O Papel de Satanás na Queda

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Após um considerável número de anjos terem pecado e tornados em demônios, o diabo conspirou para a queda de Adão e Eva, a fim de impedi-los de glorificar a Deus, O qual odiava com ódio aterrador, visto que Ele rejeitara os demônios, excluindo-os eternamente da graça.

O diabo primeiramente atacou Eva quando ela se encontrava sozinha, provavelmente postada perto da árvore do conhecimento do bem e o mal. Ali ele a enganou, e Eva, tendo sido ludibriada (embora não consciente disso), também enganou a seu marido, Adão. Ora, o primeiro homem não foi enganado devido ao amor que nutria por sua esposa, mas, sim, por seu (de Eva) logro, e somente então os olhos de ambos foram abertos (Gn 3:7). O diabo foi, portanto, a causa sugestiva da Queda, e por isso é chamado de “homicida desde o princípio” e “mentiroso” (João 8:44).

Para alcançar seu objetivo, Satanás se valeu de uma serpente, considerando-a um instrumento apropriado para ele. Ele falou a Eva por meio da serpente. Destarte, não estava invisível quando falou, nem simulou uma voz. Ele não se comunicou pessoalmente com a alma de Eva, mas lhe dirigiu a palavra por meio da serpente, da qual havia tomado posse. Não se deve ver essa questão como uma metáfora, nem uma parábola ou ilusão. De semelhante modo, o diabo não se valeu de uma simples aparência de serpente; trata-se de história genuína – um evento que efetivamente aconteceu. Tanto o diabo quanto a serpente estiveram ativamente envolvidos neste fato. Tratava-se de uma serpente, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, um animal real – o que é evidente a partir dos seguintes pontos:  

(1) Da própria narrativa: “Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3:1)

(2) Também do verso 14, no qual isto é afirmado com relação à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos”. Não se pode negar que a serpente era uma criatura irracional, e, portanto, incapaz de proferir um discurso inteligente e inteligível. Desse modo, é certo que uma criatura racional falou por meio da serpente, e que tal criatura inteligente era má e pecaminosa. Consequentemente, não poderia ser ninguém mais a não ser o diabo, que, por essa razão, é frequentemente chamado, nas Escrituras, de “serpente”, “dragão” ou “a antiga serpente”. “Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás” (Ap 20:2). Foi ele quem enganou Eva: “…Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia...” (2 Co 11:3). Sua cabeça foi pisada por Cristo, “que, por sua morte, destruiu aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo” (Hb 2:14)

Visto que Moisés narra de maneira extremamente concisa os eventos do primeiro mundo (isto é, o mundo antes da Queda), o método através do qual se efetuou o engano não foi documentado. Destarte, toda conjectura neste caso é apenas especulação vazia, tais como a indagação se o diabo falou com Eva em apenas uma ou em várias vezes ocasiões; se ele lidou com Eva de uma maneira diferente; se veio como um mensageiro de Deus, declarando que o tempo da provação do casal havia chegado ao fim, e, portanto, estavam então livres para comer do fruto; se ele veio como amigo e mestre para aconselhar e apresentar os benefícios resultantes do comer da árvore; ou se o diabo veio como um inimigo de Deus, desejando privá-la daquilo que lhe traria felicidade e a tornaria semelhante a Deus. Tudo isto são conjecturas. É também possível que o diabo tenha apresentado outros pretextos ou argumentos lógicos enganosos. É melhor nos calarmos quanto a essas questões e outras questões similares do que desencaminhar o leitor com aquilo que apenas aparentemente é racional. Aquilo que não aprouve ao maior e mais sábio Mestre nos revelar, não devemos almejar conhecer. Este é um exercício seguro por meio do qual podemos nos afastar de várias tentações.

Estou convencido de que Eva estava bem ciente do fato de que animais, incluindo evidentemente a serpente, não possuíam intelecto racional nem eram dotados de linguagem. Embora ela desconhecesse a queda dos anjos, não obstante, ela poderia ter deduzido que aquele acontecimento (a fala da serpente) não era algo comum. Estou convencido de que se permitiu a Eva anelar por um nível maior de conhecimento e comunhão com Deus, já que isso lhe fora prometido no pacto das obras. Também lhe foi permitido aspirar por um conhecimento mais profundo com relação ao reino da natureza, que ela poderia obter por meio da experiência – assim como a multiforme sabedoria de Deus pode ser conhecida aos anjos por meio da igreja (Ef 3:10).

Estou convencido de que ela não comeu ignorantemente da árvore, antes, sabia muito bem que não lhe era permitida comer dela nem tocá-la. Tendo desejo de crescer no entendimento, Eva foi seduzida a comer da árvore. Não foi coagida, mas fez isso por sua própria vontade. Num primeiro momento, Eva não teve consciência desse logro, mas se tornou consciente disso apenas após ter enganado Adão. Ademais, Adão não foi o primeiro a ser enganado, nem foi enganado pela serpente, mas, sim, como diz o Apóstolo em 1 Timóteo 2:14, enganado por uma Eva enganada – e logo em seguida a ela. Estou convencido de que se Adão tivesse se mantido firme, Eva teria que sofrer sozinha o castigo.

Contudo, dado que Adão também pecou, toda raça humana se tornou culpada, como Paulo disse: “assim como por um só homem o pecado entrou no mundo...” (Rm 5:12). Ele não se refere somente ao pecado de Eva, mas ao pecado de toda raça humana, que se compreende plena e completamente em Adão e Eva, os quais eram um só em virtude de seu casamento. Na verdade, Paulo se refere especificamente ao pecado de Adão, que era o primeiro homem, a primeira e única fonte, tanto de Eva quanto de toda raça humana.  

