Provas Escriturísticas da Segurança Eterna

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As passagens seguintes proporcionam evidência em duas etapas de que os crentes não podem se perder de um modo irrevogável.

1. Os eleitos de Deus são conhecidos como tendo vida eterna no instante em que creem. Ver Mateus 18.12-14; João 3.16,36; 5.24,25; 6.35-40; 10.27-30; 17.11-15; Romanos 8.1,29,30,35-39.

2. Deus guardará o seu povo fiel. Ver Romanos 8.37-39; 1 Coríntios 1.7-9; Efésios 1.5,13,14; 4.30; 1 Tessalonicenses 5.23,24; Hebreus 9.12-15; 10.14; 1 Pedro 1.3-5; 1 João 5.4,11-13, 20; Judas 24,25.

Duas passagens-chave

Algumas dessas passagens acima mostram muito explicitamente que a vida eterna (não meramente a possibilidade dela) é uma possessão de cada crente a partir da regeneração. Outras claramente parecem basear a segurança do crente no próprio Deus, seja no seu poder ou nas suas promessas, sem qualquer referência a que o crente tenha a necessidade de se escorar no poder de sua própria resposta ao evangelho ou em sua permanência nele.

Em 2 Coríntios 1.22, Efésios 1.13,14 e 4.30, encontramos referências a um selo de propriedade pessoal sendo aplicado à nossa alma pelo próprio Espírito Santo que presumivelmente não pode ser apagado. Imaginar que um selo sobrenatural dentro da nossa alma possa ser apagado é como tentar imaginar que nós decidimos que nunca mais vamos ter sonhos durante a noite. Simplesmente não temos qualquer tipo de controle sobre a nossa própria natureza inferior.

Para um tratamento abrangente deste tópico, incluindo uma refutação cuidadosa de todos os argumentos imagináveis dos arminianos contra ele, ver o livro de John Owen, de cerca de seiscentas páginas, chamado The Perseverance of the Saints (1654), que foi completado às carreiras quando o Parlamento pediu-lhe para entrar num outro projeto sobre sonicianismo. (Não obstante, essa obra permanece como uma obra definitiva sobre o assunto e deveria ser estudada cuidadosamente.) Contudo, nós nos ocuparemos aqui de duas passagens decisivas que fornecem uma prova direta da segurança eterna dos regenerados: João 10 e Romanos 8.

João 10

Esta é a bem-conhecida passagem sobre o Bom Pastor e sua ovelhas. Ela inicia-se com a imagem de um aprisco e com advertências contra tentativas carnais de evadir-se da verdade e da graça. Jesus aponta para o cuidado individual que o Pastor tem por suas ovelhas e chama a atenção para o fato de que o Pastor conhece as suas ovelhas pelo nome (10.3). Então, ele acrescenta que essas ovelhas conhecem e reconhecem a voz de seu próprio Pastor (vs.4,5). Isso parece indicar que, para Jesus, os eleitos são sobrenaturalmente afetados pela Palavra pregada de tal modo que eles são especialmente iluminados para responder a ela. Em outras palavras, Deus faz com que os eleitos reconheçam o seu Salvador no evangelho.

Então, tendo se identificado como a porta do aprisco e como o próprio Bom Pastor, Jesus caminha para o supremo sacrifício de dar a sua vida pelas ovelhas. Nos versículos 14,15, ele coloca juntas as duas verdades de que ele conhece as suas ovelhas e que elas o conhecem. Ele, então, liga esse mútuo conhecimento ao conhecimento mútuo entre as duas primeiras pessoas da Trindade. Esse conhecimento dificilmente pode ser inexato ou um conhecimento meramente provável. 

