O texto de Colossenses 2.8 é uma censura à filosofia?


O texto de Colossenses 2.8 é uma censura à filosofia?

Por Moyer Hubbard
Tradução Jairo de Oliveira

No meio evangélico, nem todos demonstram uma postura favorável em relação à filosofia. Exemplificando, recentemente recebemos em nosso escritório um aluno que pertence a uma denominação evangélica que desaprova, de modo geral, qualquer formação de nível superior e, em particular, a filosofia. O estudante compartilhou seu sincero desejo de alcançar seus amigos intelectuais com o evangelho. Para tal, reconheceu que precisava compreender os fundamentos filosóficos da cosmovisão dos amigos, mas sua igreja, praticamente, o tem desconsiderado por causa de suas escolhas acadêmicas. Por último, admoestaram-no citando a advertência de Paulo em Colossenses 2.8, que diz: “Cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias...”.

Enquanto eu cursava doutorado na Universidade de Oxford, mantive intenso diálogo com um pastor local que chegou à conclusão deliberada de que o castigo eterno não é ensinado nas Escrituras. Para ele, tal doutrina era resultado do fato de os primeiros cristãos terem adotado o conceito da eternidade da alma, originário da filosofia grega. “A alma humana”, argumentava o pastor, “não foi idealizada para ser eterna, mas, talvez, outorgada eterna pela bondade de Deus quando os perdidos respondem, positivamente, à oferta divina de vida eterna em Jesus Cristo”. Em sua visão, a filosofia grega tem influenciado e corrompido o pensamento cristão de tal maneira que nos deixou “o problema desnecessário do inferno”.

De maneira semelhante, os mórmons (que acreditam que Deus possui um corpo físico) rejeitam a posição ortodoxa de que Deus é um ser imaterial, sem forma física, de acordo com a antiga e desastrosa filosofia de Platão, que defende que a alma é mais “real” que o corpo. Barry Bickmore, um apologista mórmon, crê que esta idéia foi introduzida na igreja, pelos gregos convertidos ao cristianismo, como uma alternativa de tornar o cristianismo mais agradável ao mundo grego: “Sempre haverá a tentação de tornar a fé de alguém mais popular, ‘modernizando-a’, mas o apóstolo Paulo já nos advertiu exatamente contra esse tipo de pensamento: ‘Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas’” (Cl 2.8).

Os cristãos e a filosofia

Historicamente, os cristãos têm-se demonstrado duvidosos sobre a maneira como se comportarem diante da filosofia. Alguns têm seguido Tertuliano, um dos pais da Igreja, ao exigir: “O que tem Atenas a ver com Jerusalém? Que concordância há entre a academia e a Igreja?”. Muitos pensadores cristãos, entretanto, têm seguido Tomás de Aquino e encarado a filosofia como proveitosa, “servente para a teologia”. Um correto entendimento da advertência paulina aos colossenses, com respeito às “filosofias e vãs sutilezas”, é, com certeza, crucial para esta discussão e extremamente relevante para alguns de nós, que defendemos a fé diante dos céticos; estejam eles assentados nos salões acadêmicos ou nos bancos da assembléia dos santos dos últimos dias.

A fim de responder à questão se a advertência de Paulo foi contra a filosofia em si ou uma oposição a algum desvio, é preciso, sem dúvida alguma, examinar o contexto específico do versículo em referência. Mas também é preciso considerar o amplo contexto da vida e das cartas de Paulo. Entender o contexto histórico particular das epístolas paulinas no Novo Testamento freqüentemente é um aspecto-chave para se entender algumas declarações específicas de seus textos.

