação

A multidão estava curiosa para saber como Jesus fugira deles, e, desse modo, a primeira pergunta foi: Mestre, quando chegaste aqui?” (6.25). Ao dizer “aqui”, eles se referiam a Cafarnaum, onde encontraram Jesus.

Vejamos, agora, a relevância do texto que lemos relacionado ao motivo da fé da multidão que seguia a Cristo.

A palavra motivo é uma razão escondida ou um desejo propulsor que inicia, sustenta e justifica uma atitude. Toda atitude humana é produto de um motivo. Nos alimentamos pelo motivo de saciar a fome; trabalhamos pelo motivo de sobrevivência, para sustentar a nós e nossa família; estudamos e lemos para adquirir conhecimento.

E por que o motivo é tão importante na questão da fé?

Porque ele nasce de nossas crenças e convicções. Uma fé e um entendimento equivocado de Deus e das Escrituras geram um motivo equivocado, atitudes equivocadas e uma vida cristã que não condiz com os ensinamentos de Jesus.

Vamos ao motivo da fé da multidão:

1. Motivações individuais (6.26)

Jesus responde a multidão de pessoas questionando e criticando o motivo de o haverem procurado. A razão principal deles não era por estarem impressionados com o milagre da alimentação dos 5 mil, mas porque gostaram de ser alimentados. A maior preocupação deles era o desejo superficial de alimento, uma vez que a maioria das pessoas que seguiam a Jesus eram pobres.

Aquelas pessoas não entenderam os sinais que apontavam para Jesus como o Messias espiritual, o filho de Deus. Eles não perceberam que o sinal é:
Uma obra de poder operada no reino físico, ilustra um princípio que opera no reino espiritual; o que acontece no reino da criação apota para a esfera da redenção.

Será que temos buscado a presença de Deus, indo na igreja e orando apenas com o interesse e a esperança de que Deus pode satisfazer as nossas motivações individuais? Estamos mais focados nas coisas superficiais e materiais como dinheiro, carro, casa, comida, roupa ou nas coisas espirituais? (Cl 3-1-2).

Qual o motivo da nossa fé? A maioria dos crentes hoje buscam a Deus por aquilo que Ele pode proporcionar a eles. Cristo pode curar suas doenças, prosperar financeiramente, dar o melhor emprego, o melhor salário, dar uma esposa ou esposo dentre outras coisas.

2. Prioridade incorreta (6.27)

Define-se prioridade como:

      a) A coisa principal.
      b) Fazer primeiro o mais importante.
      c) Determinar o que é essencial.
      d) Enfocar aquilo que vem em primeiro lugar.
      e) Colocar em ordem de importância.
      f) Estabelecer mais valor sobre algo.
      g) A primeira coisa dentre muitas.

Prioridade correta, qualidade de vida, ações e comportamento correto; Prioridade incorreta, qualidade de vida, ações e comportamento incorreto.

Jesus, aqui, mostra para o povo que eles deveriam ter motivos mais nobres do que noções materialistas, dizendo: Trabalhai não pela comida que perece, como a que ele lhes dera em Betsaida, mas pela que subsiste para a vida eterna” (6.27a). Uma comida muito mais importante é aquela que o filho do homem vos dará” (6.27b).

O verbo “dar” está vinculado ao verbo “trabalhar”. Cristo dará essa comida aos que trabalhem por ela. A autoridade de Jesus para proporcionar esse alimento é baseada no fato de que Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo (6.27c). Jesus está autorizado a prover a comida que nos dá a vida eterna.

O Senhor prometeu que nos abençoaria e nos daria o que precisássemos para viver (Mt 6-31-33). Entretanto, as bênçãos não devem ser o motivo de nós o seguirmos. É isso o que Ele quis dizer nessas palavras no versículo 27. Todavia, e se Jesus não te der o que você mais necessita hoje? Você vai virar as costas para Ele e procurar outras coisas?

Quem sabe você, em seu modo de pensar, pode dizer que está precisando ficar rico, pois assim você pagaria todas as suas dívidas, sairia do aluguel, iria morar num lugar melhor; ou seja, sua vida mudaria totalmente. Mas Jesus não prometeu que vai dar riquezas para os crentes, antes, Ele prometeu nos dar a vida eterna que sobrepuja todo o dinheiro do mundo.

Em outra palavras, quando o Senhor disse para trabalharmos pela comida que subsiste para a vida eterna, Ele estava dizendo: Treine, se exercite para melhorar ou desenvolver melhor a sua espiritualidade, a sua vida cristã, a sua comunhão com Deus. Se esforce para isso; se empenhe com diligencia para as coisas espirituais. Este é o significado de trabalhar.

A multidão percebeu a importância da palavra “trabalhar”, e isso levou a mais uma pergunta.

