"São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não, mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade” [1].
Poucas afirmações, em toda a história da humanidade, poderiam ser tão perturbadoras como essa, que foi proferida pelo papa (sic.) Bergoglio em entrevista publicada no jornal italiano La Repubblica.
Na verdade, se essa fala tivesse sido ventilada por algum ditador comunista ou psicopata alucinado - que são mais ou menos a mesma coisa - ela não deixaria de ser ofensiva e indigesta, todavia, não seria um produto diferente do que normalmente se deve esperar de ambos. Mas não. Ela foi pronunciada por um dos maiores representantes institucionais do cristianismo no mundo, o que faz qualquer indivíduo com razoável senso de realidade desvanecer em assombro diante de tão abjeta e pervertida apresentação dos fatos.
Vejamos se realmente comunistas pensam como cristãos e se, no pensamento cristão, um suposto grupo desfavorecido é que deve ditar as diversas políticas em uma sociedade.
Metafísica
A "metafísica" dos comunistas ou marxistas é, com efeito, ontologia. Uma vez que sua visão é essencialmente materialista, para eles, não existe nada além do universo físico. Causas e arranjos inteligentes são apenas ordenações felizes de átomos, moléculas, formas e elementos.
A metafísica dos cristãos começa e termina com o ser eterno, puro, simples, absoluto e pessoal do Deus-Trindade, que é distinto do universo. Este é resultado de deliberada e teleológica criação. Além disso, o universo é movido e sustentado por uma ação imanente e exaustiva de Deus.
Filosofia da História
A filosofia da história dos comunistas ecoa muito bem seus pressupostos metafísicos, ou seja, não existe um ordenamento inteligente e proposital na história. A história é apenas uma sucessão de eventos no espaço-tempo sem significado objetivo algum.
A filosofia da história dos cristãos também deriva de sua metafísica. O mesmo Deus que criou o universo com um propósito específico conduz a história em seus mínimos detalhes para uma consolidação específica.
Epistemologia
A epistemologia dos comunistas é um assustador mosaico de ideias conflitantes e asserções injustificáveis. Ela, em seus melhores dias, se baseia no método científico da lógica indutiva e do empirismo. E, nos maus dias, quando se dá conta de que a indução e o empirismo não podem promover qualquer conhecimento real, afunda no niilismo.
A epistemologia dos cristãos parte de um ponto único e central, auto-autenticável e de amplo alcance filosófico, que é a Bíblia. A partir da Bíblia, todo o sistema de pensamento é construído por lógica dedutiva em um sistema racional redimido pela Escritura, inspirada por Deus.
Ética
A ética dos comunistas é uma ética arbitrária relativista, que não encontra nenhum fundamento mais sólido do que o próprio homem ou, em termos mais amplos, do que sociedades particulares. O certo e errado não são mais "certo e errado" do que se convenciona em dada cultura. Além disso, sua ética é situacionista e utilitarista, o que significa que os princípios morais estabelecidos pelos agentes éticos variam conforme as circunstâncias. O errado de hoje pode se tornar o certo de amanhã, sem problema algum.
A ética dos cristãos baseia-se em sua metafísica, de tal modo que se pode falar em uma metaética. Os valores éticos são absolutos pois partem de Deus - de seu caráter e revelação. Eles também são objetivos porque têm o seu locus fora do homem.
Antropologia
A antropologia dos comunistas é materialista. O homem, em última análise, não é mais do que matéria. Não existe no homem nada que o torne especial senão sua inteligência superior. Essencialmente, homens e plantas não são diferentes.
A antropologia dos cristãos afirma que o homem é um ser especial, pois foi criado por Deus à sua imagem. O homem, mesmo nascendo em pecado e, portanto, merecedor da condenação divina, ainda assim é considerado por Deus como um ser distinto cuja vida e propriedades têm um valor especial.
Sociologia
Na sociologia comunista, o homem nasce bom e é corrompido pela sociedade. Os indivíduos não são realmente culpados por suas transgressões, antes, essa culpa é abstraída no coletivo, segundo o interesse do momento para o Estado. Os grupos minoritários é quem dão a tônica para certas políticas econômicas e de segurança, ao menos até que o Estado esteja fortalecido o suficiente para não precisar mais do artifício tático de separar os cidadãos em grupos e instigá-los ao conflito.
Na sociologia cristã, o homem nasce mau, corrupto e com ódio de Deus. Uma sociedade má é assim porque é constituída de indivíduos maus. Os indivíduos são culpados por suas transgressões e devem ser punidos por elas. Crimes que envolvem assassinato devem ser punidos com pena de morte. Os grupos minoritários não ditam nada. Nem tampouco os majoritários. A sociedade deve ser regida por leis que espelhem os valores divinos para sociedades, valores sempre baseados no indivíduo, no valor da vida humana, na propriedade privada e no livre comércio.
Política
Na estrutura política dos comunistas o valor da propriedade privada é questionado em função de uma suposta necessidade de igualdade social. A concentração de poder é outorgada ao Estado que deve se encarregar de cuidar dos cidadãos. Assim, a segurança dos cidadãos cabe ao Estado. A educação dos cidadãos cabe ao Estado. As posses dos cidadãos cabe ao Estado. As relações comerciais são controladas pelo Estado. O coletivo é posto como prioridade.
No pensamento político cristão a propriedade privada é, no sentido popular do termo, sagrada. Não deve haver igualdade social porque não é essa a vontade de Deus visto que, no sistema cristão, a pobreza não é necessariamente ruim, desde que o pobre tenha a dignidade do alimento e de uma estrutura básica para sobreviver. Quem distribui as riquezas é Deus e Ele o faz outorgando responsabilidades para o rico (para que faça um uso caridoso e responsável de suas posses) e para o pobre (para que confie na providência de Deus - que vem por intermédio do rico - e busque Nele sua esperança). Não há concentração de poder. O Estado é mínimo! A segurança dos cidadãos cabem, em primeira instância, a eles mesmos e, em última, ao Estado. A educação dos cidadãos cabem a eles mesmos e é desenvolvida no seio familiar. As posses dos cidadãos são suas. As relações comerciais devem ser livres. O indivíduo é posto como prioridade.
Diante do exposto, pergunto: Em que universo os pensamentos do comunismo e do cristianismo poderiam convergir para um ponto, qualquer ponto, em comum? Em que universo o cristianismo afirma que os pobres e "excluídos" devem ser os ditadores das asserções políticas?
Não há sequer um ÚNICO ponto de congruência entre as cosmovisões cristã e comunista.
A posição de Bergoglio acerca do cristianismo redefine o conceito de absurdo e nos constrange à oração: oração pelo Ocidente, oração pela consolidação do Reino de Deus e oração para que a graça divina alcance as principais autoridades intelectuais do mundo com discernimento e justiça.
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Notas e referências:
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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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Ordo salutis ("ordem de salvação") é o nome latino que se dá àquela organização lógica e mais ou menos cronológica das diversas ações divinas, agenciadas pela Terceira Pessoa, ligadas à economia da salvação para o indivíduo. E essa representação esquematizada posiciona-se como um ponto de cisão entre as diversas tradições legítimas do cristianismo [1]: católicos a concebem de uma maneira, luteranos de outra, arminianos de outra. A ordo salutis reformada, entretanto, apresenta-se como a que mais precisamente faz jus ao ensino bíblico acerca da salvação, considerando esta doutrina pelo prisma do tota scriptura, valendo-se de uma lógica pressuposicionalista e empregando de forma adequada os assentos da depravação total do ser humano e da perfeita liberdade e soberania de Deus.
