Por Flávio Teodoro e Luciano Hérbet
A Bíblia em 1 Coríntios 12: 7-11, Efésios 4:11-12 e 1 Pedro 4: 10-11 revela-nos que o Espírito do Senhor concede aos crentes habilidades sobrenaturais para que a igreja possa cumprir a sua missão no mundo até a volta de Jesus Cristo. A relação dos dons espirituais é enorme (1 Co. 12: 4-11, 28-30; Rm. 12: 6-8; Ef. 4:11; 1 Pe. 4: 9-10): profecia, ensino, cura, hospitalidade, milagres, sabedoria, socorro, generosidade, etc. Dentre os dons espirituais, existiu um grupo de dons especiais que foram destinados a autenticar diante dos judeus incrédulos à nova mensagem vinda da parte de Deus – o evangelho de Cristo. Chamados de dons extraordinários, os dons de milagres, cura, exorcismo, profecia, línguas e interpretação foram concedidos aos apóstolos e outras poucas pessoas próximas dos discípulos e apóstolos.[1]
Esses sinais especiais atestavam a pregação da nova mensagem e removiam qualquer pretexto de dúvida ou incredulidade de quem estava ouvindo. Foi exatamente o que aconteceu com João Batista quando encarcerado e em momento de dúvida e angústia, foi confortado por Jesus quando mandou lhe dizer: "... Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e vedes: os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho." (Mt. 11:4-5). Por isso, Paulo foi capaz de afirmar: "Porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo..." (1 Ts. 1:5). Esse poder foi manifestado freqüentemente através dos apóstolos quando muitos eram curados de suas enfermidades, ressuscitados e libertos da opressão e possessão demoníaca. O evangelho, as boas novas, era algo novo, uma mensagem nova para aquele povo que não reconheceram o Seu Messias; ainda não tinha o Novo Testamento sido escrito. A confiança dava-se na palavra falada dos apóstolos (a mensagem proclamada), e por isso aprouve a Deus confirmar a pregação de seu evangelho através de sinais e maravilhas.
Em Atos 5:12 lemos que "muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos" e quando questionado sobre sua autoridade apostólica, Paulo responde que "os sinais de meu apostolado foram manifestados entre vós com toda a paciência, por sinais, prodígios e maravilhas." (2 Co. 12:12). Portanto, no meio deles, da igreja e do povo em geral, Deus estava confirmando o ministério dos apóstolos, validando suas pregações e ensinamentos através dos sinais, dos milagres, curas e expulsão de demônios. Podemos, então, concluir claramente que Deus destinou esses dons aos apóstolos e poucas outras pessoas no início da igreja.
Se esses dons, os extraordinários, não são mais para os dias da igreja atual, então alguns questionamentos bastantes pertinentes são: Deus cura hoje? E como Ele o faz? Ele ainda opera milagres em nossos dias? A nossa resposta é um firme e forte sim; Nós não podemos restringir ou anular a soberania de Deus. Não cremos que já cessaram milagres, mas sim nos moldes como os pentecostais pregam. Deus pode, por exemplo, de acordo com a sua soberania, atender positivamente a oração de uma igreja local ou família e curar uma pessoa de alguma doença letal ou suprir de forma sobrenatural alguma necessidade de um servo dele. Tendo isso em mente partiremos agora para uma breve descrição de cada dom extraordinário:
O dom de Profecias
As profecias possuíam duas dimensões: a predição de algum evento ou fenômeno no futuro e a exposição do que Deus disse. Exemplos claros do primeiro aspecto da profecia podem ser vistos em toda a Bíblia. No A. T. os profetas anunciaram muitas ações ou fatos que aconteceriam no futuro. No N. T. encontramos Ágabo alertando a igreja que um período de escassez, marcado por uma grande fome, se aproximava (At. 11:28). Os apóstolos registraram os eventos que antecedem e envolvem o retorno de Cristo, bem como o que aguarda os crentes fiéis após a Sua volta. Na segunda dimensão vemos que a obra ou ministério de quem Deus destinava o dom da profecia era de receber e declarar a Palavra de Deus sob o controle absoluto do Espírito Santo. O profeta falava inspirado diretamente pelo Senhor. Esse dom era imprescindível e vital antes das Escrituras do Novo Testamento. Após o cânon, as Escrituras dos apóstolos passaram a ser lidas e recebidas pelas congregações como a autorizada Palavra de Deus.