O comer dessa árvore não foi um pecado menor, ainda que o ato de ingestão do fruto em si seja uma questão de somenos importância. Pelo contrário, foi um crime hediondo no qual se inclui a transgressão de toda a lei. Tratou-se de uma violação do amor, obediência e da aliança, resultando na perdição de si mesmo (Adão) e de seus descendentes. Esse pecado é agravado pelos seguintes fatos:

(1) Foi cometido contra o próprio Deus, que o primeiro casal conhecia em Sua majestade e glória – o Deus que, mediante sua bondade multiforme, os uniu a Si mesmo;
(2) Foi cometido por uma pessoa santa que tinha a habilidade necessária de se abster disso, e de resistir a toda tentação;
(3) Ora, abster-se de comer dessa única árvore configurava-se como uma exigência mínima e exequível, visto que o casal possuía tudo em abundância naquele belo jardim;
(4) A felicidade ou condenação de si mesmo e de seus descendentes dependia disso. Destarte, em Romanos 5, o comer do fruto é corretamente denominado de “pecado” (Rm 5:12), “transgressão” (Rm 5:14), “ofensa” (Rm 5:15) e “desobediência” (Rm 5:19).

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Autor: Wilhelmus à Brakel
Fonte: The Christian’s Reasonable Service
Tradução: Fabrício Tavares
Divulgação: Bereianos
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Conhecendo Deus e conhecendo a nós mesmos



Por João Calvino


1. Todos os homens vivem para conhecer Deus

Não se pode achar nenhum homem, em parte alguma, por mais incivilizado ou selvagem que seja, que não tenha alguma ideia de religião. Isso porque todos nós fomos criados para conhecer a majestade do nosso Criador e, ao conhecê-la, pensar nela mais elevadamente do que em qualquer outra coisa. Devemos honrar a majestade de Deus com pleno temor, amor e reverência. 

Os incrédulos só procuram apagar toda a lembrança deste senso de Deus, que está arraigado em seus corações. Deixando-os de lado, nós, que alegamos que temos uma religião pessoal, devemos trazer à mente que a presente vida não durará, e logo acabará. Devemos passá-la pensando na imortalidade.

Pois bem, não se pode achar a vida eterna e imortal em parte alguma, exceto em Deus. Segue-se, então, que o principal cuidado e interesse da nossa vida devem consistir em buscar Deus com todo o afeto dos nossos corações, e não pretender encontrar descanso e paz em lugar nenhum, senão unicamente nEle.

2. A diferença entre a religião verdadeira e a falsa

Em geral se concorda que viver sem religião é viver numa verdadeira miséria, e que em nenhum aspecto viver assim é ser melhor que os animais selvagens. Sendo assim, ninguém vai querer ser considerado como uma pessoa inteiramente indiferente a uma religião pessoal e ao conhecimento de Deus.

Entretanto, há muitas diferenças quanto à forma visível que a religião toma. Assim é porque a maioria dos homens não é afetada pelo temor de Deus. Não obstante, querendo ou não, eles não podem escapar da ideia de que existe algum ser divino cujo poder ou os exalta ou os humilha. Essa ideia sempre volta às suas mentes. Impactados pelo pensamento que lhes vem acerca de um poder tão grande, de um modo ou de outro eles o reverenciam. Isso para evitar desprezá-lo demais, temendo provocar a Sua ação contra eles. Contudo, vivendo desordenadamente e rejeitando toda forma de honestidade, eles exibem uma óbvia falta de preocupação com a maneira pela qual desconsideram o juízo de Deus.

Em acréscimo, uma vez que a sua avaliação de Deus é governada pelo tolo, impensado e presunçoso conceito formulado por sua própria mente, e não pela majestade infinita do próprio Deus, eles de fato ficam afastados do Deus verdadeiro. É por isso que, mesmo quando eles fazem reais e zelosos esforços para servir a Deus, isso tudo acaba sendo pura perda de tempo. Não é ao Deus eterno que eles estão adorando, mas, antes, aos sonhos e ilusões dos seus corações.

Bem, existe um temor que, tendo o maior desejo de fugir do juízo de Deus e não podendo fazê-lo, cresce mais que nunca. A verdadeira piedade não está nesse terror. Ela consiste, antes, de um zelo puro e verdadeiro que ama Deus como um Pai de verdade e O contempla como um Senhor de verdade; ela abraça a Sua justiça e detesta mais ofendê-lO do que morrer.

E todos aqueles que têm este zelo não se dispõem a fabricar, imprudentemente, um deus que esteja de acordo com os seus desejos. Em vez disso, eles procuram obter do próprio Deus um verdadeiro conhecimento dEle mesmo, e não o concebem como diferente do que Ele Se revela e do que Ele lhes dá a conhecer.

3. O que devemos saber acerca de Deus

Desde que a majestade de Deus está intrinsecamente acima e além do poder do entendimento humano, e simplesmente não pode ser compreendida por este, devemos adorar a Sua posição exaltada, e não investigá-la criticamente, para que não sucumbamos inteiramente sob tão grande brilho.

Por isso devemos buscar e considerar Deus em Suas obras, as quais, por essa razão, as Escrituras denominam manifestações daquilo que é invisível (Romanos 1: 19, 20; Hebreus 11: 1), porque estas obras retratam para nós o que de outra maneira não poderíamos conhecer do Senhor.