A ordo salutis reformada
Em seu esqueleto mais conciso, a ordem de salvação dos reformados é organizada como se segue:
(I) eleição;
(II) regeneração;
(III) chamado;
(IV) conversão;
(V) santificação;
(VI) glorificação.
Portanto, a concatenação lógica destes mistérios do Espírito deve ser, para que se materialize segundo a Escritura, exatamente como foi expressa. Ela deve postular essas operações na ordem em que a Bíblia nô-las apresenta e a qual os reformados honram com sua teologia.
Argumentação bíblica em favor da ordo reformada
Embora a eleição não seja uma aplicação dos méritos de Cristo ao pecador individual - conforme normalmente propõe a definição de ordo salutis - , é prudente considerarmos esta doutrina no approach em questão pelo simples fato de que, em última instância, tudo o que ocorre com o pecador na ordem de redimí-lo é decorrência de uma vontade soberana de Deus. Assim, em primeiro lugar, a eleição é o ponto de partida para tudo pois ela é nada menos do que a dimensão soteriológica da doutrina dos decretos de Deus.
A Escritura afirma:
"[...] anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; [...] O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade." (Isa 46:10)
Tudo o que acontece é resultado direto de um decreto eterno de Deus. Deus decretou todas as coisas (todas!), desde a eternidade. A salvação, desse modo, está incluída nos decretos de Deus.
Em segundo lugar, Deus implanta nos seus escolhidos o princípio da nova vida, batizando-os no Santo Espírito. Desde que os outros "momentos" da salvação de um pecador pressupõem o seu estado de vida (uma pessoa não pode ter fé nem santificar-se se está morta em pecados - Ef 2.1,2), e desde que o homem morto em seus pecados não pode fazer absolutamente nada nem por si, nem por outros, é lógico que, antes sequer que ele possa dar-se conta de sua salvação, ele precisa estar "salvo", ele precisa estar REGENERADO.
Diz o apóstolo João:
"Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus." (João 1:12-13)
Este verso, fazendo eco ao ensino geral das Escrituras, mostra que os filhos de Deus são os que crêem Nele, e diz que estes mesmos que crêem nasceram da vontade única de Deus! A lição é clara: se uma pessoa crê em Deus é porque ela já foi nascida de Deus, já foi regenerada. Do contrário, como diz Paulo, "a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser." (Rom 8:7)
Em terceiro, os que Deus regenerou são chamados para a vida com Deus e só podem obedecer ao chamado porque foram regenerados. E este chamado divino, que não pode ser resistido visto que parte de um decreto eterno (eis o motivo pelo qual a eleição deve ser lembrada na análise da ordo salutis), dá-se por instrumentalidade da palavra de Deus:
"Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre. Porque Toda a carne é como a erva, E toda a glória do homem como a flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor; Mas a palavra do Senhor permanece para sempre. E esta é a palavra que entre vós foi evangelizada." (1Pe 1:23-25)
A palavra de Deus, tornada eficaz pela poderosa ação do Espírito, opera como meio instrumental de conversão. E, novamente, há uma lógica aqui. Se a conversão pode ser resumida como arrependimento e fé, se arrependimento e fé só podem ser articulados em função de um conteúdo objetivo de informações, e se este conteúdo consta exclusivamente na palavra de Deus, então é evidente que apenas pela palavra de Deus uma pessoa regenerada pode ser chamada à conversão.
Em quarto, portanto, o pecador que já recebeu a semente da vida incorruptível e que foi chamado pela "palavra que permanece para sempre", é convertido mediante ação do mesmo Espírito. Neste ponto, há uma observação a ser fixada: pode haver um hiato de tempo entre a regeneração e a conversão. Louis Berkhof acentua:
"[Regeneração] é uma mudança que ocorre na vida subconsciente. É uma secreta e inescrutável obra de Deus que o homem nunca percebe diretamente. A mudança pode ter lugar sem que o homem esteja cônscio dela momentaneamente, se bem que não é o que se dá quando a regeneração e a conversão coincidem". [2]
Dessa forma, a conversão caracteriza-se precisamente pela necessidade de consciência da parte do pecador. Ele precisa saber a quem está sendo convertido:
"E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste." (João 17:3)
Em quinto lugar, os que foram convertidos são iniciados, agora, em sua santificação. Conquanto um não-regenerado não possa obedecer a Deus, o que qualifica um pecador convertido é precisamente aquela sua vontade de servir a Deus, amá-lo e obedecê-lo.
Diz Paulo aos romanos:
"Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito para as coisas do Espírito. … Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. … E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados." (Rom 8:5,14,17)
Outrossim, com o mesmo poder onipotente com que Deus constrange seus eleitos à conversão, eles são santificados de forma irresistível. Se Deus decretou a salvação dos que escolheu, e se a glorificação deles depende também de seu engajamento na santificação, é mister que Deus os garantirá nesta etapa da ordo. Os salvos, como atesta a Escritura, podem cair em graves pecados e por algum tempo continuar neles; incorrer assim no desagrado de Deus, entristecer o seu Santo Espírito e de algum modo vir a ser privados das suas graças e confortos; e ter os seus corações endurecidos e as suas consciências feridas; prejudicando e escandalizado os outros e atraindo sobre si juízos temporais [3]. Contudo, Deus os restaurará à obediência no caminho santo.
Por fim, em sexto e último lugar, os mesmos que foram eleitos na eternidade serão glorificados no final. Não há opção quanto a isso e não há evento contingente que se interponha como barreira à ação e aos decretos de Deus.
A Bíblia diz:
"Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. … Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou." (Rom 8:22-23,29-30)
A glorificação dos santos é certa primeiramente porque ela é um componente sine qua non do decreto salvífico de Deus: o Senhor não apenas predestinou "os que conheceu de antemão", mas os predestinou para serem conformes a imagem de Jesus Cristo. A existência de um final pressupõe o sucesso e a concreção dos meios. Ademais, aos que Deus predestinou, ele também chamou e, por fim, glorificou. Ou seja, os mesmos que foram chamados serão glorificados. Os mesmos! E, mais do que isso, sua glorificação é tão certa que a Escritura a posiciona como um evento passado, ao lado do chamado e da justificação. Para Deus, tudo está tão certo que essas obras são consideradas fatos consumados.
Estes, concluindo, são os diversos elos da corrente de eventos soteriológicos. E a coerência na disposição dessas operações, tanto mais se aproxima da ordo salutis reformada mais reflete a lógica da Escritura.
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Notas:
[1] Esse ponto não fraciona a igreja universal de tal maneira que sua identidade cristã seja anulada ou que sua unidade seja perdida. A igreja, na ordem de manter-se como tal, deve concentrar seu senso de comunhão na doutrina mais central do cristianismo, resumida com perfeição no Credo Apostólico.
[2] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática: São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
[3] CFW XVII.III.
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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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A boa teologia deve partir da revelação de Deus. O próprio termo teologia atesta e pressupõe este fato. Como diz a Escritura:
"As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei." (Dt 29.29).
Qualquer proposição ou construção teológica, reivindicando-se verdadeira, NÃO pode ter origem, portanto, em qualquer outro lugar.