Que obras são aceitáveis ao Senhor?

3. Visão equivocada (6.28-29)

Jesus queria que a multidão trabalhasse pelas coisas que são corretas. Eles precisavam de uma lista dessas coisas, daí a pergunta: Que faremos para realizar as obras de Deus?” (6.28). Ou seja, que obras alguém pode fazer para merecer o favor de Deus?

No entanto, eles pensavam que Jesus estava exigindo deles um conjunto de regras e atitudes para receber a vida eterna, as quais eles achavam que não conseguiriam realizar, enquanto Jesus havia mencionado apenas uma “obra”. A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por Ele foi enviado” (6.29). Essa vida é caracterizada pelo continuo exercício da fé em Jesus.

A salvação é de graça, e vem pela fé, e até mesmo essa fé é obra ou dom de Deus, embora exercitada por um ser humano responsável (Ef. 2-8). A única obra que Deus deseja é a fé ou confiança em Cristo. A “obra” requerida por Deus é crer em Jesus.

A resposta de Jesus surpreendeu a multidão. Tratava-se de um novo ensinamento que os levou a perguntar sobre a autoridade que ele tinha para fazer tal declaração.

Que sinal fazes?

Esta foi uma pergunta estranha e desnecessária para quem tinha acabado de ver o milagre da multiplicação dos pães (6.10-14).

4. Incredulidade e antropocentrismo (6.30-33)

a) Incredulidade é descrença; é não acreditar em alguma coisa como verdade. A multidão não acreditou na mensagem de Jesus.

b) Antropocentrismo é um sistema filosófico que considera o homem como o centro de tudo. A multidão supervalorizou Moisés mais do que o próprio Deus.

A multidão queria que Jesus provasse a veracidade de suas declarações. Talvez o raciocínio deles fosse este: Moisés nos deu uma lista de regras para obedecermos, a fim de agradar a Deus. Agora você (referência a Jesus) diz que não há regras a cumprir, mas basta apenas acreditar naquele que Deus enviou. Não podemos simplesmente acreditar em você e esquecer Moisés, a não ser que faça um milagre maior que o de Moisés, aí, quem sabe, podemos até acreditar. Ele fez cair o maná do céu (Sl 78-24), e você, o que pode fazer?

A lógica da multidão parece ser que a alimentação milagrosa operada por Jesus fora um milagre pequeno comparado ao que Moisés fizera. Para crer em Jesus, eles precisavam vê-lo alimentar a nação de Israel inteira na mesma proporção que Deus fizera quando enviou o maná e alimentou toda ela durante a peregrinação pelo deserto ao longo de 40 anos (Ex 16-11, 36).

Hoje acontece o mesmo na igreja. Muitos crentes tem uma admiração exacerbada por cantores gospel, por pastores, por conferencistas. É uma espécie de idolatria moderna, onde em vez da imagem de escultura, adoram o ser humano. Isso é pecado! Isso é tietagem! 

Jesus imediatamente corrigiu o pensamento da multidão (6.32), dizendo que não foi Moisés quem providenciou o pão, mas, sim, Deus Pai, o mesmo Pai que agora dá o verdadeiro pão do céu. Existe uma diferença entre o maná que Deus concedeu aos israelitas no deserto e o pão que oferecia agora.

O maná servia a um propósito temporário, material, assim como as bênçãos de Deus são temporais. O que Jesus estava oferecendo agora era o pão verdadeiro, o que é eterno em oposição ao que é apenas uma sombra ou um tipo. O pão oferecido no deserto antecipou o sustento perfeito que Deus iria prover em mandar o seu filho encarnado em que há vida eterna.

O novo pão é uma pessoa. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo (6.33). Isso descreve Jesus, quando Ele disse que era “enviado pelo Pai”, e que Deus quer que os seus se alimentem desse pão que é eterno.

Infelizmente vemos hoje no seio da igreja uma desvalorização, um desinteresse muito grande das pessoas pela palavra de Deus, pelo conhecimento da mesma. Muitos crentes não gostam de vir em cultos onde é ensinado a palavra de Deus expositivamente; muitos não tem o interesse pela teologia, não gostam de ler livros e muito menos a própria Escritura.

5. O foco de fé

O pedido da multidão em (6.34) baseava-se numa compreensão parcial do que Jesus havia dito. Eles entenderam que o pão de que Ele falava era superior ao maná que os israelitas haviam comido, num sentido físico, exatamente como Nicodemos entendeu acerca do novo nascimento (3.4). Eles não perceberam que o pão da vida não era para alimentar o estômago, e, sim, a alma do homem.

Estamos buscando Jesus ou sinais, as maravilhas, a bênção, os milagres, a prosperidade? A nossa confiança está em Cristo, o pão da vida, ou está na satisfação do pão da benção? É perigoso confiar em milagres porque são efêmeros, isto é, um dia acaba – são de pouca duração.

