Os dias da criação foram literais?

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Por Filipe Machado


Para os cristãos, a Bíblia é a fonte de todo o saber no que concerne à revelação de Deus. O crente não possui qualquer dúvida sobre a Bíblia Sagrada ser a única palavra registrada do Senhor ao Seu povo. A Escritura serve como parâmetro para averiguar, literalmente, todas as ciências e filosofias que este mundo cria. Nada que algum homem afirme pode ser contrário à Palavra. Nem mesmo afirmações sobre a física podem ser contrárias à Bíblia, como, por exemplo, se alguém insinua ser a física algo não criado, tal sentença deve ser rejeitada, afinal, foi Deus quem a criou assim como a matemática, a biologia, a química e tudo o que existe - "E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele" (Cl 1.17).

Ao lermos o relato da criação, registrado nos dois primeiros capítulos de Gênesis, encontramos algumas peculiaridades que nos são diferentes à maneira habitual de enxergarmos as coisas. Um destes pontos é o fato da narrativa relatar que as plantas foram criadas antes do Sol, isto é, vieram à existência no terceiro dia (Gn 1.11-13), enquanto o Sol e os demais luminares passaram a existir somente no quarto dia (Gn 1.14-19). Todavia, lemos que a luz veio a existir no primeiro dia (Gn 1.3). Como as plantas poderiam viver sem o sol, uma vez que aprendemos serem elas praticantes do processo de fotossíntese? Como explicar o haver de luz, mas sem o Sol?

O reformador João Calvino, brilhantemente comentou e respondeu este dilema: "Mas o Senhor, para que a si reivindicasse o pleno louvor de tudo isso, não só quis que, antes que criasse o sol, existisse a luz; mais ainda: que a terra fosse repleta de toda espécie de ervas e frutos (Gn 1.3, 11, 14). Portanto, o homem piedoso não fará do sol a causa quer principal ou necessária destas coisas que existiram antes da criação do sol, mas apenas o instrumento de que Deus se serve, porque assim o quer, já que pode, deixado este lado, agir por si mesmo com nenhuma dificuldade" (grifo meu). [1]

Existe, todavia, outra dúvida que costuma suscitar indagações entre os cristãos: os dias da criação foram literais? Quer dizer, Deus criou o Universo e tudo o que nele há em 7 dias como nós contamos hoje em dia?

Muitas teorias, livros e palestras são feitos com o intuito de "debater" sobre este assunto. Há, entretanto, com o devido respeito aos escritores e demais que se debruçam em pesquisar sobre este fato, em não se perder grandioso tempo se pesquisando ou se digladiando acerca de qual seria a interpretação correta, pois a Bíblia pode conter somente uma interpretação correta para todas as coisas. Afirmamos isso porque há, na Escritura, uma espécie de "chave" magnífica que responde toda e qualquer dúvida, que elimina toda a discussão e põe fim a inúmeros livros, pesquisas científicas e tudo quanto já foi compilado sobre este assunto. Está chave está contida nos dez mandamentos.

Os dez mandamentos são a expressão moral de Deus, pois revelam o Seu ser e instituem ao homem aquilo que ele deve cumprir. Todas, absolutamente todas as demais leis bíblicas - leis civis e cerimoniais, por exemplo - se encaixam em algum dos dez mandamentos. Para ilustrar, a autorização para se cobrar juros do estrangeiro, mas não cobrar do irmão em Cristo (Dt 23.20), tem como sustentáculo o décimo mandamento, o qual exorta a não cobiçar "coisa alguma do teu próximo" (Êx 20.17) e isto inclui o dinheiro - também o oitavo mandamento, "Não furtarás" (Êx 20.15), corrobora. A ordem para se construir uma habitação segura, tem com base o sexto mandamento ("Não matarás" - Êx 20.13), pois assim é relacionado: "Quando edificares uma casa nova, farás um parapeito, no eirado, para que não ponhas culpa de sangue na tua casa, se alguém de algum modo cair dela" (Dt 22.8 - grifo meu). A ordem para o povo de Deus construir o tabernáculo e posteriormente o templo, tudo conforme as medidas e especificações dadas pelo Senhor, possuía lastro no primeiro mandamento - "Não terás outros deuses diante de mim" (Êx 20.3), afinal, se o povo de Deus não deve ter outra deidade a qual adora, significa dizer que somente Deus deve ser obedecido.

Dentro dos dez mandamentos, há um que responde, então, a pergunta de nosso artigo. Assim lemos no quarto mandamento: "Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou" (Êx 20.8-11).

Este mandamento é como um grandioso raio iluminando as trevas do homem e pondo fim à toda discussão. O quarto mandamento (clique aqui para ler mais sobre como ele é aplicado no Novo Testamento) relaciona a obediência de se observar um dia em cada sete e isto com base na criação de Deus - "Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou". A razão pela qual os cristãos precisam obedecer este mandamento (ainda que Deus não precisasse se justificar de coisa alguma) não é fixada sobre algo temporal ou acerca de alguma característica do povo de Israel. O motivo é atemporal, não dependente de nada, exceto da vontade criativa de Deus.

Logo, se interpretação deste mandamento é de acordo com a criação, somente uma interpretação está correta: a literal.