A ideia de uma teologia latino-americana, que dá ocasião à Teologia da Libertação (no catolicismo) e à Teologia da Missão Integral (no protestantismo), aponta para uma construção teológica que parte de um recorte sócio-econômico, no caso, situado no continente sul-americano. Mas, ainda que a posição teológica partisse de outro local do globo e de outra realidade social, o resultado da teologia estaria comprometido desde o início em virtude dos pressupostos empregados e do recrutamento de suas asserções hermenêuticas fundamentais, ou seja, seria errado desde o início por causa do método.
A Teologia da Missão Integral (TMI) e sua irmã católica, a Teologia da Libertação (TL) são sistemas construídos sobre premissas marxistas, conforme testemunha, em alto e bom som, o maior representante atual da TMI no Brasil, Ariovaldo Ramos, him self [1]. Elas pressupõem [o que julgam ser] disfunções sócio-econômicas como o seu referencial teórico e, a partir dele, orientam a reflexão teológica resultando em um sistema que:
- Adota uma cosmovisão flagrantemente antibíblica - o marxismo - como lente interpretativa;
- Entende "justiça social" como a redistribuição coercitiva de renda;
- Posiciona o Estado como o agente de caridade;
- Direciona conclusões originadas na ideia marxista de luta de classes;
- Expande a ideia de luta de classes para confrontos em outras instituições, como a família;
- Coloca-se favorável a modelos de governo irrefutavelmente corruptos, totalitários, ditatoriais, imorais, ladrões, sanguinários e perseguidores oficiais de cristãos;
- Defende abertamente o comunismo tanto pela declarada afeição aos referidos governos quanto pelo alinhamento ideológico e pessoal a ditadores de esquerda.
Diante disso, tanto a TMI quanto a TL são abominações. Com efeito, não deveriam sequer ser chamadas de teologias: suas estruturas doutrinais não partem da revelação de Deus, mas de outro ponto. A TMI e a TL são, assim, anomalias.
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Notas:
1. Ariovaldo Ramos e a Base Marxista da Teologia da Missão Integral. Disponível em: <https://m.youtube.com/watch?v=EC7onU_jSWA&feature=youtu.be>. Acesso em: 21.04.2016.
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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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"Deus odeia o pecado mas ama o pecador" é um jargão evangélico muito difundido que encontra terreno fértil até mesmo entre os reformados. Entretanto, a despeito de sua popularidade, passa longe da verdade bíblica. Minha oração é que este brevíssimo texto traga luz ao problema e iniba a perpetuação desta inverdade perniciosa.
Para início da discussão, a Bíblia NUNCA separa o pecador dos seus pecados. Para Deus, o pecado não é um "conceito", uma "abstração teórica" satélite ao homem, mas são atos, intenções e pensamentos cometidos por pessoas reais, e a elas associados. O pecado não é uma palavra em um dicionário, mas uma deformidade no caráter do homem, sendo, assim, indissoluvelmente conectado a pecadores. O Rev. Solano Portela, em um artigo bastante elucidativo, análogo e anterior ao meu, diz:
"[...] é impossível separar o pecado do pecador, como se o pecado fosse uma entidade com vida independente, que apenas se utiliza do corpo e da mente do praticante" [1].
Solano está certo.
Outrossim, se fosse verdade que Deus odeia o pecado enquanto ama pecadores, estes não iriam para o inferno. Antes, Deus condenaria ao inferno o "conceito" do pecado, ou: Deus empregaria uma substância amorfa e abstrata, a chamaria de "pecado" e a enviaria ao inferno na consumação dos tempos. Contudo, sabemos que não é assim que acontece. Com efeito, Deus envia PESSOAS, ao inferno. O Senhor condena PECADORES - e não o "pecado"! - ao inferno. Óbvio como parece, Deus procede assim porque odeia pecadores, e o remanescente de Deus só é salvo porque O apraz atribuir os seus pecados a Cristo.
Aliás, isso nos leva a um importante argumento cristológico. Quem morreu de forma expiatória e vergonhosa como sacrifício aceitável a Deus não foi um conceito, mas uma pessoa. Cristo assumiu o pecado dos eleitos e morreu por eles, vicariamente. A própria encarnação de Cristo está ligada à sua identificação com aquilo para o que apontava a ira condenatória de Deus. Se Cristo veio como homem (1Tm 2.5) é porque os homens - os seres humanos - são os destinatários da terrível e justa ira divina. A Bíblia diz que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores (Rm 5.8). Cristo não morreu por uma ideia, Ele morreu por PESSOAS, já que os pecados delas não estão separados delas.
Além disso, a Bíblia cristaliza, logo adiante, ainda em Romanos:
"Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida" (Rom 5:9-10).
Deus está irado com PESSOAS, e não com uma ideia, com uma abstração. Este texto diz que nós, antes de termos os benefícios da obra de Cristo aplicados a nós, éramos inimigos de Deus. Inimigos! E diz ainda que fomos reconciliados. Ora, a reconciliação pressupõe uma condenação, e, seguindo a leitura deste pequeno versículo constatamos que o que foi condenado por Deus não se trata de um conceito, mas de pessoas. É evidente que Deus tem algo muito pessoal contra pecadores e que sua ira é direcionada a eles. Os homens em si mesmos, e não uma abstração intitulada "pecado", são alvos da ira divina. Se Deus odiasse um conceito chamado "pecado", o Filho de Deus não viria na forma de homem, mas na "forma" de tal conceito. Não sei como isso se pareceria...
Repare ainda que o verso diz que nós fomos reconciliados pela morte do Filho. Portanto, não se engane! O fato de que Deus "odeia o pecado mas ama pecadores" não foi verdadeiro sequer com o Unigênito do Pai, tampouco o será com seus filhos adotivos. Deus odiou a Cristo no último momento de Sua humilhação (Mt 27.46; 1Jo 4.10).
Por fim, concluo dizendo que a doutrina do ódio de Deus por pecadores não resulta apenas de uma inevitabilidade teológica - que, per se, já seria uma evidência inequívoca e fatalmente bíblica deste ensino - , mas encontra respaldo textual claro, translúcido, facilmente disponível a qualquer regenerado que aborde a Bíblia com sinceridade.
O Salmo 11.5 diz:
"O Senhor prova o justo; porém ao ímpio e ao que ama a violência odeia a sua alma".
E Paulo, aos Romanos, argumenta:
"Amei a Jacó, e odiei a Esaú. Que diremos pois? Que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma. Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. [...] E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição" (Rom 9:13-15,22).
Ambos os textos não poderiam ser mais claros: Deus odeia pecadores. Odeia ao ponto de condená-los ao inferno por toda a eternidade. Não é a ideia "pecado" com a qual Deus está irado, mas com os próprios pecadores, que O desafiam na sua rebeldia.
Destarte, devemos evitar a propagação de jargões populares que, embora algumas vezes possam ser bem intencionados, corrompem a preciosa verdade divina e pulverizam equívocos doutrinários corrosivos. Deus não ama o pecador enquanto odeia o pecado. Deus ama aqueles por quem Cristo morreu. E aqueles por quem Cristo não morreu, estes não têm o seu nome escrito no livro da vida (Ap 20.15).
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Notas:
1. PORTELA, Solano. Deus odeia o pecado, mas ama ao pecador! É isso mesmo?. O Tempora o Moraes. Disponível em: http://tempora-mores.blogspot.com.br/2009/10/deus-odeia-o-pecado-mas-ama-o-pecador-e.html. Acesso em: 10 out. 2015.
