Por João Rodrigo Weronka
É muito comum ouvir da parte de muitos cristãos o jargão “olha ali, eis que vai um homem de Deus!”. Infelizmente, não são poucos os que tomam o aspecto externo, os jeitos e trejeitos, como medida para determinar quem é ou não é de Deus (leia-se usado por Deus). O que a Bíblia diz a respeito desse assunto?
Vejamos a recomendação bíblica:
Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão. Milita a boa milícia da fé, toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas. 1Tm 6.11-12
Tomando por base as reflexões que John Stott fez em cima do texto Bíblico, que podem ser encontradas no livro “A Bíblia toda, o ano todo”[1], chega-se a este ensaio.
No texto acima, o apóstolo Paulo escreve para Timóteo e lhe dá instruções para uma vida cristã. Vale lembrar que Timóteo era um discípulo de Paulo, um jovem pastor nascido em Listra (atual Turquia). Era filho e neto de mulheres piedosas e cristãs, instruído na fé desde pequeno (At 16.1; 2Tm 1.5; 3.15).
Traçando paralelo com o atual estado das coisas, nunca é demais relembrar que pautados pela cosmovisão cristã (bíblica), o povo de Deus deve estar separado do sistema dominado por satanás, não andando segundo a cultura deste século, mas vivendo e pensando biblicamente. Ou seja, navegamos nas águas turbulentas deste século, porém inseridos no barco do Mestre. Logo, todas as questões de ética, moral e prática cotidiana devem passar pelo crivo da Bíblia. Assim, homem e mulher de Deus é aquele tido como praticante das Escrituras, em desenvolvimento espiritual, buscando o amadurecimento constante, sustentado pela graça de Deus.
Voltando ao cenário bíblico em questão observa-se que Paulo estava numa viagem para região da Macedônia, e instruiu Timóteo através da epístola para que estivesse atento aos desafios da igreja na cidade de Éfeso (Timóteo ali estava pastoreando), desafios tais que confrontariam sua fé. Nas palavras de Frank Thielman:
Em diversos lugares da carta Paulo resume elementos fundamentais do ensino cristão como forma de recordar Timóteo, junto com a igreja que ouvirá esse mandato ser lido, desses elementos do evangelho. Timóteo recebera a comissão de permanecer fiel a esse ‘depósito’ da verdade quando ele foi separado para a obra do evangelho (6.12,20). O falso ensino desafia em vários pontos o ensino cristão tradicional, e Paulo deseja fazer Timóteo – seu oficial subordinado – recordas e a igreja sob seus cuidados desses pontos fundamentais nos quais o evangelho e o falso ensino se separam. [2]
A viagem de Paulo demoraria além do previsto, sendo necessária instrução específica ao pastor Timóteo. Quais eram elas?
Fuja disso! – um apelo ético
Timóteo deveria opor-se aos valores mundanos enraizados na cidade de Éfeso. Como cristãos, tanto Timóteo como nós andamos (ou deveríamos andar) não segundo o curso deste século, mas segundo o querer de Deus. Infelizmente muitos trilham – nestes dias – o caminho do mero nominalismo religioso, mergulhando no quadro exposto por Harry Blamires:
A colisão entre a mente cristã e uma cultura solidamente presa na terra deveria ser violenta. O fato é que o impacto não ocorre; pois o cristão, quando ele pisa fora da esfera da atividade especificamente religiosa ou da moralidade pessoal, põe de lado as pressuposições próprias a uma personalidade sobrenaturalmente orientada. Ele fala a linguagem do secularismo. [3]
O apelo que Paulo faz neste sentido é de cunho ético para um ajuste de mentalidade e valor cristão. Exortando ao longo de 1Tm 6 para que todo cristão comprometido com os valores do Reino de Deus não se venda a presunção (v.4), impureza (v.5), descontentamento e ingratidão para com Deus (v.6-8), concupiscências loucas (v.9), amor ao dinheiro (v.10).
Na contramão destes valores, a atitude cristã deve ser balizada naquilo que está registrado em 1Tm 6.11. Deve-se viver de modo justo, em justiça e integridade com o próximo; em piedade, com coração cheio de misericórdia como imitadores de Cristo; num rumo de fé, sendo fiel para com Deus e também sendo uma pessoa digna de confiança; no amor, afetuoso a Deus e ao próximo; de modo constante, tendo firmeza em Deus, mesmo diante dos problemas; com mansidão, sendo cordial, gentil e humilde.
Em síntese, é ir contra o que é mal, discernindo de modo ético aquilo que Deus quer que façamos e o que não devemos fazer. É oportuno que o leitor examine o contexto lendo todo o texto de 1Tm 6. Ficará claro que Timóteo não deveria compactuar com valores que se opõem a fé cristã. Estamos sendo homens de Deus, fugindo do mal e lutando pela justiça e amor, valores do Reino?