Mais adiante, nessa passagem, Jesus confronta novamente seus inimigos na multidão (vs.22-30). Ele os adverte de que eles não haviam crido nele porque eles não estavam no grupo chamado de "minhas ovelhas", e que ele, portanto, não os conhecia como seus. Se eles fossem suas ovelhas, eles haveriam de reconhecer quem Jesus era. Ele identifica suas ovelhas com os eleitos santos, um conceito familiar aos judeus do século 1º, por causa dos escritos dos profetas: "Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão" (v.28). Esse versículo assinala três coisas a respeito das ovelhas. Primeira, elas possuem a vida eterna agora, não apenas uma possibilidade de uma vida futura eterna. Segunda, elas nunca poderão perecer ("jamais perecerão"); e, finalmente, ninguém pode arrancá-las das mãos seguras do Filho. A expressão "ninguém" deve presumivelmente incluir as pessoas salvas, Satanás e qualquer outro possível candidato que desafie o poder guardador do Bom Pastor. Essas três coisas sozinhas garantem a segurança eterna dessas ovelhas. Elas excluem especificamente o costumeiro comentário arminiano sobre esse versículo: "Ninguém mais pode arrancar-nos das mãos do Pai, mas nós podemos sair". "Ninguém" deve excluir o nós mesmos, também, a menos que Deus não tenha pretendido que nós levássemos a sério a totalidade dessa passagem.

Romanos 8.28-39

Essa passagem inclui uma prova extensa da segurança dos crentes em Cristo. Ela afirma primeiro que os crentes podem estar confiantes de que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que "amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (v.28). Então, segue-se o que os puritanos chamaram de "Corrente Dourada" dos atos divinos para assegurar a salvação dos eleitos (vs.29-33). Esse grupo é rotulado como "aos que [Deus] de antemão conheceu" (v.29).

Nesse ponto o arminiano diz: "É isso! Aqueles a quem Deus predestinou são aqueles que Deus sabia antecipadamente que haveriam de crer. A eleição é baseada nesse pré-conhecimento de Deus. A mesma coisa é afirmada em 1 Pedro 1.2: 'eleitos, segundo a presciência de Deus'. O que poderia ser mais claro do que isso?".

Bem, o calvinista pensa que a exegese arminiana poderia ser mais clara. Os versículos citados aqui não afirmam que a eleição é baseada na presciência. A passagem de Romanos diz que o grupo daqueles rotulados como os chamados e "aos que de antemão conheceu" é da mesma natureza do grupo rotulado como os predestinados, e o segundo diz que a eleição é de acordo com o pré-conhecimento. isso não diz nada além de que a eleição está em harmonia com o pré-conhecimento e tem os mesmos sujeitos, mas não que a presciência deve preceder a eleição, como a teoria arminiana requer. Pode ser fato que o ensino calvinista da presciência de Deus seja simplesmente o pré-conhecimento de seu próprio plano escolhido, no caso de cada indivíduo em particular. Afinal de contas, a passagem diz que "os que de antemão conheceu, também os predestinou" (v.29). Ele fala claramente de pessoas, não meramente acontecimentos ou generalidades, que Deus conhece de antemão.

A questão das classes coextensivas é muito mais interessante à medida que Paulo continua com a ideia no versículo 30: "Todos aqueles na categoria dos predestinados, estes e somente estes, e todos eles, foram os sujeitos da chamada mencionada há pouco. E aqueles no grupo dos chamados, estes e somente estes, são aqueles a quem ele declara justos e justificados, no exercício da fé salvadora. Então, aqueles, neste grupo dos chamados, são aqueles que ele conduz para a glória; estes, e todos estes, e ninguém mais, apenas estes" (paráfrase minha). Assim, as classes dos chamados, dos predestinados, dos justificados e dos glorificados correspondem às mesmas pessoas. Para Paulo, é simplesmente uma questão de definir claramente o conteúdo e os limites desses grupos.

Essa corrente de raciocínio é totalmente devastadora para a posição arminiana. Ainda que a Bíblia realmente possuísse versículos que ensinassem o livre-arbítrio, eles não fariam nenhuma diferença para a exegese desses versículos de Romanos 8. A "Corrente Dourada", como os puritanos a chamaram, é completa na abrangência dos grupos descritos, não apenas na menção dos elos individuais mencionados. (Iluminação, santificação e ressurreição são os outros elos dessa corrente, mas são omitidos aqui.) "Aos que de antemão conheceu, também os predestinou" - cada elo da corrente por chamar os glorificados do versículo 30 de "os eleitos", no versículo 33.

