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Tendo visto o objeto da fé, partamos agora em direção à forma ou à essência singular e natureza da fé. A essência de algo é aquilo que faz com que este algo seja o que é. A essência de uma coisa a identifica e a distingue de todas as demais coisas. Uma coisa pode possuir apenas uma única essência. Logo, se há duas essências, há também duas coisas. Portanto, de semelhante modo, a fé possui uma essência que lhe é exclusiva.
Neste ponto, devemos notar em que consiste (e também em que não consiste) a natureza essencial da fé.
Em primeiro lugar, a fé não consiste em amor, que é aquilo que os papistas e os arminianos afirmam. O amor não é a essência da fé, pois 1) fé e amor são duas virtudes distintas: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor” (1Co 13:13). É demasiado óbvio que uma virtude não pode ser a essência de uma outra. 2) O amor é o fruto da fé. “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor” (Gl 5:6). A fé, portanto, não extrai sua eficácia do amor, antes, a fé é eficaz para a operação do amor, assim como a prática de toda virtude por meio do amor. Atentem também para o ímpeto da palavra ἐνεργέω (energeo) (cf. Rm 7:5; Cl 1:29). O resultado de algo não pode ser sua essência.
Em segundo lugar, a fé não consiste na obediência e observância dos mandamentos de Deus, que é algo que as partes supramencionadas afirmam. Pois a fé se distingue expressamente das obras (1Co 13:13). E também: “Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia” (1Tm 1:5). Sim, na questão da justificação, as obras e a fé são contrastadas. “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3:28). “Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu tenho obras” (Tg 2:18).
A fé verdadeira é a fonte das boas obras. Estas são frutos e característica da fé, tornando-se evidente, portanto, que onde as boas obras estão ausentes, também a fé verdadeira está ausente. “Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2:26). Certamente o corpo está morto, caso a respiração tenha cessado. Semelhantemente, tal fé está morta, isto é, a verdadeira fé não está presente quando ela não se manifesta.
Mesmo se sustentarmos que o amor e a observância dos mandamentos não são a forma ou natureza essencial da fé, longe esteja de nós sustentar que a fé pode existir sem o amor. Quando um homem torna-se um crente, ele não apenas recebe iluminação aos olhos do entendimento e em certo grau se torna familiarizado com o Mediador e os benefícios da aliança, mas também se torna, desse modo, amorosamente cativo. O crente se regozija no fato de que há salvação, perdão de pecados e um Espírito que o santifica. Ele se regozija no fato de que há um Cristo e que Ele lhe é oferecido. Ele tem amor pela verdade (2 Ts 2:10). Tendo agora recebido e tendo sido unido a Cristo pela fé, seu amor para com Deus e Cristo é inflamado, e com toda sua disposição ele deseja ser obediente. Nós amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4:19).
Em terceiro lugar, a essência mesma da fé não consiste em confiar que Cristo é meu Salvador, uma vez que:
(1) Cristo não morreu por todos os homens. Todo indivíduo precisaria, portanto, de fundamentos sólidos a partir dos quais seria capaz de concluir que Cristo morreu por ele e é, pois, seu Salvador.
(2) Deus de fato ordenou que todos que ouvissem Sua palavra cressem, mas Ele não ordenou que todos cressem que Cristo é seu Salvador. Não há um único texto na Bíblia para apoiar isso, de maneira que é simples imaginação afirmar que todos devem crer que Cristo é seu Salvador. Se assim fosse, ele creria numa mentira e iria para o inferno ao aderir a tal ilusão.
(3) Crer que Cristo é meu Salvador pertence à certeza, que é um fruto da fé, o qual pode variar em grau e pode, pois, estar inteiramente ausente. Portanto, a fé verdadeira permanece, e aquele que a possui permanece um verdadeiro crente.
(4) Vários indivíduos que creram temporariamente estão plenamente seguros de si mesmos e não possuem a menor dúvida de que Cristo é seu Salvador e morreu por eles. Eles, todavia, não possuem fé verdadeira e irão se encontrar em engano. Segue, pois, que a fé verdadeira não consiste em confiar que Cristo morreu por mim.