Não estamos falando aqui de especulações vãs e frívolas, coisas que manteriam as nossas mentes num estado de incerteza, mas de algo que é essencial que saibamos - algo que nos faz bem, que estabelece em nós uma piedade sólida e veraz, isto é, fé mesclada com temor.

Então, ao observarmos este universo, contemplamos com êxtase a imortalidade do nosso Deus. É esta imortalidade que dá surgimento ao princípio e à origem de tudo quanto existe. Contemplamos com êxtase a imortalidade do nosso Deus. É esta imortalidade que dá surgimento ao princípio e à origem de tudo quanto existe. Contemplamos com êxtase o Seu poder, que criou um sistema tão vasto e que ora o sustém. Contemplamos com êxtase a Sua sabedoria, que trouxe à existência uma tão grande e variegada fileira de criaturas, e que as governa de maneira finamente equilibrada e ordenada. Contemplamos com êxtase a Sua bondade, que é propriamente a razão pela qual todas estas coisas foram criadas e continuam a existir. Contemplamos com êxtase a Sua justiça, que se desdobra maravilhosamente para a proteção dos bons e para a punição dos maus. Contemplamos com êxtase a Sua misericórdia, que tão gentilmente suporta os nossos pecados tendo em vista exigir que endireitemos as nossas vidas.

É realmente muitíssimo necessário que sejamos instruídos acerca de Deus, e de fato deveríamos deixar que o universo nos fizesse isso. E ele o faria, não fora o fato de que a nossa rude insensibilidade é cega para tão grandiosa luz. Mas não pecamos somente por sermos cegos. Tão grande é a nossa perversidade que, quando ela considera as obras de Deus, não há coisa alguma na qual ela não veja um sentido mau e perverso. Ela põe abaixo toda a sabedoria do céu que, sem essa perversão, fulge tão esplendidamente ali.

Temos, pois, que vir à Palavra de Deus onde, por meio das obras de Deus, Ele é descrito muito bem para nós. Ali as Suas obras não são avaliadas segundo a perversão do nosso julgamento, mas pelo padrão da verdade eterna. Nela aprendemos que o nosso Deus, que é o único Deus, e que é eterno, é a fonte de onde emana toda vida, justiça, sabedoria, força, bondade e misericórdia. Tudo o que é bom, sem absolutamente nenhuma exceção, vem unicamente dEle. E assim é que todo louvor deve, com pleno direito, retornar a Ele.

E, embora todas estas coisas se manifestem claramente em cada parte do céu e da terra, é supremamente na Palavra de Deus que sempre entendemos, verdadeiramente, qual é a meta maior para a qual elas nos fazem avançar, qual é o valor delas e em que sentido as devemos entender. Então nos aprofundamos em nosso próprio ser interior e consideramos como o Senhor exibe em nós a Sua vida, a Sua sabedoria e o Seu poder, e como Ele exerce para conosco a Sua justiça, a Sua bondade e a Sua generosidade.

4. O que devemos saber acerca do homem

No princípio, o homem foi formado à imagem e semelhança de Deus, para que admirasse o seu Criador na dignidade da qual Deus tão nobremente o investira, e o honrasse com a adequada gratidão.

Mas o homem, confiando na enorme excelência da sua natureza e esquecendo de onde viera e por quem continuava a existir, empenhou-se em exaltar-se independentemente do Senhor. Por isso teve que ser despojado de todos os dons de Deus dos quais estultamente se orgulhara, a fim de que, privado de toda glória, conhecesse este Deus que o enriquecera tanto com o Seus generosos dons e que ele se atreveu a desprezar.

Por essa causa, todos nós - que devemos a nossa origem aos descendentes de Adão, e em quem a semelhança com Deus foi apagada - somos carne oriunda de carne. Sim, pois, apesar de sermos constituídos de alma e corpo, nuca sentimos nada senão a carne. O resultado é que, seja qual for o aspecto do homem pelo qual o observemos, é-nos impossível ver nele outra coisa além daquilo que é impuro, irreverente e abominável para Deus. Porquanto a sabedoria do homem, cega e mergulhada em numerosos erros, posta-se contra a sabedoria de Deus; a vontade, iníqua e cheia de afetos corruptos, odeia a justiça de Deus mais do que qualquer outra coisa; e o poder humano, incapaz de qualquer bem, seja este qual for, inclina-se desenfreadamente para a iniquidade.

5. O livre-arbítrio

As Escrituras asseveram muitas vezes que o homem é escravo do pecado. O que isso significa é que sua mente acha-se tão longe da justiça de Deus que só pensa, deseja e empreende o que é mau, perverso, iníquo e sujo; pois o coração, cheio do veneno do pecado, não pode emitir nada senão frutos do pecado.

Todavia, não devemos pensar que existe uma imperiosa necessidade impelindo o homem a pecar. Ele peca com pleno acordo da sua vontade, e ele o faz avidamente, seguindo suas próprias inclinações.

A corrupção do seu coração indica que o homem tem forte e persistente ódio a toda a justiça de Deus. Acresce que ele se vota a toda espécie de mal. Por causa disso se diz que ele não tem livre poder de escolha entre o bem e o mal - não tem o chamado livre-arbítrio.

6. O pecado e a morte


Nas Escrituras, pecado significa tanto aquela versão da natureza humana que é a fonte de todo erro e vício, como os maus desejos que daí nascem, e também os atos injustos e vergonhosos que brotam desses desejos: homicídios, roubos, adultérios e outras coisas do gênero.

Todos nós, então, pecadores que somos desde o ventre de nossa mãe, nascemos expostos à ira e à retribuição de Deus.

