Dogmatismo versus Piedade

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Um conceito falso, mas bastante difundido entre os evangélicos, é a incompatibilidade entre o dogmatismo e a piedade. Teologicamente falando, entendemos por dogmatismo o conjunto dos fatos da revelação Divina, que possuímos como princípios inegáveis da fé cristã histórica, formando um sistema doutrinário orgânico. Já a piedade, entendemos que significa amor e respeito às coisas religiosas; devoção, religiosidade, além de significar compaixão pelos sofrimentos alheios.

Mais a piedade no conceito bíblico consiste na aceitação integral das doutrinas bíblicas ou na fidelidade a Deus. A maior demonstração de piedade é o zelo pela pureza doutrinária, que se manifesta no combate aos princípios negativistas do modernismo teológico. Não é o dogmatismo que é contrário à piedade, mas o antidogmatismo de alguns é que deve ser classificado contrário á piedade.

Podemos identificar facilmente aqueles que são contrários aos dogmas através de uma declaração já conhecida: “não quero saber de teologia, quero saber apenas de Deus”. Uma famosa música tem na sua letra a seguinte declaração: “Eu, eu, eu quero é Deus. Não importa o que vão pensar de mim, eu quero é Deus”. Duas coisas preciso dizer aqui.

A primeira é que é impossível separa a teologia de Deus, visto que teologia significa justamente o estudo sobre Deus e suas obras. A segunda coisa que preciso dizer é o significado que eles dão de “Deus” nas declarações ditas acima. “Deus” significa aquelas experiências espirituais efetuadas pelo Espírito Santo. Elas não estão interessadas em conhecer a Deus, mas estão interessadas no que Ele pode fazer com essas pessoas: manifestação de dons espirituais, provocando uma êxtase nas pessoas etc. As pessoas quando se referem a Deus, estão querendo ver manifestação de sinais e maravilhas, querem ver e sentir uma experiência sobrenatural do Espírito. As pessoas não querem teologia, querem experiências espirituais, pois isso resultará na piedade (falsa, diga-se de passagem) que eles querem.

É inconcebível a piedade divorciada da doutrina. A concepção de Paulo sobre a piedade é muito diferente da concepção rasa e primária de alguns. O conselho do apóstolo Paulo quando escreveu a Timóteo é o exercício da piedade (1 Tm 4.7,8). Mas a condição para a piedade seria a firmeza nas verdades do evangelho. Era da responsabilidade de Timóteo expor tais verdades aos cristãos, como fundamento de conduta correta. A piedade real é aquela que está vinculada à doutrina. Timóteo teria que ser piedoso, mas ao mesmo tempo tinha que tomar cuidado de si e da doutrina (1 Tm 4.16).

O exercício da piedade não se trata da ilusória autodisciplina do asceticismo, mas ao adequado e vigoroso adestramento cristão, tendo como base as palavras da fé e da boa doutrina. A doutrina de que fala o apóstolo deve ser crida e recebida para ser tomada de base de conduta por todos os cristãos. Quando Paulo fala da doutrina, compreendem-se todos os fundamentos da fé cristã histórica. Estes fundamentos são a base da piedade e constituem os dogmas do cristianismo verdadeiro.

Na verdade, o que passa na cabeça das pessoas é uma definição errada da piedade. Alguns entendem a piedade como o espírito de tolerância ao erro, procurando remediar o mal, em vez de exterminá-lo. Nota-se uma aparência de piedade, mas que não passa de fingimento. São semelhantes aos fariseus, que possuíam apenas uma piedade exterior, mas que interiormente eram dominados pelo ódio e pelo sentimento de hostilidade para com o próximo, em franca contradição com a lei a que se apegavam.

Em 2 Tm 3.1-9 vemos Paulo falando da corrupção dos últimos tempos, incluindo àqueles que têm aparência de piedade mas negam sua eficácia. Já em nossos dias aparecem os que externamente fingem certa forma de reverência, de amor ao próximo, os quais devem ser evitados.

Há aqueles que acham que nós, que defendemos princípios fundamentalistas, somos impiedosos porque não vivemos distribuindo nossos recursos aos pobres, não nos preocupamos com os problemas da fome ou dos vestuários e assim por diante. Mas este argumento além de primário, é imaturo. Essa atitude nem sempre revela piedade; às vezes expressa ostentação e demagogia. Piedade não é demagogia, mas viver segundo os preceitos do evangelho. Os demagogos pregadores de um evangelho raso procuram, em nome da piedade, agradar a todos, cuja tendência se revela nos sermões flácidos e acomodativos, que não atacam o pecado para não ofender os ouvintes, evitando, assim, os sermões apologéticos e polêmicos. Não estando apegados aos dogmas, podem agradar a gregos e a troianos, satisfazendo a ambição de popularidade.