Em quarto lugar, a essência da fé não consiste em desejar ter Jesus como Salvador. Desejar, ou se dispor, pode ser considerado como um ato interno. Uma pessoa percebe a verdade, a necessidade e a excelência de ter Jesus como seu Salvador, e assim deseja tê-Lo como tal. Esse desejo interno incide no objeto em si, mas não nas circunstâncias concomitantes – tais como a necessidade de se abandonar a vida mundana, de buscar Cristo em verdade (agindo assim frequentemente), de entrar verdadeiramente em aliança com Cristo, encontrando somente n'Ele seu deleite. Também é necessário ao crente tomar o mundo como seu inimigo, testemunhando e batalhando contra ele, e estar disposto, por amor a Cristo, a suportar toda pobreza, nudez, perseguições e zombaria. Isto, contudo, não condiz com tais pessoas, e, portanto, eles abandonam por aquilo que Ele é, cedendo, portanto, às suas concupiscências. Destarte, o desejo deles nada mais é do que o desejo de Balaão: “Que eu morra a morte dos justos, e o meu fim seja como o dele” (Nm 23:10).
Tal desejo pode ser também de uma natureza extrovertida, isto é, o ser que se expande em direção a Cristo, por meio do qual determinada pessoa demonstra ao Senhor Jesus seu desejo vertical por Ele e Seus benefícios, com o esquecimento de tudo o mais. Uma vez que seu coração não o condena, isso lhe dá liberdade para ir a Cristo e recebe-Lo pela fé como seu Salvador. “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22:17). Desse modo, visto que o desejo não precede o exercício da fé, na medida em que se considera a natureza da questão, embora onde quer que exista um desejo tão expansivo, existe também a verdadeira fé.
Em quinto lugar, a essência da fé não consiste num assentimento da verdade do Evangelho. Uma pessoa pode ter uma compreensão bastante clara de todos os mistérios da fé, na medida em que diz respeito tanto às suas verdades quanto à sua excelência. Deixemo-lo aquiescer com plena confiança a essas verdades como verdades, bem como à excelência delas – mesmo isto não é verdadeira fé. De fato, é verdade que os crentes também possuem conhecimento e assentimento, contudo, não podem se apoiar nisso. Eles sabem e têm experiência que esses elementos não os levam a se tornar participantes de Cristo, e, portanto, eles vão além e se apropriam de Cristo. Eles se apoiam n'Ele, confiando seus corpos e almas a Cristo, para que Ele possa justificá-los, etc. Portanto, se um homem não possui nada mais do que o conhecimento e assentimento, ele pode estar certo de que possui meramente a fé histórica ou temporal. Porém, se um indivíduo percebe dentro de si mesmo o exercício real da confiança em Cristo, considerando-a como um fruto de seu assentimento (tomando-o como o ato essencial da fé), ele de fato possui a verdadeira fé. Contudo, ele está equivocado ao considerar que o conhecimento é a natureza essencial da fé. Ilustraremos isto mais adiante na questão que se segue. A essência singular ou forma da fé não consiste, pois, nessas seis questões supramencionadas. Devemos, portanto, considerar agora em que consiste o ato singular e essencial da fé.
Questão: O ato essencial da fé consiste em assentir às verdades divinas e às promessas do Evangelho, ou, antes, consiste numa confiança sincera em Cristo para ser justificado, santificado e conduzido, por Ele, à felicidade?
Resposta: Antes de respondermos, queremos afirmar que:
(1) Não entendemos esse confiar em Cristo como equivalente à certeza – a convicção de que se é pessoalmente um participante de Cristo e todas Suas promessas, ou a paz e quietude resultantes dentro da alma, pois todas estas são frutos da fé, que são mais evidentes em um, e menos em outro. Pelo contrário, entendemos por confiar o ato expansivo [dinâmico] do coração por meio do qual o homem, ao se render e receber a Cristo, Lhe confia corpo e alma, a fim de que Ele possa salvá-lo. Podemos compará-lo a um credor que confia seu dinheiro a alguém, dando-o. De semelhante modo, podemos também compará-lo a alguém que, colocando-se sobre os ombros de um homem robusto a fim de ser carregado através de um rio, confia nele, inclinando-se e fiando-se nele, permitindo-se, desse modo, ser conduzido ao local designado.
(2) Afirmamos que um conhecimento das verdades do Evangelho e o assentimento às mesmas são os pré-requisitos necessários para tal confiança. Sustentamos, ainda, que, posteriormente, a fé também se foca continuamente sobre e é ativada pelas promessas.
