Repreensão de Jesus a igreja de Éfeso: um alerta para nós hoje

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Por Silas Alves Figueira

“Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor” (Ap 2.4).
“Tenho, porém, contra ti…”
Observe que a repreensão vem logo após o elogio. Isso faz parte de uma avaliação honesta. Essas duas coisas são extremamente importantes em nossas vidas, pois, se criticarmos aos outros de forma construtiva e também elogiarmos o que há de bom neles, as nossas críticas se mostrarão carregadas de um poder que irá transformar as pessoas para melhor. Porém, se tão somente criticarmos as pessoas, ignorando qualquer coisa de bom que há neles, poderemos apenas feri-los, piorando o estado deles. Por outro lado, se não fizermos outra coisa senão elogiá-los, então eles ficarão extremamente mimados, tendo uma ideia falsa sobre aquilo que realmente são, nada vendo que deva ser modificado, ao passo que, na vida de qualquer pessoa, sempre haverá coisas que precisam de modificação e aprimoramento. Assim como Deus trabalhou com a igreja de Éfeso, do mesmo modo o Senhor trabalha conosco também.
“… abandonaste o teu primeiro amor”.
Abandonas-te no grego é “aphekas”, o aoristo de “aphiemi”, que significa “partir”, “ir embora”, dispensar”. Essa mesma palavra era usada para indicar o “repúdio” ou “divórcio”. [1]
Esta igreja tinha mais de quarenta anos quando Jesus ditou esta carta. Outra geração havia surgido. Os filhos não experimentavam aquele entusiasmo intenso, aquela espontaneidade e o ardor que havia revelado os pais quando tiveram o primeiro contato com o evangelho. Não apenas isso, mas faltava à geração seguinte a devoção a Cristo. A igreja de Éfeso tornou-se farisaica, pois ela deixou de herança o zelo pela Palavra, mas como se fosse uma lei, mas não deixou de herança o amor que é o vínculo da perfeição. A igreja havia abandonado o seu primeiro amor. O problema da igreja de Éfeso é, com certeza, o problema da maioria das igrejas de hoje: fazer as coisas sem solidariedade amorosa.
Quando abandonamos o primeiro amor, significa que abrimos mão de algo e elegemos outras coisas em seu lugar. Quando fazemos as coisas por fazer, por causa da instituição ou da denominação, pela sedução do crescimento numérico da igreja, pela fama e pelo status que se obterão na cidade ou coisas do tipo, essas são provas evidentes de que nossas motivações são impuras e estão prostituídas [2].
Aqui é necessário parar e realizar uma urgente avaliação: fazemos as coisas por amor a Deus ou por amor a nós mesmos? Se for por amor a Deus, então a glória será dEle e para Ele; se for por amor a nós e à nossa própria igreja, então a glória será nossa. É necessário decidir, e rápido, antes que o próprio Senhor venha a dizer para nós: “Tenho, porém contra ti!”
Este era um fracasso que atacara sua vida cristã pelas bases. O Senhor tinha ensinado que o amor mútuo devia ser a marca que identificasse a comunhão dos cristãos (Jo 13.35). Os convertidos de Éfeso tinham experimentado este amor nos primeiros anos de sua nova existência; mas a sua luta com os falsos mestres e seu ódio por ensinos heréticos parece que trouxeram endurecimento aos sentimentos e atitudes rudes a tal ponto que levaram ao esquecimento da virtude cristã suprema que é o amor. Pureza de doutrina e lealdade não podem nunca ser substitutos para o amor [3].
A exortação para recuperar o primeiro amor não implica em relaxamento doutrinário. Doutrina sem amor corre o risco de assumir uma rigidez dogmática, na qual as pessoas passam a ser menos importantes. O contrário também é possível: desprezar princípios e valores do evangelho para acalmar ou acomodar certas situações de quem está em pecado. Uma coisa é certa: doutrina sem amor é legalismo. Amor sem doutrina é frouxidão e relaxo. Há necessidade de haver harmonia entre estas duas questões.
Deus muita vezes comparou Israel à Sua noiva e Ele mesmo ao seu noivo ou esposo. Ele fixou nela o Seu amor. No entanto ela começou a flertar com outros amantes, os deuses cananeus. Ela procedeu como uma prostituta com eles. Ela se tornou infiel e abandonou se verdadeiro marido [4].
