O compatibilismo - 1/4

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Por Rev. Heber Carlos de Campos


O compatibilismo do concursus

Não obstante a dificuldade patente que existe de compatibilizar a soberania de Deus e a liberdade humana, podemos ter certeza de que as duas coisas coexistem e podem ser compatibilizadas. Elas não são mutuamente excludentes. Mesmo que não expliquemos todas as relações existentes entre essas duas verdades, elas são claras na Escritura. Todavia, afim de clarearmos um pouco essa difícil matéria, vamos a um procedimento que R. C. Sproul usou no tratamento desse assunto.

Segundo esse grande escritor reformado, uma das maiores dificuldades da teologia cristã é a solução do mistério que existe entre a obra soberana providencial de Deus e aquilo que realmente a criatura faz livremente. Antes de entrar no tratamento dessa relação, temos que distinguir dois termos muito importantes: mistério e contradição.

Uma contradição é entendida pela simples aplicação do uso das regras básicas da lógica. Algo que existe não pode ser ao mesmo tempo não existente. Isso é uma contradição. Quando afirmamos que Deus é soberano e que o homem é livre, não estamos tratando de uma contradição. Ambas as coisas podem coexistir perfeitamente. Todavia, se eu afirmo que Deus é soberano e o homem é um ser autônomo, então estou afirmando uma contradição. Estas duas coisas são excludentes. Se Deus é soberano, nada escapa ao seu controle e os seres humanos não poder ser autônomos. Se, entretanto, os homens são autônomos, a soberania de Deus é deixada de lado. A existência de um anula ou outro.

Pode-se conceber a ideia de um Deus absolutamente soberano. Os calvinistas creem assim. Pode-se conceber a ideia de seres humanos como autônomos. Os humanistas em geral creem assim. Todavia é impossível concebê-los como coexistindo simultaneamente. É impossível conceber o relacionamento da providência soberana de Deus com a autonomia humana. Ou aceitamos uma ou outra. Quem afirma uma nega o outra. É uma impossibilidade lógica aceitar ambas.

A razão pela qual existe uma impossibilidade lógica entre a soberania absoluta e a liberdade de autonomia é porque este último termo significa liberdade absoluta. Soberania absoluta e liberdade absoluta podem existir num mesmo ser. Deus pode ser tanto soberano como autônomo, mas isto não pode ser dito das criaturas, porque não pode haver dois soberanos, nem dois autônomos.

Para ser honesto, a liberdade absoluta não existe nem para Deus, porque ele não pode fazer nada contrário à sua natureza. Contudo, ele é livre no sentido de fazer qualquer coisa sem ter que dar satisfação a quem quer que seja. Ele não está sob a autoridade de ninguém. Nesse sentido ele tem liberdade de autonomia, mas não liberdade absoluta. Apenas age de acordo com a sua própria natureza.

Os seres humanos possuem liberdade, mas não a liberdade de autonomia. É uma liberdade limitada às suas condições de finitude, que são agravadas pela presença do pecado na raça humana. Não podemos permitir que a liberdade do homem diminua a soberania divina. Entretanto, é perfeitamente correto aceitar que a soberania divina limite a liberdade humana. É dessa liberdade dentro de limites que vamos tratar ainda neste capítulo. Ela será chamada de liberdade natural ou liberdade de agência.

A palavra mistério deve ser distinta da ideia de contradição. Não existe contradição entre a soberania absoluta de Deus e a liberdade de agência dos homens. Elas podem coexistir pacificamente porque elas não são excludentes. Todavia, não podemos penetrar todos os meandros dessa coexistência. Como Deus age soberanamente ao mesmo tempo em que o homem faz o seu trabalho realmente, é difícil de entender. “Um mistério pode ser definido como alguma coisa que é verdadeira que não podemos entender.” A soberania absoluta de Deus é verdadeira. A liberdade do homem (da forma como vamos apresentá-la) também é verdadeira. Contudo, não podemos compreender a maneira como essas duas verdades podem ser relacionadas. Permanece um mistério o fato de que, ao mesmo tempo, num ato praticado, Deus se manifesta soberano e o homem livre e responsável. Todavia, é possível a coexistência dessas duas verdades. Os que a defendem são chamados de compatibilistas.


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Continua nos próximos dias...

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