Paulo e a filosofia

Os familiarizados com a filosofia grega do século 1o observam, muitas vezes, que Paulo também parecia extremamente envolvido com esse assunto. Suas listas de sofrimento (2Co 4.10) e sua forma de diálogo argumentativa (especialmente em sua carta aos romanos) revelam que o apóstolo conhecia os termos dessa discussão. Seu uso de conceitos, tais como: “homem interior” (Rm 7.22; 2Co 4.16) e “auto-suficiência” (2Co 9.8; Fp 4.11), e, ainda, seu apego à utilização de figuras baseadas no corpo humano (Rm 12; 1Co 12), demonstram que ele conhecia a terminologia de argumentar bem e se sentia confortável em utilizá-la. Dirigindo-se aos intelectuais em Atenas, por exemplo, Paulo cita o filósofo estóico Aratus, o que, certamente, era de valor persuasivo para sua audiência: “Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração” (At 17.28).

A similaridade entre as cartas de Paulo e os escritos do grande filósofo estóico Sêneca convenceu a muitos, na Igreja primitiva, que Sêneca, de fato, teria se convertido ao cristianismo e se tornado discípulo de Paulo. Essa crença deu origem à simulação de uma série de cartas entre Paulo e Sêneca, e muitos dos primeiros cristãos julgavam que essas cartas eram verdadeiras. Por isso, não causa admiração as palavras de um erudito Paulino, que disse: “A prática deliberada de Paulo de usar termos estóicos, ao redefinir caminhos, representa uma tentativa cristã de comunicação transcultural”.

É importante observar que, num amplo contexto histórico das cartas e pregações de Paulo, não parece haver necessariamente contradições ou conflitos entre o evangelho e a filosofia. Pelo contrário, Paulo demonstra ter conhecimento da linguagem e dos conceitos filosóficos, e usa esse conhecimento para promover o evangelho.

A heresia colossense

“Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo [...] Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados [...] Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão [...] Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne” (Cl 2.8,16, 8, 20-23).

Observando, agora, os colossenses e o contexto específico do capítulo 2, encontramos Paulo se dirigindo a uma assembléia local que estava sendo infiltrada de falso ensino que ameaçava corromper o evangelho pregado pelo apóstolo. Mas Paulo não nos dá informações suficientes para identificarmos, precisamente, a seita ou “filosofia” descrita por ele. Há alguns indícios, porém, que sugerem que, talvez, o apóstolo estivesse se referindo a um sincretismo híbrido de práticas místicas judaicas e práticas populares pagãs. Então, menciona a observância de dias especiais, incluindo o sábado (v.16); experiências visionárias e culto aos anjos (v.18); submissão aos “espíritos elementares do mundo” (v.20); e abstinência (v. 21,23).

De fato, Paulo está claramente atacando uma forma peculiar de religião especulativa, mas é impossível identificá-la, relacionando-a com qualquer uma das grandes escolas de filosofia conhecidas por nós do mundo greco-romano. Na verdade, é importante ter em mente que a palavra grega filosofia (e seu cognato em latim) tinha uma variedade de significados nesse período e, dependendo do contexto, poderia ser traduzida para “religião”, “especulação” ou “investigação”.

Mais luz é posta sobre esse falso ensino quando consideramos a descrição de Paulo no versículo 8: “Segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”. Provavelmente, a expressão mais importante nesta lista é a que conclui o versículo: “Não segundo Cristo”. Qualquer filosofia ou sistema religioso que não é fundamentado, governado por Cristo e dirigido a Ele, é, necessariamente, uma falsa filosofia ou religião. O alvo primário que Paulo tentava atacar era a especulação “filosófica”, cujo fundamento é meramente a sabedoria humana.