Tornando-nos adultos, aumentamos sobre nós - mais pesadamente - o juízo de Deus.

Finalmente, no transcurso de toda a nossa vida, aceleramos os passos para a morte.

Pois não há dúvida de que a justiça de Deus acha toda iniquidade repugnante. Que podemos esperar, então, da face de Deus - nós, pessoas miseráveis, sobrecarregadas por tão grande peso do pecado e corrompidas por inumeráveis impurezas - senão que a Sua justa indignação com toda a certeza nos vai fazer corar de vergonha?

Temos necessidade de conhecer esta verdade, muito embora ela ponha abaixo o homem pelo terror e o esmague pelo desespero. Despojados da nossa justiça própria, escoimados de toda a nossa confiança em nossas forças, distanciados de toda a esperança de sequer ter vida, o entendimento da nossa própria pobreza, miséria e desgraça dessa forma nos ensina a prostrar-nos diante do Senhor. Mas, reconhecendo a nossa iniquidade, a nossa falta de poder e a nossa ruína, aprendemos a dar-lhe toda a glória por Sua santidade, por Seu poder e por Sua obra de salvação.

7. Como somos conduzidos à salvação e à vida

Este conhecimento de nós mesmos, se entrou realmente em nossos corações, mostra-nos a nossa nulidade e, por seu intermédio, o caminho para o verdadeiro conhecimento de Deus é facilitado para nós. E o Deus de quem estamos falando já abriu para nós, digamos assim, uma primeira porta para o seu reino quando destruiu estas duas pragas medonhas: o sentimento de segurança quando defrontados por Sua retribuição, e uma falsa confiança em nós mesmos. Pois é depois disso que começamos a elevar os nossos olhos para o céu, olhos anteriormente fitos e fixos na terra. E nós, antes acostumados a buscar descanso em nós mesmos, anelamos pelo Senhor.

E também, por outro lado, embora a nossa iniquidade mereça algo inteiramente diferente, este Pai misericordioso, por Sua estupenda bondade, revela-se então voluntariamente a nós, que dessa forma nos sentimos aflitos e abatidos pelo medo. E, fazendo uso desse meios, que Ele sabe ser úteis para nós, em nossa fraqueza Ele nos chama de volta do rumo errado para o caminho certo, da morte para a vida, da ruína para a salvação, do domínio do diabo para o Seu próprio domínio.

A todos aqueles a quem Lhe apraz restabelecer como herdeiros da vida eterna o Senhor ordenou, como primeiro passo, que sejam afligidos em sua consciência, curvem-se sob o peso dos seus pecados e passem a viver no temor do Seu nome. Portanto, para começar, Ele nos expõe e Sua Lei, a qual nos conduz a esse estado.

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Fonte: João Calvino, A Verdade Para Todos os Tempos, PES, pp. 13-22.
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A urgência do ensino da Antropologia Bíblica na Igreja

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Por Luciana Barbosa


Percebemos essa urgência ao vermos dentro das igrejas expressões ou jargões tais como: Exija seus direitos, quero de volta o que é meu, tome posse da sua vitória, sua vitória é hoje, decrete, determine e por fim, sou filho de Deus, irmão de Jesus, sou fraco?” Tais expressões são frutos de uma hermenêutica errada e pragmática que produz uma espiritualidade antropocêntrica, despertando no seu interior o que João diz: Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo”. 1Jo2.16.

Diante de tais jargões algum questionamento nos vem à mente: Será que o homem é o centro de tudo? O homem tem esse poder de determinar? Quem é o homem e quem é Deus nessa relação? Para respondermos esses questionamentos é necessário recorrermos as Escrituras e ver a verdadeira posição do homem diante de Deus, como este fora criado e o que passou a ser depois do que chamamos “a queda” do homem.

1. Como Deus criou o homem: Deus cria o homem a sua imagem e semelhança, a imagem de Deus se refere à parte imaterial do homem. Ela separa o homem do mundo animal, e o encaixa na “dominação” que Deus pretendeu (Gênesis 1.28), e o capacita a ter comunhão com seu Criador. É uma semelhança mental, moral e social. Mentalmente, o homem foi criado como um agente racional e com poder de escolha: em outras palavras, o homem pode raciocinar e fazer escolhas. Isto é um reflexo do intelecto e liberdade de Deus. Moralmente, o homem foi criado em justiça e perfeita inocência, um reflexo da santidade de Deus. Deus viu tudo que tinha feito (incluindo a humanidade), e disse que tudo era “muito bom” (Gênesis 1.31). Socialmente, o homem foi criado para a comunhão. Isto reflete a natureza triúna de Deus e Seu amor. Em suma Deus não cria o homem para pecar, no entanto, essa é a escolha que o homem faz.

2. O resultado da queda segundo João Calvino: A Queda trouxe sérias consequências: a morte e a escravidão. Como a morte espiritual não é outra coisa senão o estado de alienação em que a alma subsiste em relação a Deus, todos nasceram mortos, bem como vivemos mortos até que, nos tornamos participantes da vida de Cristo. O gênero humano, depois que foi arruinado pela queda de Adão, ficou não só privado de um estado tão distinto e honrado, e despojado de seu primevo domínio, mas está também mantido cativo sob uma degradante e ignomínia escravidão. Todos nós estamos perdidos em Adão. Não teremos uma ideia adequada do domínio do pecado, a menos que nos convençamos dele como algo que se estende a cada parte da alma, e reconheçamos que tanto a mente quanto o coração humano se têm tornado completamente corrompidos. O homem, em sua queda, foi despojado de sua justiça original, sua razão foi obscurecida, sua vontade, pervertida, e que, sendo reduzido, a este estado de corrupção, trouxe filhos ao mundo semelhantes a ele em caráter. Se porventura alguém objetar, dizendo que essa geração se confina aos corpos, e que as almas jamais poderão derivar uns dos outros algo em comum, eu responderia que Adão, quanto em sua criação foi dotado com os dons do Espírito, não mantinha um caráter privativo ou isolado, mas que era o representante de toda a humanidade, que pode ser considerado como tendo sido dotado com esses dons em sua pessoa; e deste conceito necessariamente se segue que, quando ele caiu, todos nós, juntamente com ele, perdemos nossa integridade original. 

