Desmistificando o relato bíblico da mulher adúltera

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Por Thiago Oliveira


O que desejo com este artigo não é trazer novidade, mas sim falar de algo que é de ampla aceitação para os estudiosos das Escrituras: Jesus cumpriu as ordenanças da Lei. E não podia ser diferente, uma vez que ele veio fazer Justiça. De maneira alguma poderia transgredir a Lei; Cristo cumpriu-a por completo, por isso foi declarado justo e pôde, através da sua propiciação tornar os homens justos diante de Deus. Como está escrito em Romanos 5: 17-19:

Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus Cristo. Consequentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos”.

O pecado é a transgressão da Lei (1Jo 3:4) e Jesus nunca pecou (1Jo 3:5). Logo, Jesus não desobedeceu nenhum ponto da lei mosaica, tal como ele mesmo diz em Mateus 5: 17-18:

"Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra”.

Como disse anteriormente, não vos trago novidades e, recentemente, li um ótimo artigo do Frank Brito¹ sobre o tema, de modo que decidi escrever sobre o mesmo assunto não para superá-lo, mas sim, para realçar essa verdade bíblica. Talvez você ainda não tenha entendido o título dessa postagem, então aí vai uma justificativa: Muitos tem usado o relato bíblico da mulher adúltera para defender a tese de que Cristo teria descumprido e suplantado Moisés. Se isto for verdadeiro, então o Nazareno era um farsante e seu sacrifício não possui a menor validade "Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus;" (Hebreus 7:26).

O relato em questão se encontra no capítulo 8 do Evangelho de João e descreve uma armadilha dos fariseus para acusarem Jesus (v.6). Mas acusá-lo como? E de que? Ou de ser contrário a Lei, desqualificando seu ministério, pois nenhum judeu daria ouvidos a um messias que fosse contrário a Moisés, ou de ser um contraventor e desacatar a autoridade do Império Romano. Isso será pormenorizado mais adiante. 

Fato é que uma mulher foi trazida por ter sido pega em flagrante adultério (v.4). O que fazer com ela? No caso de adultério, a pena de morte deveria ser aplicada. Todavia, existe algo errado nesse “tribunal farisaico”. No pentateuco diz que serão mortos o homem e a mulher que adulterarem (Deuteronômio 22:22). Só que os fariseus apresentam apenas a mulher para receber a sua sentença, o que constitui um grave erro da aplicação da Lei.

Outro aspecto importante é a idoneidade das testemunhas. Ninguém poderia ser acusado por uma só pessoa (Deuteronômio 19:15) e Deus requeria que a testemunha fosse inocente do crime cometido pelo acusado. Cabiam as testemunhas arremessarem as primeiras pedras (Deuteronômio 17:7). Porém, se fosse falsa a acusação, aqueles acusadores que intentaram a morte de seu irmão injustamente, receberiam a punição pela qual planejaram aplicar ao seu próximo (Deuteronômio 19:19).

Diante do que foi exposto, quando Jesus afirma “se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela” (v. 7), ele está se referindo aquela fraude montada apenas para acusá-lo. Ele até ordena que as testemunhas joguem as pedras, em conformidade com Deuteronômio 7:7, contudo, as testemunhas precisavam atender os requisitos acima citados. A justiça deveria ser aplicada por magistrados que andassem em integridade (Deuteronômio 16: 18-20). Bem, ninguém ali naquele contexto era magistrado, e ainda por cima estavam torcendo a justiça. Por isso que aqueles homens foram saindo um a um e não cometeram o apedrejamento (v.9).

Também era sabido por todos que as leis só poderiam ser aplicadas por autoridades romanas, isso era uma imposição do Império que havia dominado os judeus ainda no século VI a.C. Vale lembrar que Jesus foi levado a Pilatos, para que este aplicasse a sentença de morte a Cristo (João 18:31). Esse era o cerne da armadilha farisaica: Acusar Jesus de ser contra Moisés, deixando-o acuado para aplicar uma pena capital que competia ser efetuada pelos romanos. Jesus, sabiamente, livra-se das duas acusações.