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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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Neste mês o projeto de lei que previa a redução da maioridade penal foi quase derrotado na Câmara pela esquerda política e ideológica. O perturbador pretexto da esquerda para justificar sua posição foi: "Punir não resolve o problema!". Este e outros slogans correlatos cristalizam a percepção esquerdista de que a punição para os crimes é errada e que a reclusão dos bad guys (maiores ou menores de idade) em cadeia deveria servir ao propósito de reabilitá-los, e não de puni-los.
Bem, o ridículo de tal raciocínio é flagrantemente óbvio. Qualquer ser humano que não tenha renegado suas mais essenciais faculdades do intelecto saberia, prontamente, que a ideia de uma cadeia para infratores não serve como ferramenta de reabilitação, mas, ao contrário, de punição. Ao enviar um bandido para a cadeia ninguém está pensando em reabilitá-lo (que seria uma OUTRA parte do problema e da discussão), mas puni-lo. Diga-se de passagem, não existe reabilitação sem punição; ninguém pode se tornar um cidadão melhor sem a consciência mais elementar de que atos têm consequências. Isto está bem estabelecido.
Há, no entanto, uma rede mal entretecida na base do pensamento de esquerda que antecede este raciocínio e, em grande medida, o orienta e deflagra. É sobre esta rede que pretendo discorrer neste artigo. Trata-se da abstração esquerdista no que tange à consideração do sujeito. A opinião contrária a redução da maioridade penal, portanto, é expressão, na perspectiva esquerdista, de uma "teologia" (as aspas aqui talvez sejam desnecessárias) que evidencia-se pela transformação de anomalias éticas concretas e particulares em abstrações difusas, amorfas e, claro, carentes de uma base que as justifique.
As abstrações empreendidas pela esquerda, em nível histórico, remontam à socialização marxista do indivíduo e de sua ação, além de sua diluição em uma coletividade abstrata. É o antigo "burguesia" contra "classe operária" ou "opressor" versus "oprimido" do esquema de Marx pelo qual omitem-se os indivíduos cujas identidades são diluídas em símbolos. Como exemplo, na cosmovisão esquerdista, se um bandido negro assalta uma mulher branca de classe alta, ao contrário do diagnóstico evidente da situação (uma pessoa está assaltando outra; assaltar é errado; logo, quem está assaltando deve ser punido e a pessoa assaltada é a vítima da história), a leitura do cenário é: "pobreza [o ladrão não é mais um indivíduo: abstração n° 1] em busca de sobrevivência [subversão na interpretação dos fatos mediante o emprego da ética utilitarista] no ambiente opressor [a mulher não é mais um indivíduo: abstração n° 2]".
Deste modo, existe uma dimensão histórica verificável na qual são operadas tais abstrações dentro do pensamento de esquerda. Todavia - e ESTE é o epicentro da problemática - a natureza hedionda deste cacoete articula-se em virtude de seu nível teológico. É nesta dimensão onde a prática de abstrair cenários ou indivíduos concretos e particulares se revela imersa na mais profunda iniquidade.
Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança (Gn 1.26), e fez isso para a sua glória (Is 43.7). Cada indivíduo da face da terra é portador da Imago Dei. Logo, aquiescer ao ser humano como pessoa, como um ente único cuja existência foi deliberadamente decretada e providenciada por Deus, equivale a honrar ao Criador, sua ação, planos e finalidades. Por consequência, dissolver o indivíduo em uma abstração teórica, assim como conceitualizar ações concretas, descortina o exemplo mais notável da supressão da verdade pela mentira (Rm 1.25) e, de relance, traz à tona sórdidas motivações dos que assim procedem.
Uma dessas motivações, posso seguramente advogar, é a de embotar o conhecimento. Ora, desmentir e subverter situações cujos agentes e papéis desempenhados são evidentes, sobretudo segundo os parâmetros de Deus, causa, nos mais desguarnecidos, uma pane na percepção e consciência. Aqueles que não foram agraciados pela obra do Espírito com uma perspectiva biblicamente orientada, não têm parâmetros e fundamentos para rejeitarem as "vãs filosofias" e, deste modo, existem num estado latente de vulnerabilidade espiritual, intelectual e moral. Diz a Escritura: "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo a prudência" (Prov 9:10). Em outras palavras, aqueles que não temem a Deus e amam Seus preceitos, não têm discernimento e são suscetíveis ao engano. De fato, vivem nele.
Outra motivação, nítida, é a de absolver aquele que é culpado e culpar aquele que é inocente. Este motriz tem um forte aspecto político dentro do bojo escatológico marxista gramsciano. Porém, nos interessa mais, neste momento, a sua dimensão teológica. Conforme pontuei antes, o primeiro passo para instrumentalizar uma ótica reversa dos fatos em determinado cenário é, com efeito, torná-los abstratos e diluí-los em conceitos, via de regra, bastante ambíguos. Enquanto os indivíduos em determinada situação forem tidos como tais, e suas ações analisadas a partir de um ângulo absoluto - a Palavra de Deus - , empreender uma inversão de papéis é virtualmente impossível. Fulano fez "x" a Ciclano e "x" é correto ou errado. Ponto. Contudo, no momento em que Fulano e Ciclano são abstraídos de si mesmos e tornados em conceitos, todo o fundamento interpretativo da situação se mostra como manipulado, e, a partir daí, uma troca de papéis torna-se plenamente possível. Entretanto, a Bíblia diz: "Há duas coisas que o SENHOR Deus detesta: que o inocente seja condenado e que o culpado seja declarado inocente" (Prov 17:15 - NTLH).
Há ainda outra motivação que posso contabilizar e que relaciona-se com a reivindicação humana de autonomia. Autonomia significa "lei própria". Quando se nega o código moral fixado por Deus com a [vã] intenção de desorientar os seus princípios eternos, automaticamente ascende-se à leis e princípios alternativos, autonomamente estabelecidos. É o homem, com os punhos cerrados em direção ao céu, rejeitando a Razão de Deus e se afirmando como independe e capaz de gerar a própria ordem moral, epistemológica, política, etc. É o homem dizendo a Deus: "Você está errado; eu é que tenho os parâmetros corretos para analisar esta ou aquela situação, e elas não são objetivas como você quer que sejam!". Para o homem que se afirma como autônomo, qualquer autoridade, quanto mais uma invisível, é vista como pedante, opressora ... autoritária! Bem, você conhece o jargão.
Finalmente, há uma quarta motivação que me ocorre, que põe as anteriores em movimento como em um efeito ondular, e, em última análise, que as resume: a de negar a Deus em uma atitude de rebelião deliberada. Quando se inverte e/ou subverte toda a ordem e categorias divinamente estabelecidas, coloca-se no lugar de Deus fazendo-se Deus. É o cume da auto-afirmação. É o máximo do endeusamento do ego. É o topo da atitude de afronta à suprema autoridade divina.
A conclusão é que o anômalo estado mental esquerdista se apresenta mediante uma falaciosa técnica de coletivização, na qual indivíduos determinados e ações morais particulares têm a sua singularidade diluída em abstrações engendradas injustificável e ardilosamente.
O pensamento da esquerda não é apenas bocó. Ele revela uma disposição mental reprovável e uma inclinação religiosa ainda pior. Ele se põe acima de Deus e de sua Palavra retirando as identidades dos seres humanos (positivamente outorgadas por Deus), suas responsabilidades individuais perante o Senhor e Legislador do universo e, enfim, esmagam a sociedade com as consequências nefastas de tal estupidez.
