Carta a um jovem cristão que está se enchendo de teologia e esvaziando-se de Deus

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[Dominar temas difíceis da teologia não é garantia nenhuma de felicidade espiritual. Muito pelo contrário: na maioria das vezes o conhecimento leva a um verdadeiro desânimo de alma. “Porque”, diz o Pregador, “na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza” (Ec 1.18). Recentemente recebi um e-mail de um amigo que, a despeito de seu talento como dedicado estudioso e expositor das Escrituras, hoje encontra-se no meio de uma medonha neblina espiritual – em suas próprias palavras, “o vento está balançando o meu barco, e só consigo ver Jesus dormindo”. Ele me pediu ajuda, o que resolvi fazê-lo escrevendo a carta que se segue, que é fictícia apenas em uns poucos detalhes. Espero que ela também possa servir para a edificação de outros que estejam passando por semelhante situação].

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Caro Beltrão (*),

Seu e-mail me deixou muito preocupado, e faço questão de começar logo nesse tom para que você perceba a seriedade que o assunto encerra. Você bem sabe que tentar tapar o sol com a peneira não é do meu feitio. Portanto, não espere apenas leves chuviscos, mas prepare-se também para estrondosas trovoadas.

Quando nos reencontramos pela última vez fiquei sobremodo alegre em ver teu entusiasmo e empenho no estudo das Escrituras e da sã doutrina. Mesmo sendo ainda muito jovem, você já despontava na igreja como um exemplo a ser seguido. Em meu íntimo eu dava graças a Deus por existirem pessoas assim como você em nosso meio, sedentas por reforma e reavivamento espirituais. Mas ao mesmo tempo isso me gerava apreensão, e simultaneamente eu também orava a Deus para que sua história não tomasse o curso de tantas outras que terminaram em tragédia, a saber, a de jovens que, de tanto se encher de teologia, acabaram se esvaziando de Deus. Escrevo-te com o coração apertado, meu caro, lembrando momentos de minha própria trajetória, e dos perigos que ainda teimam em rondar por aqui.

Você me disse que, de uns tempos pra cá, tem sido atormentado por uma tristeza e certo desânimo decorrentes, vamos dizer assim, da “falta de experiências com Deus”. Penso que você esteja se referindo não àquele tipo de experiência mística tão comum nos círculos sensacionalistas da “fé”, mas à genuína comunhão espiritual ensinada nas Escrituras. Você cita uma pregação do Paul Washer (“Você é amado”), na qual ele diz que Deus por um tempo se afasta de jovens ministros a ponto de eles passarem por vários fracassos até chegarem ao momento de declararem o que Pedro diz em João 6:69, para dizer que se sente inseguro de se colocar na mesma posição deles. Ou seja, você parece duvidar que há um propósito corretivo de Deus por trás de tudo isso que você está passando, e o fato de você pensar assim é realmente preocupante. Sei que você até pode ter dito isto como que um desabafo, mas não é bom que fiquemos alimentando coisas desse tipo em nossas mentes, pois do contrário chegará o dia em que estas coisas solaparão de tal forma aquilo que nos convêm pensar (cf. Fp 4.8) que não nos restará mais nenhuma fagulha de esperança ou fé nas quais possamos buscar apoio. Não devemos dar lugar para que o diabo semeie incredulidade em nossos corações!