Desmistificando a interpretação de que Jesus foi indulgente ao ponto de não aplicar o que Deus prescrevera por intermédio de Moisés, faz-se necessário agora explicar que diferente de Cristo, não estamos debaixo da Lei. Ele estava submetido a ela porque o Novo Testamento só seria válido (como todo testamento) após a sua morte. Assim nos diz Hebreus 9: 16-17:

No caso de um testamento, é necessário que comprove a morte daquele que o fez; pois um testamento só é validado no caso de morte, uma vez que nunca vigora enquanto está vivo aquele que o fez”.

Agora debaixo da nova aliança, alguns aspectos da Lei continuam sendo observados. É o caso dos 10 mandamentos (Êxodo 20). Até hoje matar, roubar, jurar falsamente, tomar o nome de Deus em vão e etc. continuam sendo pecado e o povo de Deus não pode praticar tais abominações. O que mudou foram os aspectos que tipificavam Cristo, dentre eles, tomo emprestado uma lista feita pelo Pr. John Piper:

1 - Os sacrifícios de sangue cessaram, pois Cristo cumpriu tudo para o que eles estavam apontando. Ele foi o sacrifício final, irrepetível, pelos pecados. Hebreus 9:12: “Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção”.
2 - O sacerdócio que ficava entre o adorador e Deus não existe mais. Hebreus 7:23-24: “E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande número, porque pela morte foram impedidos de permanecer. Mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo”.
3 - O templo físico cessou de ser o centro geográfico da adoração. Agora, o próprio Cristo é o centro da adoração. Ele é o “lugar”, a “tenda” e o “templo” onde encontramos Deus. Portanto, o Cristianismo não tem centro geográfico, nem em Meca, nem em Jerusalém. João 4:21-23: “Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai...Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem”. João 2:19-21: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei...Mas ele falava do templo do seu corpo”. Mateus 18:20: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. 
4 - As leis alimentícias, que colocavam Israel aparte das nações, foram cumpridas e acabadas em Cristo. Marcos 7:18-19: “E ele [Jesus] disse-lhes: Assim também vós estais sem entendimento? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora?... (Assim declarou puros todos os alimentos)”.
5 - O estabelecimento da lei civil sobre a base de um povo etnicamente fixado, que foi diretamente ordenada por Deus, cessou. O povo de Deus não é mais um corpo político unificado ou um grupo étnico ou um estado-nação, mas são peregrinos e forasteiros entre todos os grupos étnicos e Estados. Portanto, a vontade de Deus para os Estados não deve ser tomada diretamente da ordem teocrática do Antigo Testamento, mas deve ser agora restabelecida de lugar para lugar e de tempo para tempo, pelos meios que correspondam ao governo soberano de Deus sobre todos os povos, e que correspondam ao fato de que a genuína obediência, enraizada como ela é na fé em Cristo, não pode ser coagida pela lei. O Estado é, portanto, fundamentado em Deus, mas não expressivo da regra imediata de Deus. Romanos 13:1: “Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus”. João 18:36: “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos”.²

Cabe a nós louvarmos Aquele que é Santo. Cabe a nós a reverência devida ao Cristo entronizado entre as nações. Ele perdoou a mulher adúltera (v.11) alertando-a de que ela não deveria mais viver na prática do pecado. Isso é comprometimento com a Palavra, algo que nos falta hoje. Como Igreja, devemos ser misericordiosos e buscarmos o tratamento do pecador arrependido. Só não podemos usar uma indulgência frouxa que passa por cima dos mandamentos do SENHOR:

Mateus 5:19 – “Todo aquele que desobedecer a um desses mandamentos, ainda que dos menores, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no Reino dos céus; mas todo aquele que praticar e ensinar estes mandamentos será chamado grande no Reino dos céus”.

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[1] Quem Está Sem Pecado, Atire a Primeira Pedra. Disponível em:
[2] Como Cristo Cumpriu e Acabou com o Regime do Antigo Testamento. Disponível em:

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Divulgação: Bereianos
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