Não espere novas revelações

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Por João Calvino


1. Havendo Deus, antigamente, falado. (Hb 1.1-3) O propósito desta introdução consiste no enaltecimento da doutrina de Cristo. Aqui aprendemos não só que devemos receber essa doutrina com reverência, mas também que devemos repousar exclusivamente nela. Para que se entenda melhor esse fato, é indispensável que observemos a antítese das cláusulas em separado. Em primeiro lugar, o Filho de Deus é contrastado com os profetas; em segundo lugar, nós, com os patriarcas; em terceiro lugar, as variadas e múltiplas formas de expressão que Deus adotou em relação aos pais, até chegar à última revelação que nos é comunicada por Cristo. Não obstante, dentro dessa diversidade o autor põe diante de nós o Deus único, no caso de alguém concluir que a lei está em divergência com o evangelho, ou que o autor deste seja distinto do autor daquela. Portanto, para que pudéssemos apreender o ponto crucial desse contraste, o seguinte confronto poderá servir de ilustração:

Deus falou
Outrora, pelos profetas: agora, pelo Filho.
Então, aos pais: agora, a nós.
Antes, diversas vezes: agora, nestes últimos dias.

Com o assentamento desse alicerce, a concordância entre a lei e o evangelho é estabelecida, porque Deus, que é sempre o mesmo, cuja Palavra é imutável e cuja verdade é inabalável, falou em ambos igualmente. E preciso, contudo, que observemos a diferença entre nós e os patriarcas, visto que Deus se dirigiu a eles no passado de uma forma diferenciada de nós hoje. Primeiramente, nos tempos dos patriarcas ele utilizou-se dos profetas; no tocante a nós, porém, ele nos deu seu próprio Filho como Embaixador. Nesse aspecto, portanto, nossa condição é muito melhor. Além do mais, Moisés se acha incluído na categoria de profeta, como um daqueles que são inferiores ao Filho. E pela forma como se processou a revelação, também estamos em melhor situação, pois a diversidade de visões e de outras administrações que existiram no Velho Testamento evidenciava que não havia ainda uma ordem definida e definitiva de fatos, tal como sucede quando tudo se acha perfeitamente estabelecido. Esse é o significado da frase "diversas vezes e de diversas maneiras". Deus poderia ter seguido o mesmo método perenemente até ao fim, se tal método houvera sido perfeito em todos os sentidos. Segue-se, pois, que essa variedade constituía um sinal de imperfeição. Além do mais, tomo essas duas palavras no seguinte sentido: "diversas vezes" tem referência às várias mudanças de tempos. O termo grego significa literalmente "em muitas partes", como, por exemplo, quando tencionamos falar com mais amplitude ou posteriormente. Mas o termo grego (em minha opinião) indica diversidade no próprio método [divino]. Quando ele diz: "nestes últimos dias nos falou", o sentido consiste em que não há mais razão para ficarmos ainda em dúvida se devemos esperar alguma nova revelação. Não foi apenas uma parte da Palavra que Cristo trouxe, e, sim, a Palavra final. É nesse sentido que os apóstolos entenderam a expressão "os últimos tempos" e "os últimos dias". E Paulo entende a mesma coisa, ao escrever: "de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado" (1 Co 10.11). Se Deus agora falou sua Palavra final, é conveniente que não avancemos mais, assim como devemos deter nossos passos quando nos aproximamos dele. É muitíssimo necessário que reconheçamos ambos esses aspectos; pois constituía-se um grande obstáculo para os judeus o fato de não considerarem a possibilidade de Deus haver transferido para outro tempo um ensino mais completo. Viviam satisfeitos com sua própria lei, e não se apressaram rumo ao alvo. Em contrapartida, uma vez tendo Cristo aparecido, um mal opositor começou a prevalecer no mundo. Os homens se esforçaram para ir além de Cristo. Que outra coisa faz todo o sistema do papado, senão transgredir esse limite que o apóstolo delimitou? Portanto, assim como o Espírito de Deus, nesta passagem, convida a todos a irem a Cristo, assim os proíbe a ultrapassarem essa Palavra final da qual ele faz menção. Resumindo, o limite de nossa sabedoria está posto aqui no evangelho.

2. A quem constituiu herdeiro. O autor glorifica a Cristo com esse sublime enaltecimento à guisa de incitar-nos a reverenciá-lo, pois assim como o Pai fez todas as coisas sujeitas a Cristo, nós, igualmente, pertencemos ao seu reino.

Ele declara igualmente que nenhum bem pode ser encontrado fora dele/ visto ser ele o herdeiro de todas as coisas. Por essa razão, segue-se que somos os mais miseráveis e destituídos de todas as boas coisas, a menos que ele nos socorra com suas riquezas. Demais, ele acrescenta que essa honra, ou seja, exercer autoridade sobre todas as coisas, pertence por direito ao Filho de Deus, porquanto todas as coisas foram feitas por ele; embora essas duas prerrogativas sejam atribuídas a Cristo por razões distintas. O mundo foi criado por ele na qualidade de sabedoria eterna de Deus, a qual assumiu a diretriz de todas as suas obras desde o princípio. Essa é a prova da eternidade de Cristo; naturalmente que ele teria que existir antes que o mundo fosse por ele criado. Mas se a questão for sobre a extensão de tempo, então nenhum princípio será encontrado. Tampouco se detrai algo de seu poder, ao afirmar-se que o mundo foi criado por ele, ainda que não o tenha criado por iniciativa própria. É uma forma usual de se expressar quando se afirma que o Pai é o Criador. O que se acresce em algumas passagens - pela Sabedoria [Pv 8.27], ou pelo Verbo [Jo 1.3], ou pelo Filho [Cl 1.16] - possui a mesma força se se disser que a própria Sabedoria foi nomeada como Criadora. Deve-se notar que existe aqui uma distinção de pessoas, entre o Pai e o Filho, não só com referência aos homens, mas também com referência ao próprio Deus. A unidade de essência requer que, o que é próprio da essência de Deus, pertence tanto ao Filho quanto ao Pai. E assim, tudo quanto pertence exclusivamente a Deus, é comum a ambos. Tal fato não impede que cada um possua as propriedades de sua própria pessoa. O título 'herdeiro' é atribuído a Cristo em sua manifestação na carne. Pois, ao fazer-se homem e revestir-se de nossa própria natureza, ele recebeu para si essa herança a fim de restaurar para nós o que fora perdido em Adão. No princípio Deus estabelecera o homem como seu filho, para ser ele o herdeiro de todas as coisas; mas o primeiro homem, por meio de seu pecado, alienou-se de Deus, tanto ele próprio como também sua posteridade, e privou a todos tanto da bênção divina quanto de todas as demais coisas. Só começaremos a desfrutar as boas coisas de Deus, por direito, quando Cristo, que é o herdeiro de todas as coisas, nos admitir em sua comunhão. Ele tornou-se o herdeiro para poder fazer-nos ricos por meio de suas riquezas. Aliás, o apóstolo lhe atribui esse título para que pudéssemos saber que sem ele somos destituídos de todas as boas coisas. Se porventura considerarmos o termo 'todo' como pertencente ao gênero masculino, então esta cláusula significará que todos nós devemos estar sujeitos a Cristo, visto que fomos entregues a ele pelo Pai. Prefiro, porém, lê-lo como neutro, significando que somos privados da posse legal do céu e da terra, bem como de todas as criaturas, a menos que tenhamos comunhão com Cristo.

Fonte: [ Liga Calvinista ]
Via: [ Ministério Batista Beréia ]

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