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Calvinistas e arminianos concordam que o ser humano é totalmente depravado. Talvez seja este um dos principais pontos de convergência entre TULIP[1] e FACTS[2], os sistemas soteriológicos calvinista e arminiano respectivamente. Isso significa que todas as faculdades do homem foram afetadas pelo pecado, inclusive a vontade, de modo que, à parte da graça de Deus ninguém pode ser salvo. Neste sentido, tanto calvinistas quanto arminianos são contra a ideia pelagiana de que o homem não foi afetado pela queda de Adão e que, por isso, ele pode se achegar a Deus por sua livre vontade.
O ponto de divergência entre calvinistas e arminianos é como o homem pode ser salvo uma vez que ele está morto em delitos e pecados (Ef 2.1). O calvinista dirá que é Deus quem opera eficazmente na vida do homem para que ele se converta, de modo que uma resposta contrária não é possível. Isto é, Deus age sozinho por intermédio do Espírito Santo para que o homem seja convencido do seu pecado e creia. Isso é o que chamamos de monergismo. No que diz respeito a operação da graça, dizemos que ela é irresistível. Para o arminiano, Deus concede uma graça que capacita o homem a crer. Se Deus não tomasse a iniciativa ninguém seria salvo. Contudo, essa graça não é eficaz no sentido de que ela não torna a resposta do homem certa. Ou seja, Deus concede sua graça a fim de tornar possível que o homem creia, mas não o faz crer, pois a fé é resultado da cooperação de Deus e do homem (sinergismo)[3]. É nesse sentido que arminianos afirmam que Deus não crê pelo homem. Deste modo, a graça é resistível (do ponto de vista arminiano).
Nas palavras do próprio Armínio:
Eu não irei comentar sobre esta citação, pois a minha intenção foi apenas deixar claro que até para o arminianismo a fé é um dom de Deus. No entanto, nos voltemos agora para o ponto de divergência entre calvinismo e arminianismo: como o homem chega à fé?
Segundo o arminianismo, a fé só é possível porque Deus concede a sua graça preveniente. Como o próprio nome sugere, a graça preveniente é uma graça que “vem antes”, que antecede a conversão. Há duas visões dentro do sistema arminiano a respeito da extensão da graça preveniente. Para Armínio, a graça preveniente é concedida através da pregação do evangelho, nesse sentido, nem todas as pessoas se beneficiarão dela, pois algumas pessoas nunca ouviram o evangelho. Outra visão foi proposta por John Wesley. Ele afirmava que existe uma medida de graça preveniente disponível para todo homem que vem ao mundo. Wesley fez uma conexão da doutrina da graça preveniente à doutrina da providência de Deus. Nesse sentido, nenhum ser humano estaria alheio à alguma medida desta graça. Em outras palavras, a graça preveniente coloca o homem numa posição na qual ele pode escolher entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, aceitar a Cristo ou rejeitá-lo.
Seja como for, o arminianismo afirma a necessidade de uma “graça capacitadora” para que o homem possa crer, a saber, a graça preveniente. Na tentativa de sustentar este ensino, arminianos utilizam alguns textos (Jo 1.9; Jo 6.44; Jo 12.32). Dentre estes, talvez o principal versículo utilizado na tentativa de fundamentar esta ideia é Jo 1.9. É este verso que iremos analisar.
O texto diz: “Pois a verdadeira luz, que ilumina a todo homem, estava chegando ao mundo.” Arminianos veem aqui uma evidência para a doutrina da graça preveniente. Steve Witzki, por exemplo, afirma que Jo 1.9 “ensina que Cristo trouxe luz suficiente ao mundo para graciosamente iluminar cada pessoa. Esta iluminação não garante a salvação de ninguém, mas torna a salvação possível.” [5] Neste sentido, afirmar que Cristo “ilumina” a todos significa que eles recebem uma forma de “graça comum” que, de alguma forma, restaura o arbítrio perdido em Adão e os coloca em um estado no qual o homem pode agora aceitar ou rejeitar a Cristo.
