O que aprendi lá no Éden

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Por: Levi Bronzeado

O Éden não é uma metáfora, muito menos uma alegoria ou parábola. Metáfora não é, senão no sentido trivial em que todos os nomes são metafóricos.

No meu Éden imaginário se situam versões utópicas de religião, de poesia e de psicanálise. Na verdade, para mim, essas utopias são gazuas que servem para arrombar as janelas da realidade.

Eu estava lá na pele daqueles dois seres angelicais, transformados em criaturas humanas pelo egoísmo de lutar até a morte pelos seus interesses.

Para os Egípcios, o mundo acabou com Alexandre. Para os Bizantinos, com o saque dos Cruzados. Para os Incas e os Astecas, com os espanhóis. No entanto, o meu Éden é herdeiro daquilo que não acaba em cada fim de mundo. Nele se encontra o que se perdeu na realidade comum, ou o que nem chegou a haver. O meu Éden está nas memórias do “não ser” de minha mais remota infância.

A lógica no meu Éden não objetiva proibir inferências falsas. Não é uma lógica restritiva, mas uma lógica produtiva. Foi a outra criatura, tirada de dentro de mim, que me abriu os olhos para ver o diferente, que me fez do “não ser” um “ser”. Surgira ali a diferença do inesperado que pela primeira vez me fez pensar, investigar e duvidar.

Do dia-a-dia de minhas dimensões edênicas, uma via se abriu para superar a relativa paralisia em que me encontrava, quando estava só. Enveredamos agora, eu e a minha “costela encurvada”, pelo caminho dos resultados imediatos. Com o feminino tirado de mim, aprendi que cada um se faz no outro; cada um se vê no outro. Juntos, descobrimos o “verbo” que significa ação. Surgiu então o primeiro diálogo humano sob a forma de uma audácia transgressora que cuidava modelar um novo rosto contemporâneo de nosso Criador, com nossa própria carne e sangue. Porém, Deus não é um alvo abstrato, nem uma necessidade lógica, tampouco um alto edifício em que se harmonizem nossos silogismos e nossas fantasias. Deus não é um destilado inodoro e neutro; nem o feminino nem o masculino de nosso cérebro.

Saímos eu e minha costela arfante e falante, do ritmo da marcha de Deus, para se ajustar ao ritmo de nossa própria vida, pequena e fugaz. Queríamos conhecer o efêmero, vibrante e misterioso prodígio da existência, com olhos novos, com ouvidos novos, com paladar e olfato renovados pelo desvairado desejo de ser como o Criador.

Expulsos do Éden descortinou-se a nossa frente o belo e fascinante espetáculo de um mundo anárquico e hedonista.

O Criador vendo o Éden vazio vaticinou que um dia resgataria o homem. A desobediência do homem não seria obstáculo, porque um dia, a Sua palavra escrita em nossos corpos se converteria em Sagrada Escritura.

A saudade do Éden nos persegue invisível por trás dos fenômenos, querendo nos levar de volta àquele lugar vibrante e sobrenatural onde fomos forjados.

Em meio a anarquia desabalada do mundo, a saudade do Éden nos faz afundar nos subterrâneos de nossas almas, numa tentativa inócua de reaver o “não ser” do Paraíso perdido.


DEUS

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...

(Fernando Pessoa)


Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 13 de outubro de 2009

Fonte: [ Ensaios & Prosas ]

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