Anunciando o evangelho num mundo pós-moderno - 3/5

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Por Rev. Felipe Camargo


3. Aplicação da mensagem

As duas grandes seções de Joel (Joel 1.8-14; 2.12-26) também mostram como ele se preocupava com que a mensagem fosse aplicada aos ouvintes. Após mostrar as calamidades e mostrar o erro, Joel chama o povo ao arrependimento. É importante que o pregador tenha essa preocupação em trazer mudança ao povo a quem prega. Usando a figura de John Stott, é necessário que o pregador construa uma ponte que ligue as duas épocas que são bem diferentes. [54]

De fato, a aplicação da mensagem e transformação dos ouvintes é obra do Espírito Santo. Como afirma Shedd, “pregar uma mensagem bíblica sem esse gracioso ministério do Espírito não produzirá qualquer benefício eterno”.[55] Um bom discurso sobre a Palavra de Deus sem o auxílio do Espírito não passará de uma boa palestra.[56] Mas, isso não exclui a tarefa do pregador de mostrar o que o texto exige dos crentes. É com isso em mente que Shedd também afirma:

“Se não se focaliza na necessidade dos ouvintes como pecadores, distantes de Deus e de sua vontade perfeita, o pregador pode facilmente disparar uma flecha sem ter um alvo em vista. Seguramente essa flecha se perderá”. [57]

Para Chapell, por exemplo, a aplicação é tão importante que ela não somente direciona como o pregador irá expor o texto [58], mas que sem a aplicação a exposição não está completa.[59]

Portanto, duas tarefas primordiais para um pregador são a interpretação do texto e a interpretação dos ouvintes. Mas estas não são as únicas tarefas. O pregador ainda tem o desafio de apresentar uma aplicação das verdades do texto dentro do contexto dos ouvintes. Por isso, Fergunson alerta que:

“É possível instruir, e ainda assim falhar ao nutrir aqueles a quem pregamos. É possível nos dirigirmos à mente, mas fazer isso com pouca preocupação em ver a consciência, o coração e as afeições alcançadas e purificadas, a vontade direcionada e a pessoa inteira transformada por uma mente renovada.” [60]

Por isso, no preparo do sermão o pregador só pode considerar sua tarefa completa no momento em que conseguir identificar as aplicações apropriadas para aquele determinado texto. [61]

Observando um pouco mais as aplicações de Joel pode-se perceber que ele não mostra apenas o que fazer, mas também como deveria ser esse arrependimento e o porquê desse arrependimento. Mais uma vez Joel se torna um padrão para o pregador atual. Essas três abordagens devem ser básicas para uma aplicação bem sucedidas.

• O que deveriam fazer: Eles deveriam se arrepender não apenas externamente, mas, principalmente internamente. Deveriam santificar suas vidas e se voltarem para Deus. Este é o arrependimento exigido para que pudessem receber o favor de Deus novamente.
 Como deveriam fazer: Primeiro diz que todos deveriam se reunir em assembleia solene, incluindo até mesmo as crianças. Todos deveriam fazer jejum, se vestir de pano de saco, se entristecer pelo pecado e rogar o favor de Deus. A maneira como deveriam se arrepender, portanto, é estabelecido pelo próprio profeta.
• Por que deveriam fazer: Como já apresentado, as consequências desse verdadeiro arrependimento trariam não apenas recompensas materiais, mas também espirituais. Não somente os castigos seriam retirados, mas também a promessa de que receberiam também o Espírito de Deus. Corretamente afirma Shedd: “Se os ouvintes não sabem porque devem cumprir as ordens de Deus, a mensagem pode ter um cheiro mais forte de sinagoga do que de igreja. Ela é mais parecida com regras vazias de homens, do que com a Palavra transformadora do Senhor”. [62]

Corretamente, portanto, Olyott afirma que o pregador deve dizer não somente “o que” fazer, mas também “como” fazer dando sugestões sempre que possível e apontar o “por que” fazer. [63] 

