Batismo no Espírito Santo: uma segunda bênção?

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Por Paulo Ribeiro


A doutrina bíblica do batismo com ou no Espírito Santo é maravilhosa e aponta para uma realidade que sintetiza a mensagem do evangelho: a de que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões (2Co 5.19). Esta doutrina, a do batismo, mostra que Deus opera em seus eleitos a ação de purificá-los do pecado, de uma só vez, aspergindo-lhes o Espírito Santo em uma aplicação individual da obra expiatória de Cristo em favor deles. O resultado pode ser descrito conforme 1Pe 1.2: fomos eleitos...em santificação do Espírito (neste contexto, um termo equivalente à justificação)...para a aspersão do sangue de Jesus Cristo.

Porém, esta doutrina sofreu algumas reinterpretações ao longo dos últimos séculos e, em tempos mais recentes, Charles Fox Parham (1873 - 1929) efetuou uma releitura desta doutrina explicando que ela, na verdade, seria uma segunda bênção, distinta da conversão e justificação do crente. O cristão primeiro se converteria (isso mesmo: o próprio cristão SE converteria, mas deixo este problema para outro artigo) e, então, estaria unido a Cristo e perdoado. Mas, ele precisaria receber uma bênção posterior - o batismo com o Espírito - para receber poder para o testemunho, dons especiais, etc.

Para deixar a doutrina ainda mais confusa, o ramo cristão que se erigiu a partir de Parham, ramo que chamamos de "pentecostalismo", associou o que entenderam como uma segunda bênção ao anacrônico dom de línguas, dizendo que a glossolália, portanto, seria evidência do batismo no Espírito. E o texto bíblico de Atos 2 serviu como o selo de que as coisas são realmente assim. Os discípulos receberam o Espírito Santo no pentecostes; os discípulos falaram em línguas "estranhas" (volto nisso em outro artigo); logo, quem é batizado no Espírito, fala em línguas.

Entretanto, seria realmente o batismo no Espírito Santo uma bênção posterior e distinta da conversão? Quais seriam as implicações de adotarmos esta ideia? Ela teria alguma implicação para a soteriologia? E para a bibliologia? Certamente teria implicações dramáticas para a práxis cristã. Mas o mais importante aqui é: seria esta interpretação correta?

O que diz a doutrina

Frases que mencionam um certo batismo com/no/do Espírito Santo ocorrem poucas vezes no Novo Testamento (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33; At 1.5; 11.16; 1Co 12.13), embora diversas outras passagens aludam à esta mesma operação empregando termos diferentes. Algumas vezes a sentença parece indicar que o Espírito é o agente e a igreja é o meio com o qual os crentes são batizados (frases que dizem "batismo do Espírito") e outras a sentença parece mostrar que Cristo é o agente e o Espírito é o meio com o qual as pessoas são batizadas (frases que dizem "batismo com o Espírito"). Contudo, a sadia interpretação deve considerar o princípio da analogia da fé, pelo qual determinado ensino deve ser observado segundo a totalidade da revelação bíblica, e em virtude do qual uma passagem deve lançar luz hermenêutica sobre outra.

Assim, se observarmos todas as passagens que, de alguma maneira, mencionam o batismo no/com/pelo Espírito Santo, constataremos que se trata de uma mesma e única operação divina, que ocorre concomitantemente à regeneração. E três grandes razões nos levam a afirmar isso:

(I) O texto de 1Co 12.13 diz que todos os cristãos foram batizados. Considerando o fato de que na igreja de Corinto havia cristãos em pecado e de que, segundo o ensino pentecostal, uma pessoa, para receber o batismo, precisa santificar-se muito [1], somos levados a constatar que o batismo recebido pelos coríntios não foi o batismo especial e distinto da conversão preconizado pelos pentecostais. Antes, foi a obra de Deus que regenera seus eleitos, os converte e justifica.

(II) Não há, na Escritura inteira, uma só exortação para que os crentes (os que realmente foram salvos) busquem uma bênção posterior e adicional que, supostamente, os capacitaria para o testemunho. Devemos nos perguntar se uma operação paracletológica aparentemente tão importante como esta não deveria ser alvo de constantes (ou ao menos de um!) encorajamento apostólico para que os crentes a buscassem. Se o suposto "batismo pentecostal" fosse realmente algo tão importante e necessário, não deveríamos encontrar nas epístolas alguma exortação do tipo: "Vocês, que já creem, busquem com afinco receber esta outra bênção porque vocês precisam de poder para testemunhar do evangelho!"? Mas não encontramos. Na verdade, o principal texto-base sobre o qual o pentecostalismo se apoia na formulação desta doutrina (o de Atos 2) é um texto descritivo, reconhecidamente o tipo de texto a partir do qual NÃO DEVEMOS formular doutrinas.