A natureza judaica dessa especulação também é enfatizada na frase “tradições humanas”, expressão que se repete somente em Marcos 7.8, onde Jesus condena os fariseus por rejeitarem “o mandamento de Deus e retêm a tradição dos homens” (Gl 1.14). Os “rudimentos do mundo”. É como Paulo, semelhantemente, descreve a aceitação da Torá pelos gálatas, de acordo com Gálatas 4.3,9. Ao se referir à sincrética especulação judaica como sendo uma “filosofia”, Paulo estava mantendo a mesma analogia que os judeus helenísticos daquela época, algumas vezes, utilizavam quando se referirem à própria fé. O historiador Flávio Josefo denomina o judaísmo e suas várias seitas (essênios, saduceus e fariseus) como “filosofia”, e o escritor judeu de 4Macabeus se refere ao judaísmo em termos semelhantes: “Nossa filosofia [...] ensina temperança, domínio próprio, coragem” (5.22,23). O filósofo judeu Fílon de Alexandria não teve dificuldades também em representar o judaísmo como uma “filosofia” e pode bem ser que em Colossenses 2.8 Paulo esteja utilizando a terminologia dos falsos mestres aos quais se opunha. Dessa forma, poderíamos parafrasear o verso exatamente como segue: “Cuide para que ninguém o torne cativo por meio desse tipo de ‘filosofia’, que é ilusão vazia, meramente fundamentada nas tradições dos homens, segundo os poderes elementares do mundo, e não em Cristo”.

Uma importante advertência

Não há como dizer que Paulo está rejeitando o estudo da filosofia em Colossenses 2.8, mas, mesmo assim, essa passagem contém uma importante advertência que os cristãos precisam observar com atenção. Muitas vezes, o que separa a verdadeira sabedoria da falsa sabedoria é uma linha tênue que pode ser facilmente obscurecida por pessoas com motivos impuros. A advertência de Paulo contra a “sabedoria deste mundo” (1Co 1.20) deveria servir para nos manter atentos aos perigos ocupacionais de rigorosas e extensivas buscas intelectuais. Definitivamente, os cristãos precisam compreender os argumentos dos seus detratores e estarem preparados para que possam se engajar no mundo das idéias (a exemplo de Paulo, em Atenas), mas também precisam ser cuidadosos, a fim de não tirarem seus olhos daquele que é o Autor e Consumador da nossa fé (Hb 12.2).

Notas:

1 BICKMORE, Barry. Does God Have a Body in Human Form? Foundation for Apologetic Information and Research, http://www.fairlds.org/pubs/ GodHaveBody.pdf.
2 Tertullian Prescription against Heretics 7.
3 Thomas Aquinas Summa Theologica 1.Q.1.
4 Aratus Phaenomena 5.
5 Terrance Page. Philosophy, The Dictionary of Paul and His Letters. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1993, p.717.
6 Tradução feita pelo autor a partir do texto grego do Novo Testamento.
7 Flavius Josephus Against Apion 2.47.
8 Flavius Josephus Antiquities 18.11.
9 Philo Judaeus Embassy 156; Dreams 2.127; Names 223; Contemplative Life 26.


Fonte: [ Inst. Cristão de Pesquisas - ICP ]
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2 comentários

olá, ótimo texto. SOU CRISTÃO.Postulante ao ministério eclesiatico, e, no momento, acadêmico de filosofia. Posso dizer que é um ambiente diferenciado, com certeza. O problema atual da filosofia é que muita gente adentra o curso achando que vai encontrar provas contra Deus, a religião. E uma olhada mais rápida vai mesmo levar a estas conclusões. Mas, a mdida com que nos aprofundamos no estudo, imoressionantemente vemos como os filósofos corroboram os teologos. Como há uma aproximação com a religião, com Deus. Claro que há os loucos, mas mesmo em seus ditos, conseuimos extrair boas coisas. Minha fé em Deus aumentou mais depois que en trei la. Mas tens razão, para adentrar no campo das idéias, há que se estar preparado, e ser cuidadoso, principalmente com seus colegas, que nada entendem de nada, e se consideram ateus, céticos, etc, e acham que a filosofia vai lhes dar base para isso. aaengano. E termina muito bem o texto, assim como Paulo diz a Timóteo, mantenha-se fiel.

Um abraço, este site é sempre uma boa surpresa...

Rodrigo.

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