Por Leonardo Dâmaso
É bem popular vermos nas igrejas
pentecostais e neopentecostais os famosos cultos de libertação, geralmente
ocorridos nas quartas e sextas feiras na maioria destas igrejas. Nestes cultos,
todavia, vemos uma prática onde os pastores e obreiros “amarram” os demônios no
momento da oração de libertação [na maioria dos casos, depois da “exposição das
Escrituras”] quando estes "supostamente manifestam" pela invocação
do pastor e de seus auxiliares em algumas pessoas, que, no caso em pauta, não são cristãs.
Não obstante, está prática de amarrar os
demônios através da oração é também muito comum no dia a dia do crente
pentecostal e neopetencostal, quando este se depara com alguma situação em que
aparentemente é de origem demoníaca. Portanto, este ato de amarrar os demônios
é correto? Tem respaldo na Escritura? Em todo o seu ministério terreno que durou cerca de 3 anos, Jesus
utilizou esta expressão: Tá amarrado? Jesus amarrou algum demônio manifesto em
alguma pessoa? Ele ensinou esta prática? Os apóstolos, por sua vez, no livro de
Atos ou nas cartas do Novo Testamento utilizaram esta expressão: Tá amarrado?
Eles ensinaram isso nas cartas que escreveram? Vejamos, então, a resposta para
estas perguntas.
Análise de textos
Análise de textos
Mateus 12.29 - Ou como pode alguém
entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? (ARA)
Marcus 3.27 - Ninguém pode entrar
na casa do valente para roubar-lhe os bens, sem primeiro amarrá-lo; e só então
saqueará a casa. (ARA)
Precisamos entender primeiramente que, nos
quatro evangelhos, não vemos sequer uma menção de Jesus ter orado “amarrando”
algum demônio, dizendo: Tá amarrado! Não vemos
também nenhuma ocorrência no livro de Atos e em nenhuma carta do Novo
Testamento os apóstolos utilizando a expressão: Tá amarrado em algum exorcismo
ou mesmo ensinando tal prática aos cristãos. Embora Jesus tenha dotado os
apóstolos na época de seu ministério com autoridade para expulsar demônios das
pessoas oprimidas ou “demonizadas” (Mc 3.14-15; Lc 10.18-19) e, por conseguinte, todos os cristãos, ainda assim, não
os instruiu (os apóstolos) a “amarrar” os demônios.
No mundo antigo,
antes da primeira vinda de Jesus, já era comum a prática de “amarrar” demônios,
especialmente entre os judeus. No livro apócrifo de Tobias, podemos ver o
relato do anjo Rafael que foi enviado por Deus para amarrar o demônio Asmodeu
para libertar Sara – uma mulher virtuosa (Tobias 3.17; 8.3). Já em 1Enoque, outro
livro apócrifo, vemos o evento no qual Deus ordena ao anjo Rafael a “amarrar o
demônio Azazel pelas mãos e pés e lança-lo no inferno” (caps 6-9; 10.4, 11-13).
Em 1Enoque, ainda, é descrito no capítulo 88 a maneira que os anjos caídos
foram “amarrados pelos arcanjos Miguel, Gabriel, Fanuel e lançados no abismo”.
Outro livro apócrifo da mesma época de 1Enoque – o Testamento dos Doze
Patriarcas, relata que um novo sacerdote levantado por Deus amarraria Belial ou
Satanás (Testamento de Levi, 18.10-12).
No caso de Jesus, entretanto, sempre que
ele exorcizou alguém que estava sob o poder ou influência do demônio em alguma
área de sua vida, ele dizia, por exemplo, no caso dos Gadarenos, em
Mateus 8.32: Ide! No capítulo 17.18
de Mateus, ainda, é dito que Jesus simplesmente repreendeu o demônio! No evangelho de Marcus, por sua vez, vemos o
caso de um homem que estava sob o poder ou ataque dos demônios na sinagoga que
Jesus estava ensinando as Escrituras (Mc 4.23-24). Quando os demônios começaram
a conversar com Jesus, ele, imediatamente, sem interesse algum de
“entrevista-los”, ordena que eles se calem e os expulsa do homem, repreendendo-os e dizendo que eles saem dele, apenas (vs.25).