O dom de Línguas e de Interpretação
A Bíblia registra que a manifestação primária desse dom ocorreu durante a festa de Pentecostes (At. 2: 1-13). Claramente nos é revelado que a natureza dessas manifestações era em idiomas. Ininteligível para quem falava (a não ser que o mesmo tivesse também o dom de interpretação), mas perfeitamente inteligível para quem era originário ou educado naquele idioma. Os próprios pentecostais e carismáticos se dividem quanto à interpretação da natureza desse dom. Somente forçando bastante a exegese dessa passagem para se chegar a outra conclusão. Alguns então, para corroborar a outra interpretação sobre a natureza das línguas não ser de idiomas humanos, e sim linguagens celestiais ou angelicais, afirmam que somente nesse episódio se tratou de idiomas, sendo todos os outros eventos subseqüentes se tratar de linguagem celestial.[2]
Será que aconteceu também entre os anjos alguma Babel? Se a linguagem é angelical ela é única ou de vários "idiomas" angelicais? Nas Escrituras não existe uma única passagem relacionada aos anjos se expressando oralmente onde não seja entendida sua linguagem pelos homens. Até mesmos os Serafins, que estão diante do trono de Deus, foram perfeitamente compreendidos pelo profeta Isaías (Is. 6:3, 7). Trata-se de um erro exegético usar da linguagem de 1 Co. 13:1 para justificar a existência de uma linguagem própria dos anjos, ou então deveríamos fazer o mesmo com Lc. 19:40 insinuando uma linguagem pétrea. Os dons de interpretação seguem a mesma lógica dos dons de línguas. São habilidades especiais concedidas pelo Espírito para interpretar na linguagem local dos ouvintes aquilo que está sendo pronunciado pelo dom de línguas.
Os dons de milagres, prodígios e sinais
De uma forma geral, todos os dons extraordinários são considerados sinais e prodígios, mas podemos agrupar aqui o dom de curar milagrosamente, de repreender e expulsar demônios e de ressuscitar os mortos, como foi o caso de Paulo ao ressuscitar Êutico (At. 20:9-12). Já está posto que esses dons serviram para confirmar o testemunho dos apóstolos e daqueles seguidores mais próximos. Em muitas igrejas atuais existem ministérios de curas e de libertação espiritual, focadas no exorcismo. Nenhum crente, com exceção desses anteriormente mencionados, nem no passado ou no presente, possui autoridade para repreender ou ordenar alguma coisa a Satanás. Nós somos guardados de sua fúria unicamente pela presença do Espírito em nós. Embora o crente não possa ser possuído por nenhum tipo de demônio, pode sim, ser oprimido por ele sob a permissão divina. Creio que, estabelecida a igreja pelo fundamento dos apóstolos, passa a ser agora a pregação do evangelho a única maneira para se libertar o endemoniado.[3] Quando o pecador recebe o evangelho e crê em sua mensagem, ele é perdoado de todos os seus pecados bem como liberto de Satanás. Para um possesso ser liberto hoje ele precisa crer no evangelho e qualquer crente pode conduzi-lo a Cristo.
Muitos têm associado os dons extraordinários com a doutrina pentecostal do "batismo com o Espírito Santo". Eles ensinam que essa experiência vem acompanhada desses sinais, principalmente o dom de línguas. Alguns chegam a afirmar que até mesmo o pastor Martin Llyord-Jones (já falecido), ministro da capela de Westminster, Inglaterra, defendia a contemporaneidade dos dons extraordinários. Apesar de esse grande teólogo reformado ter crido que o batismo com o Espírito Santo era uma experiência após a conversão, ele não cria na continuidade dos dons extraordinários para a igreja após o período apostólico.[4] Embora esses dons não existam mais, permanece hoje uma variedade de dons concedidos pelo Espírito Santo à igreja. Cada crente tem recebido o seu dom para desenvolver e exercer com zelo e dedicação à obra do Senhor, de modo que a igreja está equipada pelo Espírito para proclamar a Cristo como o Salvador do mundo.