Mas você foi bem específico em uma coisa: você disse que as coisas pioraram depois de uma pregação sua em que você falou “algumas palavras fortes” à igreja. É muito comum jovens como nós se encantarem com os livros que lemos ou com as pregações que ouvimos, ainda mais quando as mesmas são “bombásticas” ou “chocantes”. “Nossa igreja precisa refletir nisso!” – é o que geralmente exclamamos. Mas o problema é quando começamos a nos enquadrar perfeitamente no tipo de pessoa criticada por nossos pregadores e escritores favoritos. E o pior de tudo é quando os pregadores somos nós! Agora entendo perfeitamente porque você se sente como um copo pela metade – cheio e vazio ao mesmo tempo, e do seu medo de ser “vomitado” por Deus, que detesta os mornos (cf. Ap 3.16). Essa sua preocupação é, de fato, legítima. Mas sabe o que é pior ainda, Beltrão? É quando, depois de pregarmos (ou até mesmo antes!), voltamos exatamente para a mesma lama à qual tanto advertimos nossos ouvintes para que saíssem. É como se a Palavra não surtisse nenhum efeito sobre nós, fazendo com que nos sintamos como os “decepcionados do Último Dia”, que ouvirão do próprio Cristo: “apartai-vos de mim, malditos!” (Mt 25.41-46).

Você também fala que está sendo “severamente tentado”. Bem, há diversas áreas em que um homem (independente se jovem ou não) pode ser tentado, mas penso que a maior delas seja a área sexual. Se não é bem a isto que você esteja se referindo, desculpe-me, mas permita-me tecer alguns comentários a respeito. Jaime Kemp costuma dizer que o homem enfrenta três grandes “barras” em sua vida (ou seja, três grandes tentações): a “barra” de ouro (dinheiro); a São João da Barra (uma marca de cachaça – álcool); e a “barra” de uma saia (a libido, ou o sexo). Novamente, penso que esta última seja a que mais nos incomoda, e acho que nem preciso provar isto. Sinceramente, Beltrão: não alimente esse tipo de coisa (falo da libido pecaminosa), porque é algo que vicia tanto que seus vestígios ainda permanecem na memória. Estamos lidando com algo realmente terrível – não brinque com isso; não teste a si mesmo.

De fato, toda essa série de coisas faz com que não sintamos mais aquela alegria espiritual que tanto marcou o início de nossa caminhada. Passamos a orar menos, nos alimentar menos da Palavra, e a adorar menos. Consequentemente, ficamos menos felizes, menos sábios (embora “mais” inteligentes) e menos próximos de Deus. É possível reverter isso?

Há uma passagem na Escritura que revela e muito como Deus nos molda à Sua vontade. É sobre quando Jesus avisou a Pedro que este o negaria. Mateus, Marcos e João descrevem apenas o aviso propriamente dito (Mt 26.31-35; Mc 14.27-31; Jo 13.36-38). Mas Lucas nos dá um “detalhezinho” interessantíssimo. Ele não apenas relata Jesus avisando a Pedro sobre sua negação, mas também revelando àquele pescador o que estava acontecendo nos bastidores da História:

Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos (Lc 22.31, 32).

Notou como são as coisas? Satanás fez com Pedro o mesmo que houvera feito com Jó. Ao contrário do que muita gente pensa, o objetivo do diabo não era o de testar a Pedro, e sim o de destruí-lo. Quem está provando a Pedro é o próprio Deus, que usou o diabo (Lutero dizia que o diabo é “o diabo de Deus”) como um instrumento para o aperfeiçoamento da fé do discípulo. Mas Pedro só não perdeu de vez a fé graças à intercessão de Cristo! Ele orou para que a fé do seu amado discípulo não se esvaísse, e ainda incumbiu-o com a missão de fortalecer a outros. Este foi o motivo pelo qual Pedro chorou amargamente após ter negado a Cristo, e não por remorso (igual a Judas Iscariotes), mas por arrepender-se verdadeiramente como Jesus havia predito. É o próprio Pedro quem vai dizer mais tarde que o diabo, nosso adversário, “anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”. Por este motivo é que ele nos recomenda sobriedade e vigilância (1Pe 5.8).