O problema é que Jo 1.9 de forma alguma ensina isso. Não há nenhuma indicação de que “a luz” ou a graça que provém desta luz coloca o homem em um estado “neutro” no qual ele agora pode dizer sim ou não para Cristo. Alguns arminianos usam a seguinte ilustração: a ação da graça preveniente é como o ato de ligar uma lanterna num quarto escuro. A luz da lanterna não modifica nenhuma propriedade físico-química do quarto, apenas torna visível o que não era visível.
No entanto, esta ilustração não funciona. Na verdade, tal analogia destrói a ideia ensinada pelo arminianismo a respeito da graça preveniente. Se esta luz não traz nenhuma modificação ao ser lançada sobre alguém, mas apenas torna visível o que antes não era visível, a conclusão a qual chegamos soa bastante calvinista. Isto é, a ilustração demonstra que a luz, em vez de trazer alguma capacitação para o homem, revela aquilo que ele é. É neste sentido que a luz ilumina a todo homem.
A propósito, o contexto de João 1.9-13 sugere exatamente isso. A palavra phōtizei (ilumina) se refere não a uma iluminação interior que capacita (ou possibilita) alguém a fazer algo (crer, neste caso), mas a exposição que vem quando a luz é lançada sobre algo. Comentando o uso de phōtizei em Jo 1.9, D.A. Carson afirma:
Assim sendo, a luz expõe e revela o estado moral e espiritual do coração humano. João 1.9 não está afirmando alguma graça que capacita o homem a crer, antes o objetivo da vinda de Cristo, a luz, está relacionada à separação daqueles que o odeiam daqueles que recebem de bom grado a revelação. Em resumo, a luz revela o estado em que as pessoas se encontram no seu relacionamento com Deus.
Podemos afirmar que a doutrina da graça preveniente é uma doutrina muito atraente, pois ela consegue em alguma medida resolver o problema da depravação total do homem a qual o impede de se achegar a Deus. Por outro lado, esta doutrina carece de fundamento bíblico, o fator principal na construção de um sistema teológico. A conclusão que podemos tirar é que a doutrina da graça preveniente é fruto da tentativa de resolver determinados problemas teológicos os quais carecem de base bíblica.
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Notas:
[1] Acróstico do sistema soteriológico calvinista: Total depravity (Depravação total), Unconditional election (Eleição incondicional), Limited atonement (Expiação limitada), Irresistible Grace (Graça irresistível) e Perseverance of the saints (Perseverança dos santos).
[4] The apology or defense of James Arminius, D.D., against Thirty-one Theological Articles, in Arminio, The works of James Arminius: The London edition, 2:52.
[5] http://www.fwponline.cc/v18n2/v18n2witzki.html
[6] D. A. Carson, comentário de João, p.124.
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Por Francisco Alison Silva Aquino
Calvinistas e arminianos concordam que o ser humano é totalmente depravado. Talvez seja este um dos principais pontos de convergência entre TULIP[1] e FACTS[2], os sistemas soteriológicos calvinista e arminiano respectivamente. Isso significa que todas as faculdades do homem foram afetadas pelo pecado, inclusive a vontade, de modo que, à parte da graça de Deus ninguém pode ser salvo. Neste sentido, tanto calvinistas quanto arminianos são contra a ideia pelagiana de que o homem não foi afetado pela queda de Adão e que, por isso, ele pode se achegar a Deus por sua livre vontade.
O ponto de divergência entre calvinistas e arminianos é como o homem pode ser salvo uma vez que ele está morto em delitos e pecados (Ef 2.1). O calvinista dirá que é Deus quem opera eficazmente na vida do homem para que ele se converta, de modo que uma resposta contrária não é possível. Isto é, Deus age sozinho por intermédio do Espírito Santo para que o homem seja convencido do seu pecado e creia. Isso é o que chamamos de monergismo. No que diz respeito a operação da graça, dizemos que ela é irresistível. Para o arminiano, Deus concede uma graça que capacita o homem a crer. Se Deus não tomasse a iniciativa ninguém seria salvo. Contudo, essa graça não é eficaz no sentido de que ela não torna a resposta do homem certa. Ou seja, Deus concede sua graça a fim de tornar possível que o homem creia, mas não o faz crer, pois a fé é resultado da cooperação de Deus e do homem (sinergismo)[3]. É nesse sentido que arminianos afirmam que Deus não crê pelo homem. Deste modo, a graça é resistível (do ponto de vista arminiano).