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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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Hoje estava conversando com uma garota cristã muito legal. Ela está terminando a sua faculdade de design de moda e resolveu me perguntar sobre a possibilidade de Deus estar realmente interessado na maneira como alguém se veste. "Há uma forma cristã de alguém se vestir?", creio ter sido o enunciado do problema levantado por ela. E como achei a indagação muito pertinente, aproveito a deixa para transformar minha resposta em um breve artigo.
Talvez esta garota não soubesse disso, mas a questão subjacente ao problema exposto tem a ver com a existência de absolutos. Seja lá qual for o jargão recrutado, o que importa é ter em mente o Deus bíblico e sua vontade revelada como justificativa para a afirmação de quaisquer padrões.
É muito fácil falarmos em uma ética cristã ou universal. Também não soa dissonante falarmos em uma epistemologia cristã ou uma metafísica cristã. Estes temas estão em voga no ambiente acadêmico cristão e, de certa maneira, alcançam todo o público mediante a literatura disponível. Todavia, quando falamos em uma ESTÉTICA cristã, não deixo de notar espanto e desconfiança no interlocutor. Uma estética cristã pressupõe valores estéticos universais, o que, por si só, já desperta animosidade nas mentes pluralistas e anti-intelectuais de nosso tempo. Porém, a situação se agrava ainda mais quando não apenas afirmamos os valores estéticos universais que subjazem à uma possível estética cristã, mas também a qualidade revelada de tais premissas.
Por que é tão difícil falarmos a respeito de uma estética cristã? Por que o terreno da estética é tão arenoso quando comparado aos outros temas da preocupação filosófica? Não temos problemas em admitir uma metafísica ou ética cristãs, como dissemos, mas por que, quando o assunto é orientado para a estética, adquire contornos tão delicados?
Embora eu possa arriscar algumas respostas [1], elas não são minha maior preocupação, que permanece sendo o problema entrevisto e enunciado previamente: pode existir, de fato, uma estética cristã? E a resposta é: sim, pode ... e existe!
Em primeiro lugar, não faz sentido supormos que todas as áreas da filosofia sejam objeto de interesse na mente de Deus, conforme sua revelação cristaliza, mas, ao delimitarmos a estética, nenhuma preocupação divina seja evidenciada, ainda que remotamente. Por que Deus não estaria preocupado com a estética?! A Escritura nos ensina, por meio do que chamamos de "mandato cultural", que Deus está interessado em TODAS as áreas da vida e pensamento humanos. É uma distorção medieval neoplatônica pensarmos que existe uma esfera de interesse divino - a esfera religiosa - e outra esfera com a qual Deus não interage ou não se interessa em interagir - a esfera de assuntos seculares ou não-religiosos. Tal dicotomia é falsa, herética e perniciosa, e Deus está profundamente interessado na TOTALIDADE da vida humana, que vive e existe sempre diante de Deus (coram Deo). Portanto, é mais do que razoável admitirmos que a estética, como um sítio do pensamento humano, é alvo do interesse divino. Logo, esta área da filosofia encontra terreno na mente e revelação divina, e, por consequência, a atividade filosófica cristã deve ecoar tal interesse.
Em segundo, a estética trata do que é belo. Pergunto: que outro parâmetro final pode existir para justificar a beleza, senão Deus? Se os ateístas tivessem razão e a realidade fosse resumida à matéria, então a noção de "belo" seria um absurdo filosófico. Aliás, não existiria filosofia. De que maneira uma cosmovisão materialista poderia dar suporte à noção de belo? Se tudo é material (materialismo), não há nada extra-material que imprima qualidades estéticas a um ou outro objeto de análise. As coisas não seriam bonitas ou feias, elas seriam apenas coisas, sem predicados estéticos. Contudo, a Bíblia diz que existe o material e o imaterial, e que a natureza bela de Deus e seus atributos (Sl 29.2; Is 9.6) não só justifica a beleza mas permite reconhecê-la nas obras de criação e redenção como extensões ou impressões desta perfeição divina. O Salmo 75.1 diz: "A TI, ó Deus, glorificamos, [...] as tuas maravilhas o declaram"; e o Salmo 139.14 diz: "[...] maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem".
Em terceiro lugar, como se não bastasse o fato de Deus ser belo em suas perfeições, tal beleza ser amplamente reconhecida na criação e viabilizar a reflexão estética, o próprio Deus, em sua Palavra, nos encoraja a refletir e falar sobre ela. Isto é muito sério, pois significa que o labor filosófico sobre a estética não apenas encontra terreno no pensamento cristão como NÃO DEVE ser relegado ao ostracismo nas discussões filosóficas. Em outras palavras, nós devemos pensar sobre o assunto, redimí-lo à luz das Escrituras levando cativo TODO o entendimento (inclusive a estética) à obediência de Cristo (2Co 10.5). Abraham Kuyper (1837-1920), em uma de suas palestras, disse uma frase que se tornou famosa:
“[...] não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é o Soberano sobre tudo, não clame: 'é Meu!'”
Portanto, a estética deve ocupar as preocupações filosóficas dos homens e, sobretudo, dos filhos de Deus.
Em quarto, e talvez este seja o ponto principal, todas as referências bíblicas ou considerações teológicas mostradas até aqui implicam, necessariamente, na afirmação de padrões absolutos de estética, sem os quais seria impossível aos salmistas declararem, inerrantemente, que as obras de Deus são belas e DIGNAS de serem contempladas. Algo que é digno de ser contemplado não pode ter sua qualidade estética fundamentada em parâmetros subjetivos pois, assim fosse, algumas pessoas seriam capazes de cumprir esta contemplação enquanto outras não. Mas o apelo estético da revelação geral (bem como seu apelo metafísico) é dirigido a todos os homens. Assim, todos os homens deveriam ser capazes de reconhecer a beleza na criação, ainda que não atribuam tal beleza ao Deus Criador, de modo que, podemos inferir, a beleza é um valor objetivo ou, ao menos, não é tão subjetivo quanto costumamos supor.
Deste modo, podemos concluir que há, sim, uma estética cristã. Assim como as outras esferas da discussão filosófica, ela é caracterizada por valores absolutos e objetivos [2]. Ademais, ela é tão absoluta que, conforme nos mostra a Palavra de Deus, é passível de ser estruturada e discutida.
O ponto aqui é: todas as áreas da vida e pensamento humanos existem diante da face e dos interesses de Deus. Não há uma esfera sequer sobre a qual Deus não reivindique autoridade. Sendo assim, todas as áreas da vida e do pensamento humanos ... todas! ... devem ser resgatadas das elocubrações fúteis e carnais, e devem ser submetidas e reorientadas ao senhorio de Cristo (Cl 2.8) segundo a revelação especial de nosso Senhor, que está plena e infalivelmente expressa na Escritura Sagrada. Em outras palavras, não apenas há uma estética a ser pensada, mas há, de fato, uma estética cristã revelada.
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Notas:
1. Creio que um dos motivos pelos quais a afirmação de uma estética cristã seja tão indigesta na mentalidade comum resida na aversão a absolutos cultivada e disseminada sistematicamente pelo marxismo cultural. Outro motivo - este mais concentrado no próprio cenário cristão - pelo qual uma estética cristã seja tão impopular jaz na escassez de informações bíblicas diretas sobre o assunto. A Escritura fornece princípios de estética, mas não fórmulas prontas. Entretanto, creio que a maior razão seja o fato de que, por muito tempo, os valores estéticos têm tido qualquer fração de sua objetividade subtraída em função de uma exagerada parcela de subjetividade. As pessoas simplesmente imaginam que, quando se trata de "belo" e "feio", não existe objetividade alguma, mas somente opiniões subjetivas.