No capítulo 9.14-27 de Marcus, Jesus expulsa o
demônio que, além de ter causado a surdez e a mudez, fazia com que o jovem sob
o seu poder tivesse convulsões. Tais demônios, por muitas vezes, tentaram matar
este jovem lançando-o no fogo e na água (vs.22). Mais uma vez, Jesus expulsa
estes demônios do jovem, dizendo simplesmente: “Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele e nunca mais entres nele” (Almeida Século 21). Em Lucas, no capítulo 13.10-13, é dito que Jesus estava ensinando em uma sinagoga.
Contudo, estava ali uma mulher que andava encurvada por causa de um espírito
maligno que lhe causava esse desvio na coluna ou enfermidade. Jesus, porém, vendo
esta mulher, chamando-a, disse: Mulher,
estás livres da tua enfermidade; e impondo- lhes as mãos, ela se endireitou na
mesma hora... (vs.13) (Almeida
Século 21). Conforme podemos notar, Jesus, aqui, também não disse: Tá amarrado,
demônio!
Em contrapartida, no contexto da
afirmação em Mateus, algumas pessoas trazem até Jesus um homem endemoninhado
sob o poder ou, talvez, sob a influência de demônios. Tais demônios atacaram a
saúde deste homem lhe causando a cegueira e a mudez. Jesus, porém, cura este homem
onde ele passa a enxergar e a falar (12.22-23). Desse modo, após esta cura
milagrosa, os fariseus, que estavam presentes no momento em que o homem fora
curado da ação dos demônios em sua vida, disseram e atribuíram tal cura à
Satanás, isto é, que Jesus expulsava demônios não pelo poder de Deus, mas pelo
poder de Belzebu, o maioral dos demônios (12.24-25). Após desta declaração
caluniosa e blasfema dos fariseus, Jesus, em seguida, tece uma série de
críticas a eles mostrando o quão estavam equivocados em dizer tal absurdo
(12.25-32); assim, no versículo 29, ele diz: como
pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro
amarrá-lo?
No texto a lume, Jesus faz uso de uma analogia para refutar os fariseus, tomando como exemplo o caso de um ladrão que invade uma casa e amarra o dono da casa para
roubar os seus bens. Jesus, aqui, simplesmente utiliza esta analogia para
demonstrar que não fazia sentido expulsar demônios sendo ele mesmo um demônio
ou estando do lado dos demônios, agindo sob o poder maligno deles. Seria uma
contradição! Portanto, invadir uma casa para roubar os bens sem antes amarrar o
dono da casa seria incabível e não teria sentido algum se Jesus fosse um assecla de
Satanás.
Na primeira vinda de Cristo, o mundo estava, de certa forma, dominado pelo maligno (1Jo 5.19). Jesus, quando surgiu no cenário, mostrou o seu poder e superioridade sobre Satanás e os seus asseclas, os demônios (Mt 4.1-10), estabelecendo o seu reino para libertar os oprimidos (Mt 12.28) e destruir as obras do Diabo (1Jo 3.8). Entrar na casa do “valente”, que representa Satanás, e amarrá-lo para roubar seus bens, que são pessoas sobre o seu domínio é, simbolicamente, entrar no mundo, anular a sua atuação e salvar as vidas dominadas por ele. Desse modo, Jesus foi quem fez isso! Ele, definitivamente e exclusivamente foi quem amarrou Satanás por ocasião da sua vinda, ministério, morte, ressurreição, glorificação e ascensão aos céus! Os exorcismos que Jesus realizou em seu ministério, portanto, correspondiam ao roubar os bens [pessoas] da casa [do poder] do valente Satanás, e não “amarrá-lo” de uma ótica mística.
