"Não vá lá"!

Por: Leonardo Galdino

O Monte Mulanje foi a última parada que o economista brasileiro Gabriel Buchmann resolveu fazer após ter percorrido vinte e seis países em apenas um ano, com o objetivo de colher o máximo de informações e experiências possíveis para o seu doutorado em políticas públicas que iniciaria em setembro, nos Estados Unidos. Por ter 64% de sua população analfabeta e por elencar o rol dos vinte países mais pobres do mundo, Malauí, país do sudoeste africano, era o cenário ideal para o tipo de dados que Gabriel almejava coletar, especificamente a vila Mulanje, ao pé da montanha homônima. Ela era “um retrato da pobreza que Gabriel procurava”[1].

Acompanhado de um guia local, o brasileiro, que já havia escalado o Everest e o Kilimanjaro, decidiu subir até ao cume do monte, a três mil metros de altitude, pretendendo voltar no mesmo dia. O guia local, apesar de ter achado a empreitada uma tarefa bastante difícil, acatou a ideia. Num dado momento da subida, Gabriel abriu mão do guia, alegando que este estava indo “devagar demais”, e decidiu ir sozinho ao topo do Mulanje. O guia disse a Gabriel que era forte o suficiente para suportar a dificuldade da escalada, mas o brasileiro, após ter dito ao guia que ia por conta própria, dispensou-o, pois tinha pressa. Após ter pernoitado no Abrigo Chisepo, a mil metros abaixo do pico, Gabriel saiu cedo, de bermuda e blusa de mangas curtas, rumo ao alto da montanha. Seriam sete horas intensas de caminhada numa subida bastante íngreme. Era uma sexta-feira, 17 de julho, e o destino final seria o Pico Saptiwa, nome que significa “não vá lá”, em Chichewa, língua falada pelos nativos. O próprio nome do pico parecia ser um presságio, um aviso. Gabriel conseguiu chegar ao topo. Porém, quando ele descia o pico, teve uma surpresa nada agradável. Uma densa neblina tomou conta do alto da montanha. Gabriel se perdeu no caminho de volta, pois a neblina limitava sua visão a apenas dez metros à frente. Depois de alguns dias, foi dado como desaparecido. Uma experiente equipe de resgate, formada por seis canadenses e um argentino, comandou as operações de busca ao economista brasileiro. Cerca de sessenta pessoas vasculharam o Monte Mulanje por mais de duas semanas, sem encontrar nenhum vestígio do economista. Foi então que, no dia 1 de agosto, num despretensioso sábado, dois nativos que estavam na montanha colhendo folhas e madeira para construir casas encontraram o corpo do brasileiro. Gabriel Buchmann, de apenas vinte e oito anos, foi encontrado sem vida, debaixo de um ninho que ele mesmo construíra por entre a grama alta da montanha para se proteger de um frio que se aproximava do zero grau. Mesmo levando consigo agasalhos de lã, calças, gorro, cachecol e demais artefatos para o frio e conhecendo as técnicas de montanhismo, o corpo do brasileiro não resistiu à hipotermia. Pela posição em que Gabriel foi encontrado presume-se que ele morreu dormindo, sem sentir dor, apenas frio, muito frio. Há quem diga que, se Gabriel tivesse atentado para as recomendações do guia e para o significado nome do pico Saptiwa - “NÃO VÁ LÁ”, talvez ainda estivesse vivo para contar histórias e concluir o seu doutorado.


Não pretendo, aqui, entrar no mérito desta última questão. Particularmente, creio irrestritamente na soberania de Deus e que tudo, absolutamente tudo o que acontece, passa pelo planejamento e pelo crivo da Divina Providência, de modo que Deus não apenas é Sabedor (Onisciente) de todas as coisas, mas também o Ordenador (Senhor) de todas elas. Mas, como disse há pouco, não é sobre isso que eu quero dissertar (fica para uma próxima). Tampouco pretendo endossar alguma superstição pelo significado do nome do pico. Certamente, muitos já foram lá e não morreram. Quero apenas aproveitar o que aconteceu com Gabriel para ilustrar o perigo que um cristão professo corre ao não dar ouvidos ao seu “guia espiritual” (cf. Hb 13.7), quando este solenemente o alerta: “Não vá lá”!