Beltrão. Você tem toda razão de estar “assustado” com essa situação. Mas não se desespere! Paul Washer está certo quando disse que Deus permite que jovens líderes passem por caminhos como o de Pedro com vistas ao próprio aperfeiçoamento deles. Às vezes somos exatamente igual ao impulsivo Simão Pedro: nos sentimos robustos, inabaláveis e “santos” demais, até que Deus dá uma “rasteira” em nosso ego, fazendo com que nos apoiemos única e exclusivamente em Seu poder. E Ele faz isto não por sadismo ou coisa parecida, mas por amor, pois ele disciplina a todos quantos ama, e somente a estes (Hb 12.6). Mas é necessário que haja arrependimento – mudança de mente e conduta. Deus nos disciplina, continua o escritor aos Hebreus, “para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.10). Não queira pagar para ver o que acontece com aqueles que fingem se arrepender. Deixe que os próprios exemplos da Bíblia e da história falem.

Espero não ter te desapontado, Beltrão. Pelo contrário, espero ter te ajudado. Nem tudo que falei acima se refere a você diretamente, mas procurei ser bem genérico, uma vez que seu caso é semelhante ao de muitos. Saiba que este que vos escreve também enfrenta as mesmas coisas que você. Às vezes penso que não há mais solução, que o pecado vai finalmente triunfar. Mas aí eu olho para a cruz. Ah, a cruz! Que seria de nós sem ela, ou melhor, sem Aquele que sobre ela padeceu, mas ressuscitou para nos assegurar a vitória final? Mas também não adianta ficar somente contemplando não – é preciso que oremos mais, que busquemos mais a Deus, que nos alimentemos mais da Sua Palavra e que desejemos mais e mais se parecer com Aquele que nos amou primeiro.

Trace seu próprio roteiro disciplinar. Pergunte a si mesmo do quê você mais precisa – se de bons livros de teologia ou de uma vida consagrada. Não que os livros sejam inúteis, óbvio que não! Mas que sua busca pela ortodoxia não ofusque sua busca pela ortopraxia.

Um grande abraço, e que Deus te ajude!

Att.

Leonardo.

Soli Deo Gloria!

P.S.: Para sua reflexão adicional, medite na canção abaixo (“Letra morta”, de Jorge Camargo):


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(*) Beltrão é um nome fictício.

Autor: Leonardo Bruno Galdino
Fonte: [ Óptica Reformata ]

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4 comentários

Que bom saber que existem pessoas preocupadas com pessoas ainda hoje, Glórias a Deus, talvéz o problema desse jovem seja que ele não tem visto Deus agir por falta do que fazer, no bom sentido obviamente, vejo muitos gastando suas energias passando o dia e anoite dentro da igreja ou estudando ou orando etc... tudo isso é muito bom, mas uma hora precisamos aplicar tudo aquilo a que nos dedicamos a obra do "Senhor", Seja pra qual for o chamado de Deus para o serviço, uma hora tem que ser executada a tarefa ai muitos dizem: "mas eu prego, canto, intecedo, não falto ao culto, leio a palavra diariamente estudo então quel o problema de Deus?". Nenhum o problema somos nós que achamaos que a obra do Senhor se resume em pregar, cantar, orar, jejuar,ir ao culto enfim, enquanto isso lááááá no mundo cativo esta um rabanho do Senhor, alguns nunca ouviram falar Dele, ainda estou com Paulo: "Como ouvirão se não há quem pregue", outros foram enganados pelo diabo em igrejas e hoje se sente mais longe de Deus ainda, "o que é uma grande bobagem" e busca preencher seu vazio com alcool, drogas, sexos e rock and roll além de outras coisas mais. costumo dizer e um dia foi até um assunto no meu blog http://alguemdabibliaemmim.blogspot.com/2010/05/estao-falando-que-escritores-blogueiros.html , digo que damos muito o que fazer a Deus mas não fazemos uma pra Ele, trabalhadores vagabundos muitos de nós nos transformamos, boa parte deles estão por ai preocupados com os dízimos da igreja pra manterem o padrão financeiro, duvido que eles são felizes, mas eu duvido mesmo!! eu sou. apresar da vida simples que tenho minha maior alegria é quando consigo vitória sobre satanáz obviamente no nome de Jesus e tiro um jovem das drogas, Ah! Senhor quero fazer bem meu trabalho, preciso tirar um jovem da droga por dia, esta tem sido minha oração e também minha ação, conhecimentos eu busco para ensinar, quando paramos de aprender paramos de ensinar, mas ensinar a quem? a igreja? talvez ou também mas precisamos ir nas esquinas nas praças convidar pessoas pro banquete do Senhor, poderia dar muitos exemplos do que encontramos nas esquinas ou nas praças mas deixo a praça da sé falar. Será Senhor que temos buscado seu reino? fica a questão. Beijos parabens pelo conselho.