O destino preciso dos predestinados é serem "conformados à imagem do seu Filho" (v.29). Incidentalmente, essa é uma descrição do processo de santificação, que esperaríamos que tivesse sido mencionado entre a justificação e a glorificação, no versículo 30. O destino dos eleitos, então, está predestinado. Todos os elos estão no lugar, juntando os que são efetivamente chamados com a sua glorificação final. Sem a santificação, "ninguém verá o Senhor", diz Hebreus 12.14.

Mas Paulo não terminou o seu argumento aqui. Ele convida os seus leitores a registrarem as conclusões apropriadas. "Que diremos, pois, à vista destas coisas?", ele pergunta no versículo 31. A primeira coisa que devemos dizer é que, embora sejam de fato pecadores, os eleitos não terão nenhuma objeção levantada contra a sua salvação no juízo final, porque o próprio Deus é quem os justificou, tendo ouvido o testemunho do seu Filho, o advogado deles (v.34). Então, ele lista algumas coisas que deveriam concebivelmente induzir os eleitos a serem separados do amor eletivo de Deus. Após uma lista previsível (vs.35-37), ele diz que está convencido de que nem a morte, nem a vida, nem os poderes angelicais, nem as entidades demoníacas, nada do que existe, nada do que poderá existir no futuro, nos domínios superiores ou inferiores que pertencem à grande cadeia do ser dos filósofos, ou outra coisa qualquer criada, pode separar os eleitos do amor eletivo e predestinador de Deus. 

Essa é uma lista totalmente abrangente - e incluiria também o livre-arbítrio humano, se nós o concedêssemos aos arminianos em benefício da discussão. Nenhuma prova adicional da segurança eterna poderia ser pedida, embora muito mais pudesse ser oferecido. A lista de leituras sugeridas, no final deste capítulo indica que John Gill trata de cerca de vinte versículos mais do que eu o fiz aqui, e a maioria deles torna o arminianismo impossível.


Conclusões

1. Segue-se irresistivelmente dos outros quatro pontos de Dort que os que são verdadeiramente regenerados estão eternamente seguros no amor eletivo de Deus.

2. Nada na criação pode separar os eleitos do seu destino em glória. 

3. "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo" (Ef 1.3). A expressão "toda" com relação às bênçãos espirituais deve incluir a bênção da perseverança, caso contrário todas as outras são neutralizadas e não seriam bênçãos, afinal de contas. Sem a graça da perseverança, nenhuma das outras poderia ser completamente efetiva. O plano de um ser racional não pode ser incoerente. Seus meios devem estar de acordo com os fins pretendidos.

4. Deus, sendo tanto racional como onipotente, não pode falhar em nenhum dos seus propósitos (Is 43.13). "Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação", diz Paulo em 1 Tessalonicenses 4.3; assim, essa vontade de Deus deve necessariamente ser cumprida na conformação das ovelhas de Deus à imagem do Bom Pastor. Os meios de um Deus soberano devem necessariamente cumprir os fins que ele planeja.

5. os remonstrantes posteriores, pressupondo o livre-arbítrio, estavam totalmente certos em desistir da ideia da perseverança dos santos. Ela não pode ser sustentada de modo consistente sem os outros quatro pontos de Dort, e nem pode ser racionalmente mantida na suposição do livre-arbítrio. Os evangélicos modernos que declaram ser calvinistas pela crença no "uma vez salvos, salvos para sempre", não possuem nenhum direito lógico à sua crença na segurança eterna e são simplesmente arminianos inconsistentes.

