Por John Piper
Talvez tenha sido simples obediência ao mandamento de Cristo expresso em Atos 9.15, 16. Quando Jesus enviou Ananias para abrir os olhos de Paulo depois de ele ter ficado cego na estrada para Damasco, disse: "Vai, porque este [Paulo] é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. Em outras palavras, o sofrimento era simplesmente parte do chamado apostólico de Paulo. Para ser fiel ao seu chamado, ele tinha de receber tudo o que Cristo lhe dava: muito sofrimento.
"Dava" é a palavra certa. Porque, ao escrever aos filipenses, Paulo, incrivelmente, chama o sofrimento de dádiva, do mesmo modo que a fé: "Foi-vos concedida a graça (echaristhe - dar gratuitamente) de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele" (Fp 1.29). Mas isso significaria que a "dádiva" dada a ele como parte do seu apostolado não é vista por Paulo como limitada aos apóstolos. Ela é "concedida" aos crentes de Filipos, a toda a igreja.
Outras pessoas têm feito a mesma descoberta estranha, de que o sofrimento é uma dádiva a ser recebida. Alexander Solzhenitsyn falou do seu tempo na prisão, com todo o seu sofrimento, como uma dádiva. "Foi apenas quando eu estava deitado sobre a palha podre da cela que eu senti dentro de mim o bem se movendo pela primeira vez. Gradualmente, foi-me revelado que a linha que separa o bem do mal não passa entre países, nem entre classes, nem mesmo entre partidos políticos, mas bem pelo meio de todo coração humano — e pelo meio de todos os corações humanos. [...] Bendita seja, prisão, por ter feito parte da minha vida." Solzhenitsyn concorda com o apóstolo Paulo em que o sofrimento é — ou pode ser— uma dádiva não apenas para os apóstolos, mas para cada cristão.
Para mostrar que ele era simplesmente um cristão Isso levanta a seguinte pergunta: será que Paulo acatou seu sofrimento porque isso confirmaria que ele era simplesmente um discípulo fiel de Jesus? Jesus dissera: "Se alguém quer vir após mim, a Si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa, esse a salvará" (Lc 9.23, 24). Portanto, não existe cristianismo verdadeiro sem cruz para carregar e sem morrer diariamente — o que se mostra bem parecido com a exclamação de Paulo: "Dia após dia, morro!" (ICo 15.31). Mais que isso, Jesus tinha dito aos seus discípulos: "Não é o servo maior que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros" (Jo 15.20). Por essa razão, alguma coisa estaria errada se Paulo não partilhasse os sofrimentos de Jesus. Jesus dera aos seus discípulos uma imagem sinistra do ministério deles: "Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos" (Lc 10.3). E lhes prometera: "Sereis entregues até por vossos pais, irmãos, parentes e amigos; e matarão alguns dentre vós" (Lc 21.16); "sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome" (Mt 24.9).
É evidente que Paulo não pensava que essas promessas de sofrimento restringiam-se aos primeiros doze apóstolos, porque passou-as às suas igrejas. Por exemplo, ele encorajou todos os seus convertidos, dizendo-lhes: "Através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus" (At 14.22). E animou os atribulados crentes de Tessalônica, dizendo-lhes: "Ninguém se inquiete com estas tribulações. Porque vós mesmos sabeis que estamos designados para isto" (lTs 3.3). E, ao escrever para Timóteo, formulou um princípio geral: "Todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos" (2Tm 3.12). Quando falava dos seus sofrimentos, não dizia que eram exclusivos, mas incentivava as igrejas: "Sede meus imitadores" (ICo 4.16). Portanto, seria compreensível se Paulo aceitasse uma vida de sofrimento porque simplesmente confirmaria que ele era cristão. "Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros."
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