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Não entendi a relação entre teologia e esvaziamento de Deus.

Se o texto ajudar a outros irmãos que Deus seja louvado, mas um princípío do aconselhamento é: "tu e teu irmão". Não a publicação.

Em Cristo.

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Paulo Brasil,

Mostre-me na Bíblia onde está este "princípio de aconselhamento" ao qual você se refere. Até onde sei, o "tu e teu irmão" não se refere a aconselhamento, e sim, ao fato de alguém ter queixa contra outrem, o que é bem diferente de aconselhamento.

Também discordo de você no que tange à não publicação de textos de aconselhamento. Se fosse assim, não existiriam livros sobre esse assunto.

Em Cristo,
Leonardo.

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Anônimo mod

Onde estão as “estrondosas trovoadas”???
Eu nem se quer ví a chuva começar... õO

Deus não prova os cristãos para ficarem firmes na fé. Deus prova os cristãos para q cheguem a um nível mais elevado de fé. Pois a fé é um dom de Deus, ninguém simplesmente cai da fé. Deus não dá e depois toma. Isso é absurdo. Se alguém se sente em um momento onde parece ter perdido ou diminuído sua fé, é óbvio q ele nunca teve fé genuína.
Embora não seja muito sábio para alguém que se diz um verdadeiro cristão se preocupar quando esse tipo de coisa "acontece", a confiança dos que são está apenas em Deus, e não no que eles acham ou sentem. Nada mais importa senão a satisfação dEle. Se estamos ou não com problemas sentimentais ridículos isso não importa. Todavia nada está fora do plano de Deus, tudo acontece conforme a vontade dele (absolutamente nada acontece fora da sua vontade), tudo tem um propósito, até as preocupações dos "cristãos".

...tenho uma crítica!!!

Embora:

"Dominar temas difíceis da teologia não é garantia nenhuma de felicidade espiritual. Muito pelo contrário: na maioria das vezes o conhecimento leva a um verdadeiro desânimo de alma:

...utilizar o versículo...

“na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza” (Ec 1.18)

...para justificar q conhecer MUITO sobre teologia (Deus), seria algo "negativo", embora vcs supostamente queiram dar nesse caso, o significado a palavra "teologia", como “estudos amplos sobre assuntos religiosos” num todo, é blasfêmia usar a palavra de Deus contra Ele mesmo. Pois em nenhum momento o sábio se referiu à sabedoria ou conhecimento ou quelquer coisa que se refira à obra de Deus, mas sim, e apenas do mundo. Se você acha q saber e praticar "teologia" em "excesso" é enfadonho e causa tristeza, fica claro que você não obedece o primeiro mandamento.

Sua felicidade espiritual não importa. Sua satisfação pessoal não importa. Você não é importante para Deus se você não o ama de toda sua mente. Cabe a Deus decidir lhe dar felicidade espiritual ou não. Você não pode alcança-la por si próprio. Se você é um cristão, sua obrigação é a satisfação de Deus em primeiro lugar. E não a sua. Custe o que isso lhe custar. Pois assim como Jesus, os cristãos não vieram para serem servidos, mas para servirem a Deus. O evangelho não é para auto-realização, felicidade, alegria ou sucesso, mas sim para o auto-sacrifício. Então não seja um cristão professo e pare de agir como uma criança. Seja um adulto. Vire homem.

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