Como poderia ser verdade os dias da criação representar "eras" ou "milênios"? Eis a conclusão lógica do que seria, caso fossem realmente eras ou milênios (ou alguma grandiosa ou inexata fração de tempo): os cristãos teriam que, após seis eras, por exemplo, descansar durante uma era e sem qualquer trabalho! Se isto fosse feito, a confusão estaria mais do que instaurada, pois quanto tempo seria esta era? Equivaleria a quantos anos? Note que seria necessário, caso os dias fossem contadas como milênios (essa interpretação é devida ao texto de 2Pe 2.8, o qual diz que "para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia"), observar um milênio inteiro e isso tudo sem trabalhar, porque o quarto mandamento inclui o descanso de todo o trabalho ordinário dos outros dias, não devendo qualquer pessoa buscar lucros, a venda ou a troca de qualquer coisa durante mil anos! Até mesmo os animais deveriam ficar mil anos sem trabalhar ("não farás nenhuma obra [...] nem o teu animal"), pois é isso que o mandamento exige.

Desta forma, de maneira inequívoca, se refuta esplendidamente toda a interpretação alegórica e que foge aos ditames da Santa Escritura. Pode-se, portanto, afirmar que a única e perfeita interpretação é a de dias literais, sendo grave heresia o defender qualquer coisa contrária.

Louvado seja o Senhor por Sua palavra e por nela temos as santas respostas.

Nota:
[1] CALVINO, João, As Institutas, Ed. Clássica, Livro I, Cap. XVI, pág. 194.

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4 comentários

Se pegarmos as citações do Antigo Testamento feitas pelos autores do Novo Testamento (principalmente Mateus e Paulo), perceberemos que muitas delas poderiam ser consideradas "homicídios" hermenêuticos de acordo com as práticas de interpretação de hoje. Acho que não é difícil perceber que algumas coisas eram feitas de forma diferente das de hoje.

O relato da criação faz parte de uma época em que se explicavam as coisas pela criação/elaboração de mitos. Se é mito, não se pode esperar rigor científico! Se o rigor hermenêutico de hoje não serve para os métodos hermenêuticos do primeiro século da era cristã, logo a precisão científica não servirá para os métodos do relato mitológico.

Antes que alguém comece a passar mal, explico que por "mito" não se entende "mentira", como oposição à verdade; mas, entende-se por relato sobre "verdades" no nível inteligível da capacidade humana. Do mito nasce a filosofia... na verdade dizem que a filosofia não passa da elaboração mais profunda dos mitos, que já possuíam a verdade. Mas foram expandidas e aprofundadas conforme a capacidade intelectual do homem foi aumentando. E basta andar mais um pouquinho na história para perceber que a metodologia científica surge também daí, de onde retiraremos a origem da "curiosidade" científica de entender as coisas senão do querer saber da filosofia já antes originada no mito?

Se Deus está para além do tempo, e isso é um conceito tanto filosófico quanto teológico, como Deus poderia ter descansado um sábado literal? Acredito que Pedro ao dizer que um dia é como mil anos e vice-versa o que ele quer dizer é que para Deus não há tempo! Para um ser eterno o que é descansar um sábado? Se as descrições de Deus são todas antropomórficas e não podem ser levadas ao pé da letra, Deus descansou de quê? De quase ter levantado uma pedra tão pesada que ele mesmo não poderia ter levantado? Será que não se percebe a linguagem empregada no próprio relato que não pode ser tomada literalmente?

Se o Ruy ou o autor do texto puder responder, fico agradecido.

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Victor Hugo mod

Olá, gostei do texto, principalmente da citação de Calvino, que já me esclareceu algumas dúvidas. Mas como ficaria a questão dos dinossauros?
Teriam vivido eles junto com o Homem?

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Tadeu de Araújo mod

Distintos irmãos, graça e paz!

Trata-se de um tema que também jamais haverá consenso entre os especialistas no tocante ao Velho Testamento.
A nosso ver, como razoável autodidata em teologia, cremos na literalidade dos dias.
No entanto, cremos nas criações imediata e mediata.
Nossa análise, no que se refere às duas mencionadas criações, tem como base o Gênesis 1.1 e demais versículos.
Por isso, com todo o respeito aos que defendem o contraditório, não encontramos respaldo.

Em Cristo,
Tadeu de Araújo

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Querido amigo Andre R. Fonceca:
Ninguem e dono da verdade, mas vou tentar contribuir da melhor maneira possivel. Queira Deus ajudar-nos: Pra começar, Deus nao descançou porque estivesse cansado (isso e mais que evidente), mas sim porque ja nao havia nada que fazer. Explico: Tudo que Deus fez na criaçao tinha o objetivo de proporcionar felicidade ao homem, ou seja, cada item da criaçao constitui um presente de Deus para o homem. No setimo dia, deus descançou porque tudo, absolutamente tudo que poderia e deveria ser criado para proporcionar felicidade ao homem ja havia sido criado. A biblia nos diz que Deus terminou sua obra criadora no dia setimo, ou sea, neste dia, estava ainda fazendo algo. Mas o que? Se Deus me deu um cerebro pra pensar e uma boca pra falar, respondo: Estava fazendo o SABADO. Pra que? Para dar de presente ao homem, ja que tudo nque fez foi para dar ao homem. Logo concluimos que Deus nao fez o sabado para si, mas sim para o homem, afinal, o proprio Jesus disse que o sabado foi feito por causa do homem. Como poderia um espaço de tempo atemporal ou simbolico, haver sido feito para um ser temporal e literal? Concluimos portanto, que tem que ser literal. Qualquer outra interpretaçao desmentiria o que Jesus disse. Que Deus nos esclareça cada dia com sua santa palavra.

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