Leitura Adicional

Para maior exposição e defesa da perseverança dos santos, ver The Saint's Perseverance Explained and Confirmed, de John Owen, vol. 11, publicado pela Banner of Truth Trust (Londres, 1966. Essa é a obra mais extensa (mais de seiscentas páginas), mas que deveria ser consultada. O capítulo 3, intitulado "The Immutability of the Purposes of God", seria um bom início, porque ele tem somente vinte páginas. A maior parte do livro é uma resposta aos argumentos arminianos de John Goodwin, um dos poucos arminianos puritanos.

Para uma cuidadosa exposição dos versículos-chave que dão apoio à perseverança, ver também as porções relevantes de John Gill em The Cause of God and Truth (publicado em quatro partes, de 1735 a 1738; reeditado em Londres: W. H. Collingridge, 1855). Gill tem sido avaliado por críticos reformados criteriosos como tendo elementos *hipercalvinistas, mas isso não faz muita diferença para o tratamento que ele faz dos "versículos arminianos". Na primeira parte, mais de cinquenta passagens são examinadas.

Para uma fonte moderna sobre a perseverança, ver Grace and Perseverance, de G. C. Berkouwver (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1958).

Para a relação entre a verdadeira doutrina e a vida devocional, ver o clássico do bispo E. H. Bickersteth, The Trinity (reedição Grand Rapids, Michigan: Kregel, 1957). Esse talvez seja o livro de maior ajuda a respeito da Trindade publicado nos anos 1800.

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Autor: R. K. McGregor Wright
Fonte: A Soberania Banida, Redenção para a cultura pós-moderna. Cultura Cristã, págs. 143-148.
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Em que sentido a vontade é livre?

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Por R. K. Mcgregor Wright


Os arminianos querem que a vontade seja livre de interferência externa. Frequentemente eles dizem que, em particular, Deus nunca atropela o nosso livre-arbítrio. Essa liberdade das causas externas é suposta para salvaguardar a nossa integridade e assegurar a nossa responsabilidade. Mas o que se entende por isso — que a vontade é livre de causação? Muitas vezes, esse problema, é contornado dizendo-se que a vontade é “auto-causada”. Isso não significa que a vontade cria a si própria, mas que seus movimentos de escolher o curso de uma ação sobre outro são automotivados e espontâneos. A vontade é auto-movida em resposta ao que a mente conhece e pode causar tanto a ação em resposta às influências ou igualmente a resistência a elas. A vontade é livre para seguir ou resistir a qualquer que seja a opção que a mente lhe apresente.

O problema mais sério aqui é que esse tipo de espontaneidade é indistinguível do acaso. Precisamos apenas perguntar: “O que faz com que a vontade escolha um caminho e não outro?”. Se ela não é causada, ela é puramente acaso. Se ela é causada para agir, então ela não é livre de causação. Não faz diferença para este argumento se a causa é interna para a personalidade ou se afeta de fora; contudo, visto que os arminianos estão oferecendo o livre-arbítrio como uma categoria de explicação sobre como os seres humanos funcionam, eles são obrigados a decidir sobre o que eles querem dizer por “livre”. Se eles admitem que as ações da vontade são causadas, eles escorregam para algum tipo de determinismo, mas se eles não admitem que a vontade seja causada, eles ficam num dilema pior, que esboçaremos agora em três partes.

Em primeiro lugar, os acontecimentos do acaso não podem ser a essência do caráter. Quando dizemos que as pessoas possuem um “bom caráter”, queremos dizer que elas são pessoas moralmente predizíveis — que elas podem ser confiáveis para fazer o que é certo, mesmo que estejam sob forte influência para fazer o que é errado. Uma pessoa que age ao acaso, cujas decisões morais não podem ser distintas dos acontecimentos meramente fortuitos, não somente possui um “mau caráter”, não sendo confiável, mas de fato pode não possuir um caráter discernível. Uma personalidade totalmente ao acaso seria indistinguível de uma personalidade desintegrada ou insana. Em outras palavras, se a vontade é meramente espontânea em suas ações, caráter algum poderia ser formado.