Notas:
1 - "Todos os milagres/sinais/prodígios/maravilhas realizados através de crentes, desde Atos até Apocalipse, foram dons concedidos como características exclusivas e identificatórias (ver 2Co 12:12) dos 13 apóstolos e dos 70 discípulos = 83 varões ex-israelitas escolhidos pelo Cristo manifestado em carne e osso, tendo eles sido testemunhas oculares de todos os dias dos mais de 3 anos de ministério de Cristo na terra, e da Sua ressurreição corporal. Por isso, na Bíblia somente encontramos esses 83 apóstolos e discípulos como homens através dos quais Deus concedeu o dom de operar milagres/sinais/prodígios/maravilhas". Hélio de Menezes em "Milagres e Sinais Realizados Através de Crentes, desde Atos até Apocalipse", disponível aqui, e aqui.
2 - "As línguas faladas em Pentecostes eram da terra, humanas, entendidas pelos naturais sem necessidade de intérpretes; as línguas faladas em Corinto, ou o Dom do Espírito, eram sobrenaturais, celestiais (...). Não são, portanto, iguais as línguas faladas em Pentecostes e em Corinto. No primeiro caso, foi um ato esporádico, singular, sem exemplo de repetição...". Pr. José Rêgo do Nascimento. Livro Calvário e Pentecoste, páginas 101 a 112 (Infelizmente não tenho mais a capa do livro, que data de 1960, e por isso a omissão do restante da referência bibliográfica).
3 - Para a necessidade de maior aprofundamento sobre o tema indicamos a obra de Thomas Ice e Robert Dean, Jr. "Triunfando na Batalha", da Editora Chamada da Meia Noite, onde os autores abordam com bastante fundamentação bíblica as questões sobre batalha espiritual, opressão e possessão demoníaca e o exorcismo.
4 - "É extremamente importante notar que o pensamento de Lloyd-Jones sobre o selo ou batismo do Espírito, é essencialmente diferente da posição pentecostal clássica, e da posição neopentecostal. Lloyd-Jones não vê nenhuma evidência bíblica de que esta experiência deva ser acompanhada pelo falar em línguas e pelo profetizar, ou por qualquer outra manifestação extraordinária. Na verdade, ele chama a atenção para o fato de que muitos dos dons que foram concedidos no início da Igreja Cristã não haviam sido mais concedidos no desenrolar desta mesma história. Ele aponta para o fato de que nenhum dos grandes nomes da História da Igreja, conhecidos como tendo passado por experiências profundas com o Espírito (que ele considera como tendo sido esse "selar" ou "batizar" do Espírito) terem manifestado dons como línguas, profecia, ou milagres. Para Lloyd-Jones, o ponto essencial desta experiência também não é a capacitação de poder, como enfatizado em círculos pentecostais e carismáticos, mas a certeza dada de forma direta, pelo Espírito, de que somos filhos de Deus". Extraído do artigo "Martyn Lloyd-Jones, John Stott, e 1 Co 12.13: O Debate sobre o Batismo com o Espírito Santo" do pastor presbiteriano Augustus Nicodemus, disponível aqui.
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Fonte: Solascriptura
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1 comentários:
Distintos mestres do artigo acima,
Respondergraça e paz!
Com todo o respeito à interpretação dos representantes do pensamento reformado, no entanto, trata-se de pontos de vistas os quais respeitamos, em relação aos dons espirituais.
Se bem que, não desconhecemos que há meninices, tanto no meio pentecostal quanto no neopentecostal, por parte de muitos irmãos a respeito do que está à nossa disposição.
No entanto, discordamos dos nobres, em absoluto, quando os senhores defendem, sem citar, sequer, uma passagem bíblica que ratifique tal posição.
A citação de Marcos 16.17,18, fala-nos que tudo cessaria no primeiro século da Era Cristã, ou alguém está fazendo um adendo às Escrituras?
Aliás, será que não estão fazendo confusão com o que se encontra em 1 Coríntios 13.10?
Em Cristo,
Tadeu de Araújo
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