Tendo visto o objeto da fé, partamos agora em direção à forma ou à essência singular e natureza da fé. A essência de algo é aquilo que faz com que este algo seja o que é. A essência de uma coisa a identifica e a distingue de todas as demais coisas. Uma coisa pode possuir apenas uma única essência. Logo, se há duas essências, há também duas coisas. Portanto, de semelhante modo, a fé possui uma essência que lhe é exclusiva.
Neste ponto, devemos notar em que consiste (e também em que não consiste) a natureza essencial da fé.
Em primeiro lugar, a fé não consiste em amor, que é aquilo que os papistas e os arminianos afirmam. O amor não é a essência da fé, pois 1) fé e amor são duas virtudes distintas: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor” (1Co 13:13). É demasiado óbvio que uma virtude não pode ser a essência de uma outra. 2) O amor é o fruto da fé. “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor” (Gl 5:6). A fé, portanto, não extrai sua eficácia do amor, antes, a fé é eficaz para a operação do amor, assim como a prática de toda virtude por meio do amor. Atentem também para o ímpeto da palavra ἐνεργέω (energeo) (cf. Rm 7:5; Cl 1:29). O resultado de algo não pode ser sua essência.
Em segundo lugar, a fé não consiste na obediência e observância dos mandamentos de Deus, que é algo que as partes supramencionadas afirmam. Pois a fé se distingue expressamente das obras (1Co 13:13). E também: “Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia” (1Tm 1:5). Sim, na questão da justificação, as obras e a fé são contrastadas. “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3:28). “Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu tenho obras” (Tg 2:18).
A fé verdadeira é a fonte das boas obras. Estas são frutos e característica da fé, tornando-se evidente, portanto, que onde as boas obras estão ausentes, também a fé verdadeira está ausente. “Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2:26). Certamente o corpo está morto, caso a respiração tenha cessado. Semelhantemente, tal fé está morta, isto é, a verdadeira fé não está presente quando ela não se manifesta.
Mesmo se sustentarmos que o amor e a observância dos mandamentos não são a forma ou natureza essencial da fé, longe esteja de nós sustentar que a fé pode existir sem o amor. Quando um homem torna-se um crente, ele não apenas recebe iluminação aos olhos do entendimento e em certo grau se torna familiarizado com o Mediador e os benefícios da aliança, mas também se torna, desse modo, amorosamente cativo. O crente se regozija no fato de que há salvação, perdão de pecados e um Espírito que o santifica. Ele se regozija no fato de que há um Cristo e que Ele lhe é oferecido. Ele tem amor pela verdade (2 Ts 2:10). Tendo agora recebido e tendo sido unido a Cristo pela fé, seu amor para com Deus e Cristo é inflamado, e com toda sua disposição ele deseja ser obediente. Nós amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4:19).
Em terceiro lugar, a essência mesma da fé não consiste em confiar que Cristo é meu Salvador, uma vez que:
(1) Cristo não morreu por todos os homens. Todo indivíduo precisaria, portanto, de fundamentos sólidos a partir dos quais seria capaz de concluir que Cristo morreu por ele e é, pois, seu Salvador.
(2) Deus de fato ordenou que todos que ouvissem Sua palavra cressem, mas Ele não ordenou que todos cressem que Cristo é seu Salvador. Não há um único texto na Bíblia para apoiar isso, de maneira que é simples imaginação afirmar que todos devem crer que Cristo é seu Salvador. Se assim fosse, ele creria numa mentira e iria para o inferno ao aderir a tal ilusão.
(3) Crer que Cristo é meu Salvador pertence à certeza, que é um fruto da fé, o qual pode variar em grau e pode, pois, estar inteiramente ausente. Portanto, a fé verdadeira permanece, e aquele que a possui permanece um verdadeiro crente.
(4) Vários indivíduos que creram temporariamente estão plenamente seguros de si mesmos e não possuem a menor dúvida de que Cristo é seu Salvador e morreu por eles. Eles, todavia, não possuem fé verdadeira e irão se encontrar em engano. Segue, pois, que a fé verdadeira não consiste em confiar que Cristo morreu por mim.
