Estranhezas Bíblicas


Por Daniel Grubba

Alguns dias atrás estávamos conversando com nosso professor de grego enquanto desciámos a rua da faculdade rumo ao metro e ele comentou um pouco acerca de seu projeto de tradução bíblica. Foi quanto ele nos disse, com todo cuidado para não escandalizar, de sua dificuldade em traduzir alguns termos bíblicos ou expressões idiomáticas, principalmente no AT, que certamente não passarão pelo crivo da Editora que o contratou e muito menos pelo padrão moral-religioso dos leitores. Ele nos contou de algumas passagens que trazem a palavra "fezes" (para não falar outra coisa, pois no original em hebraico seria b...) e que certamente ofende nosso pudor.

Agora verdade seja dita: Há algumas passagens bíblicas bem embaraçosas, não é mesmo? É batata!!! Todo leitor atento das Escrituras, cedo ou tarde, se depara com algumas delas. Nas minhas leituras, tem uma passagem, que sempre deixa-me como os malucos da foto. Está em Ezequiel 23.19 : 20 e diz assim no versão do Almeida (Revista e Atualizada):

Todavia ela multiplicou as suas prostituições, lembrando-se dos dias da sua mocidade, em que se prostituira na terra do Egito, apaixonando-se dos seus amantes, cujas carnes eram como as de jumentos, e cujo fluxo era como o de cavalos.

A principio esta passagem não chama muita atenção. Acontece que nesta versão (RA) os tradutores tentaram deixar o texto menos chocante. A tradução mais próxima do original seria assim, na versão CNBB:

Apaixonou-se por esses degenerados, cujos membros são como os de jumentos, e o orgasmo, como o de garanhões no cio.

O que muitos leitores se perguntam ao ler, não somente este trecho mas todo o capítulo 23 do profeta Ezequiel, (que por sinal fala da prostituição espiritual do povo de Israel), é o seguinte: Por que este profeta usou uma linguagem tão repulsiva?

No decorrer da história, principalmente entre os teólogos liberais do século XIX, começou a circular a idéia de que o profeta Ezequiel provavelmente sofresse de algum distúrbio psíquico mais ou menos profundo, sintomas estes que iriam de traços patológicos ou até mesmo esquizofrenia*. E de fato há coisas bem estranhas no comportamento do profeta, dentre as quais destacamos: experiências de arrebatamentos extáticos, a sua mudez temporária(3.22ss), o gesto simbólico de permanecer deitado durante 430 dias (4.4-8), e cozimento de sua comida sobre o esterco de vaca (4.12-15).

Porém, esta suposta "loucura" do profeta é apenas uma teoria. O que podemos ver claramente é que seu pensamento não é diferente de uma pessoa sadia. Ele é apenas um ardente apaixonado pelo seu povo e usa de gesto simbólicos para chamar atenção de um povo adormecido. E analisando a estrutura da sua mensagem observamos que "suas idéias aparecem unidas logicamente entre si, delas resultando um contexto homogêneo e coerente"*

A razão, portanto, da linguagem figurada tão realista de Ezequiel, é sua compaixão pelo povo e seu desejo de vê-los livre da ira divina. Falar ao povo nestes termos tão repulsivos era uma medida extrema de desespero. Para Ezequiel, o povo de Deus estava em flagrante prostituição em relação a aliança mosaica. Assim, o Egito seria o amante, o macho lascivo com que a fêmea promíscua, Jerusalém, desejava relações sexuais gratuitas. Esta claro, pelo contexto histórico, que havia entre este povo de Israel a obsessão pela aliança política com o Egito, algo considerado indecente aos olhos de Javé.

Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo. (I Pe 1.20-21)

Ezequiel foi contato entre os profetas inspirados e canônicos. E o mais impressionante nisto tudo, é que a inspiração divina não suprimiu as particularidades individuais de Ezequiel, por mais esquizitas que fossem, apenas as aperfeiçou para o chamado de Deus, tornando-as mais potentes e dinâmicas. E que assim seja conosco, amém!

Soli Deo Gloria

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*Mais informações em Introdução ao AT, p.584-585 (E. Sellin & G. Fohrer)
*Ibib, p.585.
Fonte: Bíblia de Estudo Vida


Autor: Daniel Grubba
Fonte: [ Soli Deo Gloria ]

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