(III) O texto de Ef 4.5, aparentemente e quase certamente se refere ao batismo do Espírito. Se isso for certo, temos então uma declaração explícita de que não existe um batismo posterior e distinto, afinal, "há um só Senhor, uma só fé e um só batismo".

Mas e quanto às diferenças nos termos? Às vezes a Bíblia fala em batismo com o Espírito e outras vezes em batismo pelo Espírito. A isso respondemos que, caso acepções rígidas de termos devam ser uma pauta interpretativa, então deveríamos considerar como substâncias distintas os termos "coração", "alma" e "entendimento" em Mateus 22.37; porém, sabemos que esses termos não indicam substâncias diferentes, antes, todos apontam para o aspecto interior do ser humano, sua mente e afeições. Segundo Charles C. Ryrie, é "mais provável que essa frase, usada de maneira pouco frequente e aparentemente técnica, em todas as ocorrências se referisse à mesma atividade [2]". Eu apenas retiraria o "provável" da afirmação de Ryrie para dizer que CERTAMENTE essa frase, em todas as suas ocorrências, se refere à mesma coisa. O literalismo na interpretação bíblica, com efeito, tem conduzido a graves distorções doutrinárias no pensamento cristão.

Portanto, vemos que o batismo no Espírito é uma bênção comum (1Co 12.13; Ef 4.5), gratuita (1Co 2.12; Ef 2.8,9) e definitiva (2Co 1.21,22; Ef 4.30). Ele posiciona o crente no corpo místico de Cristo e o capacita para o testemunho (At 1.8; 1Co 2.4), para a edificação da igreja (1Co 12.12-20; Ef 2.22) e, gradativamente, restaura no cristão a imagem de Deus para a sua glória (2Co 3.18; Ef 4.24; Cl 3.10).

Implicações da formulação pentecostal da doutrina

Além de a interpretação pentecostal acerca do batismo no Espírito ser essencialmente falha, ela traz algumas implicações perturbadoras para a doutrina cristã.

A primeira delas seria na eclesiologia. Afirmar que existem dois batismos diferentes, um deles comum a todos os crentes e outro reservado a quem o busca com todos os critérios - empíricos - da cartilha pentecostal é pontuar uma linha divisória na única operação divina que visa a união dos que creem em um só corpo. Tendo em mente a figura do Templo de Salomão, Paulo diz:

"Assim, pois, não sois mais estrangeiros, nem forasteiros, antes sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito" (Ef 2.19-22).

O batismo no Espírito é precisamente aquilo que nos une mutuamente como cristãos. Neste ponto, algum defensor do pentecostalismo poderia afirmar que sua doutrina não divide a igreja, pois um dos batismos coloca o crente neste corpo. Entretanto, na visão pentecostal, permanece o fato de que, neste corpo, alguns são receptáculos de uma bênção especial e posterior enquanto todos os outros, ou são carnais porque não estão buscando este batismo, ou são carnais porque o estão buscando mas não o receberam ainda por não estarem suficientemente santificados. E para piorar, os que já receberam este batismo, têm o poder para testemunhar de Cristo enquanto os outros não. Devemos ignorar que o único fundamento legítimo para o testemunho cristão é a ressurreição de nosso Senhor (1Co 15.14), e que, uma vez que quem está lendo este artigo não viu o Cristo ressurreto com os próprios olhos mas crê como se tivesse visto, não tem o poder necessário para evangelizar? Devemos estranhar o apóstolo Pedro dizendo aos seus destinatários que mesmo eles não havendo visto Cristo, eles o amavam e nele confiavam exultando com alegria indizível e cheia de glória (1Pe 1.8)? É certo que não! Mas de acordo com a perspectiva pentecostal eles ainda não receberam a "segunda bênção". Eles creem em Cristo e a ressurreição do Senhor deu novo significado às suas vidas. Mas eles ainda lhes falta algo; eles estão quase lá...!