Em quarto lugar, a essência da fé não consiste em desejar ter Jesus como Salvador. Desejar, ou se dispor, pode ser considerado como um ato interno. Uma pessoa percebe a verdade, a necessidade e a excelência de ter Jesus como seu Salvador, e assim deseja tê-Lo como tal. Esse desejo interno incide no objeto em si, mas não nas circunstâncias concomitantes – tais como a necessidade de se abandonar a vida mundana, de buscar Cristo em verdade (agindo assim frequentemente), de entrar verdadeiramente em aliança com Cristo, encontrando somente n'Ele seu deleite. Também é necessário ao crente tomar o mundo como seu inimigo, testemunhando e batalhando contra ele, e estar disposto, por amor a Cristo, a suportar toda pobreza, nudez, perseguições e zombaria. Isto, contudo, não condiz com tais pessoas, e, portanto, eles abandonam por aquilo que Ele é, cedendo, portanto, às suas concupiscências. Destarte, o desejo deles nada mais é do que o desejo de Balaão: “Que eu morra a morte dos justos, e o meu fim seja como o dele” (Nm 23:10).
Tal desejo pode ser também de uma natureza extrovertida, isto é, o ser que se expande em direção a Cristo, por meio do qual determinada pessoa demonstra ao Senhor Jesus seu desejo vertical por Ele e Seus benefícios, com o esquecimento de tudo o mais. Uma vez que seu coração não o condena, isso lhe dá liberdade para ir a Cristo e recebe-Lo pela fé como seu Salvador. “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22:17). Desse modo, visto que o desejo não precede o exercício da fé, na medida em que se considera a natureza da questão, embora onde quer que exista um desejo tão expansivo, existe também a verdadeira fé.
Em quinto lugar, a essência da fé não consiste num assentimento da verdade do Evangelho. Uma pessoa pode ter uma compreensão bastante clara de todos os mistérios da fé, na medida em que diz respeito tanto às suas verdades quanto à sua excelência. Deixemo-lo aquiescer com plena confiança a essas verdades como verdades, bem como à excelência delas – mesmo isto não é verdadeira fé. De fato, é verdade que os crentes também possuem conhecimento e assentimento, contudo, não podem se apoiar nisso. Eles sabem e têm experiência que esses elementos não os levam a se tornar participantes de Cristo, e, portanto, eles vão além e se apropriam de Cristo. Eles se apoiam n'Ele, confiando seus corpos e almas a Cristo, para que Ele possa justificá-los, etc. Portanto, se um homem não possui nada mais do que o conhecimento e assentimento, ele pode estar certo de que possui meramente a fé histórica ou temporal. Porém, se um indivíduo percebe dentro de si mesmo o exercício real da confiança em Cristo, considerando-a como um fruto de seu assentimento (tomando-o como o ato essencial da fé), ele de fato possui a verdadeira fé. Contudo, ele está equivocado ao considerar que o conhecimento é a natureza essencial da fé. Ilustraremos isto mais adiante na questão que se segue. A essência singular ou forma da fé não consiste, pois, nessas seis questões supramencionadas. Devemos, portanto, considerar agora em que consiste o ato singular e essencial da fé.
Questão: O ato essencial da fé consiste em assentir às verdades divinas e às promessas do Evangelho, ou, antes, consiste numa confiança sincera em Cristo para ser justificado, santificado e conduzido, por Ele, à felicidade?
Resposta: Antes de respondermos, queremos afirmar que:
(1) Não entendemos esse confiar em Cristo como equivalente à certeza – a convicção de que se é pessoalmente um participante de Cristo e todas Suas promessas, ou a paz e quietude resultantes dentro da alma, pois todas estas são frutos da fé, que são mais evidentes em um, e menos em outro. Pelo contrário, entendemos por confiar o ato expansivo [dinâmico] do coração por meio do qual o homem, ao se render e receber a Cristo, Lhe confia corpo e alma, a fim de que Ele possa salvá-lo. Podemos compará-lo a um credor que confia seu dinheiro a alguém, dando-o. De semelhante modo, podemos também compará-lo a alguém que, colocando-se sobre os ombros de um homem robusto a fim de ser carregado através de um rio, confia nele, inclinando-se e fiando-se nele, permitindo-se, desse modo, ser conduzido ao local designado.
(2) Afirmamos que um conhecimento das verdades do Evangelho e o assentimento às mesmas são os pré-requisitos necessários para tal confiança. Sustentamos, ainda, que, posteriormente, a fé também se foca continuamente sobre e é ativada pelas promessas.
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Autor: Wilhelmus à Brakel
Fonte: The Christian's Reasonable Service
Tradução: Fabrício Tavares
Divulgação: Bereianos
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