O objetivo principal da aplicação é a preocupação em ver vidas sendo transformadas pela palavra de Deus. Se este não for o propósito tanto a aplicação quanto a própria pregação perdem o sentido de existir. De fato, esta tarefa tem se tornado cada vez mais difícil, como explica Mohler:

“Seja pelo pregador ou pelo púlpito, simplesmente não há muita admoestação na igreja hoje. Em nossos dias, isso seria considerado intolerante, invasivo e até mesmo uma imposição. Na verdade, seria mesmo uma arrogância. Mas a função do pregador é expor o erro e revelar o pecado”.[64] 

No entanto, independente da dificuldade, o pregador precisa chamar o povo para uma mudança de vida. Se não fosse por essa preocupação, a mensagem de Joel não teria sentido algum. 

O grande reformador Calvino era um claro exemplo de pregador que visava a transformação dos ouvintes. Para ele, o propósito da pregação do evangelho é exatamente para que Deus guiasse todas as nações à obediência da fé.[65] Lawson, falando sobre os princípios de pregação de Calvino, diz:

“Em suas pregações, repetidas vezes instou seus ouvintes a viverem a realidade do texto abordado. Ao falar do púlpito, o reformador enchia de persuasão afetuosa e apelos fervorosos. Ele pregava com intenção de impelir, encorajar e estimular sua congregação a seguir a Palavra”. [66] 

Mas, como mostra Anglada, esta não era uma preocupação apenas de Calvino, mas também de outros reformadores e puritanos.[67] 

Se toda aplicação deve visar a mudança de vida dos ouvintes,[68] então, todo sermão deve ter uma chamada à esta mudança. Mohler, quanto a isso diz:

“Creio que o alvo da pregação é compelir as pessoas a tomarem uma decisão. Quero que as pessoas me ouçam para entenderem exatamente o que a Palavra de Deus exige delas, quando eu termino. Elas devem dizer ‘Sim, eu farei o que Deus está dizendo’ ou: ‘Não, não farei o que Deus está dizendo’”.[69]

E complementa:

“Todo Sermão apresenta ao ouvinte uma decisão compulsória. Obedeceremos ou desobedeceremos à Palavra de Deus. A autoridade soberana de Deus opera por meio da pregação de sua Palavra para exigir obediência de seu povo” [70]

Shedd alerta que “quando uma mensagem não consegue transformar o coração, fatalmente o endurece”[71] O pregador, portanto, não deve se sentir alegre por elogios recebidos devido à sua eloquência, mas quando percebe que vidas estão sendo transformadas pela exposição da Palavra de Deus e aplicação dela.

Continua nos próximos dias...

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Notas:
[54] STOTT. La predicación. p. 132.
[55] SHEDD. Palavra viva. p.19.
[56] Ibid. p. 58.
[57] Ibid. p. 92
[58] CHAPELL, Bryan. Pregação Cristocêntrica. São Paulo: CEP, 2002. p. 219-222.
[59] Ibid. p. 222.
[60] FERGUNSON. Pregando ao Coração. p. 121.
[61] CHAPELL. Pregação Cristocêntrica. p. 220.
[62] SHEDD. Palavra viva. p.94.
[63] OLYOTT, Stuart. Pregação pura e simples. São José dos Campos: Fiel, 2008. p. 105-113; OLYOTT, Stuart. Ministrando como o Mestre. São José dos Campos: Fiel, 2005. p. 23,24. 
[64] MOHLER. A primazia da pregação. p. 29.
[65] CALVINO, João. Exposição de Romanos: Comentário à Sagrada Escritura. São Paulo: Edições Paracletos, 1997. 524.
[66] LAWSON, Steven J. A arte expositiva de João Calvino. São Paulo, SP: Fiel, 2008. p. 99-100.
[67] ANGLADA. Introdução à Pregação Reformada. p. 188-191.
[68] CHAPELL. Pregação Cristocêntrica. p. 219.
[69] MOHLER. Deus não está em silêncio. p. 79
[70] Ibid. p. 79.
[71] SHEDD. Palavra viva. p.11

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Divulgação: Bereianos

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