A crise do capitalismo global e o sistema de crença evangélico brasileiro hoje.

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Por: Anderson Clayton

Para muitos intelectuais, talvez não seja claro a relação entre fenômenos macrossociais, como a crise do capitalismo global que se iniciou em setembro de 2008, e realidades intrapsíquicas (subjetividade humana) mantidas por crenças operantes, quer sejam estas funcionais ou disfuncionais.

No entanto, seria difícil entender a dinâmica do crescimento neopentecostal sem esta compreensão, que se preconiza na psicologia do discurso evangélico, cujo propósito parece ser claro: alterar a autocompreensão das pessoas que postulam a fé (em sua dimensão prospectiva) e vivem num mundo prenhe de incertezas.

Aliás, a “vida líquida” (Zygmunt Bauman), como característica ontológica que figura o horizonte social da globalização, é marcada sociologicamente por uma realidade com implicação dramática na subjetividade humana, a saber: a instabilidade psicossocial. Nesta, se preconizam algumas crises que parecem muito comuns para os brasileiros como um todo e, em particular, para o público evangélico de confissão neopentecostal: crise de identidade social, crise de empregabilidade, crise de perspectividade, entre outras.

A política de mercado livre, já nos falava John Gray, gera instabilidade nas sociedades capitalistas como um todo. A atual crise do sistema financeiro internacional não só confirma a análise de Gray, como também descortina um horizonte repleto de incertezas. Por isso se fala de uma crise financeira que afeta negativamente o capitalismo de mercado (gera escassez de crédito).

Com esta crise, a prática do consumo está sendo reduzida nos países que entraram numa recessão econômica, gerando preocupações que levaram muitos economistas a fazerem uma interpretação pessimista do cenário econômico mundial para os próximos anos. A crise do sistema financeiro produziu uma retração econômica no mercado, o que tem levado alguns países a um processo de desaceleração econômica.

Existem implicações para a subjetividade humana num cenário socioeconômico em que figura tal realidade de crise financeira no capitalismo contemporâneo?

A instabilidade social, produzida por uma crise macroeconômica, pode ser verificada na tendência crescente de desempregabilidade nos países de economia desenvolvida e em desenvolvimento. Quanto maior é a incerteza no mercado, mais frágil se configurará o cenário de empregabilidade nos países de economia de capitalista. A lógica de exclusão se verifica algoz na cadeia epifânica do fenômeno social: desemprego e a não-participação efetiva no mercado de consumo.

Entretanto, existe uma implicação psicológica que se desencadeia neste fenômeno social: a produção de crenças disfuncionais de desamparabilidade econômica. A não-participação efetiva numa sociedade de consumidores produz deformações na subjetividade que se constrói na autoimagem das pessoas consideradas não-produtivas: quem não produz, não pode consumir.

Porém, não é o simples consumo que as pessoas buscam na prática de consumir. De acordo com Bauman, há um dispositivo de hedonização da vida presente na cultura do consumo. A prática do consumo produz sua síndrome, e esta, uma vez reativada, torna o consumo uma realidade que potencializa a dinâmica libidinosa da “economia do prazer”. Daí o prazer pelo consumo ser definido por alguns intelectuais como sendo a expressão compulsiva de um ego tomado pela síndrome do consumismo.

Ser ou se sentir excluído desta realidade produz crenças inoperantes, tais como a crença disfuncional de incompetência para o consumo. O senso de desamparo provém da constatação do “eu” improdutivo ao admitir sua própria incompetência para participar do banquete preparado pela “sociedade da opulência”. O que fazer numa configuração social assim, marcada por aquilo que Giddens chamou de “cortina de ouro” (uma configuração econômica marcada pela inclusão ou exclusão social pela via do consumo)?

A chave para o prazer é o consumo. Mas só tem acesso ao consumo quem é considerado produtivo no capitalismo de mercado. Como a desempregabilidade é uma variável crescente na atual crise financeira, é cada vez mais candente a produção industrial de crenças disfuncionais de desamparo econômico.

Esta variável psicológica produz uma demanda pela fé. Neste sentido, a globalização também produz seu sistema de crença religiosa para dar amparo/resgate aos que foram infectados pela síndrome de desamparabilidade econômica. A desempregabilidade crescente exige uma resposta de fé que produza uma descomplexificação do horizonte turvo desencadeado pela crise do sistema financeiro. Em termos sociopsicológicos, isso significa reduzir o alto grau de indeterminação que existe na crise de perspectividade nos indivíduos excluídos que “subvivem” no capitalismo de mercado.

É neste contexto que as novas espiritualidades nascem com seu discurso de efeito psicológico otimizador, com o claro objetivo de revitalizar o sistema de crença das pessoas que foram atingidas pelos desdobramentos sociopsicológicos da situação de desempregabilidade. Na teologia da prosperidade, há uma “metafísica do sucesso” prometida. A antropologia que se desenvolve nesta concepção de espiritualidade produz o retrato de uma realidade hipostasiada (otimização das possibilidades) pela crença funcional de “re-amparo” das pessoas que foram visceralmente atingidas pela incerteza e vulnerabilidade provenientes daquilo que Bauman chama de “medo derivado”.

A fé-prospecção é o elemento que dá contorno a estas espiritualidades. Entretanto, a política de auto-amparo, proveniente deste tipo de fé, produz um narcisismo moral que gera uma espiritualidade de autotranscendência na qual o trinômio fé, felicidade e consumo define um novo conceito de experiência religiosa: crer é prosperar. Só experimenta a prosperidade material quem exerce sua fé sem restrição teológica. Deus é maior e faz infinitamente mais do que tudo aquilo que os dogmas teológicos preconizam, e seus limites compreensivos alcançam.

O que é preciso deixar claro na análise deste novo modelo de espiritualidade evangélica brasileira é o fato de que não existe crise que seja maior do que a fé em seu legítimo exercício a serviço de um novo ator religioso: o “eu posso”. Neste espectro de fé prospectiva, a síndrome de desamparabilidade decreta sua insolvência, e a ética do sucesso, que produz resultados positivos, revela sua amizade com os auspiciosos ideais de consumo de uma economia de mercado.

O sistema de crença neopentecostal desenvolveu uma espiritualidade reativa, tornando a ameaça, proveniente de um horizonte prenhe de incertezas, o elemento motivacional de autossuperação de uma fé que elegeu a crise para impor, pelo menos na retórica, sua receita psicoantropológica de uma vida sem medo do futuro, bem como sua coragem de ser na fé numa sociedade povoada por infindáveis riscos sociais.

Para este sistema de crença, não há crise financeira que altere a semântica teológica da moralidade narcisista de progresso do “eu tudo posso”. A meta de sua retórica é sempre revitalizar, em nível psicológico, crenças funcionais de amparo, seja este de quaisquer natureza e gênero. É a partir desta tese que o empreendimento neopentecostal tem fundamentado seu ethos e sua lógica de expansão.


• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.

Fonte: [ Revista Ultimato on line ]
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