Por Martinho Lutero
Voltemo-nos agora para João, que também escreveu com eloqüência contra o "livre-arbítrio". Diz ele, em João 1.5: "A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela". E, em João 1.10,11: "Estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o rece¬beram". Por "mundo", João dá a entender a humanidade inteira. Visto que o "livre-arbítrio" seria umas das mais ex¬celentes faculdades do homem, deve ser incluído em qualquer coisa em que João diz acerca do "mundo". Por conseguinte, de acordo com esses textos, o "livre-arbítrio" não reconhece a luz da verdade, mas antes, odeia a Cristo e ao seu povo. Muitas outras passagens, como João 7.7; 8.23; 14.7; 15.19; e 1 João 2.16; 5.19, proclamam que o "mundo" (o que inclui, especialmente, o "livre-arbítrio") está debaixo do controle de Satanás.
O "mundo" inclui tudo quanto não foi separado para Deus por meio do Espírito Santo. Ora, se tivesse havido alguém neste mundo que, por meio de seu "livre-arbítrio", tivesse chegado a conhecer a verdade e que, por intermédio do "livre-arbítrio", não tivesse odiado a Cristo, então João teria alterado o que escreveu. Entretanto, ele não o fez. Torna-se evidente, portanto, que o "livre-arbítrio" é tão culpado quanto o "mundo". Em João 1.12,13, o mesmo apóstolo prossegue: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus". As palavras "não nasceram do sangue" significam que é inútil alguém depender de sua origem familiar ou do local do seu nascimento. As palavras "nem da vontade da carne" apontam para a insensatez de se depender das obras da lei. E as palavras "nem da vontade do homem" mostram que nenhum esforço humano pode conseguir tornar alguém aceitável a Deus.
Se é que o "livre-arbítrio" tem alguma utilidade, então João não deveria ter rejeitado a "vontade do homem", porquanto, de outro modo, estaria em perigo conforme Isaías 5.20: "Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal". Não há margem para dúvida de que a origem familiar é inútil para que alguém, através dela, venha a obter a salvação, porque em Romanos 9.8 Paulo escreve: "Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa".
Além disso, João também afirma, em João 1.16: "Porque todos nós temos recebido da sua plenitude, e graça sobre graça". Isso posto, recebemos bênçãos espirituais exclusivamente através da graça derivada de Outrem, e não através de nossos próprios esforços. Duas idéias contrárias não podem ser ambas verdadeiras. É impossível que a graça divina seja tão sem valor que qualquer um, em qualquer lugar, seja capaz de obtê-la, ao mesmo tempo que essa graça é tão valiosa que só podemos recebê-la através dos méritos de um único homem, Jesus Cristo.
Como eu gostaria que os meus opositores percebessem que quando advogam a causa do "livre-arbítrio", estão negando a Cristo. Se podemos obter graça divina mediante o nosso "livre-arbítrio", então não temos necessidade de Cristo. E, se temos a Cristo, não precisamos do "livre-arbítrio". Aqueles que defendem o "livre-arbítrio" atestam sua negação a Cristo por meio de suas ações, porquanto alguns deles chegam ao extremo de apelar para a intercessão de Maria e de "santos", não dependendo de Cristo como o único mediador entre Deus e o homem. Todos esses têm abandonado a Cristo em sua obra como mediador e gracioso salvador, considerando os méritos de Cristo de menor valor do que seus próprios esforços.
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Fonte: Nascido Escravo, Ed. Fiel, Cap. 1, Argumento 12.
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