3. O que foi necessário acontecer para este homem voltar-se a Deus: ao contrário do que muitos pensam como uma frase que está escrita na contra capa de um famoso livro que “Deus vendo que não suportaria viver a eternidade sem você ele escolheu os cravos” isso é romantismo, é colocar o homem no centro; Deus ele não chama o homem porque não pode viver sem ele mas, pelo que Isaías diz:’ Por amor de mim mesmo, por amor de mim mesmo, eu faço isso. Como posso permitir que eu mesmo seja difamado? Não darei minha glória a um outro” Is 48.11. Por amor a ele mesmo! e ao seu soberano propósito que aprouve Deus enviar seu filho Jesus Cristo ao mundo em forma de homem para sofrer a ira divina em nosso lugar sendo nossa expiação e propiciação, isto é, ele nos redimiu e afastou a ira de Deus para longe de nós. Então se o homem tem que se gloriar faça que nem Jeremias: Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em Me conhecer e saber que Eu Sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas Me agrado, diz o SENHOR." Jeremias 9.23,24.

Concluo com Romanos 11.33-36 que diz: 

Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Por que quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?  Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado?  Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.

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Divulgação: Bereianos
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Coração rebelde



Por John Frame



Pergunta: (a) O que você pode fazer, se é que algo pode ser feito, com a “rebelião do coração”? (b) Você é tentado, testado e experimentado — você quer se arrepender, mas seu coração não quer.

A pessoa descrita na pergunta, evidentemente, não apenas foi “tentada, testada e experimentada”, mas também cometeu pecado. Ou seja, ele ou ela não apenas foi tentado, mas rendeu-se à tentação. De outra forma, não haveria nada de que se “arrepender”. Então a pergunta básica é: o que você faz quando você pecou e você quer se arrepender, mas seu coração não quer? (Enquanto discutimos essa questão, lembre o que “arrependimento” significa. Não é apenas sentir-se mal por seu pecado, mas realmente abandoná-lo e achegar-se a Cristo, assim parando de cometer o pecado.)

Bem, todos nós já tivemos essa sensação às vezes: nós gostaríamos de mudar, mas algo em nós, parece, não quer mudar junto conosco. Nós pensamos nisso como se fosse um carro com problemas: o carro quer andar, mas algo dentro dele, digamos, o carburador, não está funcionando direito, então ele não se mexe. Ou uma pessoa com dificuldades: Alice adoraria jogar tênis, mas as costas dela não deixam ela fazer isso. É assim que se parece, frequentemente, quando nós cometemos pecado. Nós gostaríamos de parar, mas algo em nós (a pessoa que faz a pergunta chama isso de “coração”) não nos deixa parar.

Mas veja só: O “coração”, nas escrituras, não é como um carburador defeituoso dentro de um carro, nem como dor nas costas tornando o corpo de alguém mais lento. O coração (no sentido religioso, é claro, não o órgão físico) é a pessoa no nível mais profundo – o que ele ou ela realmente é. Meu coração sou eu. Seu coração é você. “Rebelião do coração”, então, é rebelião da pessoa. É a minha rebelião e a sua.

Então o coração não é algo dentro de nós que, contrariando nossas melhores intenções, não quer funcionar direito. Um coração rebelde significa que nossas intenções não são boas. Ter um coração rebelde significa nada mais nada menos que isso: nós queremos pecar. A figura de uma “parte” quebrada dentro de nós é uma figura ruim e perigosa, porque é uma forma de dar uma desculpa pelo pecado: “Não sou eu o culpado”, nós pensamos; “esta parte quebrada é que é culpada”. Mas nós é que devemos ser culpados, nós somos responsáveis.

Mas há momentos em que nos sentimos como a pessoa descrita na pergunta: como se nós quiséssemos arrepender, mas não conseguíssemos. Nesses momentos, entretanto, acredito que o verdadeiro problema é mais assim: nós queremos o arrependimento, mas não queremos o suficiente. Nós queremos arrependimento, mas também gostamos do pecado. Nós queremos parar mas, inconsistentemente, nós também queremos continuar pecando. Esta é uma forma mais bíblica de colocar a questão: não um “eu não consigo” mas um “eu não vou”. Desse jeito, aceitamos a responsabilidade em vez de colocá-la em algum “carburador”.


E então, depois de aceitarmos a responsabilidade, o que nós fazemos a respeito? Arrependemo-nos, é claro! Pare de dizer “não consigo”. Isso vem do diabo. Se você é um cristão, você consegue. Peça a ajuda de Deus e peça a ajuda de líderes e outros cristãos se você estiver achando difícil. Mas não desista da batalha. Lembre-se de I Coríntios 10:13: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.” Ouviu isso? “Você pode suportar!” Isso é uma excelente notícia! Não chame Deus de mentiroso. Confie nele e obedeça.