Zelo doutrinário
É urgente o engajamento cristão em prol do Evangelho, sua proclamação e defesa. Devemos estudar e meditar profundamente na Bíblia e nas doutrinas cristãs para que sejamos defensores da fé – 1Tm 1.18; Estamos empenhados neste propósito?
Ao falar em defesa da fé, o cristão deve trazer a sua mente o benefício que trará a todo o perímetro que cerca sua vida, é um combate doutrinário que traz benefício a si próprio, a sua família, sua igreja local (e universal também) bem como a todo o Reino de Deus.
Muito já se falou sobre a importância e necessidade de ser comprometido com o estudo bíblico, com a reflexão nas matérias teológicas e com o engajamento apologético. Mas nunca é demais reiterar os princípios bíblicos que norteiam esta prática, afinal, como John Frame disse, “a apologética, corretamente entendida, não é ‘brincar de Deus’; é simplesmente praticar a vocação humana divinamente ordenada.” [4]
Ser um cidadão do Reino é ser poderoso na palavra, na doutrina (Tt 1.9), batalhando pela fé (Jd 3), para ter o discernimento bíblico e ético que gera respostas mansas e cheias de temor de Deus (1Pe 3.15).
É possível caminhar nesta vereda conhecendo a Escritura Santa e manejando bem esta espada deveras afiada (2Tm 2.15-16), estando assim apto a reconhecer o tempo de apostasia (1Tm 4.1). Lembre-se, a fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus (Rm 10.17), logo não existe fé sem compromisso com a Palavra. Estamos neste mundo (Jo 17.15), as águas são escuras e a tempestade é forte, mas compromissados com a vontade de Deus em Sua Palavra, estaremos inabaláveis, exortando na doutrina, firmes sem se desviar da verdade (2Tm 4.1-4).
Os ‘profetas’ da era da modernidade bradaram que a era da razão lançaria uma pá de cal sobre a religião, que as crenças se dissolveriam e que Deus morreria. As religiões permanecem em pé. Logo, a pós-modernidade (ou hiper-modernidade para alguns) está ensopada de pluralismo religioso, vãs filosofias e relativismo que tenta embutir em cada ser humano ou núcleo social sua “própria verdade”. Os cristãos estão preparados para este desafio?
Vida Eterna
Como pode Paulo afirmar a Timóteo que ele “tome posse da vida eterna” (1Tm 6.12), sendo que já era um cristão?
A questão aqui é que muitos já possuem algo e não sabem aproveitar. Quantos são os que possuem um bom veículo, computador, ou qualquer outra coisa material e não faz uso do mesmo? Quantos são os cristãos, chamados por Deus, que vivem com medo, levando a vida longe do amparo do Pai, com mais medo do inferno que certeza da salvação? Certa vez ouvi um pregador falar que estamos com os dois pés mais perto do inferno que um deles do céu. Incoerência bíblica e ignorância: cego que conduz cego.
Estávamos mortos, Ele nos resgatou e presenteou em graça com a salvação (Ef 2.1-9), pelo amor incondicional de Deus (Jo 3.16), para sermos dEle (Jo 6.44-48).
Viva esta certeza todos os dias!
Diga não a experiências baratas e duvidosas. Muitos estão atrás de visões e profecias e ainda tem dúvidas acerca da salvação. Basta crer na Palavra! Somos salvos pelo dom de Deus. Desfrute da certeza absoluta de sua salvação nEle, não por sermos merecedores, mas sim pela Sua misericórdia.
Concluindo
Estes conselhos bíblicos e parâmetros para homens de mulheres de Deus são para hoje, amanhã e para toda nossa caminhada.
Uma fé madura e equilibrada nos garantirá uma caminha dentro do querer de Deus. Sempre lembrando que:
Combater pela fé sem justiça, nada vale. Sermos bons e mansos, mas sem interesse pela verdade resulta apenas em aparência de piedade. A negligência em relação à doutrina e ética cristã produz experiências místicas e rasas. Lancemos longe a aparência e sejamos enfim homens e mulheres de Deus.
Um resumo para tudo que foi lido até aqui: uma vida de fidelidade e serviço a Deus.
Sola scriptura!
Soli Deo Gloria!
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NOTAS:
[1] STOTT, John. A Bíblia toda, o ano todo. Ultimato. Viçosa, MG: 2006. p. 380.
[2] THIELMAN, Frank. Teologia do Novo Testamento. Shedd Publicações. São Paulo, SP: 2007. p. 495.
[3] BLAMIERES, Harry. A mente cristã. Shedd Publicações. São Paulo, SP: 2006. p. 79-80.
[4] FRAME, John. Apologética para glória de Deus. Cultura Cristã. São Paulo, SP: 2010. p. 22.
Fonte: NAPEC
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