Nas palavras do próprio Armínio:
“Um homem rico dá esmolas a um pobre e faminto mendigo, com as quais ele poderá ser capaz de manter a si mesmo e à sua família. Isso deixa de ser um presente puro porque o mendigo estendeu sua mão para recebê-la? Pode-se dizer com propriedade que a “esmola dependia parcialmente da liberdade do doador e parcialmente da liberdade do recebedor”, embora o último poderia não ter possuído a esmola a não ser que estendesse a sua mão? Pode se dizer corretamente que porque o mendigo está sempre preparado para receber, “ele pode receber ou não a esmola, como lhe agradar”? Se essas afirmações sobre o mendigo que recebe a esmola não puderem verdadeiramente ser feitas, muito menos podem ser feitas com relação ao dom da fé, cujo recebimento requer muito mais atos da graça divina”[4]
Eu não irei comentar sobre esta citação, pois a minha intenção foi apenas deixar claro que até para o arminianismo a fé é um dom de Deus. No entanto, nos voltemos agora para o ponto de divergência entre calvinismo e arminianismo: como o homem chega à fé?
Segundo o arminianismo, a fé só é possível porque Deus concede a sua graça preveniente. Como o próprio nome sugere, a graça preveniente é uma graça que “vem antes”, que antecede a conversão. Há duas visões dentro do sistema arminiano a respeito da extensão da graça preveniente. Para Armínio, a graça preveniente é concedida através da pregação do evangelho, nesse sentido, nem todas as pessoas se beneficiarão dela, pois algumas pessoas nunca ouviram o evangelho. Outra visão foi proposta por John Wesley. Ele afirmava que existe uma medida de graça preveniente disponível para todo homem que vem ao mundo. Wesley fez uma conexão da doutrina da graça preveniente à doutrina da providência de Deus. Nesse sentido, nenhum ser humano estaria alheio à alguma medida desta graça. Em outras palavras, a graça preveniente coloca o homem numa posição na qual ele pode escolher entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, aceitar a Cristo ou rejeitá-lo.
Seja como for, o arminianismo afirma a necessidade de uma “graça capacitadora” para que o homem possa crer, a saber, a graça preveniente. Na tentativa de sustentar este ensino, arminianos utilizam alguns textos (Jo 1.9; Jo 6.44; Jo 12.32). Dentre estes, talvez o principal versículo utilizado na tentativa de fundamentar esta ideia é Jo 1.9. É este verso que iremos analisar.
O texto diz: “Pois a verdadeira luz, que ilumina a todo homem, estava chegando ao mundo.” Arminianos veem aqui uma evidência para a doutrina da graça preveniente. Steve Witzki, por exemplo, afirma que Jo 1.9 “ensina que Cristo trouxe luz suficiente ao mundo para graciosamente iluminar cada pessoa. Esta iluminação não garante a salvação de ninguém, mas torna a salvação possível.” [5] Neste sentido, afirmar que Cristo “ilumina” a todos significa que eles recebem uma forma de “graça comum” que, de alguma forma, restaura o arbítrio perdido em Adão e os coloca em um estado no qual o homem pode agora aceitar ou rejeitar a Cristo.
O problema é que Jo 1.9 de forma alguma ensina isso. Não há nenhuma indicação de que “a luz” ou a graça que provém desta luz coloca o homem em um estado “neutro” no qual ele agora pode dizer sim ou não para Cristo. Alguns arminianos usam a seguinte ilustração: a ação da graça preveniente é como o ato de ligar uma lanterna num quarto escuro. A luz da lanterna não modifica nenhuma propriedade físico-química do quarto, apenas torna visível o que não era visível.