No Novo Testamento, o novo Israel de Deus, a Igreja, é semelhantemente representado como desposado com Cristo, exatamente como o velho Israel era desposado com o Senhor [5]. Mas, assim como o amor de Israel muitas vezes havia esfriado em relação ao Senhor, esta mesma tendência estava evidente em Éfeso. Aquela primeira sensação de enlevo e êxtase havia passado. Sua antiga devoção a Cristo tinha passado. Por esse mesmo motivo o Noivo, Jesus, procura cortejar Sua noiva, a Igreja, para voltar ao seu primeiro amor. Com a mesma ternura que Jeová mostrou à volúvel e adúltera Israel, o Senhor Jesus apela à sua Igreja para que volte para Ele.
 “Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas” (Ap 2.5).
“Lembra-te, pois, de onde caíste…”
A lembrança é um dom precioso. Olhar para trás pode ser pecaminoso; mas também pode ser sensato. Olhar para trás com os olhos lascivos, como fez a mulher de Ló, para os pecados de Sodoma dos quais temos sido libertos, é atrair desastre. Olhar para trás ansiosamente para os confortos despreocupados do mundo, uma vez que já pusemos a mão no arado, é não ser apto para o reino de Deus. Mas olhar para trás ao longo do caminho em que Deus nos conduziu é o mínimo que a gratidão pode fazer, e olhar para trás para as alturas espirituais que pela graça de Deus já ocupamos é dar o primeiro passo na estrada do arrependimento. Não devemos viver no passado. Mas lembrá-lo e comparar o que somos com o que fomos, é uma experiência salutar e frequentemente perturbadora [6].
Observe que a igreja de Éfeso não está sendo chamada a lembrar o seu pecado. Não está sendo dito para ela lembra-se em que situação ela caiu, mas de onde caiu. Por isso o Senhor desperta a igreja a se lembrar do amor que ela havia abandonado. O amor por Jesus havia sido substituído pelo zelo religioso. Éfeso defendia sua teologia, sua fé, suas convicções e estava até pronta a sofrer e morrer por essas convicções, mas não se deleitava mais em Deus. Não estava mais afeiçoada a Jesus. Estava como os fariseus, zelosos pelas coisas de Deus. Observando com rigor os ritos sagrados. Mas com o coração seco como um deserto.
“… arrepende-te e volta à prática das primeiras obras…”
Arrependimento não é emoção é decisão. É atitude. Não precisa haver choro, basta decisão [7]. Tanto que o termo grego é “metanoeo”, significa “mudança de mente”, que leva a uma mudança de conduta diária, mudar de direção. Isto quer dizer voltar às costas, resoluta e completamente, a todo pecado conhecido. Esse arrependimento proposto por Jesus é para que a igreja pratique as obras que realizava no princípio. É assim que acontece. A igreja nasce, cresce, vai se desenvolvendo e corre o risco de ir fazendo as coisas por fazer, um dia após outro, um domingo após o outro; o culto passa a ser apenas mais um culto, a ceia não passa de outra ceia e logo haverá outra, a pregação é apenas mais uma pregação para que as pessoas gostem ou desgostem. A rotina vai se estabelecendo, assim como os mariscos do mar se fixam nas pedras. Erwin Lutzer diz que quando ele era adolescente, ele se perguntava por que o pastor não mimeografado o sermão e o enviava aos membros pelo correio. Com isso, eles poderiam aprender as verdades bíblicas sem ter o trabalho de ir à igreja. Agora reconheço, diz ele, que pensava assim porque o pastor pregava tão sem entusiasmo, que seu desempenho quase nada acrescentava ao teor da mensagem [8].
Os pastores e líderes de igrejas precisam ser os primeiros a encabeçar a fila de arrependimento. Nossa preocupação e mentalidade institucionais podem nos conduzir a um ministério de manutenção das coisas. Corremos o risco de incorrer em esterilidade ministerial, e as pessoas de nossa comunidade notarão que o nosso ministério não faz mais sentido para elas [9].
“Volta” literalmente traduzido seria “faz”, que dá a ideia de uma atitude definitiva, a fim de que tais obras sejam constantemente praticadas. As “primeiras obras” não são novas e diferentes modalidades de ação; antes, são as mesmas obras, mas motivadas pelo amor original, de tal maneira que até pareçam novas. Seria o amor rejuvenescido [10].