Percebendo que a multidão tinha dificuldades para entender, Jesus decidiu falar mais claramente: Eu sou o pão da vida” (6.35a). Relembrando as palavras de Êxodo 3-14, constituí-se, assim, uma afirmação implícita da divindade. Ele é o pão, a sua palavra é o pão que alimenta o espírito do homem e verdadeiramente concede vida espiritual. 

Quando cristo diz em (6.35b) – O que vem a mim jamais terá fome, ele pressupõe que a união espiritual dos crentes, da qual nos fala os versículos 53 -58, é um vínculo espiritual de fé. Na parte final do versículo 35 – E o que crê em mim jamais terá sede, Jesus apresenta as metáforas que são desenvolvidas nos versículos 53-58.

Aquele que vai a Jesus, ou seja, que acredita nEle, jamais terá fome e sede. O advérbio jamais ressalta que Cristo oferece a oportunidade infalível de uma vida espiritual satisfatória. O assunto até aqui foi o pão, mas agora é mencionado a sede, pelo fato de que no deserto os israelitas receberam maná e também água para beber (Ex.17-1,7). Tudo o que Pai miraculosamente proveu para os israelitas no deserto é providenciado agora na pessoa de Cristo.

6. Compromisso com Deus (6.53-58)

Jesus, por meio dessa declaração, chama a multidão para ter compromisso com Deus, a se voltar em arrependimento e fé para Ele. Contudo, eles não aceitaram as palavras de vida eterna. Em vez de peixe e pão, Cristo ofereceu carne e sangue, mas eles não entenderam e não desejavam isso. Jesus retirou os presentes e apresentou o presenteador, eles queriam as bênçãos e não o abençoador (Rm 12-11).

O versículo 60 diz que muitos outros discípulos que Jesus tinha o abandonaram. E por que as pessoas consideraram as palavras de Jesus como um discurso duro?

a) Porque perceberam que Ele as estava chamando para segui-lo sem garantias de dar-lhes peixe ou pão ou qualquer outra coisa. Eles as convocou para se regozijarem apenas por estarem na sua presença.
b) Esses discípulos não permaneceram discípulos por muito tempo. Por quê? Eles acharam que as palavras de Jesus foram ofensivas e intoleráveis.

O que foi, então, que ofendeu a sensibilidade deles? Há quatro pontos nas palavras de Jesus com as quais eles se ofenderam. Senão vejamos:

1. Eles estavam mais interessados em comida (6.26).
2. Eles estavam mais interessados no messianismo político e nos milagres manipuladores do que nas realidades espirituais para as quais o milagre da alimentação apontava, Jesus como o pão da vida (6.14-15).
3. Eles não estavam preparados para abandonar sua própria autoridade em questões religiosas, no caso dos fariseus e doutores da lei, e não eram verdadeiros discípulos (6.32-58).
4. Eles se ofenderam particularmente com as declarações que Jesus apresentou, afirmando ser maior do que Moisés, enviado por Deus e autorizado a dar vida.

A metáfora estendida do pão é ela mesma ofensiva para eles, especialmente quando ataca tabus evidentes e se torna uma questão de comer carne e beber sangue, que eles entenderam como canibalismo, que era algo repugnante para os lideres religiosos, uma vez que a lei proibia tal prática (Lv 17.10-11).

Contudo, Jesus usou o termo “sangue” de forma alegórica, no sentido de vida para os seus discípulos e de todo aquele que crê.

Nos versículos 63-69, Jesus ensina duas lições importantes:

a) Na hora da benção tem multidão, na hora do compromisso só os 11 ou poucos discípulos.
b) Existiam três tipos de classes de pessoas na multidão e que estão inseridas na igreja hoje:
      i. Falsos crentes (descrentes)
      ii. Crentes superficiais
      iii. Verdadeiros crentes
Conclusão

Diante de tudo que foi apresentado, não devemos orar e buscar pelas bênçãos de Deus em nossa vida?

Não tenha dúvidas. O reino de Deus tem provisão para cada uma de nossas necessidades, entretanto, é justamente por essa razão que não devemos colocar nossa confiança nos meios que suprirão tal carência, mas, sim, no Deus que as fornece. Nosso dever é crer, obedecer e servir ao Rei dos reis. A parte dEle é cuidar de nós (Mt 6.34).

Jesus advertiu isso em Mateus 6-31-33. A presença de Deus em nossa vida sobrepuja qualquer benção material que Ele possa nos dar. O maior milagre que Jesus nos deu foi sermos escolhidos por Ele, perdoados, justificados e salvos da ira de Deus e do inferno pela tão grande salvação em cristo Jesus, o nosso Senhor.   

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Fonte: Bereianos
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