Na primeira vinda de Cristo, o mundo estava, de certa forma, dominado pelo maligno (1Jo 5.19). Jesus, quando surgiu no cenário, mostrou o seu poder e superioridade sobre Satanás e os seus asseclas, os demônios (Mt 4.1-10), estabelecendo o seu reino para libertar os oprimidos (Mt 12.28) e destruir as obras do Diabo (1Jo 3.8). Entrar na casa do “valente”, que representa Satanás, e amarrá-lo para roubar seus bens, que são pessoas sobre o seu domínio é, simbolicamente, entrar no mundo, anular a sua atuação e salvar as vidas dominadas por ele. Desse modo, Jesus foi quem fez isso! Ele, definitivamente e exclusivamente foi quem amarrou Satanás por ocasião da sua vinda, ministério, morte, ressurreição, glorificação e ascensão aos céus! Os exorcismos que Jesus realizou em seu ministério, portanto, correspondiam ao roubar os bens [pessoas] da casa [do poder] do valente Satanás, e não “amarrá-lo” de uma ótica mística.
Uma vez que Jesus já
o havia amarrado é que ele poderia libertar os eleitos de Deus que estavam sob
o seu poder. Portanto, Satanás não podia resistir a Jesus ou aos seus discípulos,
pois o seu poder havia sido anulado. É por esse motivo que o verbo “amarrar”,
tendo Satanás como objeto, é usado na Bíblia somente em referência à obra de
Cristo”.1 Por outro lado, o fato de Satanás ter sido “amarrado” por
Jesus não significa, também, que ele não pode mais atuar no mundo disseminando
o mal na vida das pessoas. Antes, Satanás está “amarrado” no sentido de não
poder mais impedir as pessoas de crerem e se voltarem para Cristo Jesus em
arrependimento e fé, que denominamos de conversão. Antes, denota que o seu poder de atividade está “limitado”, e que
ele só pode agir se Deus, assim, o permitir. Portanto, Satanás ainda age neste
mundo, porém, sob o prisma da vontade do Deus soberano e onipotente.
Em Judas, no versículo
9, é mencionado um fato interessante. É dito que o arcanjo Miguel não ousou
repreender ou usar este termo contra o diabo: Eu te repreendo conforme muitos
pastores e cristãos equivocadamente fazem. Antes, ele usou a expressão
e o modo correto no qual os cristãos devem agir quando se deparem com alguém possesso, atacado ou oprimido pelo
demônio: O Senhor te repreenda ou, em nome do Senhor Jesus, seja repreendido! É somente o Senhor Jesus que tem poder para
repreender satanás e os seus planos. Augustus Nicodemus Lopes corrobora que o
uso do termo “amarrar para se referir a uma atuação da igreja hoje contra
satanás e seus anjos não se justifica biblicamente, confunde os crentes e
esvazia a obra de Cristo. Também priva os crentes do poder e da confiança que
existe em saber que Satanás já está atado por Cristo”.2
Finalmente, diante de tudo que foi esboçado aqui, entendemos que não há respaldo nas Escrituras que ratifique o ato de amarrar demônios ou em declarar: Tá amarrado!
Não obstante, Carson escreve:
O fato de Deus zelosamente preservar suas prerrogativas de repreender Satanás no papel deste como "o acusador de nossos irmãos" (Ap 12.10) é por fim estendido, em Apocalipse 12, àqueles que vencem o diabo não em nome deles próprios, mas com base no sangue do cordeiro.3
Finalmente, diante de tudo que foi esboçado aqui, entendemos que não há respaldo nas Escrituras que ratifique o ato de amarrar demônios ou em declarar: Tá amarrado!
Não obstante, Carson escreve:
O fato de Deus zelosamente preservar suas prerrogativas de repreender Satanás no papel deste como "o acusador de nossos irmãos" (Ap 12.10) é por fim estendido, em Apocalipse 12, àqueles que vencem o diabo não em nome deles próprios, mas com base no sangue do cordeiro.3
Os cristãos podem realizar exorcismos e, em nome de Jesus, expulsar os demônios, entretanto, não podem dizer: Tá amarrado para o que já foi amarrado por Cristo Jesus.
Notas:
1 Augustus Nicodemus Lopes. O que você
precisa saber sobre Batalha Espiritual, pág 81.
2 Ibid.
3 G. K. Beale e D. A. Carson. Comentário
do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, pág 131.
***
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1 comentários:
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