Se você precisa de mais motivação, pense de novo no terrível preço que Jesus pagou para salvar você do pecado. Pense no amor imensurável mostrado por Cristo quando ele morreu por você. Então peça ajuda a Jesus para viver a vida agradando a ele.


Há um sentido no qual uma pessoa não-regenerada não pode mudar. Assim, falamos de “Incapacidade Total”. No entanto, (a) Cristãos não estão nesta posição. Pelo Espírito de Deus, eles podem mudar. E (b) até um incrédulo é responsável por sua incapacidade. Ele “não consegue” porque ele “não vai”, e porque seu “não vou” não pode ser superado, exceto pela graça. Desta forma, até para um incrédulo, o “não consigo” na verdade é um tipo de “não vou”.

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Fonte: Frame & Poythress
Tradução: Daniel TC 
Via: Reforma 21
 

O pecado corrompe o entendimento sobre o pecado

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Por Horatius Bonar


A história de seis mil anos acerca do mal se perdeu para o homem. Ele se recusa a ler sua terrível lição concernente ao pecado e ao desagrado de Deus contra o pecador, registrada por essa história. Ele se esqueceu da inundação de perversidade que resultou de um único pecado. A morte, a escuridão, a tristeza, a enfermidade, as lagrimas, a fadiga, a loucura, a confusão, o derramamento de sangue, o ódio enfurecido entre homem e homem, fazendo da Terra um subúrbio do inferno - todas essas coisas foram negligenciadas ou mal interpretadas; e o homem rejeita a ideia de que o pecado seja um crime, o qual Deus odeia com um ódio infinito, e o qual Ele, em Sua justiça, deve condenar e punir.

Se o pecado for algo tão superficial, tão insignificante, quanto o homem o considera, qual é a importância dessa história tão longa e triste? Será que os milhares de cemitérios, onde os amores humanos encontram-se sepultados, não contam uma narrativa mais sombria? Será que os milhões e milhões de corações em pedaços e olhares abatidos dizem que o pecado é apenas insignificante? Será que os gemidos nos hospitais ou a mortandade dos campos de batalhas, a espada banhada de sangue e artilharia mortal proclamam que o pecado é uma simples casualidade, e que o coração humano é, afinal, a sede da bondade? Será que o terremoto, o vulcão, o furacão e a tempestade nada falam do mal irremediável do pecado? Será que a dor de cabeça do homem, o coração vazio, o espírito oprimido, a fronte sombria, o cérebro exausto e as pernas cambaleantes não anunciam com nitidez, de modo inequívoco, que o pecado é uma CULPA, e que essa culpa deve ser castigada – punida pelo Juiz dos juízes – não como uma mera “violação das leis naturais, mas como uma contravenção da lei eterna, que não admite anulação? “A alma que pecar, essa morrerá”. Porque sem a lei, o pecado não existe. “A força do pecado é a lei” (1Co 15.56). Aquele que faz do pecado algo trivial está defendendo a confusão moral e injustiça; e aquele que se recusa a reconhecer o pecado como culpa está anulando a lei do universo ou atribuindo imbecilidade e injustiça ao Juiz de todos os juízes.

O mundo tem envelhecido no pecado e hoje, mais do que nunca, tem começado a brincar com ele, quer seja como uma necessidade que não pode ser tratada ou como um desvio parcial da boa ordem que se auto-corrigirá em breve. É essa falsificação do mal, essa recusa em ver o pecado como Deus o vê; conforme a lei o declara, e conforme a história da nossa raça tem revelado; que tem sido, em todas as eras, a raiz do erro e do abandono da fé que uma vez por todas foi entregue aos santos. Admita a maldade do pecado, com todas as suas consequências eternas, e você deverá se calar diante do modo divino de lidar com ele. Negue a maldade do pecado e os resultados futuros dessa maldade, e você estará negando toda a revelação de Deus, desprezando a cruz, e ab-rogando a lei.

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Fonte: A justiça eterna - Horatius Bonar (Como o homem será justo diante de Deus?) 
Ed. Fiel, p. 21-22.
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Maldição hereditária, ou consequência de pecados pessoais?

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Por Rev. Ewerton B. Tokashiki


Há alguns anos o meio evangélico têm se contaminado com uma perniciosa doutrina. Este ensino diz que: "apesar de você ter Jesus como o seu Salvador, e ser salvo, é possível que existam maldições hereditárias, ou seja, maldições por causa dos pecados de algum antepassado que não tenham sido perdoados, e que conseqüentemente, ainda recaem sobre a sua vida". Então, com esta doutrina se conclui que "por isso, você não é abençoado, não prosperá, e por causa disso você tem doenças e males que não consegue se livrar, apesar de ser salvo". Usam como base bíblica, geralmente, a passagem em que Deus declara que "visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem" (Êx 20:5). A Bíblia mal interpretada é a mãe das heresias! Esta ameaça pronunciada por Deus se refere aos que não eram salvos, e permaneciam na idolatria, desprezando ao único Deus vivo e verdadeiro. O Senhor não está declarando que apesar de convertidos Ele ainda assim persistirá em amaldiçoar por causa dos pecados dos pais! A maldição é para aqueles que aborrecem ao Senhor, e não sobre os que o amam; porque sobre os que amam o Senhor, a misericórdia perdurará até mil gerações! (Keil & Delitzsch, Biblical Commentary on the Old Testament, pp. 117-118).