No entanto, esta ilustração não funciona. Na verdade, tal analogia destrói a ideia ensinada pelo arminianismo a respeito da graça preveniente. Se esta luz não traz nenhuma modificação ao ser lançada sobre alguém, mas apenas torna visível o que antes não era visível, a conclusão a qual chegamos soa bastante calvinista. Isto é, a ilustração demonstra que a luz, em vez de trazer alguma capacitação para o homem, revela aquilo que ele é. É neste sentido que a luz ilumina a todo homem.
A propósito, o contexto de João 1.9-13 sugere exatamente isso. A palavra phōtizei (ilumina) se refere não a uma iluminação interior que capacita (ou possibilita) alguém a fazer algo (crer, neste caso), mas a exposição que vem quando a luz é lançada sobre algo. Comentando o uso de phōtizei em Jo 1.9, D.A. Carson afirma:
“A iluminação interior agora não está em vista (seja da revelação geral seja da luz especial que acompanha a salvação). Antes, o que está em jogo é a revelação objetiva, a ‘luz’, que vem ao mundo com a encarnação da Palavra, a invasão da ‘verdadeira luz’. Ela brilha sobre todo homem e divide a espécie: aqueles que odeiam a luz reagem como o mundo faz (1.10): eles fogem para que suas obras não sejam expostas por essa luz (3.19-21). Mas alguns recebem essa revelação (1.12,13), e assim fazendo testemunham que suas obras são feitas por meio de Deus (3.21). No Evangelho de João, repetidamente acontece que a luz brilha sobre todos e força uma distinção (e.g. 3.19-21; 8.12; 9.39-41). Essa luz “brilha sobre todo homem” (quer ele veja isso quer não) (Barrett, p. 161).”[6]
Assim sendo, a luz expõe e revela o estado moral e espiritual do coração humano. João 1.9 não está afirmando alguma graça que capacita o homem a crer, antes o objetivo da vinda de Cristo, a luz, está relacionada à separação daqueles que o odeiam daqueles que recebem de bom grado a revelação. Em resumo, a luz revela o estado em que as pessoas se encontram no seu relacionamento com Deus.
Podemos afirmar que a doutrina da graça preveniente é uma doutrina muito atraente, pois ela consegue em alguma medida resolver o problema da depravação total do homem a qual o impede de se achegar a Deus. Por outro lado, esta doutrina carece de fundamento bíblico, o fator principal na construção de um sistema teológico. A conclusão que podemos tirar é que a doutrina da graça preveniente é fruto da tentativa de resolver determinados problemas teológicos os quais carecem de base bíblica.
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Notas:
[1] Acróstico do sistema soteriológico calvinista: Total depravity (Depravação total), Unconditional election (Eleição incondicional), Limited atonement (Expiação limitada), Irresistible Grace (Graça irresistível) e Perseverance of the saints (Perseverança dos santos).
[2] Acróstico do sistema soteriológico arminiano: Freed to believe by God’s grace (Libertos para crer pela graça de Deus), Atonement for all (Expiação para todos), Conditional election (Eleição condicional), Total depravity (Depravação total) e Security in Christ (Segurança em Cristo). Para uma melhor compreensão dos cinco pontos do arminianianismo veja:
[3] Perceba que eu não estou afirmando que no arminianismo a fé é algo que parte do homem, uma vez que este sistema nega isso. Arminianos concordam com calvinistas ao afirmar que a fé é um dom de Deus (2.8). No entanto, Deus não torna o resultado pretendido inevitável, pois o homem ainda precisa receber esse dom do alto. Além disso, como eu deixei bem claro, o arminianismo não afirma que a salvação em si é uma obra de Deus e do homem, mas a fé, o que não é exatamente a mesma coisa.[4] The apology or defense of James Arminius, D.D., against Thirty-one Theological Articles, in Arminio, The works of James Arminius: The London edition, 2:52.
[5] http://www.fwponline.cc/v18n2/v18n2witzki.html
[6] D. A. Carson, comentário de João, p.124.
Fonte: Pelo Calvinismo
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