A verdadeira piedade se manifesta no combate ao pecado, fazendo o homem sentir que é pecador e conseqüentemente sentir a necessidade de arrependimento, largando um passado de imoralidade e se voltando para Cristo como único e suficiente salvador pessoal da sua alma. É pregando sobre a existência do inferno para os perdidos e sobre o julgamento divino, que revelamos a nossa piedade.

Temos que insistir na posição dogmática da igreja. Os dogmas são os motivos da estabilidade de uma igreja. Sem eles, a igreja se transforma numa masmorra, para onde se convergem as mais extravagantes opiniões, caindo num sincretismo religioso e até mesmo no anarquismo, pois os que condenam a rigidez dogmática, em nome de uma falsa piedade, possuem um espírito tolerante, não usando de disciplina, apoiando os que devem ser condenados e exaltando suas atitudes e pensamentos.

João, o apóstolo do amor, era tão piedoso, que usava a expressão “filhinhos” no seu tratamento com os crentes. No entanto aconselhou: “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas” (2 Jo 10). A piedade que leva o indivíduo a sacrificar a doutrina é diabólica. Em outras palavras, o apóstolo do amor, João, quer nos dizer o seguinte: “vocês devem recusar qualquer espécie de colaboração que venha a comprometer a doutrina bíblica. Recusem-se a dialogar com pessoas ou até mesmo com igrejas apóstatas!”.

Não é tarefa da igreja dar dinheiro aos pobres, alimentá-los materialmente e nem socorrer os necessitados, pois isso nem sempre revela um ato piedoso. Para alguns isso é um ato meritório para a salvação, o que contraria os ensinos bíblicos. Os que pensam assim vão para o inferno com toda a sua piedade. A função, a prioridade da igreja no mundo é a manifestação da glória de Deus anunciando a sua ira contra “toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça” (Rm 1.18).

Afrouxamento doutrinário não é piedade. É descuido. É displicência para com a Palavra de Deus, pois dogmatismo e piedade andam de mãos dadas.

Este falso conceito de piedade procede de indivíduos volúveis e instáveis. É uma expressão de uma personalidade hesitante. Não são merecedores de muita confiança, porque não tem firmeza e de um momento para o outro se afastam dos seus deveres. Não enfrentam as adversidades, e por isso, passam facilmente para o outro lado. O seu antidogmatismo é característica marcante de sua inflexibilidade, levando o indivíduo a procurar suas próprias conveniências. Tudo isso é conseqüência do protestantismo liberal.

Concluo este estudo citando um trecho de um artigo do jornal O Presbiteriano Conservador, órgão da Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil (IPCB):

Esta nova igreja é, sem dúvida, o fruto de um acendrado apego à doutrina. Não seguimos o forma­lismo religioso que orienta a personalidade para simples aceitação intelectual de determinadas verdades, que per­manecem, todavia, estéreis e improdutivas, longe dis­so, reconhecemos a exata posição do dogma na vida religiosa e a imprescindível necessidade da defesa da doutrina como uma das condições essenciais para o estabelecimento daquela vida. Este é o real ensino de Cristo.

Assim sendo, queremos que a nossa posição no seio do Evangelismo Nacional se caracterize por uma atitude construtiva de defesa aos princípios fundamentais do Cristianismo, tais como entendem a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster (tradução brasileira).

Pregando ardorosamente o Evangelho de Cristo aos pecadores, como sendo este Evangelho (a doutrina) o único meio de conduzir os homens a Cristo - o Sal­vador, cerraremos fileiras em torno da ortodoxia e mon­taremos guarda, sempre alerta, à sua conservação inte­gral. Por isso, queremos ser chamados presbiterianos conservadores.

Não inclui, a denominação que escolhemos para caracterizar a nossa humilde igreja, a idéia de que os demais ramos do protestantismo, que dignamente mili­tam em nossa Pátria, não defendam, com firmeza, a integridade do dogma.

Essa denominação tem o objetivo de afirmar a nossa origem histórica; afirmar que nascemos de um movi­mento de defesa à ortodoxia. E, além disso, a conden­sação de um programa que nos impusemos. E, mais ainda o levantamento de uma mística em torno da qual queremos formar a alma coletiva deste pugilo de idealistas que pretendem ocupar um lugar no grande exército de Cristo.

E assim que queremos ser compreendidos. Tudo faremos para merecer essa compreensão. (O Presbiteriano Conservador, de 28 de março de 1940, ano I, nº 1)

Autor: Heitor Alves
Fonte: [ Eleitos de Deus ]

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