Evangélicos: da reserva moral à vanguarda inescrupulosa

Por: Derval Dasilio

Exemplos indignos de igreja gananciosa, mais respeitados que Estevão – cristão esquecido, mártir da fé resistente à religião retributivista, na compaixão, na misericórdia, no cuidado com os demais – Simão, Ananias e Safira fascinam evangélicos recentes tais como mágicos vigaristas e trapaceiros no viaduto Santa Efigênia. Políticos, segundo as últimas notícias que envolvem senadores e deputados federais do Congresso, envolvidos em mensalão, operação sanguessuga, propinodutos permanentes, representando milhões de evangélicos. São eleitos como “homens de fé evangélica” mesmo respondendo a acusações e processos por fraude, roubo e corrupção. Compõem a nova linguagem política nos púlpitos e nos templos transformados em palanques da nova forma cultural de “ser evangélico”. Leem a Bíblia fundamentalista, adestrando os fiéis para o uso da urna; defendem com unhas e garras o senador eleito com auxílio do crime organizado; promovem para nova eleição o deputado que renunciou para escapar à cassação do mandato evitando a inelegibilidade... Com a palavra os pastores parlamentares.


Algo que é muito embaraçoso nos tempos atuais é a verdade sobre a compreensão “evangélica” que torna a visão de Deus, do homem, da sociedade e do mundo extremamente preocupante, fazendo corar os que ainda têm vergonha. Ganância, sacrifício financeiro em favor de dirigentes religiosos, hoje são virtudes evangélicas e não pecados veniais. Promessas de prosperidade, politicagem rasteira, tal qual incômodas apostasias e heresias dos primeiros séculos da Igreja. Esse conhecimento nos traz uma culpabilidade relativa, uma vez que aceitamos e nos impregnamos do pragmatismo propositista do fundamentalismo que se ensina nas igrejas e que procuramos assimilar a qualquer custo. São absurdos, descalabros, no caminho e na transmissão da fé consolidada nos 150 anos de protestantismo no Brasil, com a Bíblia a tiracolo.

É o fim do conceito da transparência. Fomos sempre conhecidos como reserva moral da sociedade. Passamos à vanguarda imoral. Agora pertencemos ao lixo que faz feder o nome “evangélico”. Roubar, fraudar, usar de falsidade ideológica, enganar eleitores, não é mais pecado imperdoável. Escrevendo a Melanchton, Lutero disse em bom latim: “Esto peccator et pecca fortiter” (Sê pecador e peca forte). Só que esses evangélicos que não seguem o pensamento do grande reformador protestante fazem questão do acréscimo apócrifo: ...“e crede mais fortemente na impunidade”. Eis o complemento do evangelho pelo avesso, na ganância de nossos parlamentares, evangelicais ferrenhos em suas campanhas. Igrejas/palanques dominam, controlam e influenciam a inveja das igrejas menores, enquanto pastores do baixo clero e cabos eleitorais da corrupção alimentam campanhas eleitorais sem pudor cristão.

Dietrich Bonhoeffer, mártir do cristianismo moderno, dizia que é preciso estar atento ao fato de que Deus entrou na história e na carne da humanidade por meio de Jesus Cristo.

Nossa herança difere da herança de outros povos e outras culturas quanto à revelação do Evangelho encarnado, quando prenunciava a pós-modernidade religiosa (carismática), a secularização evangélica (êxtase e ganância), vendo religiosos agindo como se Deus não existisse. Arrogando-se de serem donos do destino histórico de cada um e da sociedade humana em seu todo.

Agrade-nos, ou não, “nossos antepassados bíblicos são testemunhas do ingresso de Deus na história humana” (Thomas Merton). Deus, não o movimento carismático, retributivista, sem escrúpulos, faz nossa história. Quer admitamos ou não, sendo protestantes, evangélicos, católicos, a revelação aponta para Jesus, que veio para o “mundo” e o mundo não o conheceu (Jo 1.10). Jesus não utilizou sua imagem para impor a hegemonia evangelical triunfalista que adotamos. Ao menos no período apostólico da Igreja, os cristãos respeitavam o ethos bíblico. Por que nossos concílios eclesiásticos não acordam enquanto se recolhem em solidariedade implícita à desonestidade reinante? É um sofrimento ler a Bíblia e a história do protestantismo nesse cenário de omissão.


Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
Fonte: [ Ultimato ]

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1 comentários:

Olá, caros irmãos.
Graça e Paz.
O texto acima foi muito feliz nas colocações que fez.

Realmente estamos vivendo um período em que a Bíblia só tem servido como manual do sucesso fácil. Seja na política, seja no emprego, seja nos negócios, seja nas IGREJAS, seja nos estudos, etc.

Tá difícil ver alguém pregando dentro de uma igreja sobre: mudança de vida, de caráter; jejum e oração ; consagração de toda uma vida; trabalho duro; fruto do Espírito; só Jesus salva; "no mundo tereis aflições"; "muitos serão chamados mas poucos os escolhidos"; vai pro inferno; etc.

Os crentes de hoje já não questionam essas autoridades mencionadas no texto (políticos, pastores, etc) pois só ouvem falar de PROSPERIDADE, UNÇÃO, BENÇÃO, RECEBER, DETERMINAR A DEUS, O PODER DO UNGIDO DE DEUS, ETC.

Apesar de haver exceções, e muitas, a maioria dos pastores não quer tocar nos assuntos que confrontam os crentes; que os façam refletir para como está a sua vida. Mesmo nas igrejas, tem-se perdido o referencial de como deve ser. Enfim...

É uma pena.
Mas felizmente a máxima "crê em Jesus e serás salvo" ainda persiste e nós, como servos desse Jesus, ainda temos a missão de "ir e leva o evangelho a toda criatura", pois ainda existem escolhidos que não sabem que foram escolhidos.

Deus nos abençoe.

Ralffer.

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