Por: Daniel Grubba
Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. - Paulo em II Co 3.17 -
A interpretação mais corriqueira deste pequeno versículo parece sempre estar ligada a liberdade litúrgica. É muito comum ouvirmos, principalmente em comunidades mais carismáticas, algo assim: Irmãos, na presença do Senhor temos liberdade, podemos cantar em todos ritmos, dançar como Davi dançou, chorar copiosamente, cair na unção, orar em línguas o mais alto para que todos ouçam, ou se preferir, ficar em silêncio contemplativo. Então, no fim da breve ministração concluem citando o versículo supracitado. É muito bonito, mas este trecho de II Co 2 não tem absolutamente, nada haver com liberdade que se expressa no culto.
Liberdade de culto?
Levarei em conta apenas duas considerações. Em primeiro, a contrário dos mais tradicionais, penso que a flexibilidade litúrgica traz dinâmica e vida ao culto. Não creio que o culto cristão, para ser mais solene, deva assemelhar-se a um funeral, ou deva zelar a todo custo por uma estrutura tradicionalista, rígida e imutável. Desde que haja ordem e decência como nos orienta Paulo em I Co 14.40, podemos torná-lo mais feliz, por assim dizer. Não podemos nos esquecer que nosso povo é expansivo, passional, alegre. Há que se compreender os aspectos culturais. O culto no Norte do país em uma Assembleia Pentecostal, será muito diferente do culto celebrado no Sul em um igreja luterana. Por isto, sempre haverá perigo na vã tentativa da sacralização ou demonização de aspectos culturais "a-morais" e singulares de cada região.
Erro crasso de interpretação
A segunda consideração que gostaria de registrar é de natureza hermenêutica. Como já disse na introdução, a liberdade que o Espírito promove não tem nada a ver com a vida cúltica. Afirmar isto, além de reduzir ao máximo o profundo significado do texto, também é um erro crasso de interpretação. Apenas quem não conhece o contexto imediato do capítulo 3 do segundo livro aos Coríntios pode dizer que a frase - onde o Espírito do Senhor está, ai a liberdade - significa liberdade para "fazer o que der vontade de fazer" no culto.
A verdadeira Liberdade
Então, de que somos libertos afinal? Que espécie de liberdade o Espírito do Senhor promove? Simples, leia todo o capítulo II Co 3.1-18. Como alguém já disse: texto sem contexto, é pretexto.
A primeira coisa que deve ficar bem clara é que a liberdade do Espírito do Senhor, que Paulo discorre em toda perícope, não está de modo algum relacionada a expressões litúrgicas de culto. Pois a maravilhosa libertação ocorre em nós, no interior da gente, no modo como nos relacionamos com Deus em nossos corações, e não fora de nós. Pois é bem possível que haja pessoas que dançam, correm e pulam no culto, mas em seu interior são consumidas por um medo angustiante de serem riscadas do livro da vida, de serem consideradas indignas do Reino, de não serem amadas incondicionalmente por Deus. Sim, muitas vezes, estão pulando, dançando, gritando, pois querem convencer a Deus de que são dignas em si mesmas de obterem a salvação, de que são merecedoras de serem abençoadas. E neste caso, toda liberdade do culto, em todas suas expressões, deflagram apenas uma devoção patrocinada pela culpa.
Então, de acordo com Paulo, seguindo a sequência natural de texto, devemos afirmar que somos libertos da toda frustração e culpa que provém de nossas inúteis e arrogantes tentativas de afirmar nossa justiça diante de Deus mediante a obediência da Lei. Vejamos:
Vers. 3.3 - Somos libertos pelo Espírito do Deus vivo, de um relacionamento primitivo que se fundamenta em tábuas de pedra como na Antiga Aliança, para nos relacionarmos intimamente com Deus, nas tábuas de carne do coração. Paulo está dizendo, na verdade, que não tinha nenhum código de leis, regras legalistas, preceitos mosaicos - tábuas de pedra - para apresentar ao povo de Corinto, como meio de relacionar-se com Deus. Ao contrário, eles iriam discernir a vontade de Deus, lendo e observando as tábuas de carne. Ou seja, o modo de viver de um cristão que aprendeu amar (I Co 13).
Vers. 3.6 - Somos libertos para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da letra do Antiga Aliança, mas do Espírito; porque a letra, os códigos, os preceitos, e as ordenanças da Lei, são as coisas que matam pela imposição da culpa, mas é o Espírito que vivifica. Posto que a Lei só serviu para mostrar o quanto somos pecadores e incapazes de cumpri-la. "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus." (Rm 3.19).
Vers. 3.7-8 - Somos libertos do ministério da morte que foi gravado com letras em pedras. E que apesar de toda gloria, que estampava-se na face de Moisés, era transitória e temporal; Ficou velha e caduca, pois Hebreus 8.13 diz: Dizendo Nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar. Fomos chamados a liberdade da glória do ministério do Espírito, que é infinitamente maior e eterna.
Vers. 3.9 - Fomos libertos do ministério da condenação, que foi glorioso, mas muito mais excederá em glória o ministério da justiça. Sim, a lei - letra que mata - nos encerrou debaixo do pecado destituindo-nos da gloria, mas a justiça de Cristo, nos declarou para sempre justos diante de Rei. Portanto, não há mais condenação (Rm 8.1).
Vers. 3.11 - Fomos libertos do que era transitório e temporal. E apesar de todo o esforço dos evangélicos legalistas de reavivar uma Lei para se ufanarem de seus gloriosos feitos [...] Nós, os que acreditamos na justificação pela fé, não nos apoiamos em nossa obediência a Lei, que não passam de trapos de imundícia, pois é por Cristo que temos tal confiança em Deus; Pois como disse Paulo em II Co 3.5: "Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus".
Vers. 3.13 - Fomos libertos da tendência de reproduzir a espiritualidade de Moisés, que punha um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório. Pois fomos chamados à sermos a semelhança do Filho de Deus, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8.29).
Vers. 3.14 - Fomos libertos do endurecimento dos sentidos; libertos do véu que nos obrigava a guardar a Lei, a qual foi por Cristo abolida. Sim, não somos mais obrigados a obedecer a Lei como meio de justificação, pois ninguém nunca será justificado pelas obras da lei (Gl 2.16).
Vers. 3.18 - Fomos libertos e todos nós, com rosto descoberto, refletimos como um espelho a glória do Senhor; somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor. A transformação é obra de Deus, não é algo que possamos fazer por nós mesmos.
Posto isto, devemos afirmar, de acordo com a consciência do Evangelho, que toda e qualquer tentativa humana de guardar a Lei, produzirá frustração e culpa. Sim, ora ficaremos frustrados por descobrir que é impossível cumprir os preceitos, e automaticamente seremos condenados a estado crônico de culpa e ansiedade.
Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade
Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder descansar no fato, de que tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.
Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder seguir rumo ao alvo, sem ter a necessidade de olhar para as coisas antigas, pois quem está em Cristo é uma nova criatura, tudo ficou para trás, e novas coisas se fizeram.
Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é não aniquilar a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu em vão. É poder cantar, dançar, pular; ou se preferir ficar em silêncio em profunda reverência, desde que o coração esteja apaziguado na maravilhosa graça de Deus.
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