Por Ricardo Castro
Há algum desejo do bem, existente no homem?
O homem, em seu apetite natural, discerne pela razão, conforme a excelência da sua natureza mortal, o que deve buscar, e, o considera mediante o exercício da verdadeira prudência?
O que o homem tem por bem, está ligado à justiça e à virtude?
O desejo natural tem alguma importância para provarmos que há liberdade no homem?
Existe na alma humana uma faculdade que a habilita a aspirar voluntariamente ao bem?
Todos os homens tem um conflito interior entre fazer o mal ou fazer o bem?
Existe algo no homem, que não somente vaidade?
Ao tratar as questões acima, Calvino cita um autor conhecido, bem conhecido, falando sobre os homens:
“... como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há que busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é como sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a tem cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos.” – Paulo, o apóstolo, aos Romanos (capítulo 3, versos 10 a 18).
Para Calvino, Paulo, com essas palavras rigorosas fulmina toda a linhagem Adâmica, e não censura os costumes corrompidos de alguma época, mas acusa a corrupção perpétua da natureza humana. Assim, todos os homens, do primeiro ao último, estão envolvidos em tão grave calamidade que dela não podem sair, a menos que a misericórdia de Deus os livre. Os homens, como descritos por Paulo, não são assim apenas pela perversão dos costumes, mas também por uma perversidade natural, porque, de outro modo, o argumento dele não teria consistência. Dessa forma, Paulo nos mostra que não temos salvação, a não ser pela misericórdia de Deus, visto que, deixado a si mesmo, todo homem está perdido e arruinado.
Calvino bem nos apresenta a questão acima, sobre o texto citado, comentando sobre as palavras de Paulo: “Primeiro, ele despoja o homem da justiça, isto é, da integridade e da pureza, depois da inteligência, à qual segue-se a indicação do sentido: que todos os homens se desviaram de Deus, sendo que busca-lo é o primeiro nível da sabedoria. Seguem-se então os frutos da infidelidade: que todos decaíram e se tornaram dissolutos a tal ponto que “não há quem faça o bem”. E, ainda mais, há no homem maldades de todo tipo, maldades que contaminam todas as partes do corpo, o qual transborda injustiça. Finalmente, ele testifica que os homens não tem “temor de Deus”, sendo que o temor de Deus deveria servir de regra para nos conduzir em todos os nossos caminhos. Se são essas as riquezas hereditárias do gênero humano, em vão se buscará algum bem em nossa natureza. Reconheço que nem todas essas maldades aparecem em cada ser humano, mas ninguém pode negar que cada ser humana encerra em si a semente do mal.” E, encerrando, Calvino diz que a alma humana, submersa como está no abismo da iniquidade, não somente é defeituosa e má, mas também é vazia de todo bem.
Mas, como explicar que em todos os séculos tem havido alguns que, em sua conduta e por sua índole, durante toda a sua vida, tem aspirado à virtude, e mesmo quando se encontre muita coisa que merece reparo em seus costumes, o seu apego à honestidade mostra alguma pureza da sua natureza?!
Para Calvino, na corrupção universal, a graça de Deus tem seu lugar, não para corrigir a perversidade da natureza, mas para reprimi-la e restringi-la no íntimo. Isso porque, se Deus permitisse que todos os homens seguissem a sua concupiscência a rédeas soltas, não haveria ninguém que não demonstrasse experimentalmente que todos os males estão em todos eles. Afinal, todas as partes componentes do homem estão dispostas e preparadas para fazer o mal. Assim, o que aconteceria se o Senhor deixasse vagar a cobiça humana conforme a sua inclinação natural? Há algum animal feroz que não se exceda tão desordenadamente? Há algum rio caudal que não seja tão violento e indomável, cuja inundação não seja tão impetuosa?
Segundo Calvino, o Senhor restringe, por sua providência, a perversidade da natureza humana, mas não a expurga. Não há, no homem, a faculdade de querer o bem e, a virtude de alguns só serve de sombra para cobrir seus vícios e defeitos. Virtudes, se alguém as tem é devido à graça divina e, Deus mesmo as distribui, até mesmo aos maus, como e quantas lhe apraz. Por esse motivo, em nosso linguajar comum não devemos dizer que este é bem nascido, aquele é mal nascido, quem um tem boa natureza, o outro tem natureza má. Podemos apenas dizer que Deus dá sua graça particularmente a um e a nega a outro. A vontade humana, amarrada e presa como está à servidão do pecado, não pode trabalhar nem um pouco pelo bem, por mais que se esforce. Tal ação, trabalhar pelo bem, é o começo da nossa conversão a Deus, a qual é totalmente atribuída à graça do Espírito Santo pela Escritura.
Bernardo de Claraval afirma que o querer está em todos os homens, mas o querer o bem é matéria de acréscimo, e o querer o mal é da nossa deficiência; assim, simplesmente querer é do homem, querer o mal é da natureza corrupta, querer o bem é da graça. E, Calvino bem disse que a vontade é destituída de liberdade, e é necessariamente tomada pelo mal.
“O homem, após corromper-se por sua queda, peca voluntariamente, e não contra o desejo de seu coração, nem por constrangimento. Ele peca, insisto eu, por uma fortíssima inclinação, e não por constrangimento forçado. Ele peca movido por sua própria cobiça, e não constrangido por outro. E, todavia, a sua natureza é tão perversa que ele não é estimulado, impelido ou induzido a outra coisa que não seja o mal. Se isso é verdade, é notório que ele está necessariamente sujeito a pecar.” – Calvino
Há no homem alguma bondade que lhe é própria ou produzida por ele? Certamente, e absolutamente, não.
Sicut scriptum est...
Bibliografia utilizadas na construção deste artigo:
- As Institutas, volume 1 (João Calvino – Editora Cultura Cristã)
(Há, no artigo acima, várias compilações da obra acima, não havendo indicação por aspas ou referências, a todas elas. Minha intenção é incitar o leitor a pesquisar nessa obra e, assim lê-la.)
- Referências Bíblicas: Rm 1.18 a Rm 3.
Fonte: [ Sicut Scriptum Est ]
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