2. É claro que não ignoro a dificuldade latente em delinearmos todos os parâmetros para uma estética biblicamente orientada. A Escritura, como disse, não nos apresenta fórmulas prontas, padrões de cores, formas e sons cujas combinações resultem na construção do belo. Todavia, a Escritura nos fornece princípios que podem nos orientar neste sentido. Neste ponto, que excede minha expertise, prefiro confiar na graça de Deus atuando sobre os verdadeiros artistas para que produzam o belo e Deus seja glorificado.
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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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Por Paulo Ribeiro
A doutrina bíblica do batismo com ou no Espírito Santo é maravilhosa e aponta para uma realidade que sintetiza a mensagem do evangelho: a de que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões (2Co 5.19). Esta doutrina, a do batismo, mostra que Deus opera em seus eleitos a ação de purificá-los do pecado, de uma só vez, aspergindo-lhes o Espírito Santo em uma aplicação individual da obra expiatória de Cristo em favor deles. O resultado pode ser descrito conforme 1Pe 1.2: fomos eleitos...em santificação do Espírito (neste contexto, um termo equivalente à justificação)...para a aspersão do sangue de Jesus Cristo.
Porém, esta doutrina sofreu algumas reinterpretações ao longo dos últimos séculos e, em tempos mais recentes, Charles Fox Parham (1873 - 1929) efetuou uma releitura desta doutrina explicando que ela, na verdade, seria uma segunda bênção, distinta da conversão e justificação do crente. O cristão primeiro se converteria (isso mesmo: o próprio cristão SE converteria, mas deixo este problema para outro artigo) e, então, estaria unido a Cristo e perdoado. Mas, ele precisaria receber uma bênção posterior - o batismo com o Espírito - para receber poder para o testemunho, dons especiais, etc.
Para deixar a doutrina ainda mais confusa, o ramo cristão que se erigiu a partir de Parham, ramo que chamamos de "pentecostalismo", associou o que entenderam como uma segunda bênção ao anacrônico dom de línguas, dizendo que a glossolália, portanto, seria evidência do batismo no Espírito. E o texto bíblico de Atos 2 serviu como o selo de que as coisas são realmente assim. Os discípulos receberam o Espírito Santo no pentecostes; os discípulos falaram em línguas "estranhas" (volto nisso em outro artigo); logo, quem é batizado no Espírito, fala em línguas.
Entretanto, seria realmente o batismo no Espírito Santo uma bênção posterior e distinta da conversão? Quais seriam as implicações de adotarmos esta ideia? Ela teria alguma implicação para a soteriologia? E para a bibliologia? Certamente teria implicações dramáticas para a práxis cristã. Mas o mais importante aqui é: seria esta interpretação correta?
O que diz a doutrina
Frases que mencionam um certo batismo com/no/do Espírito Santo ocorrem poucas vezes no Novo Testamento (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33; At 1.5; 11.16; 1Co 12.13), embora diversas outras passagens aludam à esta mesma operação empregando termos diferentes. Algumas vezes a sentença parece indicar que o Espírito é o agente e a igreja é o meio com o qual os crentes são batizados (frases que dizem "batismo do Espírito") e outras a sentença parece mostrar que Cristo é o agente e o Espírito é o meio com o qual as pessoas são batizadas (frases que dizem "batismo com o Espírito"). Contudo, a sadia interpretação deve considerar o princípio da analogia da fé, pelo qual determinado ensino deve ser observado segundo a totalidade da revelação bíblica, e em virtude do qual uma passagem deve lançar luz hermenêutica sobre outra.
Assim, se observarmos todas as passagens que, de alguma maneira, mencionam o batismo no/com/pelo Espírito Santo, constataremos que se trata de uma mesma e única operação divina, que ocorre concomitantemente à regeneração. E três grandes razões nos levam a afirmar isso:
(I) O texto de 1Co 12.13 diz que todos os cristãos foram batizados. Considerando o fato de que na igreja de Corinto havia cristãos em pecado e de que, segundo o ensino pentecostal, uma pessoa, para receber o batismo, precisa santificar-se muito [1], somos levados a constatar que o batismo recebido pelos coríntios não foi o batismo especial e distinto da conversão preconizado pelos pentecostais. Antes, foi a obra de Deus que regenera seus eleitos, os converte e justifica.
(II) Não há, na Escritura inteira, uma só exortação para que os crentes (os que realmente foram salvos) busquem uma bênção posterior e adicional que, supostamente, os capacitaria para o testemunho. Devemos nos perguntar se uma operação paracletológica aparentemente tão importante como esta não deveria ser alvo de constantes (ou ao menos de um!) encorajamento apostólico para que os crentes a buscassem. Se o suposto "batismo pentecostal" fosse realmente algo tão importante e necessário, não deveríamos encontrar nas epístolas alguma exortação do tipo: "Vocês, que já creem, busquem com afinco receber esta outra bênção porque vocês precisam de poder para testemunhar do evangelho!"? Mas não encontramos. Na verdade, o principal texto-base sobre o qual o pentecostalismo se apoia na formulação desta doutrina (o de Atos 2) é um texto descritivo, reconhecidamente o tipo de texto a partir do qual NÃO DEVEMOS formular doutrinas.
(III) O texto de Ef 4.5, aparentemente e quase certamente se refere ao batismo do Espírito. Se isso for certo, temos então uma declaração explícita de que não existe um batismo posterior e distinto, afinal, "há um só Senhor, uma só fé e um só batismo".
Mas e quanto às diferenças nos termos? Às vezes a Bíblia fala em batismo com o Espírito e outras vezes em batismo pelo Espírito. A isso respondemos que, caso acepções rígidas de termos devam ser uma pauta interpretativa, então deveríamos considerar como substâncias distintas os termos "coração", "alma" e "entendimento" em Mateus 22.37; porém, sabemos que esses termos não indicam substâncias diferentes, antes, todos apontam para o aspecto interior do ser humano, sua mente e afeições. Segundo Charles C. Ryrie, é "mais provável que essa frase, usada de maneira pouco frequente e aparentemente técnica, em todas as ocorrências se referisse à mesma atividade [2]". Eu apenas retiraria o "provável" da afirmação de Ryrie para dizer que CERTAMENTE essa frase, em todas as suas ocorrências, se refere à mesma coisa. O literalismo na interpretação bíblica, com efeito, tem conduzido a graves distorções doutrinárias no pensamento cristão.
Portanto, vemos que o batismo no Espírito é uma bênção comum (1Co 12.13; Ef 4.5), gratuita (1Co 2.12; Ef 2.8,9) e definitiva (2Co 1.21,22; Ef 4.30). Ele posiciona o crente no corpo místico de Cristo e o capacita para o testemunho (At 1.8; 1Co 2.4), para a edificação da igreja (1Co 12.12-20; Ef 2.22) e, gradativamente, restaura no cristão a imagem de Deus para a sua glória (2Co 3.18; Ef 4.24; Cl 3.10).
Implicações da formulação pentecostal da doutrina
Além de a interpretação pentecostal acerca do batismo no Espírito ser essencialmente falha, ela traz algumas implicações perturbadoras para a doutrina cristã.