A segunda implicação desta doutrina pentecostal se dá em uma perigosa afirmação da contemporaneidade dos dons revelatórios ou extraordinários do Espírito Santo. A doutrina pentecostal ensina que, juntamente com o batismo no Espírito, alguns dons são dados ao cristão. E também ensina que dentre esses dons bem podem estar aqueles de natureza revelatória, assim como exibidos pelos apóstolos. Eu deixarei a questão da contemporaneidade para outro artigo, mas aqui é preciso adiantar algo. Ou os dons revelatórios ainda existem e o cânon cristão não está fechado, ou nossa Bíblia está completa, a revelação especial de Deus a nós foi bem-sucedida e, assim, os dons revelatórios cessaram. As duas posições são concorrentes e não podem coexistir. Se Deus, pelo Espírito Santo, ainda fala com seu povo por novas palavras e revelações, então a Escritura não está fechada.

Certo dia, um continuísta, argumentando comigo, disse que as profecias ainda aconteciam, mas consistiam de exortações pessoais e particulares, e jamais traziam novas verdades religiosas ou doutrinais. Ele estava tentando preservar a suficiência da Escritura. Em resposta, eu disse a ele que não importava o conteúdo da profecia, mas o autor. Se é o próprio Deus quem está falando, então as palavras que estamos a ouvir são palavras de Deus. E se são palavras de Deus, então devemos acrescentá-las às nossas Bíblias, e segue-se que nossas Bíblias não estão prontas ainda.

Contudo, a Escritura parece mostrar o contrário. Entre inúmeros textos e uma teologia bem amarrada, eu destaco a passagem de 2Pe 1.3,4:

"Visto como o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou por sua própria glória e virtude; pelas quais ele nos tem dado as suas preciosas e grandíssimas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo."

Portanto, uma vez que o testemunho de Jesus Cristo é dado pela Escritura (Jo 5.39), é justo dizer que ela é suficiente para a nossa vida e, por consequência, cessaram aqueles dons revelatórios amplamente necessários no primeiro século, quando o cânon cristão não estava ainda fechado.

Finalmente, uma terceira implicação da doutrina pentecostal dos dois batismos, e talvez a mais grave delas, é de natureza soteriológica. No exato momento em que preconizarmos a necessidade de uma segunda bênção, estamos afirmando a insuficiência da obra de nosso Senhor. Observe isto: a obra de Cristo foi determinada na eternidade (Ap 13.8). Na eternidade, Deus se agradou em glorificar seu nome decretando a salvação de alguns por causa dos seus pecados. Deus quis salvar pecadores de sua própria ira escatológica e foi isso que, soberanamente, ele fez, e o fez por meio de Cristo. Isso faz com que o sacrifício de Cristo e sua glória resultante seja nada menos que o CENTRO DA MENTE E DOS PROPÓSITOS ETERNOS DE DEUS! Pela obra expiatória de Cristo um eleito seria salvo. Ele seria salvo! Isso não é pouca coisa! A magnitude da obra de Cristo e a grandeza incontornável da consequência dessa obra para o pecador que foi salvo deveria nos fazer rejeitar qualquer ensino que pregue a necessidade de algo a mais para cristão. Um pecador que foi salvo e, assim, batizado no Espírito Santo, já recebeu tudo! Não há mais nada para ele pelo simples fato de que não há nada maior a ser recebido do que o perdão de Deus e sua amizade. Justamente por isso o apóstolo Paulo foi capaz de dizer aos efésios: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo" (Ef 1.3). Deus não apenas nos abençoou em Cristo, mas [já] abençoou com TODAS as bênçãos espirituais naquele que nos comprou para sermos seus.

Isso significa que não há uma "segunda bênção" a ser desejada pelo cristão. Que outra bênção ele poderia querer além da amizade com Deus? Dizer que fomos regenerados, mas precisamos de algo a mais é escarnecer da obra de Cristo, que foi toda suficiente. Nele recebemos todas as bênçãos espirituais. Não há outra a ser almejada.

Assim, podemos concluir que a doutrina pentecostal do batismo no Espírito como uma segunda bênção deve ser enfaticamente rejeitada. É certo que o pentecostalismo não fere nenhuma doutrina cardeal do cristianismo. É certo que há muitos pentecostais (entre os quais alguns são amigos meus) piedosos e verdadeiramente servos de Cristo. É também certo que o pentecostalismo está, gradativamente, gerando expoentes inteligentes, canais para a promoção de uma perspectiva mais saudável e cristocêntrica de sua fé [3]. Mesmo assim, a doutrina pentecostal dos dois batismos é deveras débil e, visto que trás implicações ruins para a teologia cristã, deve ser rechaçada.

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Notas
1. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 1627
2. RYRIE, Charles C. Teologia Básica. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. p. 422
3. Um destes expoentes, que alegremente menciono, é o Gutierres Fernandes Siqueira, do site Teologia Pentecostal.

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Fonte: Teologia Expressa
Divulgação: Bereianos
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