Sobre campanhas de oração e a fé reformada

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Por Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima


Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo. Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu. E orou, de novo, e o céu deu chuva, e a terra fez germinar os seus frutos” (Tiago 5.16b-18).

É característico dos movimentos pentecostal e neopentecostal a realização de “campanhas de oração”, que possuem como propósito a obtenção de alguma “bênção” da parte do Senhor. Não raro nos deparamos com faixas e cartazes convidando as pessoas para as mais variadas campanhas de oração: “Campanha do sabonete”, “Campanha da fogueira santa”, “Campanha do óleo ungido no céu”, “Campanha dos talentos”, “Campanha dos doze cestos cheios” e etc. Tais campanhas possuem os mais variados propósitos: por libertação dos vícios, por prosperidade financeira, por cura das enfermidades, por avivamento, pelo batismo com o Espírito Santo e muitas outras. Nas redes sociais, como o Facebook, por exemplo, existem grupos de discussão intitulados “Campanha de Oração”, cujas descrições são lacônicas o suficiente para não deixarem claro qual o propósito daquele grupo. Quando muito, é dito que o propósito é pedir oração, para que todos orem por determinado período de tempo e, posteriormente, quando a bênção for concedida, o testemunho seja apresentado.

A campanha funciona como uma espécie de dispositivo que, devidamente usado, contribui (para não dizer obriga) para que Deus aja em benefício do suplicante ou do grupo. A ideia subjacente é a seguinte: quanto maior o número de dias, bem como o de pessoas envolvidas nessa campanha, maior a probabilidade que a mesma seja bem-sucedida.

Dado o princípio que estabelece que nossa prática cúltica é uma consequência lógica da nossa teologia[1], não é de se admirar que as igrejas pentecostais e neopentecostais tenham como prática o estabelecimento de campanhas de oração.

É de se estranhar, porém, que tal prática seja encontrada em igrejas presbiterianas, visto as mesmas se tratarem de igrejas reformadas e suas confissões ensinarem algo completamente distinto a respeito da oração. Tem se tornado comum encontrar igrejas e pastores presbiterianos que organizam tais campanhas. O objetivo, portanto, do presente texto é verificar a validade do uso da expressão “campanha de oração” por parte de igrejas e pastores de confissão reformada, por meio da análise das confissões reformadas e outros documentos relevantes para a nossa prática cúltica, sem esquecer de verificar o que as Sagradas Escrituras ensinam a respeito.

A Confissão de Fé de Westminster (1647)

O capítulo 21 da Confissão de Fé de Westminster trata do culto religioso e do domingo. A Confissão coloca a oração como uma parte especial do culto religioso e apresenta como pré-requisitos para que seja aceita: ser feita “em o nome do Filho, pelo auxílio de seu Espírito, segundo a sua vontade, e isto com inteligência, reverência, humildade, fervor, fé, amor e perseverança”.[2] 

Após tratar da oração, a Confissão relaciona os demais elementos de culto:

A leitura das Escrituras, com santo temor; a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com entendimento, fé e reverência; o cântico de salmos, com gratidão no coração; bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo – são partes do culto comum oferecido a Deus, além dos juramentos religiosos, votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, os quais, em seus vários tempos e ocasiões próprias, devem ser usados de um modo santo e religioso.[3]

Após elencar os elementos ordinários do culto, a Confissão menciona alguns elementos extraordinários, sendo que o jejum solene é um deles. Historicamente, as igrejas de confissão reformada têm praticado o jejum solene diante de alguma circunstância fruto da providência divina, não as campanhas de oração. Robert Shaw, comentando este parágrafo da Confissão diz o seguinte: “Os dias de festa estabelecidos, comumente chamados de ‘dias santos’, não têm base na Palavra de Deus, mas um dia pode ser separado por uma autoridade competente, para jejum ou ações de graças, quando dispensações extraordinárias da Providência as exijam”.[4] Ele diz mais: “Quando juízos são ameaçados ou infligidos, ou quando alguma bênção especial for solicitada e recebida, o jejum é eminentemente oportuno”.[5] 

O Diretório de Culto de Westminster (1644)

Visto que a Confissão não tem o propósito de se constituir num Manual de Culto, os teólogos da Assembleia de Westminster elaboraram um documento intitulado Um Diretório para o Culto Público a Deus, nos Três Reinos: Inglaterra, Escócia e Irlanda. O Diretório de Culto de Westminster, como é popularmente conhecido, foi elaborado para, nas palavras de Rowland S. Ward, estudioso da Assembleia de Westminster, “providenciar um esboço de como o culto deveria ser conduzido”.[6] A grande preocupação dos seus autores era “expor coisas tais que sejam de instituição Divina em todas as Ordenanças; e outras coisas que temos procurado apresentar, segundo as Regras da Prudência Cristã, segundo as Regras gerais da Palavra de Deus”.[7]

É importante perceber que o Diretório fez uma mudança no que diz respeito à oração. A Igreja da Inglaterra, fazendo uso do Livro Comum de Oração, organizava períodos de oração, de maneira que os fiéis pudessem participar e, assim, receber as graças suplicadas. O período de oração na igreja funcionava como uma espécie de campanha, pois era imprescindível que as pessoas comparecessem, a fim de serem abençoadas. O Dr. Morton H. Smith diz: “Uma das mudanças que o Diretório trouxe foi a mudança das orações diárias da igreja para o lar. A Igreja da Inglaterra mantinha serviços de oração pela manhã e tarde na Igreja, mas o culto familiar foi a marca dos cristãos reformados”.[8] Isso não quer dizer, todavia, que não existissem mais orações nas igrejas. Os cultos públicos continuavam, tendo a oração como um dos seus elementos. O que mudou foi a visão da igreja como a mediadora das graças entre Deus e o suplicante.

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Notas:
[1] Há uma frase em latim, que diz: Lex Orandi Lex Credendi, que significa, literalmente, “a lei da oração é a lei da fé”, popularmente conhecida como “assim oramos, assim cremos”. O princípio é que a oração e a devoção de uma pessoa ou de um grupo são nada mais que derivações do corpo de crenças, daquilo que creem.
[2] A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. XXI.3. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 170.
[3] Ibid. XXI.5. pp. 173-174.
[4] Robert Shaw. The Reformed Faith: An Exposition of the Westminster Confession of Faith. Acessado em 05/04/2013. Disponível em: http://www.reformed.org/documents/shaw/.
[5] Ibid.
[6] Richard A. Muller e Rowland S. Ward. Scripture and Worship: Biblical Interpretation & The Directory for Worship. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2007. p. 96.
[7] O DIRETÓRIO DE CULTO DE WESTMINSTER. São Paulo: Os Puritanos, 2000. p. 25.
[8] Morton H. Smith. “The History of Worship in Presbyterian Churches”. In: Joseph A. Pipa Jr. The Worship of God: Reformed Concepts of Biblical Worship. Geanies House, SC: Christian Focus Publications, 2005. p. 75.

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Divulgação: Bereianos
Texto gentilmente cedido pelo Rev. Alan para publicação no blog Bereianos.
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