Em segundo lugar, a menos que as ações da vontade estejam diretamente presas ao caráter, como podemos ser considerados responsáveis pelas nossas ações? Como pode uma pessoa ser considerada responsável por acontecimentos do acaso? Se os atos da vontade não são causados de modo que eles sejam realmente manifestações do caráter, como eles podem ser minhas ações mais do que o resultado do tirar a sorte com uma moeda? O fato é que não podemos ser considerados responsáveis por um acontecimento do acaso, simplesmente porque não exercemos nenhuma influência causal. Eu posso ser considerado responsável por tirar a sorte com uma moeda, visto que eu provoquei a queda da moeda, mas eu não posso ser responsável por fazê-la cair de um lado ou de outro. Em outras palavras, a verdadeira ideia de responsabilidade depende da causação. Portanto, a teoria do livre-arbítrio destrói a responsabilidade em vez de apoiá-la. O caso imaginário que vem a seguir é pertinente.

Lord Bertrand Russell, viveu como ateu a sua vida inteira desde os 14 anos de idade, até a sua morte, em 1970, aos 98. Com frequência, ele debateu e escreveu contra o cristianismo. Suponha que ele chegue ao juízo final com o seguinte argumento: “Agora, eu percebo que estava errado a respeito de não haver nenhum Deus, mas eu não vejo como tu podes mandar-me para o inferno. Afinal de contas, tu me criaste com um livre-arbítrio e nunca fizeste qualquer esforço para que eu evitasse agir de acordo com os seus ditames. Este livre-arbítrio tem sido sempre autônomo de qualquer causação anterior e de teu controle particular. Embora eu tenha pensado frequentemente que talvez fosse melhor se o meu livre-arbítrio tivesse agido de acordo com o meu intelecto, algumas vezes ele o fez, mas outras não. De fato, ele não parece agir segundo qualquer padrão. Pelo fato de que ele é uma causa não-causada de minhas ações, ele parece fazer todas as coisas ao acaso, sendo, portanto, imprevisível. Eu não tive nenhum real controle sobre ele, visto que tu o criaste autônomo. Simplesmente eu não sou responsável pelos acontecimentos fortuitos que eu não posso controlar ou prever. Como podes tu enviar-me para o inferno por causa de ações surgidas de um livre-arbítrio que, pelo fato de ele ser livre, não está também sob o meu controle?”. Deixaremos aos arminianos a tarefa de encontrar a solução para esse problema.

Terceiro, a pergunta a ser enfatizada é: como pode uma vontade puramente espontânea (automovida) dar início a uma ação? Se a vontade é “neutra” e não predeterminada para agir de um modo ou de outro, o que faz com que ela aja? Se ela parte do neutro, como ela pode sair desse centro morto? Se é dito que a vontade é “induzida” ou “levada” ou “influenciada” para agir, devemos insistir que essas são meramente palavras para diferentes tipos de causação.  Somos novamente forçados a enfrentar o problema do que realmente se quer dizer pela vontade ser livre de causação. Ou ele age puramente por acaso, ou parece que não o faz de maneira alguma. Isso, naturalmente, destrói totalmente a possibilidade de crescimento em santidade, que foi uma preocupação especial dos arminianos posteriores.

Há outros problemas associados com o que “influência” realmente significa. A persuasão moral e o argumento baseado na razão são causas da ação ou da direção da vontade? Alguns evangelistas arminianos seguem Finney na crença de que a vontade pode e deve ser movida à fé em Cristo pelo uso do raciocínio e dos exemplos morais. Portanto, eles fazem o uso total das evidências e usam outros argumentos apologéticos para convencer o pecador a crer, arranjando histórias morais e frequentemente emocionais para induzir a vontade à fé. O livre-arbítrio é, aparentemente, ainda capaz de fazer uma escolha livre entre a crença e a incredulidade.