É verdade que alguns textos nas Escrituras declaram que o pecado dos pais têm influência sobre a vida dos seus filhos (Lv 26:39; Is 55:7; Jr 16:11; Dn 9:16; Am 7:17). Mas, isto deve ser bem entendido, pois não é uma referência à maldição hereditária, mas à persistência dos filhos de não abandonar os pecados dos pais. Sendo fiéis ao contexto histórico de toda a narrativa, perceberemos que estas passagens são exortações ao arrependimento, porque a punição era por pecados que tiveram origem nos pais, ou antepassados mais remotos, mas eram pecados ainda perpetuados e praticados por eles mesmos. Nisto percebemos que o cultivo duma cultura familiar corrompida por vícios, idolatria e imoralidades, pecados que são cometidos em família, ensinados pelos pais aos filhos trará a ausência das bençãos pactuais de Deus, mas, cada um será responsável por si, e enquanto não houver verdadeiro arrependimento não haverá transformação.

Desde o Antigo Testamento esta ideia se fazia presente no meio do povo de Israel. O profeta Ezequiel denuncia o pecado do povo por acreditar "que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram?" (Ez 18:2). Entretanto, após a repreensão segue a instrução do Senhor dizendo: "tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá.(Ez 18:3-4). A argumentação do profeta continua em todo o contexto posterior, deixando bem claro que cada um é responsável pelos seus próprios pecados, e não será o filho punido por causa do pai, nem o pai por causa do filho (versos 5-22).

Os discípulos de Cristo necessitaram ser corrigidos deste erro. Numa certa ocasião encontraram um jovem cego de nascença, e questionaram: "mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" (Jo 9:2). A redundante resposta de Jesus fechou o assunto, ao dizer que: "nem ele pecou, nem os seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus" (vs. 3). Os males físicos e temporais são instrumentos da providência de Deus, para que a Sua glória se manifeste no meio do Seu povo escolhido, e assim, a Sua vontade se torne conhecida (Jo 9:35-39; Rm 8:28).

Quando os verdadeiros crentes caem em pecado, mesmo pecados graves e escandalosos, eles não são abandonados por Deus. Deus nunca desiste deles (Rm 8:31-39). Como um Pai restaura os seus filhos, os disciplina “porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos” (Hb 12:6, ARA). O apóstolo Paulo afirma esta mesma verdade dizendo que “quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para que não sejamos condenados com o mundo” (1 Co 11:32). É possível cair em pecado, mas é impossível cair da graça de Deus. O teólogo inglês J.I. Packer declara que "às vezes, os regenerados apostatam e caem em grave pecado. Mas nisto eles agem fora de seu caráter, violentam sua própria nova natureza e fazem-se profundamente miseráveis, até que finalmente buscam e encontram sua restauração à vida de retidão. Ao rever sua falta, ela lhes parece ter sido loucura." [Teologia Concisa, p. 224]. O pecado é corrigido individualmente.

Como individualmente pecamos, também somos chamados ao arrependimento! Não posso me arrepender por outra pessoa; entretanto, devo interceder por ela, se ela estiver viva. Não é possível pedir perdão pelos pecados dos meus filhos, nem irmãos, pais, avós ou qualquer outro antepassado. Pecado é confessado, e somente é perdoado pessoalmente. A Bíblia diz que as bençãos da Aliança acompanharão os nossos filhos, pois eles são filhos da promessa. Se você é filho de Deus, você é co-herdeiro com Cristo Jesus do amor de Deus (Rm 8:16-17), e esta é uma promessa para os seus filhos (At 2:39). Mas a Palavra de Deus não ensina que os nossos pecados serão cobrados dos nossos descendentes. Deus haveria de puni-los por uma irresponsabilidade nossa? A doutrina da maldição hereditária nega tanto a suficiência de Cristo, em perdoar graciosamente os nossos pecados, como a fidelidade de Deus em cumprir as Suas promessas.

Recomendo para uma leitura posterior:

1. David Powlison, Confrontos de Poder (Editora Cultura Cristã).
2. Augustus Nicodemus Lopes, Batalha Espiritual (Editora Cultura Cristã).

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O pecado socialmente aceitável

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Por Jason Todd


Muitos cristãos hoje gostam de dizer que todos os pecados são “iguais” aos olhos de Deus, que não há uma escala de pecados menores ou piores, que uma mentirinha ou um homicídios são ambos o suficiente para que Cristo precisasse morrer na cruz. Todos dizemos isso na teoria, mas na prática, sabemos que uma mentirinha branca não vai te tirar da liderança da igreja. E um homicídio provavelmente vai.

Na prática, há alguns pecados que são socialmente aceitáveis, mesmo na igreja. Há um pecado em particular que tem permeado nossa sociedade e nossas igrejas tão silenciosamente que nós raramente prestamos atenção, que é a busca constante por mais, por além do que é suficiente. Ou, usando uma palavra mais feia, o que nós chamamos de glutonaria.

Quando eu penso sobre glutonaria, eu penso em meu desejo de devorar uma dúzia de rosquinhas, ajudando a descer com um copo de achocolatado. Ou talvez minha tendência de alimentar meu estômago com salgadinhos quando já nem estou mais com fome. Muitos de nós podem olhar para o pecado da glutonaria e pensar “não é bem com isso que eu luto” ou “que mal há nisso?”. Afinal, a maioria das congregações possuem pessoas que comem demais, e elas não são consideradas “menos espirituais” ou “relapsas” por isso.

Mas a glutonaria não é meramente um vício por comida. E se olharmos em sua definição e contexto originais, a glutonaria se torna muito mais próxima das nossas vidas do que gostaríamos de admitir.

