A praga do fideísmo

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A praga do fideísmoPor Edson Camargo

Entre os muitos exercícios para a paciência que encaro todos os dias há um que está sempre no “hard mode”: ouvir cristãos, ao emitirem opiniões (opinião, essa deusa vulgar) sobre aspectos da doutrina, sobre vida devocional, ou sobre aquilo que crêem que é correto do ponto de vista teológico e bíblico, jogando o fideísmo ao quatro ventos. “Abandone sua razão para entender o que Deus quer de você e para você”; “pare de se ater ao seu entendimento se quiser viver uma vida cristã mais rica”; “deixe de raciocinar e ouça ao Espírito”. Quem nunca ouviu tais frases? Nem é preciso dizer que daí em diante surgem os pitacos mais estapafúrdios sobre as relações entre a fé e a racionalidade, e claro, as mais “maduras” e mui “espirituais” críticas a quem é visto como apegado ao estudos de temas sérios, ao aprendizado sistemático das doutrinas cristãs, ou meramente a uma vida intelectual menos miserável.

O fideísmo é isso: usar a razão para afirmar, sobre a fé, que fé e razão não se misturam. Soa engraçado e contraditório? Sim. Mas é uma mania consolidada em muitos segmentos da igreja brasileira. Kierkegaard caiu nessa. Karl Barth também. (Barth também caiu em outras piores, assunto para outra ocasião.) E que ninguém se engane. Às portas e mesmo dos púlpitos de templos das denominações de grande tradição e legado intelectual é possível ouvir tais disparates.

Agostinho, numa de suas Cartas, afirmou:
“É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto, recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não busque razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos crer se não tivéssemos almas racionais”. 
Pode-se citar diversas passagens das Escrituras em que Cristo, os apóstolos e os profetas do Velho Testamento instigam as pessoas a usarem sua inteligência e a razão (p. ex. Is. 1:18, Mt. 22:36,37; 1Pe. 3:15). Portanto, o fideísmo é também uma heresia. Infelizmente, é fácil perceber que muitos cristãos, na prática, preferem ser cientistas no trabalho e intuitivos na fé. E o desastre se vê quando começam as conversas sérias: versículos evocados fora de contexto, má compreensão de preceitos elementares, papo superficial. Logo-se apela para os testemunhos ralos e cheios de clichês tirados das musiquinhas da moda gospel, e fica por isso mesmo. Presenciar a tudo isso é tortura chinesa.

O fideísmo presente nas igrejas tem, entre suas causas, uma influência considerável da teologia pentecostal, de raízes irracionalistas – como bem admite o autor “penteca” Rick Nañez, em seu ótimo ‘Pentecostal de Coração e Mente’-,  no ambiente evangélico brasileiro. O caos educacional e cultural em que o país mergulhou nas últimas décadas também deve ser levado em conta. Outro fator elementar, mas sempre digno de nota é aquele que vem do conhecimento simples da natureza humana: a maioria é preguiçosa, desleixada, a vida cristã pujante e plena é um desafio monumental, estudar toma tempo e requer mudança de hábitos mentais e comportamentais. E claro: na cultura de massas, quase tudo glamuriza a mediocridade e os medíocres, os tolos, os que desprezam obstinadamente aquilo que lhes é imprenscindível para uma vida não só digna, como frutífera. Mas o interessante é que o estúpido, o néscio, também é objeto de investigações e reflexões milenares. Que tal estudá-lo no livro de Provérbios? Há também as obras de José Ingenieros, Eric Voegelin, Ortega y Gasset, La Bruyére, entre outros.

Não que eu pense que a educação tenha esse caráter mágico que os progressistas e os modernetes pensam que ela tem. No entanto, a educação ajuda, se começar pela velha fórmula: “o temor do Senhor”… não é preciso completar, certo? Ela ajuda, se começar pela busca do autoconhecimento. O mandamento do apóstolo Paulo ao homem diante da ceia, “examine pois o homem a si mesmo”, sempre me lembra o de Sócrates: “conhece-te a ti mesmo”. Esse vácuo de lideranças fortes explica-se numa geração de pessoas alienadas de si mesmas. Quando não sabe quem é,  não se sabe o que deve fazer. E aí vemos, por exemplo, a importância de uma disciplina como a antropologia bíblica.

O fato é que algumas perguntas feitas por ateus, agnósticos e até por alguns dos batalhões bestificados pela cultura de massa e pela hegemonia cultural da esquerda, são, de fato, muito boas e desafiadoras. Penso que um cristão que busca a maturidade espiritual deve ter um desejo sincero em buscar respondê-las. O fundamental é viver na verdade, mas se preparar para expressá-la pode custar menos do que se pensa, certamente irá gerar frutos para o Reino e também (e por que não?) benefícios para a vida diária.

A seara é grande e a oportunidade está aí, pois a tal cultura pós-cristã já evidencia que pode ser qualquer coisa, menos “sustentável”. O cristianismo continua a crescer em vários pontos do planeta.  A possibilidade de algo como o “Renascimento Cristão” (a qualidade do termo é discutível) que o antropólogo René Girard afirma que está próximo, pode, sim, acontecer. Não sei onde, nem quando, mas sei que temos um Deus poderoso, com uma Palavra viva e eficaz. Só ela instrui e capacita plenamente os homens para grandes transformações, como já se viu ao longo da história.

Cabe aos cristãos usarem a cabeça.

Imagem: Pedro e Paulo, de El Greco, óleo sobre tela, 1590.
Fonte: Gospel+
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4 comentários

Tadeu de Araújo mod

Distintos irmãos, graça e paz!
Nós, pentecostais, demoramos muito tempo para sermos mais esclarecidos no tocante aos assuntos bíblicos.
Assim dizemos, pois pertencemos a uma Igreja Pentecostal e, não negamos que, falar em teologia num período não tão remoro, era causar rebuliço na comunidade.
Nossos líderes, apesar de bem-intencionados, no entanto, interpretavam 2 Coríntíntios 3. 6, como proibição da parte de Deus à questão do conhecimento.
Passado aquele período de zelo sem sabedoria, começaram a frequentar às "Escolas de Teologia".
Assim sendo, graças a Deus, tivemos um grande avanço no que diz respeito às questões tratadas
nas Escrituras.
Com a evolução nossa em matéria de teologia, entendemos que não há abismo descomunal entre a razão e a fé. Se bem que a segunda mencionada é subjetiva.
Não devemos esquecer:"Conhecimento demais sem unção vira formalismo. Unção demais sem conhecimento vira fanatismo".
Por isso a regra é o bom senso.
Reflitamos o que se nos diz 2 Pedro 3.18.
Em Cristo,
Tadeu de Araújo

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Anônimo mod

Olá irmão. A Paz de Cristo. Podemos dizer que os cristãos fundamentalistas são fideístas?

Abraços!

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A Paz Do Senhor Jesus. Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde,assim como é próspero a tua alma. A todos que fazem parte deste Blog Bereianos, Que Deus Em Cristo Jesus os Abençoe poderosamente hoje e sempre. Peço por bondade que me envie estudos Genuinamente Bíblicos, sobre A Ceia Do Senhor e Dízimos e Ofertas e A Fé do Centurião. Fico no aguardo.

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Olá, companheiro! Por que razões você afirma que K. Barth teria ideias fideístas? Onde ele afirmaria isso? Obrigado!

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