Mas se a vontade age porque é convencida pela razão e induzida pela emoção ou pelo exame moral, como isso realmente difere de ser causada por um ato ou manipulação exterior? Se é objetado que ela ainda age livremente quando as evidências lhe são apresentadas (i.e., as persuasões não foram causais), por que as evidências e as razões são ainda necessárias? Seria melhor deixar a vontade autônoma decidir por si mesma, sem ser influenciada por qualquer momento. De fato, parece que, mesmo o fato de apenas ouvirmos um argumento seria uma ameaça explícita à nossa autonomia, à nossa neutralidade moral. Se eu sou dominado ou empurrado por um argumento, decidindo ir com a correnteza, o empurrão se torna uma causa da minha direção — o argumento causou a minha escolha. O fato de que eu cooperei não faz nenhuma diferença para o fato da causação.

A Bíblia deixa claro em muitas passagens que a vontade não é moralmente neutra. Em Romanos 14.23, Paulo conclui a sua explicação da razão pela qual nós sempre devemos agir de acordo com a nossa consciência declarando que “tudo o que não provém da fé é pecado”. Para Paulo, todos os movimentos morais brotam do princípio da fé ou, à revelia, da carne — meros atos da natureza pecaminosa. Portanto, não pode haver tais ações moralmente neutras, incluindo os atos da vontade. Em Hebreus 11.6, é-nos dito, de modo semelhante, que “sem fé é impossível agradar a Deus”, mas isso parece novamente levar à conclusão de que todos os atos humanos são ou não motivados pela fé. Jesus diz no evangelho de João que qualquer que não crê “já está julgado”, e que se uma pessoa continua a rejeitar Cristo, “permanece a ira de Deus [continuamente] sobre ele” (3.18, ênfase minha). Isso não é o mesmo que dizer que a situação do pecador é neutra até que ele decida por Cristo, mas que ela já está estabelecida — cada pessoa é justificada ou está presentemente debaixo de condenação. Como pode haver qualquer território de neutralidade moral num universo criado por um Deus justo?

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Fonte: A soberania banida, R. K. Mcgregor Wright. p.49-52
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Responsabilidade Bíblica

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Por: R. K. McGregor Wright

Talvez uma explicação calvinista do significado de responsabilidade ajude a clarear o problema. Devemos começar com uma definição: responsabilidade é simplesmente um sinônimo de “prestar contas”, e significa que devemos responder diante de Deus, o juiz, por nossas ações. Isso quer dizer que, se Deus nos chama para tratar de uma de nossas ações, ficamos moralmente obrigados a responder por ela diante de Deus. Somos “responsáveis” diante de Deus. Embora a Escritura não use o termo abstrato responsabilidade, o fato de que seremos finalmente chamados à juízo é frequentemente encontrado em toda a Escritura. A Bíblia baseia a responsabilidade em quatro coisas.

Primeira, somos responsáveis diante de Deus porque ele é o Criador e nós somos criaturas. Deus tem liberdade de chamar qualquer elemento de sua criação para responder diante dele a qualquer hora — é simplesmente sua prerrogativa como Senhor Soberano. O barro está sujeito ao Oleiro simplesmente porque ele é o Oleiro. Em outras palavras, nossa responsabilidade está baseada em nossa ontologia, ou em nosso ser, como criaturas. Esta é a mensagem de Jó, quando Deus lhe responde do meio do redemoinho (Jó 3 8.1 -4), e de Isaías, que contém uma longa polêmica contra aqueles que se esquecem do Criador a fim de adorar a criatura (40-57). Paulo sumariza os resultados dessa irresponsabilidade moral em Romanos 1. Ele empresta de Isaías (29.16; 45.9; 64.8), de Jeremias (18.1 -6) a imagem do Oleiro e do barro que ele usa em Romanos 9.21. No final, todos nós compareceremos perante o tribunal de Deus (Rm 14.10). No final, “todo joelho se dobrará” (Is 45.23).

