A Predestinação

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1. Um decreto de Deus que afeta as criaturas pode ser tanto geral como específico.

2. O decreto geral é aquele em que ele determinou mostrar a glória de seu poder, sabedoria e bondade na criação e preservação de todas as coisas.

3. O decreto específico, chamado predestinação, é aquele que ele ordena esta glória de sua graça, misericórdia e justiça se revelando nas criaturas racionais, sejam eles eleitos ou réprobos.

PROPOSIÇÕES

I. Embora a predestinação seja um ato único e absolutamente simples na mente de Deus, todavia, levando em consideração a fraqueza do nosso entendimento, a predestinação como um destino último, pode ser diferenciada da predestinação com respeito aos meios. 

II. Todos os que estão predestinados para um destino, também têm predestinado os seus meios. 

(2)

1. A predestinação afeta tanto os anjos como aos homens.

2. A predestinação dos anjos significa que Deus determinou sempre preservar alguns deles em [sua] felicidade original, em Cristo como cabeça,[1] e punir outros eternamente em abandoná-los de seu estado de sua própria harmonia, para revelar a glória de sua graça e justiça.

3. A predestinação dos seres humanos significa que, da raça humana que ele criou à sua própria imagem, mas que caíram em pecado por seu próprio ato, Deus determinou na eternidade salvar alguns por meio de Cristo, mas também condenar eternamente os demais, mantendo-os em sua própria miséria, para que revelassem a glória de sua misericórdia e justiça. 

4. Entretanto, há dois aspectos [pars] da predestinação: eleição e reprovação.

PROPOSIÇÕES

I. A predestinação é num sentido um decreto absoluto e ao mesmo tempo não. 

II. Ele é absoluto com respeito a sua causa eficiente [causa efficiens impulsiva] o qual nem é a fé do eleito, nem o pecado do réprobo, mas absolutamente a livre vontade de Deus. Nem é a fé ou a santidade prevista a causa da eleição, nem se tornou eleita a pessoa porque creu. Pelo contrário, ele crê porque foi eleito. Em At 13:48 “creram os que estavam ordenados para a vida eterna”. Nem somos escolhidos porque seríamos santos, mas “a fim de que sejamos santos e inculpáveis nele, em amor” (Ef 1:4). Nem é o pecado previsto a causa da reprovação. Se fosse, todos seríamos reprovados. Que Deus agiu sobre a sua absoluta e livre boa vontade [beneplacitum] é evidente em Lc 12:33: “é a boa vontade do Pai dar-lhes o reino”, e de Rm 9:15: “terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia”, e 9:18: “ele tem misericórdia de quem quer, e endurece a quem lhe apraz”.

III. Mas o decreto da predestinação não é absoluto com respeito aquilo que ele oferece [materia seu obiectus], nem em relação aos meios pelos quais ele conduz.

IV. Aquilo que a predestinação realiza não é o homem considerado absolutamente, mas o homem é quem caiu em pecado pelo seu próprio ato. As razões para isto são óbvias. (1) O decreto pressupõe pecado ao revelar misericórdia e a ira, ou a justiça; a misericórdia é sem sentido exceto na presença do sofrimento, bem como a justiça ou da ira é sem sentido exceto na presença do pecado. (2) Somente a culpa pode ser reprovada. Mas o homem não é culpado quando criado por Deus, senão quando ele foi deformado por Satanás.

V. Todavia, o pecado não é a causa da reprovação, mas uma necessária condição no objeto [materia seu obiectus]. Embora ele não seja a causa da reprovação, no entanto, o pecado é uma causa da culpa [causa reprobabilitatis]. A diferença entre ser culpado e ser reprovado é o mesmo que entre potência e ato; todos os homens são culpados por causa do pecado, mas nem todos são réprobos.

VI. Portanto, a predestinação pressupõe os seguintes decretos: (1) criar o homem; (2) conceder a imagem de Deus ao homem criado, mas de tal forma que pudesse perde-la; (3) permitir a sua queda.

VII. Os meios pelos quais o decreto é conduzido são tais que, embora Deus atue apenas pelo seu beneplácito, todavia, o eleito não tem base para orgulhar-se, nem o réprobo tem fundamento para reclamar. Sobre o primeiro confere imerecida graça, e, sobre o outro reserva punição. 

VIII. Numerosas questões surgem: (1) Sobre qual direito Deus condena um homem à reprovação, sendo ele sua própria criatura? (2) Por que ele não elege, ou condena igualmente a todos? (3) Por que ele escolhe alguém como Pedro, e condena outro como Judas? A resposta para a primeira questão depende da causa material, que é um homem tão caído como culpado. A resposta da segunda vem do propósito, porque Deus pretende revelar a glória de sua misericórdia e sua justiça. A resposta da terceira vem da causa ativa, porque este é o modo que Deus deseja fazê-lo. Do mesmo modo, seria como perguntar por que um oleiro faz diferentes pratos do mesmo monte de argila, a resposta é encontrada no seu propósito de servir aos muitos usos dos pratos numa casa. Mas se for perguntado por que ele faz um vaso de um pedaço de todo o barro, e um pote de outra parte, a resposta está na causa ativa: isto é o que oleiro quer.

