Por Heber Carlos de Campos
O Compatibilismo Justificado
1) Assumindo que o compatibilismo é uma realidade ensinada nas Escrituras, vamos tentar mostrar, até onde isso é possível, como ele se processa. A primeira afirmação nesta parte do capítulo é que não sabemos exatamente como as duas grandes verdades ensinadas acima se encaixam perfeitamente, devido à limitação de nossa visão de Deus e por causa da dificuldade de definição de termos usados, especialmente a idéia de liberdade. Essas duas verdades não se excluem e nem são contraditórias entre si. Todavia, a despeito de serem compatíveis entre si, permanece um elemento misterioso que não podemos explicar porque a parte mais profunda dessa matéria foge à nossa capacidade de entendimento.
2) Assumindo que o compatibilismo é uma realidade nas Escrituras, temos que aceitar que, mesmo sendo o sumo bem, Deus está por detrás do bem e do mal, mas de um modo diferente em cada um deles. Deus não está por detrás do mal do mesmo modo que está por detrás do bem. A Escritura afirma que Deus está por detrás do bem dando o desejo de coisas santas e realizando as coisas santas nos cristãos. Paulo chama isso “querer e realizar” (Fp 2.13).
Todavia, Deus não está por detrás do mal da mesma forma. Para que o mal seja executado, Deus usa a instrumentalidade das causas secundárias. Deus decreta a existência do mal, excita os seres racionais para que o mal aconteça, mas a execução do mal não é uma obra feita pela Causa Primária. Deus não pode ser acusado de praticar o mal. Somente as causas secundárias é que devem ser acusadas pelo mal, pois são elas que o praticam. Todavia, temos que nos lembrar de que o mal não foge da esfera da soberania humana. O próprio Deus assume a responsabilidade pela presença do mal no universo, embora os seres racionais sejam responsabilizados pela prática dos atos maus, pois eles são livres agentes. Este é o compatibilismo de que estamos falando.
Carson sumariza este ponto da seguinte forma:
“Se eu peco, talvez eu não possa pecar fora dos limites da soberania divina (ou os muitos textos citados não têm sentido algum), mas eu sozinho sou responsável por aquele pecado — ou talvez eu e aqueles que me tentaram... Deus não deve ser culpado. Mas se eu faço o bem, é Deus operando em mim o querer e o fazer segundo a sua boa vontade. A graça de Deus foi manifesta neste caso, e ele deve ser louvado.” [Carson, How Long, O Lord?, 213.]
3) Assumindo que o compatibilismo é uma realidade ensinada nas Escrituras, então temos que enfatizar a responsabilidade moral dos homens. A tendência dos adversários do compatibilismo é esta: Se Deus é soberano absoluto, o homem não pode ser responsável pelos seus atos. Esse raciocínio, de ranço arminiano, é nascido no conceito de liberdade de autonomia ou de independência. Esta liberdade é incompatível com a soberania absoluta de Deus. Todavia, não é desta liberdade que estamos tratando. O conceito de liberdade é um dos mais difíceis de serem definidos.
O espaço aqui é pequeno para um tratado sobre a matéria.
Daremos atenção a este assunto de forma resumida, mas a mais clara possível, dentro de nossas limitações.
A responsabilidade dos homens é resultante do fato de Deus criá-los com liberdade de agência, como já afirmamos anteriormente. Os seres humanos fazem escolhas o tempo todo: eles obedecem, rebelam-se, crêem, permanecem incrédulos, mas sempre são contados por Deus como responsáveis pelos seus atos, mas isto nunca acontece fazendo com que Deus seja contingente dos atos humanos.
Deus é apresentado na Escritura com soberano e, ao mesmo tempo, como Deus de bondade. Carson nos adverte muito sabiamente de um perigo: "Deus nunca é apresentado como cúmplice do mal, ou como secretamente malicioso, ou como permanecendo por detrás do mal como exatamente ele permanece por detrás do bem." [D. A. Carson, How Long, O Lord?, (Grand Rapids: Baker Book House, 1990), p. 205.] A grande dificuldade é colocar estas duas coisas juntas, sem fazer injustiça ao Deus da Palavra. Mas isto que Carson disse é absolutamente a expressão da verdade.
Ninguém pode negar estas duas verdades apresentadas na Escritura com vários exemplos que serão analisados logo abaixo. Essas duas verdades são absolutamente compatíveis. Todos os teólogos que sustentam que estas duas verdades podem estar perfeitamente juntas, são chamados "compatibilistas".
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Fonte: O Ser de Deus e as suas obras: A Providência e a sua realização histórica. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, págs. 203-205.
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