A primeira delas seria na eclesiologia. Afirmar que existem dois batismos diferentes, um deles comum a todos os crentes e outro reservado a quem o busca com todos os critérios - empíricos - da cartilha pentecostal é pontuar uma linha divisória na única operação divina que visa a união dos que creem em um só corpo. Tendo em mente a figura do Templo de Salomão, Paulo diz:
"Assim, pois, não sois mais estrangeiros, nem forasteiros, antes sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito" (Ef 2.19-22).
O batismo no Espírito é precisamente aquilo que nos une mutuamente como cristãos. Neste ponto, algum defensor do pentecostalismo poderia afirmar que sua doutrina não divide a igreja, pois um dos batismos coloca o crente neste corpo. Entretanto, na visão pentecostal, permanece o fato de que, neste corpo, alguns são receptáculos de uma bênção especial e posterior enquanto todos os outros, ou são carnais porque não estão buscando este batismo, ou são carnais porque o estão buscando mas não o receberam ainda por não estarem suficientemente santificados. E para piorar, os que já receberam este batismo, têm o poder para testemunhar de Cristo enquanto os outros não. Devemos ignorar que o único fundamento legítimo para o testemunho cristão é a ressurreição de nosso Senhor (1Co 15.14), e que, uma vez que quem está lendo este artigo não viu o Cristo ressurreto com os próprios olhos mas crê como se tivesse visto, não tem o poder necessário para evangelizar? Devemos estranhar o apóstolo Pedro dizendo aos seus destinatários que mesmo eles não havendo visto Cristo, eles o amavam e nele confiavam exultando com alegria indizível e cheia de glória (1Pe 1.8)? É certo que não! Mas de acordo com a perspectiva pentecostal eles ainda não receberam a "segunda bênção". Eles creem em Cristo e a ressurreição do Senhor deu novo significado às suas vidas. Mas eles ainda lhes falta algo; eles estão quase lá...!
A segunda implicação desta doutrina pentecostal se dá em uma perigosa afirmação da contemporaneidade dos dons revelatórios ou extraordinários do Espírito Santo. A doutrina pentecostal ensina que, juntamente com o batismo no Espírito, alguns dons são dados ao cristão. E também ensina que dentre esses dons bem podem estar aqueles de natureza revelatória, assim como exibidos pelos apóstolos. Eu deixarei a questão da contemporaneidade para outro artigo, mas aqui é preciso adiantar algo. Ou os dons revelatórios ainda existem e o cânon cristão não está fechado, ou nossa Bíblia está completa, a revelação especial de Deus a nós foi bem-sucedida e, assim, os dons revelatórios cessaram. As duas posições são concorrentes e não podem coexistir. Se Deus, pelo Espírito Santo, ainda fala com seu povo por novas palavras e revelações, então a Escritura não está fechada.
Certo dia, um continuísta, argumentando comigo, disse que as profecias ainda aconteciam, mas consistiam de exortações pessoais e particulares, e jamais traziam novas verdades religiosas ou doutrinais. Ele estava tentando preservar a suficiência da Escritura. Em resposta, eu disse a ele que não importava o conteúdo da profecia, mas o autor. Se é o próprio Deus quem está falando, então as palavras que estamos a ouvir são palavras de Deus. E se são palavras de Deus, então devemos acrescentá-las às nossas Bíblias, e segue-se que nossas Bíblias não estão prontas ainda.
Contudo, a Escritura parece mostrar o contrário. Entre inúmeros textos e uma teologia bem amarrada, eu destaco a passagem de 2Pe 1.3,4:
"Visto como o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou por sua própria glória e virtude; pelas quais ele nos tem dado as suas preciosas e grandíssimas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo."
Portanto, uma vez que o testemunho de Jesus Cristo é dado pela Escritura (Jo 5.39), é justo dizer que ela é suficiente para a nossa vida e, por consequência, cessaram aqueles dons revelatórios amplamente necessários no primeiro século, quando o cânon cristão não estava ainda fechado.
Finalmente, uma terceira implicação da doutrina pentecostal dos dois batismos, e talvez a mais grave delas, é de natureza soteriológica. No exato momento em que preconizarmos a necessidade de uma segunda bênção, estamos afirmando a insuficiência da obra de nosso Senhor. Observe isto: a obra de Cristo foi determinada na eternidade (Ap 13.8). Na eternidade, Deus se agradou em glorificar seu nome decretando a salvação de alguns por causa dos seus pecados. Deus quis salvar pecadores de sua própria ira escatológica e foi isso que, soberanamente, ele fez, e o fez por meio de Cristo. Isso faz com que o sacrifício de Cristo e sua glória resultante seja nada menos que o CENTRO DA MENTE E DOS PROPÓSITOS ETERNOS DE DEUS! Pela obra expiatória de Cristo um eleito seria salvo. Ele seria salvo! Isso não é pouca coisa! A magnitude da obra de Cristo e a grandeza incontornável da consequência dessa obra para o pecador que foi salvo deveria nos fazer rejeitar qualquer ensino que pregue a necessidade de algo a mais para cristão. Um pecador que foi salvo e, assim, batizado no Espírito Santo, já recebeu tudo! Não há mais nada para ele pelo simples fato de que não há nada maior a ser recebido do que o perdão de Deus e sua amizade. Justamente por isso o apóstolo Paulo foi capaz de dizer aos efésios: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo" (Ef 1.3). Deus não apenas nos abençoou em Cristo, mas [já] abençoou com TODAS as bênçãos espirituais naquele que nos comprou para sermos seus.
Isso significa que não há uma "segunda bênção" a ser desejada pelo cristão. Que outra bênção ele poderia querer além da amizade com Deus? Dizer que fomos regenerados, mas precisamos de algo a mais é escarnecer da obra de Cristo, que foi toda suficiente. Nele recebemos todas as bênçãos espirituais. Não há outra a ser almejada.
Assim, podemos concluir que a doutrina pentecostal do batismo no Espírito como uma segunda bênção deve ser enfaticamente rejeitada. É certo que o pentecostalismo não fere nenhuma doutrina cardeal do cristianismo. É certo que há muitos pentecostais (entre os quais alguns são amigos meus) piedosos e verdadeiramente servos de Cristo. É também certo que o pentecostalismo está, gradativamente, gerando expoentes inteligentes, canais para a promoção de uma perspectiva mais saudável e cristocêntrica de sua fé [3]. Mesmo assim, a doutrina pentecostal dos dois batismos é deveras débil e, visto que trás implicações ruins para a teologia cristã, deve ser rechaçada.
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Notas
1. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 1627
2. RYRIE, Charles C. Teologia Básica. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. p. 422
3. Um destes expoentes, que alegremente menciono, é o Gutierres Fernandes Siqueira, do site Teologia Pentecostal.
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Fonte: Teologia Expressa
Divulgação: Bereianos
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Como pressuposicionalista eu defendo que, a não ser que o cristianismo, com todas as suas implicações, seja adotado integralmente, o conhecimento não é possível, em qualquer área. Por consequência, nenhum raciocínio lógico poderia ser empregado sem as premissas bíblicas pois só elas possibilitam e justificam a existência da razão, e amparam a ideia de ordem e continuidade no universo e na mente. Com efeito, essas condições para o conhecimento e para a lógica não são percebidas pela avassaladora maioria das pessoas, obviamente. É triste que até mesmo uma grande parcela de cristãos pense diferente ou não concorde com a absoluta necessidade das premissas bíblicas para que qualquer conhecimento seja possível. Entretanto, uma das consequências da rejeição da Bíblia como fundamento epistemológico é mais facilmente identificável, ao menos para os cristãos: a impossibilidade de definirmos muitos termos empregados cotidianamente pela maioria das pessoas. Palavras que portam conceitos densos como "amor", "justiça", "Deus", "ciência" e "mal", por exemplo, tornam-se COMPLETAMENTE desestruturadas, amorfas e desamparadas de sentido quando utilizadas em detrimento da Palavra de Deus.