IX. Cristo pode ser considerado tanto Deus-homem, ou como o nosso mediador. Do primeiro ponto de vista ele é, com o Pai e o Espírito Santo, a eficiente causa da nossa eleição. De uma segunda perspectiva, ele é o meio de executar a nossa eleição. Portanto, se diz que somos escolhidos em Cristo (Ef 1:4); e de fato, somos conduzidos à salvação por meio dele. O decreto que nos salva é predestinação para um destino final; que é dar Cristo como nosso cabeça, predestinação significando a aplicação.

X. As palavras gregas próthesis [propósito], prógnosis [presciência] e proorismós [predestinação], podem ser diferenciadas pelo propósito de instrução, embora sejam muitas vezes usadas como sinônimos. Assim, a palavra próthesis se refere à intenção de salvar, enquanto que prógnosis à livre graça pela qual Deus nos vê como seus, e proorismós designa a predestinação para Cristo e os outros meios da salvação. Rm 8:28-29: “porque sabemos, que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito [katá próthesin]”. “Pois aqueles que ele preconheceu [proégno] ele também predestinou [proórise] para serem conformes à imagem de seu Filho”. 

XI. Estão errados aqueles que ensinam a doutrina da eleição ao mesmo tempo que negam a reprovação. A Escritura ensina a reprovação do mesmo modo que a eleição. Is 41:9: “eu te escolhi, e não te rejeitei.” Ml 1:2-3: “amei a Jacó, mas odiei a Esaú.” Rm 9:18: “Ele tem misericórdia de quem quer, e endurece a quem lhe apraz.” Rm 11:7: “o eleito é alcançado, e os outros endurecidos.” 1 Ts 5:9: “Deus não nos destinou para a ira, mas para a salvação.” 2 Tm 2:20: “vasos para honra, e outros para desonra.” Jd 4: “desde muito tempo alguns homens dissimulados, foram destinados para a condenação”. 

XII. Assim como Cristo não é a causa da eleição, mas da salvação, do mesmo modo a incredulidade não é a causa da reprovação, mas da condenação. A condenação difere da reprovação como o meio de realizar um decreto se distingue do próprio decreto.

XIII. O propósito da reprovação não é a condenação, mas a revelação da glória da justiça de Deus. Entretanto, o homem não pode alegar que foi criado para ser condenado; pois a condenação pela qual a pessoa foi rejeitada, se conduz para o mal, não é o propósito, mas o meio da execução do propósito de Deus.

XIV. Dois atos da reprovação podem ser aceitos com o propósito de instrução: a negação da imerecida graça, que é chamada de preterição, e a entrega da merecida punição, que é chamada de condenação.

XV. Ao examinar a nossa eleição pela lógica, faz-se necessário proceder dos meios de realizar do próprio decreto, fazendo a origem de nossa santificação. O argumento é o seguinte: todo aquele que sabe que recebeu o dom da santificação [in se sentit donum] pelo qual morremos para o pecado, e vivemos para a justiça, é justificado, chamado ou habitado com fé verdadeira, e eleito. Mas eu sei [sentio] isto pela graça de Deus; e assim, eu sou justificado, chamado e eleito.[2] 

XVI. É diabólico o argumento de que se eu sou um eleito, então não necessito de boas obras, e que se eu sou um réprobo, elas são inúteis. Em primeiro lugar, um cristão não precisa decidir se ele é um eleito ou um réprobo; pelo contrário, ele deve examinar a sua fé como um meio de [verificar] a sua eleição. 2 Co 13:5-6 “examinem-se, vejam se realmente estais na fé; provai-vos, a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados. Mas espero reconheçais que não somos reprovados”. Em segundo lugar, este argumento separa assuntos que deveriam ser simples por serem corretamente subordinados, e une conceitos contraditórios. As boas obras devem ser subordinadas à eleição, mas nunca separados dela, bem como elas são os meios que quando realizados, certificam a nossa eleição. É contraditório para qualquer um, que sendo réprobo realizar boas obras.[3] 

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NOTAS:
[1] Sobre a relação dos anjos com Cristo, veja também Francis Turrentin, Loco IV, questão viii. Nota de John W. Beardslee III.
[2] Veja Turretin, Locus IV, questões xii, xiii. Nota de John W. Beardslee III.
[3] Wollebius define boas obras como sendo “aquelas ações que são realizadas pela graça do Espírito Santo, por causa de uma fé verdadeira e de acordo com as exigências da lei, para a glória de Deus, a certeza da nossa salvação e a edificação do nosso próximo”. Por isso, ele declara que um réprobo é incapaz de realizar boas obras. John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics, p. 191. Nota de Ewerton B. Tokashiki.

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Autor: Johannes Wollebius
Fonte: Traduzido de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics: seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Books, 1977), pp.50-53.
Tradução: Rev. Ewerton B. Tokashiki
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