Em sua forma mais básica, glutonaria é o vício da alma no excesso. Ela ocorre quando o gosto domina sobre a fome, quando o querer domina sobre o precisar. E em nossa sociedade, onde “crescer na vida” é o mais comum dos ideais, muitas vezes é difícil distinguir uma conquista merecida de um excesso indulgente. Nesse sentido, mesmo os mais atléticos e musculosos entre nós podem ser glutões. Qualquer um de nós pode ser.

Todo desejo por excesso provém de uma falta de satisfação. Eu não estou satisfeito com a minha porção – seja a porção no meu prato, no leito matrimonial ou na minha conta bancária. Por não estar satisfeito com minha porção, eu busco uma porção maior. Mas porque cada porção é uma parte finita de um todo finito, estou constantemente buscando um excesso que nunca poderá satisfazer.

Essa é a história de Gênesis 3. Qual foi o pecado do Jardim do Éden, se não um desejo por excesso? Adão e Eva receberam um paraíso para os olhos e para o paladar, em total ausência de qualquer vergonha, mas o que fazia do jardim um paraíso não era nada disso. Ali era um paraíso porque Deus andava na viração do dia com eles. Apesar disso, a queda de Adão e Eva ocorreu porque eles consideraram que mesmo isso não era suficiente. Eles não estavam contentes com sua porção no paraíso, e então foram em busca – com consequências desastrosas – de mais.

E como eles, somos seres vorazes. Incorporamos desejos sem fundo sempre à procura da próxima coisa atrativa. Nossos apetites são tão fortes quanto a morte, nos diz Provérbios 27.20. Estamos sempre indo em busca da próxima coisa que poderá satisfazer e aplacar nossa sede infinda. Essa inclinação sem fim é o que move a glutonaria. É o que propulsiona nossas almas sempre em direção ao excesso.

E mesmo assim, o desejo por “mais” não é inerentemente mau, mas é quase sempre mal direcionado. O que nós precisamos é de um apetite incansável pelo divino. Precisamos de uma santa voracidade. Nossas carentes almas podem se voltar e serem capturadas por uma bondade encontrada na presença do Deus todo glorioso. Há apenas uma fonte infinita de satisfação que pode satisfazer nossos desejos sem fim.

Uma pequena prova de Sua graça suprema é o suficiente para atrair um apetite há muito prisioneiro de porções menores. Se água roubada é doce, graça abundante é ainda mais doce.

E há um efeito colateral estranho: quanto mais bebemos do amor sem fim do Deus infinito, mais nossos gostos serão transformados. A essência da graça vai permear cada vez mais fundo as almas incansáveis dos mais carentes.

Na busca por porções menores, nosso paladar foi anestesiado. Nos tornamos dormentes para nossa fome real, nos enchendo com efemeridades. Mas quando voltamos à fonte, nossos sentidos são renovados.

O Salmo 34.8 nos desafia a enxergar a diferença: “Provai e vede que o SENHOR é bom”. Eu entendo que Paulo entendeu esse verso quando disse ao povo de Listra que Deus dá fartura e alegria para que nossos corações se convertam de coisas vãs e se voltem para a satisfação suprema em quem Deus é (Atos 14.15.17).

Consequentemente, se Deus ordenou que sua bondade seja vista e provada (e, implicitamente, ouvida, cheirada e tocada), isso tem, pelo menos, duas implicações diretas. Primeiro, isso significa que cada prazer e satisfação finitos tem o objetivo de nos apontar para o prazer e a satisfação infinitos em Deus. Minha admiração por um pôr-do-Sol não precisa, assim, parar no horizonte, mas deve continuar e subir em adoração e gratidão. Em segundo lugar, isso significa que se nosso desejo por “mais” for mal-direcionado, então certamente ele pode ser redirecionado na direção certa.

O desejo pelo excesso é pecaminoso? Depende de se a alma está buscando um excesso finito ou um excesso infinito. Será que nós sequer pensamos vorazmente em Deus? Nos regozijamos nas chances de gastar alguns minutos a mais em oração, afastados do mundo apenas para provar mais uma vez do divino? Quando foi a última vez que ficamos compenetrados por muito tempo nas páginas de uma Bíblia aberta por não conseguirmos parar de admirar o sabor doce como o mel das verdades antigas? Se a Bíblia é a história do único bem infinito, por que gastamos tanto de nossas vidas em banquetes tão menores que ela?

Nós cristãos domamos nosso deleite em Deus de tal forma que sequer imaginamos como seria viver sempre em busca dEle. Se satisfazer em Deus é algo tão distante para a maioria de nós quanto um estômago vazio. Por que não focamos nossas almas na única bondade que pode lidar com nossos desejos? Por que corremos atrás dos efêmeros sabores do dinheiro, da comida e do sexo?

Como disse George MacDonald, “certas vezes eu acordo e, eis, já esqueci”. Dormir é como um botão de reinício e minha fome muitas vezes é mal direcionada. Penso ter fome do que é finito, mas minha necessidade real é Deus. Para nos lembrarmos disso, precisamos provar profunda, constante e diariamente a bondade de Deus. Então voltemo-nos e regozijemo-nos corretamente.

Traduzido por Filipe Schulz | iPródigo.com | Original aqui
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Por que os Demônios não se arrependem?

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Por Josemar Bessa


"Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno." - Romanos 7:13

Nada é mais salutar para um homem que enxergar a excessiva malignidade de cada pecado. Para isso algumas coisas devem ser lembradas.


Fonte: Josemar Bessa
Divulgação: Bereianos
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