Muitos são os casos de pessoas que estão dentro das igrejas e que se enfiam em apuros espirituais por não ouvirem seus pastores. Correm atrás das “novidades teológicas”, muitas das quais não passam de ventos de doutrinas, que as agitam de um lado para o outro. Ignoram o alerta dos seus guias de que naquela trilha que estão seguindo há uma densa neblina que obstruirá suas visões e lhes congelarão a alma. “Saptiwa, Saptiwa”, mas eles preferem ir. Por exemplo, conheço pessoas que de tanto flertarem com as falácias do Liberalismo Teológico, hoje não conseguem mais se livrar delas. O flerte virou namoro, evoluiu para noivado e acabou culminando em um casamento indissolúvel. Seus corações estão frios e vazios. Não há mais nenhum vestígio de fé. Muitos que antes eram conservadores hoje negam doutrinas fundamentais do Cristianismo, como a encarnação, a divindade e a historicidade de Cristo e a infalibilidade e inerrância das Escrituras. Muitos fazem declarações ousadas e firmes de sua própria incredulidade, revezando-se entre os púlpitos de suas congregações e as salas de aula dos seminários nos quais lecionam. No afã de alcançarem os mais altos “picos teológicos”, ultrapassaram a sã doutrina e racionalizaram a fé. Atentaram demais para a letra e se esqueceram da piedade, da devoção. Como diria Jorge Camargo, na sua belíssima música Letra Morta, “está no livro, está no templo, mas não está no coração; está no grego, está no hebraico, mas não se fez encarnação”. Por outro lado, há o tipo “liberal pós-moderno” (neoliberal), que é aquele que acredita em tudo e ao mesmo tempo em nada. Ele é inclusivo, absorve tudo o que puder, mesmo que sejam conceitos totalmente antagônicos. É defensor de uma fé líquida, e não sólida; instável, e não estável. Não traça limites entre a ortodoxia e a heresia. Para os tais defender a verdade é arrogância, e crer na exclusividade do Cristianismo é intransigência fundamentalista. Sua descrença se esconde sob a capa da piedade. Em minha opinião, esse é o tipo mais perigoso, pois arrebanha outros atrás de si com seus discursos “piedosos”. Fala em comunhão com Deus, em nome da “espiritualidade”. Busca uma transcendência sem Bíblia, e uma relevância sem doutrina. Dissemina seus ensinos por meio de livros, internet e todo tipo de mídia disponível, tendo como principais focos de ataque a natureza da igreja e a natureza de Deus, mudando a verdade de Deus em mentira (Rm 1.25), tudo sob a tutela do relativismo, pluralismo e inclusivismo pós-modernos. E o mais lamentável é que para tudo isso há um público bastante amplo, que muitas das vezes está dentro das igrejas questionando aquele “pobre e ignorante” pastor que ainda teima em crer na exclusividade do Evangelho como sendo “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16). Essa pessoas estão deixando o Senhor, o “manancial de águas vivas”, e cavando “cisternas rotas, que não retem as águas” (Jr 2.13); estão trocando o Soberano Deus, Criador dos céus e da terra, por uma divindade pocket, que caiba nos seus bolsos. Enveredaram-se por caminhos de morte, ao desdenharem dos constantes avisos para não irem lá.

Sei que em parte isso se explica pela decadência dos púlpitos. Muitos pastores estão tão preocupados em reforçar as cercas que acabam se esquecendo de melhorar o pasto. Há uma frenética “caça às bruxas”, enquanto que a pregação expositiva tem sido relegada a segundo plano. Esperam firmeza de suas ovelhas sem lhes dar alimento sólido. Sendo assim, o “Saptiwa” de nada servirá se o rebanho não for suprido com pastos verdejantes, nos quais as ovelhas devem encontrar prazer e descanso para suas almas. É preciso atentar para a segurança do rebanho sem, contudo, esquecer-se de alimentá-lo.

O escritor aos Hebreus nos adverte: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram” (Hb 13.7). Essa advertência não está aí à toa. O guia é alguém que nos orienta sobre o caminho mais seguro, e suas vidas devem nos servir de referência. Com humildade e obediência devemos nos submeter àqueles que foram ordenados por Deus para serem nossos guias espirituais. E que nossos ouvidos estejam sempre atentos quando eles insistentemente nos alertarem: “Saptiwa, Saptiwa, Saptiwa”...


Soli Deo Gloria!

Autor: Leonardo Galdino
Fonte: [ Optica Reformata ]


[1] Site do Fantástico.
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