Calvino e a semente da religião

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Por Thiago Oliveira

Introdução

João Calvino, foi o mais proeminente teólogo do século XVI. Lutero, embora muito respeitado pelo reformador de Genebra, e também sendo um exímio doutor no campo da teologia, não foi capaz de superá-lo em produção e em profundidade. Se Lutero foi um instrumento de Deus para levantar a sua voz contra os abusos da Sé Romana, Calvino foi o grande sistematizador da teologia reformada. Foi um exímio compilador e sistematizador das doutrinas defendidas pelo protestantismo, fortemente influenciado pelo monergismo agostiniano. 

Com apenas 26 anos de idade, Calvino publicou a sua obra mais importante, As Institutas da Religião Cristã, ou simplesmente, As Institutas. A importância deste livro para a Cristandade é imensurável, pois se trata de um apuradíssimo tratado teológico e sistemático (aqui sistemático não se refere ao sentido moderno do termo). Todavia, a literatura calvinista não se resume as Institutas. Ele produziu catecismos, uma breve confissão de fé e diversos comentários bíblicos.

O primeiro capítulo das Institutas fala sobre o conhecimento de Deus e a forma com que os homens chegam a este conhecimento. Obviamente, Calvino parte da premissa revelacional para afirmar que os homens só podem achegar-se a Deus a medida que Ele se revela aos homens. Para a Teologia, existem dois tipos de revelação: A Específica e a Geral.

A Revelação Específica é aquela que tem por base a revelação por meio da Escritura, que é a Sua Palavra e de Cristo, que é a própria Palavra. Já a Revelação Geral é aquela que está manifesta nas obras da criação, da Providência e no coração dos próprios homens. 

O objetivo deste texto é explorar o entendimento calvinista acerca deste segundo tipo de revelação, que é a geral. Calvino dá um nome específico para ela, chamando-a de “semente da religião” ou o “sentido da divindade”.

A semente da religião

Quando inicia as Institutas com a temática do conhecimento de Deus, João Calvino nos dá uma mostra de que a centralidade da relevação domina o seu pensamento. E a primeira frase deste primeiro capítulo é a seguinte: “A soma total da nossa sabedoria, a que merece o nome de sabedoria verdadeira e certa, abrange estas duas partes: o conhecimento que se pode ter de Deus, e o de nós mesmos.” (CALVINO, 2006 p. 55).

A pergunta que muitas vezes pode surgir é a de qual conhecimento ocorre primeiro, se o acerca Deus ou o acerca de nós mesmos. Todavia, o que Calvino enfatiza é que ambos são verdadeiros. Não há como conhecer a Deus sem o autoconhecimento. Mas também ninguém poderá se conhecer sem considerar a face de Deus. Não são dois níveis de conhecimento, onde primeiro eu conheço um e depois alço o degrau para o próximo. Os dois são duplamente desassociados, por isso são chamados de conhecimento duplo de Deus (duplex cognitio dei). 

Este conhecimento duplo está presente em cada ser humano. Nenhum homem está isento de fazer “negócios com Deus” (negotium cum Deo). Calvino acreditava e ensinava que dentro de cada indivíduo Deus plantou uma percepção dEle. Esta “semente” não estava limitada ao coração humano, ela também foi “plantada” nas obras da criação. Deus é visto como sendo um trabalhador (Opifex) que fixou diversas evidências de Sua Glória em todo o Universo por Ele criado e regido.

A natureza que revela a divindade exige do homem uma resposta dentre duas possíveis: piedade e idolatria. Daí o homem não fica neutro, ou ele adora ao Deus verdadeiro, em amor e reverência, ou forja ídolos e se curva a deuses criados. Daqui concluímos que Calvino expõe uma teologia puramente natural, mas ela só serve para tornar os homens indesculpáveis diante do quadro da idolatria.

Porém, nada é mais evidente dessa “semente da religião” do que a própria idolatria. O sentido religioso existente na humanidade seria uma prova cabal de que existe em nós um senso de divindade. Tal percepção foi dotada aos homens afim de refutar a alegação daqueles que se disserem ignorantes e por isso não glorificaram ao Senhor da Criação, Deus único e verdadeiro.

Calvino (2006, p. 58) escreve o seguinte: “Portanto, visto que desde o princípio do mundo não há região, nem cidade, nem mesmo casa alguma que não tenha nada de religião, nesse fato nós temos uma confissão tácita de que há um senso de Divindade gravado no coração de todos os seres humanos”.

Aqueles que negam o Divino, na verdade O negam por temor. Os homens até tentam se esconder de Deus, tentam apaga-lo de suas mentes, mas na percepção calvinista, o próprio Deus, com zelo pela Sua Glória, os aflige a medida em que tais homem tentam negá-lo.

Conclusão

Todo o segmento reformado irá concordar com a ideia da “semente da religião”. Mas visto que ela não é capaz de gerar nada além de condenação para os idólatras, faz-se necessária a revelação presente na pessoa de Cristo. Jesus Cristo é aquele que revela o Deus-Redentor, e não apenas o Deus-Criador. Ele nos apresenta a salvação, daí a necessidade de nos conhecermos e vermos o quão carentes somos dessa salvação que nos é ofertada graciosamente.

Os escritos de Calvino não têm a intenção de nos deixar em completo desespero. Ele aponta para a nossa miserabilidade para depois anunciar a redenção em Cristo. Assim prepara a mensagem da salvação, pois para receber as bênçãos do Senhor, faz-se necessário ter a noção de nossa incapacidade e pobreza espiritual. Por isso há a associação entre o autoconhecimento e conhecimento sobre Deus. Porque o desejo do Senhor é que os que são seus sejam salvos e livres do pecado, para assim poder estar em Sua presença e gozá-lO para sempre.

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Referências:
- CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Volume 1, Editora Cultura Cristã,2006.
- GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994.

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Divulgação: Bereianos

Dica: Para um estudo complementar, sugerimos um ótimo artigo acadêmico sobre o tema, publicado na revista Fides Reformata em 2009: Apontamentos Introdutórios sobre a Epistemologia Religiosa de joão Calvino nas Institutas.
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