Uma palavrinha sobre o palavrão

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Por Leonardo Bruno Galdino


Pegando carona num excelente texto escrito pela Norma Braga há uns quatro anos (leitura mais que obrigatória!), vou arriscar aqui mais algumas palavrinhas sobre os palavrões.

"Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para a edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem." Efésios 4.29.

Deveria ser justamente o oposto, mas não é raro ver cristãos simpáticos à ideia de que é perfeitamente válido ao crente falar palavrão, sob a desculpa de que “extravasar faz bem para o corpo e para a alma”, dentre outras coisas. Afinal de contas, “ninguém é de ferro”. De fato, ninguém o é. Mas escusar-se nisso é deveras pecaminoso, visto que o padrão maior, que é Deus, não é contemplado. E é muito triste observar que essa mentalidade é bastante comum em nosso meio. Outro problema é que nem sempre o palavrão é oriundo de um pico de fúria, mas inclusive das conversas amistosas, nas quais um palavrãozinho acaba se tornando “imprescindível” para que o papo fiquem ainda mais “interessante” – o que acaba sendo ainda pior em se tratando de uma rodinha de crentes.

É bem verdade que Paulo fez essa associação entre palavra torpe (“palavrão”) e explosões de raiva, no versículo 26 (não vou discorrer sobre tal verso aqui, visto que já tratei dele em outro post), mas, como já disse, esta não é a única associação possível. E aqui chamo a nossa atenção para a perspicaz observação da Norma Braga: “todos os palavrões, dos menores aos maiores, têm algo em comum: remetem invariavelmente ao sexo”. (Particularmente, não conheço nenhum palavrão que fuja a essa regra). Mas será que é este o sentido empregado por Paulo na referida passagem? Teria ela conexões com aquilo que hoje entendemos por palavrão? Existia palavrão no século I?

No grego, a palavra traduzida por torpe é sapros, que significa, literalmente, podre, sem proveito, e foi usada apenas por Jesus e Paulo. Cristo a usou como metáfora para a “árvore ”, a qual produz somente frutos maus (Mt 7.17ss; 12.33; Lc 6.43), e para os peixes “ruins” que são deitados fora do cesto (Mt 13.43). É evidente que o uso que Jesus fez dela não tem conexões diretas com a questão da sexualidade, visto que em suas falas Ele nunca se preocupou em dar esse tipo de especificação. Contudo, Jesus era bem específico numa coisa: em apontar o coração como a fonte de tudo aquilo que arruina o homem, incluindo os pecados sexuais (Mc 7.18-23). Assim sendo, o sentido esposado por Paulo se sustém, pois não há boca que sobreviva com uma dieta a base de palavras podres.

Na realidade, o entendimento de que Paulo, aqui, se refere à linguagem libidinosa pervertida não é novo. Por exemplo, Calvino, comentando a passagem em foco observou que esse termo usado pelo apóstolo se refere a “tudo aquilo que provoca excitamento erótico que costuma infeccionar a mente humana com a luxúria– o que para nós é um sinal de que nos tempos do reformador os palavrões também estavam ligados ao sexo (ou, à deturpação deste). Alguém poderia argumentar que Calvino, aqui, escreveu pensando em sua própria época, e não na de Paulo. A estes respondo com textos como Romanos 1.26-27, 1 Coríntios 5 e 6.12-20, onde o apóstolo nos dá alguns detalhes do que era a imoralidade sexual de seu tempo, o que me leva a crer que a época em que ele viveu não era menos podre de linguagem do que o século XVI ou o século XXI. No entendimento do reformador, Paulo não está falando apenas de palavras vazias e bobas, mas de palavras podres e carregadas de imagens sexuais. Obviamente, são muitas as palavras e coisas que nos provocam esse tipo de excitamento apontado por Calvino, e é razoável aceitarmos que elas são alvo de Paulo nesse texto. Mas não nos enganemos, pois até mesmo palavras “inocentes” podem assumir a forma de um palavrão, pois o pecado, como já vimos, não começa na boca, e sim no coração. Por esse motivo é que devemos extirpar de nossas disposições mentais tudo aquilo que porventura nos remeta a tais pensamentos (cf. Fp 4.8-9), fugindo, assim, de toda a aparência do mal (1 Ts 5.22).

Em resumo, considerando a admoestação do apóstolo, deveríamos fazer os seguintes questionamentos acerca do palavrão, caso ainda queiramos considerar a sua legitimidade: 

- ele verdadeiramente promove a edificação (pessoal e coletiva)?
- ele verdadeiramente transmite graça aos que o ouvem?

Particularmente, penso que palavras podres e imorais jamais promoverão a edificação pessoal ou coletiva, visto que são fruto de uma árvore mau desde a sua raiz. De um coração tomado de pensamentos impuros não pode sair coisa boa. As obras da carne nada podem edificar senão a própria carne (cf. Gl 5.16-21). Por este motivo, tais palavras são incapazes de transmitir graça às pessoas que nos rodeiam. Em vez de graça, transmitem desgraça: mau testemunho, incitação à violência, ao sexo pervertido e por aí vai. É por esse motivo que Paulo diz para não darmos lugar ao diabo (Ef 4.27), o verdadeiro pai de toda podridão. Estejamos, pois, alertas, antes que o Senhor nos lave a boca com algo muito pior do que o sabão com que nossos pais nos ameaçavam.

Soli Deo Gloria!


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