Nesta reflexão, enfocarei o amor. A Bíblia fala no amor de Deus por ele mesmo (amor ad intra), no amor de Deus pela obra de suas mãos (amor ad extra) e no amor de Deus por seus eleitos, que se enquadra no amor ad extra, porém, de uma forma redentiva. Há também o amor das pessoas umas pelas outras, pela criação divina, bem como há o amor do cristão pelo próximo, por seu inimigo e por Deus. Definitivamente foge aos nossos propósitos, neste momento, investigar o amor na Bíblia empregando análises etimológicas. O que nos interessa é observar, partindo de uma perspectiva ontológica, a definição última de amor, segundo a Escritura nô-la fornece; e a Bíblia diz que "Deus é amor" (1Jo 4.8). Desconsiderando momentaneamente todas as implicações desta afirmação da Escritura, concentremo-nos no simples fato de que a Bíblia nos fornece uma definição de "amor". Na verdade, a Bíblia vai muito além de definir o amor; ela revela a propriedade metafísica do amor. Deus não "tem" amor, ele "é" amor. O significado disso é que tudo o que o ser humano concebe por "amor" (seja como sentimentos, seja como ações, ou seja o que for), não é amor senão como um eco do verdadeiro amor, que integra a natureza divina como uma de suas perfeições, sendo, por isso mesmo, tão eterno quanto à própria divindade. Deixe-me colocar isso de outra forma. Se a Palavra de Deus é eterna como é o próprio Deus (Is 40.28), então tudo deve ter tido origem nele. E se tudo teve origem nele (Gn 1.1), dele somos criação, e empregamos o termo "amor" em nosso vocabulário, então não podemos arrogar para nós mesmos o direito de manipular um termo de autoria divina, e que só tem sentido dentro da definição que o próprio Deus outorgou a ele. Assim, se o amor É uma propriedade de Deus, então ele NÃO É outra coisa e NÃO É o que nós queremos que ele seja. Nós podemos usar o termo "amor" somente nos parâmetros e nas aplicações permitidas pelo que não "tem" amor, mas É amor.
Frequentemente empregamos a palavra amor em nossa vida. Dizemos que amamos nossas esposas, filhos, amigos, animais de estimação etc., mas jamais poderemos entender o amor conforme nossa própria mente o definir pois o amor é eterno ("Deus é amor...") e já era antes que tudo fosse criado. Então, somos encorajados por Deus para que o amemos e para que exercitemos este amor para com próximo. Na verdade, somos chamados até mesmo a amar aos nossos inimigos, conforme pontuei em outro texto. Mas nunca fomos autorizados a alterar a definição de amor! Por exemplo, se eu, na prática, resolvo amar a meu inimigo, eu não posso, com base em suposições fúteis a respeito do que significa amar o inimigo, empreender um esforço para conciliar nossos ideais e valores; ou mesmo tentar "sentir coisas boas" por ele. A Bíblia diz que os cristãos têm a mente de Cristo (1Co 2.16) e que o incrédulo é tolo (Sl 14.1). Não há o que ser conciliado. Sendo assim, eu não devo utilizar a palavra "amor" independentemente de sua definição original, e eu não deveria amar meu inimigo segundo o que EU entendo por "amor ao inimigo". Antes, eu devo definir o amor segundo os usos e definições do que detém sobre ele os direitos autorais.
Este é o ponto. Ao abrirmos mão da Escritura como alicerce para o conhecimento, sujeitamo-nos ao mais pernicioso relativismo: a definição de amor ficaria por nossa própria conta e poderíamos defini-lo da maneira que mais nos agradasse. De fato, poderíamos sustentar inúmeras definições distintas para o amor, caindo, então, na impossibilidade completa de termos qualquer definição e, por extensão, qualquer conhecimento.
Isso parece um cenário terrível, não é? Não obstante, vivemos uma versão deste cenário em nossos tempos. O maciço abandono dos pressupostos bíblicos e a crescente hostilidade às heranças éticas e culturais do cristianismo (como consequências do apelo histérico à "laicidade do Estado" - apenas um nome diferente para REBELDIA) têm produzido, há anos, uma enfática relativização do significado não só do amor, que foi um exemplo, mas de diversas palavras, de modo que as consequências para o Reino de Deus são visíveis. A palavra casamento foi relativizada. O significado de casamento pertence somente a Deus, pois Deus o instituiu e exerceu seu direito de defini-lo conforme a boa determinação de sua vontade (Ef 1.11). Mas no momento em que lançamos mão da Bíblia como fundamento epistemológico, passamos a definir casamento por nós mesmos. Então, o casamento não precisa mais ser casamento. Ele pode ser "união estável" ou qualquer outra besteira, sob qualquer formato e parâmetro que quisermos. Outras palavras foram também roubadas de seu fundamento eterno e mergulhadas no oceano ímpio do relativismo. "Família", "paraíso", "pecado", "homem", "mulher", "bom e mal", "certo e errado" foram igualmente estupradas. A agenda anticristã atualmente estabelecida é, indubitavelmente, um catalisador da relativização dos termos (e conceitos subjacentes) e da aproximação de um estado latente de não-conhecimento.
Entretanto, apesar do evidente cenário relativista em que vivemos, notamos também que o caos não é absoluto. Há ainda uma consciência geral, ainda que tímida e sufocada, acerca dos corretos significados das palavras, ou, mais precisamente, de uma direção que aponta para um sentido mais acurado delas. E isso, mesmo com a rejeição da Palavra de Deus. Tal ordem se deve ao fato de que Deus, em sua grande sabedoria, implantou no homem uma vívida intuição acerca de sua lei, bem como categorias de raciocínio lógico e proposições que as instrumentalizam. Destarte, ainda que o homem, em rebeldia contra seu criador, ouse cerrar os punhos e negar a Palavra de Deus como fundamento de todo o conhecimento, ele ainda PRECISA dos pressupostos bíblicos para viver. O homem natural consegue, por exemplo, concluir que dois mais dois somam quatro; ele só não é capaz de fornecer uma justificativa para este resultado, para a lógica. A não ser que o homem assuma a Bíblia como fundamento de todo o seu conhecimento, ele jamais encontrará justificativas últimas para a existência da lei moral, para a lógica e para a beleza. Mesmo assim, nós sabemos que se a experiência humana levar às últimas consequências sua rejeição da Escritura como único fundamento epistemológico possível, o resultado mais óbvio dessa rejeição será a completa relativização dos termos e, por fim, a imersão em um "limbo" epistemológico. Dirão os homens: "Não podemos conhecer nada; [porém] conhecemos que não podemos conhecer; e não sabemos explicar a razão desta flagrante incoerência! Nada tem sentido, nem mesmo o que eu estou dizendo agora".
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Fonte: Teologia Expressa
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