Alguém poderá perguntar, entretanto — Procurar a glória de si mesmo não é revelar egoísmo e até mesmo orgulho? É com reverência que formulamos esta pergunta e a formulamos somente porque os homens são por tal forma insensatos que às vezes, sem fazer a necessária distinção entre o Criador e suas criaturas, fazem perguntas como esta, e levantam objeções dessa natureza. É egoísmo e vaidade um homem procurar sua própria glória. Mas não é assim com o Criador. Consideremos os fatos seguintes a respeito deste assunto:
1. Devemos notar, em primeiro lugar, que Deus é o único ser auto-existente. Em última análise, ele é, o único ser que tem o direito de existir Todos os outros seres foram criados por ele e dependem dele. Tudo que somos e temos vem de Deus. Todas, as coisas boas que existem foram por Ele criadas e são expressões de suas infinitas perfeições. Toda a beleza, bondade e glória que há no universo, nos seres racionais como nos irracionais, tanto no mundo físico como na espiritual, vieram dele e são expressões ou revelações de sua glória. Nenhum homem e nenhuma outra criatura têm o direito de vangloriar-se do que é ou tem, porque, não e o originador de nada. Tudo quanto temos recebemos de Deus. Tudo o que de bom façamos, devemo-lo ao fato de Deus nos ter dado capacidade de fazê-lo. E se nessas coisas há alguma glória, a quem pertence ela? A Deus, naturalmente, que as criou como revelações de suas perfeições. Esta é a razão de Paulo haver escrito; “Quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1Cor.4.7). O homem nada tem em si de que se vanglorie, visto como nada há que não tenha recebido. É assim com Deus?
2. Em segundo lugar devemos notar qual é o sentido em que Deus procura sua glória em tudo. Não é no sentido comum e humano em que procuramos nossa própria glória. Deus tem em si mesmo glória infinita e nada pode ser acrescentado a ela. Para ser feliz ou glorioso Ele não precisa de suas criaturas. Há beleza natural e eterna em sua santidade e em todos os seus atributos. Quando a Bíblia diz que tudo tem por alvo a glória de Deus, quer dizer que tudo tem por finalidade revelar a glória de Deus. Foi isso que Davi expressou no Salmo 19: “Os céus proclamam a glória de Deus e o Armamento anuncia as obras Idas suas mãos”. A glória de Deus existiu desde toda a eternidade. Ele porém decidiu revelá-la nas obras de sua criação, redenção e providência, para nossa admiração e felicidade. Proclamar a beleza de sua santidade, anunciar a grandeza do seu poder, louvar a glória de sua misericórdia é o gozo de nosso culto na terra, e será a felicidade de nossa adoração no céu.
3. Em terceiro lugar devemos notar que, se a criação é apenas a revelação da glória de Deus, é um insensato desvio de seu real objetivo atribuir glória a qualquer criatura, porque será dar à coisa criada a glória que pertence ao seu autor. Que tolice seria dar à música a glória que pertence ao musicista; ou dar a uma peça artística a glória que pertence ao artista seu autor! Quando uma criatura se gloria, é o mesmo que um edifício jactar-se de sua solidez e beleza, ao invés de atribuí-las ao arquiteto. (Jer.9:23,24).
Penso que temos aqui uma explicação do grande drama do pecado e revolta no universo, a saber, as criaturas, em vez de darem a Deus o louvor e a glória que Ele merece por havê-las criado como são e por haver-lhes dado o que elas têm, glorificaram-se a si mesmas como se devessem tudo a si próprias. Foi este o caso de Satanás, que se gloriou em sua beleza e sabedoria, resolvendo roubar a glória de Deus. “Ó estrela da manhã, filho da alva!... Dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono... serei semelhante ao Altíssimo” (Is.14:12-14; cf. Ez.28:1-19; Mat.4:8-10; 2Tess.2:3-9). E este é também o caso dos homens que, como disse Paulo, “tendo conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rom.1:21). O que mais encantou a Adão e Eva, na tentação, foi, “Como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gen.3:5). E alguns em seu orgulho tolo, têm até aceitado homenagem que pertence somente a Deus (cf. At.12:20-23).
4. Em quarto lugar, no caso de Deus, procurar sua própria glória não pode ser orgulho nem egoísmo, porque Ele é contrário a todo orgulho e egoísmo (veja-se Tg.4:6). Além disso, Ele deu a mais maravilhosa prova de altruísmo e humildade na encarnação, vida e morte de seu único Filho, a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima. “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em forma humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz" (Fp.2:5-9). E assim o Filho de Deus, em sua humilhação ofereceu o maior contraste do orgulho de Satanás, porque enquanto este, sendo criatura, exaltou-se procurando ser igual a Deus, Cristo, sendo Deus, humilhou-se, tornando-se criatura, para vindicar a glória de Deus e salvar o gênero humano. E assim o orgulho da criatura resultou em pecado e condenação, e a humilhação do Criador resultou em glória e salvação. Não foi esta a razão por que Deus permitiu o pecado, para que pudesse mostrar, pelos sofrimentos de seu Filho unigênito, que Ele não somente tem a glória e a honra e o poder, mas que também é digno de recebê-los? (Veja-se Apoc.4:11; 5:12).
Obedeçamos, pois, as insistentes recomendações da Bíblia, que nos convida a louvar o Senhor. “Louvai o Senhor”. “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1Co.1:31). “Quer comais, quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co.10:31). “Para que em todas as coisas seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém” (1Pe.4:11).
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Fonte: Escolhidos em Cristo - O Que de Fato a Bíblia Ensina Sobre a Predestinação, Samuel Falcão, ed. Cultura Cristã, pág. 78-81.
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