Responsabilidade Bíblica

.

Por: R. K. McGregor Wright

Talvez uma explicação calvinista do significado de responsabilidade ajude a clarear o problema. Devemos começar com uma definição: responsabilidade é simplesmente um sinônimo de “prestar contas”, e significa que devemos responder diante de Deus, o juiz, por nossas ações. Isso quer dizer que, se Deus nos chama para tratar de uma de nossas ações, ficamos moralmente obrigados a responder por ela diante de Deus. Somos “responsáveis” diante de Deus. Embora a Escritura não use o termo abstrato responsabilidade, o fato de que seremos finalmente chamados à juízo é frequentemente encontrado em toda a Escritura. A Bíblia baseia a responsabilidade em quatro coisas.

Primeira, somos responsáveis diante de Deus porque ele é o Criador e nós somos criaturas. Deus tem liberdade de chamar qualquer elemento de sua criação para responder diante dele a qualquer hora — é simplesmente sua prerrogativa como Senhor Soberano. O barro está sujeito ao Oleiro simplesmente porque ele é o Oleiro. Em outras palavras, nossa responsabilidade está baseada em nossa ontologia, ou em nosso ser, como criaturas. Esta é a mensagem de Jó, quando Deus lhe responde do meio do redemoinho (Jó 3 8.1 -4), e de Isaías, que contém uma longa polêmica contra aqueles que se esquecem do Criador a fim de adorar a criatura (40-57). Paulo sumariza os resultados dessa irresponsabilidade moral em Romanos 1. Ele empresta de Isaías (29.16; 45.9; 64.8), de Jeremias (18.1 -6) a imagem do Oleiro e do barro que ele usa em Romanos 9.21. No final, todos nós compareceremos perante o tribunal de Deus (Rm 14.10). No final, “todo joelho se dobrará” (Is 45.23).

Segunda, somos responsáveis diante de Deus porque ele é o ponto de referência moral para o que é certo e errado, e não nós próprios. Isso é o que é vinculado ao nosso reconhecimento de Deus como santo. Nossa responsabilidade diante de Deus é uma necessidade ética, por causa de nossa necessidade de um padrão fora de nós mesmos. Jó percebeu que como Deus é soberano sobre sua criação, ele também é justo permanecendo contra a pecaminosidade de Jó (40.1 -5; 42.1-6). Na verdade, Jó não havia feito nada para merecer o tratamento que recebeu de Deus. Ele havia sido mais reto do que seus amigos “confortadores”, e seu entendimento da situação foi mais teologicamente correto do que as explicações especulativas que eles ofereceram para os sofrimentos de Jó (1.22; 42.7). Mas o próprio Deus é o padrão moral tanto para ele próprio como para nós, como Eliú mostrou no capítulo 34. Portanto, Jó tinha de submeter-se inteiramente ao que Deus fez, tenha ele entendido a razão de tudo ou não. Nem o próprio Jó descobre o que o leitor do livro sabe — que Jó é realmente peça de um jogo bem maior, na grande disputa entre Deus e Satanás (1.6-12; 2.1-7). Deus não está obrigado a dizer-nos todas as coisas. Antes, o pequeno conhecimento que temos é um ato de misericórdia.

Terceira, somos responsáveis diante de Deus pelo conhecimento que temos. Todos os pecadores pecam (mais ou menos) contra a luz e a verdade. Ninguém é destituído totalmente da luz da consciência, e seremos julgados de acordo com a luz que temos (Rm 2.12-16). Aqueles que têm menos conhecimento serão julgados menos severamente do que aqueles que pecam com mais luz. Daniel adverte o rei Belsazar de que ele conhecia mais coisas a respeito dos tratos anteriores com Deus do que seu pai Nabucodonosor: “Tu, Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que sabias tudo isto” (Dn 5.22). Em Lucas, o servo ignorante que desobedeceu é punido menos severamente do que o servo que conhecia a vontade de seu senhor e, ainda assim, não fez a sua vontade (Lc 12.42-48). Assim, há graus de responsabilidade neste sentido. Podemos chamar isso de nossa responsabilidade epistemológica. Somos responsáveis pelo que conhecemos — poderia ser dito que há uma mordomia da verdade pela qual deveremos responder finalmente diante de Deus.

Quarto, somos responsáveis porque o propósito da criação é a glória de Deus (Is 43.7; Cl 1.16; Ap 4.11), e somos responsáveis como mordomos das bênçãos de Deus para cumprir o fim ou o propósito de Deus em criar-nos no mundo. Deus ama sua criação e finalmente “destruirá aqueles que destroem a terra” (Ap 11.18). Podemos nos referir a esta responsabilidade como sendo a responsabilidade teleológica, porque ela diz respeito à nossa tarefa como servos no desígnio da criação, que é a de trazer glória a Deus.

Parece, então, que longe de basear a responsabilidade humana em alguma teoria do livre-arbítrio inato no ser humano, a Bíblia baseia-a nas implicações da distinção entre o Criador e a criatura, e as relaciona com as quatro áreas clássicas da ontologia, ética, epistemologia e teleologia. Em outras palavras, por toda a Escritura, a responsabilidade é um reflexo de nossa relação com Deus como Criador, como a origem do significado moral, como nosso ponto de referência para a verdade revelada e como aquele que dá propósito e direção últimos à sua criação. E se Deus é, de fato, o ponto de referência máximo para o significado nas quatro áreas do ser, do conhecer, da ética e do propósito, onde poderia a criatura permanecer para elaborar uma crítica racional de qualquer coisa que Deus possa fazer? Esse é o ponto filosófico em que se baseia o desafio de Paulo em Romanos 9.20: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” Não há simplesmente nenhum ponto de partida disponível para um ser finito num universo finito. Para uma criatura, todos os pontos são relativos. Somente por ouvir primeiro a revelação de Deus pode um ser finito ter qualquer ponto de referência fixo. Este tópico será levantado novamente no capítulo 11, onde trataremos da questão da localização da referência suprema.

Fonte: A Soberania Banida, Editora Cultura Cristã, págs. 61-63.

Extraído de: [ Monergismo ]
.
Imprimir ou salvar em PDF

Postar um comentário

Política de moderação de comentários:

1 - Poste somente o necessário. Se quiser colocar estudos, artigos ou textos grandes, mande para nós por e-mail: bereianos@hotmail.com

2 - A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Comentários com conteúdo ofensivo não serão publicados, pois debatemos idéias, não pessoas. Discordar não é problema, visto que na maioria das vezes redunda em edificação e aprendizado. Contudo, discorde com educação e respeito.

3 - Comentários de "anônimos" não serão necessariamente postados. Procure sempre colocar seu nome no final de seus comentários (caso não tenha uma conta Google com o seu nome) para que seja garantido o seu direito democrático neste blog. Lembre-se: você é responsável direto pelo que escreve.

4 - A aprovação de seu comentário seguirá os nossos critérios. O Blog Bereianos tem por objetivo à edificação e instrução. Comentários que não seguirem as regras acima e estiver fora do contexto do blog, não serão publicados.

Para mais informações, clique aqui!

Blog Bereianos!