“… se não, venho a ti…”
O “vir contra” do Senhor Jesus será uma consequência da escolha da igreja de Éfeso em continuar na prática do farisaísmo. A opção pertence a igreja. A graça de Deus pode ser acolhida ou reprimida. Não podemos subestimar o caos que a vontade pervertida poderá efetuar nas nossas vidas [11]. Temos um bom exemplo de uma má escolha em Gn 13.1-13 onde nos diz que Abrão e Ló separam-se por causa da briga que estava entre os pastores de Abrão e os pastores de Ló, pois eles estavam comparando as riquezas dos seus patrões. Abrão para evitar que a coisa se agravasse pediu a Ló que se apartasse dele, e lhe disse: “Acaso não está diante de ti toda a terra? Peço-te que te apartes de mim; se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita, irei para a esquerda” (Gn 13.9). “Se” é uma condicional, que pode tornar-se uma condição de benção ou de maldição. Ló por ser ganancioso escolheu “para si toda a campina do Jordão” armando as suas tendas até Sodoma. A escolha de Ló fez com que ele perdesse todos os seus bens, como também destruiu a sua família, pois Deus destruiu Sodoma e Gomorra. Da mesma forma, estava diante da igreja de Éfeso a escolha de voltar ao primeiro amor ou não, de ter o Senhor Jesus como referencial de benção ou como referencial de castigo. Assim acontece com cada um de nós. As nossas escolhas irão definir benção ou maldição para a nossa vida.
“… e moverei do teu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas”.
A partir de 431 d.C., a cidade entrou em período de declínio, parcialmente a surtos descontrolados de malária. Suas excelentes esculturas foram removidas para outros lugares, principalmente para Constantinopla [12]. Entre 630 e 640 d.C. Éfeso caiu nas mãos dos turcos que retiraram dali os habitantes que ali restaram. A cidade mesmo foi destruída em 1403 d.C. por Timur-Lenk. Hoje seu porto marítimo é um pantanal coberto de juncos e está em ruínas. As ruínas restantes chamam-se hoje “Adscha Soluk” surgido de “Hagios Theologos”, que quer dizer “santo teólogo”, lembrando o apóstolo João, “o teólogo”, que teria sido sepultado lá [13]. No entanto, hoje, a região é escassamente habitada e inteiramente da fé islâmica. Nenhuma igreja tem um lugar seguro e permanente neste mundo. Ela está continuamente em julgamento. Se podemos julgar pela carta que o bispo Inácio de Antioquia escreveu à igreja de Éfeso no princípio do segundo século, ela se reanimou após o apelo de Cristo. Inácio faz um retrato em termos candentes. Mais tarde, porém, ela voltou a decair, e durante a Idade Média seu testemunho cristão desapareceu [14]. Devido a isso o candeeiro foi removido. O inigualável privilégio de testemunhar por Cristo perante o mundo perdeu-se para sempre. Tanto a igreja como a cidade foram destruídas; a única coisa que restou foi um lugar chamado Agasalute, e isso, ironicamente, honra a memória de João e não de Éfeso.
“… caso não te arrependas”.
Se igreja de Éfeso foi chamada ao arrependimento, fica entendido que ela era capaz de fazê-lo. Deus não impede homem algum de arrepender-se. O intuito inteiro da mensagem do evangelho é contrario a esse conceito. Mas como vimos a igreja de Éfeso não foi perseverante e perdeu a oportunidade de ter sua vida restaurada. O candeeiro é feito para brilhar. Se ele não brilha, ele é inútil, desnecessário. A Igreja não tem luz própria. Ela só reflete a luz de Cristo. Mas, se não tem intimidade com Cristo, ela não brilha; se ela não ama, não brilha, porque quem não ama está em trevas.
Pedro na sua primeira carta diz que o juízo começa pela Casa de Deus (1Pe 4.17). Antes de julgar o mundo, Jesus julga a Igreja. A igreja de Éfeso deixou de existir porque ela não soube aproveitar do tempo da visitação de Deus e não se arrependeu do seu pecado. Que isso seja um alerta para nós também nos dias de hoje.
Notas:
[1] Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 389.
[2] Barro, Jorge Henrique. Uma Igreja Sem Propósitos. Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2004: p. 25.
[3] Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 27.
[4] Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 22.
[5] Ibid, p. 22
[6] Ibid, p. 24
[7] Lopes, Hernandes Dias. Apocalipse, o futuro chegou. Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005: p. 71.
[8] Lutzer, Erwin. De pastor para pastor. Ed. Vida, São Paulo, SP, 2001: p. 42.
[9] Barro, Jorge Henrique. Uma Igreja Sem Propósitos. Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2004: p. 27.
[10] Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 391.
[11] Ibid, p. 391.
[12] Ibid, p. 391.
[13] Malgo, Wim. Apocalipse de Jesus Cristo, Vol. 1, cap. 1-5, Ed. Chamada da Meia- Noite, Porto Alegre, RS, 1999: p. 35.14 Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 27.
Fonte: NAPEC
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