Segunda, somos responsáveis diante de Deus porque ele é o ponto de referência moral para o que é certo e errado, e não nós próprios. Isso é o que é vinculado ao nosso reconhecimento de Deus como santo. Nossa responsabilidade diante de Deus é uma necessidade ética, por causa de nossa necessidade de um padrão fora de nós mesmos. Jó percebeu que como Deus é soberano sobre sua criação, ele também é justo permanecendo contra a pecaminosidade de Jó (40.1 -5; 42.1-6). Na verdade, Jó não havia feito nada para merecer o tratamento que recebeu de Deus. Ele havia sido mais reto do que seus amigos “confortadores”, e seu entendimento da situação foi mais teologicamente correto do que as explicações especulativas que eles ofereceram para os sofrimentos de Jó (1.22; 42.7). Mas o próprio Deus é o padrão moral tanto para ele próprio como para nós, como Eliú mostrou no capítulo 34. Portanto, Jó tinha de submeter-se inteiramente ao que Deus fez, tenha ele entendido a razão de tudo ou não. Nem o próprio Jó descobre o que o leitor do livro sabe — que Jó é realmente peça de um jogo bem maior, na grande disputa entre Deus e Satanás (1.6-12; 2.1-7). Deus não está obrigado a dizer-nos todas as coisas. Antes, o pequeno conhecimento que temos é um ato de misericórdia.

Terceira, somos responsáveis diante de Deus pelo conhecimento que temos. Todos os pecadores pecam (mais ou menos) contra a luz e a verdade. Ninguém é destituído totalmente da luz da consciência, e seremos julgados de acordo com a luz que temos (Rm 2.12-16). Aqueles que têm menos conhecimento serão julgados menos severamente do que aqueles que pecam com mais luz. Daniel adverte o rei Belsazar de que ele conhecia mais coisas a respeito dos tratos anteriores com Deus do que seu pai Nabucodonosor: “Tu, Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que sabias tudo isto” (Dn 5.22). Em Lucas, o servo ignorante que desobedeceu é punido menos severamente do que o servo que conhecia a vontade de seu senhor e, ainda assim, não fez a sua vontade (Lc 12.42-48). Assim, há graus de responsabilidade neste sentido. Podemos chamar isso de nossa responsabilidade epistemológica. Somos responsáveis pelo que conhecemos — poderia ser dito que há uma mordomia da verdade pela qual deveremos responder finalmente diante de Deus.

Quarto, somos responsáveis porque o propósito da criação é a glória de Deus (Is 43.7; Cl 1.16; Ap 4.11), e somos responsáveis como mordomos das bênçãos de Deus para cumprir o fim ou o propósito de Deus em criar-nos no mundo. Deus ama sua criação e finalmente “destruirá aqueles que destroem a terra” (Ap 11.18). Podemos nos referir a esta responsabilidade como sendo a responsabilidade teleológica, porque ela diz respeito à nossa tarefa como servos no desígnio da criação, que é a de trazer glória a Deus.

Parece, então, que longe de basear a responsabilidade humana em alguma teoria do livre-arbítrio inato no ser humano, a Bíblia baseia-a nas implicações da distinção entre o Criador e a criatura, e as relaciona com as quatro áreas clássicas da ontologia, ética, epistemologia e teleologia. Em outras palavras, por toda a Escritura, a responsabilidade é um reflexo de nossa relação com Deus como Criador, como a origem do significado moral, como nosso ponto de referência para a verdade revelada e como aquele que dá propósito e direção últimos à sua criação. E se Deus é, de fato, o ponto de referência máximo para o significado nas quatro áreas do ser, do conhecer, da ética e do propósito, onde poderia a criatura permanecer para elaborar uma crítica racional de qualquer coisa que Deus possa fazer? Esse é o ponto filosófico em que se baseia o desafio de Paulo em Romanos 9.20: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” Não há simplesmente nenhum ponto de partida disponível para um ser finito num universo finito. Para uma criatura, todos os pontos são relativos. Somente por ouvir primeiro a revelação de Deus pode um ser finito ter qualquer ponto de referência fixo. Este tópico será levantado novamente no capítulo 11, onde trataremos da questão da localização da referência suprema.

Fonte: A Soberania Banida, Editora Cultura Cristã, págs. 61-63.

Extraído de: [ Monergismo ]
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